sábado, 30 de agosto de 2008

Os Donos da Noite

Há muito de "Os Infiltrados", de Martin Scorsese, em "Os Donos da Noite". Escrito e dirigido por James Gray, o filme poderia até se passar por uma história paralela à vivida por Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Mark Wahlberg no filme de Scorsese. Há várias semelhanças na trama e no fato de que Mark Wahlberg também está no elenco, reprisando o papel de um policial honesto, mas cabeça quente. Isso não significa que "Os Donos da Noite" seja um filme menor. Scorsese é Scorsese, claro, e James Gray não dirige com o mesmo talento, mas é um filme muito bom.


Joaquin Phoenix é Robert Green, o gerente de uma casa noturna em Nova York. Ele tem uma bela namorada (vivida pela estonteante Eva Mendes), está ganhando muito dinheiro e tem o respeito do dono do lugar, um imigrante russo que o trata como filho. O problema é que um dos clientes da casa noturna é um traficante barra pesada chamado Vadim Nezhinski (Alex Veadov). A polícia de Nova York está de olho nele e suspeita que ele está para trazer um grande carregamento de drogas do exterior. Nezhinski se aproxima de Bobby Green e pede ajuda na operação. Detalhe: tanto o irmão quanto o pai de Green são policiais. Eles são Joseph e Burt Grusinsky (Mark Wahlberg e o grande Robert Duvall). Bobby usa o nome "Green" porque é a "ovelha negra" da família e não quer que seus colegas da casa noturna saibam de sua ligação com a polícia. Só que o pai e o irmão resolvem declarar guerra aos traficantes e Bobby vai ter que escolher de que lado ficar.

Joaquin Phoenix faz um bom trabalho como um homem que quer curtir a vida, mas é o tempo todo atormentado pela consciência e pela família. Ele gosta do pai e do irmão, mas guarda ressentimento pelo fato deles colocarem o dever acima de tudo. Quando um deles sobre uma tentativa de assassinato, no entanto, ele resolve colaborar com a polícia e acaba ficando no fogo cruzado, tendo que ficar pulando de hotel para hotel, sob proteção policial, enquanto aguarda o julgamento do chefe dos traficantes.
Como disse, não é um Scorsese, mas o filme é bem dirigido e é bastante consistente. Phoenix, Wahlberg, Duvall e Mendes investem tudo em seus personagens e o roteiro se sustenta mesmo nos momentos mais frágeis (fica um pouco difícil de acreditar, por exemplo, que os bandidos não conheçam a ligação de Bobby Green com os policiais). Disponível em DVD.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Antes que o diabo saiba que você está morto

Filme do veterano diretor americano Sidney Lumet (Dia de Cão, Sérpico), com ótimo elenco e edição fragmentada, o filme nem sempre funciona direito, mas quando funciona é ótimo. Lumet ganhou um Oscar honorário por sua carreira quando completou 80 anos. Ao invés de se aposentar, continua trabalhando e fazendo filmes como este, com a vitalidade de um garoto. "Antes que o diabo saiba que você está morto" é um filme de assalto, gênero muito usado no cinema americano, mas é mais do que isso. O assalto serve de ponto central de uma trama que envolve problemas familiares, traição, sexo e drogas. Ethan Hawke (que começou no cinema com "Sociedade dos Poetas Mortos", em 1989) é Hank, um personagem que os americanos chamam de "looser" (perdedor, derrotado). Ele está separado da esposa, que não perde uma oportunidade sequer de cobrar os meses atrasados da pensão alimentícia que ele deve à filha adolescente. Hawke cria um homem patético, sempre com um sorriso no rosto que tenta, sem sucesso, disfarçar um desespero constante. Ele tem um irmão mais velho, Andy (o sensacional Philip Seymour Hoffman), que é aparentemente bem sucedido e bem casado com Gina (Marisa Tomei, extremamente sexy, mas frágil). Só que as aparencias enganam. Andy é viciado em drogas, está desfalcando a empresa em que trabalha e o imposto de renda está no seu pé. A esposa tem problemas de auto-estima e está tendo um caso com o cunhado.


Um dia Andy chama Hank e lhe apresenta um plano: roubar a joalheria de um shopping em um sábado de manhã. É o plano perfeito: o local é meio afastado, não haveria muitos clientes no local, o seguro pagaria tudo e, por ser um negócio familiar, a única pessoa tomando conta seria uma velha senhora. Detalhe: os donos da joalheria são os pais de Andy e Hank. Claro que vai dar tudo errado.


Lumet apresenta esta história de forma não linear, tendo o roubo como ponto de partida para, em montagens paralelas que vão e voltam no tempo, ir apresentando a história dos personagens. Às vezes é um pouco confuso, mas sempre intrigante. E, nos dias puritanos e infantis por que passa o cinema americano, é bom ver um filme que não tem pudores ao apresentar cenas de violência e de sexo. A primeira cena do filme, aliás, mostra uma das cenas mais ousadas de sexo (entre Philip Seymour Hoffman e Marisa Tomei) que vi nos últimos anos. Marisa Tomei, aliás, está surpreendente. Ela sempre foi uma atriz mediana, que ganhou um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por "Meu Primo Vinny", de 1992, que muita gente acha que foi um engano, ou uma brincadeira do apresentador, Jack Palance. E falar bem da interpretação de Philip Seymour Hoffman já se tornou lugar comum. Notem como ele tenta passar um ar "cool", de quem está em controle o tempo todo, mas aos poucos vai perdendo a paciência principalmente com o irmão mais novo. O elenco ainda conta com Albert Finney como o pai de Andy e Hank, um homem que sempre foi muito duro com o filho mais velho e leniente com o mais novo.


Cheio de reviravoltas, "Antes que o diabo saiba que você está morto" é um bom filme, de um veterano do cinema.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

As Aventuras de Molière

Espécie de versão francesa de "Shakespeare Apaixonado" (1998), este filme apresenta de forma romanceada parte da vida do dramaturgo e ator francês Jean-Baptiste Poquelin, conhecido como Molière. Confesso que, com exceção de "O Doente Imaginário", que vi no teatro na adolescência, tive pouco contato com as peças de Molière e não percebi várias das referências constantes no filme. Escrito e dirigido por Laurent Tirard, o filme começa com a volta de Molière (Romain Duris) à Paris, famoso e bem sucedido, depois de 13 anos viajando e se apresentando pela França. Apesar de seu nome ser sinônimo de comédia, Molière tem intenção de apresentar uma tragédia no Teatro Real. Sua trupe lhe diz que ele não sabe interpretar tragédias, e o próprio rei da França lhe pede por uma comédia. Mas Molière só se convence do fato depois de visitar uma mulher misteriosa que, à beira da morte, pediu que ele viesse lhe visitar. Quem seria ela?

O filme então faz um flashback treze anos no passado, quando Molière foi jogado na cadeia por causa de uma dívida. Ele é libertado e levado à casa de Monsieur Jourdain (Frabrice Luchini), um homem casado que nutre uma paixão por uma marquesa viúva. Ele quer que Molière lhe ensine a representar para que ele conquiste o coração dela. A esposa de Jourdain, Elmire (Laura Morante) é uma bela mulher, negligenciada pelo marido. Molière se interessa por ela mas, a mando de Jourdain, está disfarçado como um padre chamado Tartufo, que estaria na casa para ensinar a filha mais nova do casal. A partir dessa situação se constroem várias pequenas farsas envolvendo artifícios conhecidos do teatro, como o uso de identidades secretas, pessoas escondidas em baixo da mesa para escutar a conversa dos outros, declarações de amor feitas por pretendentes misteriosos, e assim por diante. Tudo, repito, usando personagens ou situações vindas de peças de Molière como "O Misantropo" e "Tartufo". O elenco é muito bom, com destaque para Fabrice Luchini, que compõe um homem obcecado e cego de paixão, que quer a todo custo aprender artes para conquistar alguém. A produção é bem feita, com destaque para a recriação de época, figurinos e trilha sonora. A vida real de Molière, provavelmente, daria um flme até melhor do que este, mas é uma boa opção nos cinemas.

sábado, 23 de agosto de 2008

Curtas em Sampa


Hoje fui ao Centro Cultural São Paulo assistir a alguns curtas da 19a. edição do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo. O festival vai até dia 29 de Agosto, em várias salas da capital paulista. Acompanhei duas sessões de curtas, às 16h e 18h, divididos em "Panorama Paulista 2" e "Mostra Brasil 1". Minhas impressões:

Panorama Paulista 2


- Ecos da Terra - direção: Paulo Abel (dur: 9 minutos) : filme interessante e ecologicamente correto. Uma moça (Bia Gomes) é colocada na calçada de uma grande cidade no lugar de uma árvore. O curta mostra como as pessoas cometem todo tipo de abuso com a pobre "árvore", como cuspir, marcar as iniciais, amarrar, expor à poluição, e assim por diante. As ações parecem mais fortes porque são feitas com a garota.

- O Cineasta, A Menina, O Homem-Sanduíche - direção: Daniella Saba (dur: 14 min): curta de conclusão de curso de cinema da FAAP (onde estudei). Infelizmente o áudio da cópia estava muito ruim, principalmente a trilha sonora, que estava "rachando" o tempo todo. O roteiro é interessante, um tanto quanto simbólico. Uma garota de rua acredita que pode hipnotizar as pessoas. Um jovem cineasta tenta conseguir apoio financeiro para seu filme. Um senhor (que trabalha carregando placas de publicidade no peito e nas costas, o "homem sanduíche" do título) está tentando recuperar um grande amor. Os três falham, mas há lugar para esperança.

- São Carlos/68 - direção: João Massarolo (dur: 18 min): documentário sobre a greve dos funcionários do Frigorífico São Carlos, em 1968. O frigorífico abriu falência e os funcionários, sem receber há meses e passando fome, começaram a organizar passeatas em pleno regime militar. Estas manifestações foram duramente combatidas pela polícia. O documentário consiste de várias entrevistas entrecortadas por vinhetas que recriam os enfrentamentos com a polícia. Achei que estas vinhetas, apesar de bem feitas, chamam muita atenção e destoam um pouco com o visual do documentário.

- Mar de Dentro - direção: Paschoal Samora (dur: 13 min): classificado como documentário, o filme me pareceu mais um belo exercício visual sobre a relação de um grupo de pescadores com o mar. A fotografia de Cristiano Wiggers é maravilhosa e capta os personagens em elegantes movimentos de câmera, enquanto escutamos suas histórias. Paschoal Samora tem uma bela carreira como documentarista e assisti seu "Diários de Naná", sobre o músico Naná Vasconcelos, no festival "É Tudo Verdade". "Mar de Dentro" ainda tem alguns planos do deserto, um mar de areia, contrapondo com as cenas da água. Bom filme.

- Cotidiano - direção: Joana Mariani (dur: 17 min): antes da sessão começar a diretora disse à platéia que o projeto havia sido feito sem dinheiro oficial, apenas com a ajuda de um grupo de amigos. Eu já estava esperando um video digital de baixa qualidade, mas "Cotidiano" não tem nada de amador. Filmado em película e muito bem feito, o filme mostra um dia na vida de uma mulher comum (Carla Ribas), executando tarefas rotineiras como preparar o café, lavar a roupa e esperar pelo marido.

Terminada a sessão das 16h, soube que os convites para a sessão das 18h já haviam se esgotado. Já estava indo embora quando cruzei com Daniel Rezende na saída. Rezende é um grande montador brasileiro, responsável pela edição de filmes como "Cidade de Deus" e o inédito "Blindness", de Fernando Meirelles, e de "Tropa de Elite", de José Padilha. Na sessão das 18h seria exibido "Blackout", curta de estréia na direção de Rezende, que eu muito queria assistir. Não tive dúvida, fui atrás dele e expliquei a situação. "Mandou bem", disse ele, bem humorado, e me deu um convite para a sessão.

Mostra Brasil 1


- Les Terras di Nadie - direção: César Meneghetti (dur: 5 min): filme experimental muito interessante mostrando diversas situações de guerra e confronto. Uma voz de mulher sussura o tempo todo frases que são mostradas na tela, em cinco línguas diferentes.

- O Presidente dos Estados Unidos - direção: Camilo Cavalcante (dur: 23 min): tragicomédia absurda (e ótima) sobre um homem que enlouquece assistindo a George W. Bush declarar guerra ao Iraque, na televisão. O homem é um trabalhador comum que ficou um tempo afastado do trabalho e cuja esposa dedicada tenta fazê-lo retornar à realidade. Ele acha que é o Presidente dos Estados Unidos e que precisa ligar para o Pentágono para planejar a guerra. O público deu gargalhadas em vários momentos, como quando o marido faz a mulher ligar para o Pentágono (na verdade, uma escola com este nome que ele achou na lista telefônica) e chamar o General Eisenhower. O filme vai ficando cada vez mais sério e trágico conforme avança, tão absurdo quanto as notícias mostradas na televisão.

- Dossiê Rê Bordosa - direção: César Cabral (dur: 16 min): espetacular animação com bonecos que, em forma de documentário investigativo, tenta desvendar o caso da morte da personagem Rê Bordosa, do cartunista Angeli. A animação é muito boa e foi feita quadro a quadro pelo próprio diretor, em um processo que levou um ano (mais seis meses de pós produção). O roteiro, engraçadíssimo, conta com a presença de outros personagens de Angeli, como Bob Cuspe e Bibelô, além de amigos e colegas, todos transformados em bonecos animados. Clássico instantâneo.

- Café com Leite - direção: Daniel Ribeiro (dur: 18 min): conta a história de um casal de homossexuais, Danilo e Marcos, que tem que lidar com uma mudança brusca em suas vidas. Os pais de Danilo (Daniel Tavares) morrem e o rapaz fica responsável por cuidar do irmão pequeno, Lucas (Eduardo Melo). O roteiro é muito bom, o filme é muito bem dirigido e o elenco se porta de forma natural, com destaque para o garoto.

- Blackout - direção: Daniel Rezende (dur: 10 min): curioso que um montador famoso pelos cortes rápidos de "Cidade de Deus" tenha decidido fazer seu primeiro filme em um longo plano sequência. Um deputado suplente (Wagner Moura) e um Assessor da Assembléia Legislativa (Augusto Madeira) entram em uma sala em Brasília para fumar um baseado e fofocar sobre um outro deputado, que estaria em apuros. Há boatos de que este deputado estaria transando com a esposa de um governador e que um escândalo está para acontecer. É então que eles percebem que há uma bomba no fundo da sala. Para piorar, a bomba está amarrada ao deputado de quem eles estavam falando. Para piorar (sempre pode ficar pior, diz Wagner Moura em uma frase do filme), a porta da sala está emperrada e um blackout acontece em Brasília, deixando todos no escuro. O curta é todo filmado de um único ponto de vista, o da bomba no fundo da sala, e é muito bem dirigido. Rezende, em um debate após a sessão, disse que o plano sequência também tem edição, só que ela é feita no próprio set de filmagem. O curta foi rodado em apenas um dia, após alguns dias de ensaio, e tem a fotografia de César Charlone e montagem de Valéria de Barros. Charlone, a propósito, faz uma ponta no curta como o político amarrado à bomba.


Veja a programação completa do Festival aqui

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Câmera Escura!

Nada mais apropriado do que postar aqui este projeto. A PUC-Campinas foi palco esta semana de uma série de exposições e palestras envolvendo a fotografia, além de prestar homenagem a Hércules Florence, francês radicado no Brasil que, no século XIX, foi o inventor brasileiro da fotografia. Uma das atrações da semana é o projeto "O Brasil pelo Buraco da Agulha". A idéia é simples mas extremamente elegante e sofisticada. Nesta era de megapixels e vida digital, o projeto conta com um caminhão/casa ambulante que tem um furo na lateral do baú. Por este furo a luz entra no caminhão, que se transforma em uma gigantesca Câmera Escura. O fotógrafo e aventureiro português Mica Costa Grande, de forma totalmente artesanal, coloca um papel fotográfico de aproximadamente 3 metros de comprimento na parede oposta ao furo e, em exposições que podem durar até oito horas, capta fotografias panorâmicas com definição impressionante. O caminhão esteve parado no Campus I da PUC esta semana e hoje fomos visitá-lo. Costa Grande fecha todo o caminhão e faz uma demonstração de como o processo da Câmera Escura funciona. Na parede oposta ao furo pode-se enxergar uma imagem (invertida e de ponta cabeça) da paisagem lá fora. É algo extremamente simples e lúdico ver o mundo desta forma. As pessoas geralmente não conseguem entender a simplicidade de uma câmera fotográfica. Costa Grande diz que ver a paisagem assim requer um modo diferente de ver o mundo e de interpretar os códigos. "Um bebê não consegue entender o que ele está vendo porque ainda não sabe o que as imagens significam", disse ele. Nosso cérebro consegue enxergar uma casa quando vê uma, mas é uma questão de experiências anteriores.


O cinema também funciona desta maneira. A tela é uma representação do mundo lá fora e o espectador tem que saber interpretar o que está vendo. Quando vemos um filme passado nos dias de hoje é mais fácil interpretar as imagens de cidades, carros, pessoas. Mas quando vemos uma sequência como o final de "2001 - Uma Odisséia no Espaço", por exemplo, nosso cérebro tem dificuldade em saber o que aquelas luzes e cores significam. Spielberg, quando fez a "conversa" entre os extraterrestres e os humanos em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", se utilizou de luzes e sons para transmitir uma mensagem que não entendemos a língua, mas sabemos o que significa. Algumas coisas são difíceis demais de se captar à primeira vista. Conta a lenda que quando os irmãos Lumiere, na França, em 1895, fizeram a primeira exibição de cinema, os espectadores ficaram assustados com a imagem de um trêm que vinha em direção da tela. Mesmo sendo uma imagem de "baixa resolução", em preto e branco e sem som, o cérebro das pessoas sentiram medo ao ver o trem e algumas pessoas sairam correndo.




Em 1878, Edward Muybridge conseguiu provar que um cavalo tira as quatro patas do chão quando galopa. Ele colocou 16 câmeras fotográficas em percurso e amarrou linhas no disparador. Quando o cavalo passava trotando, as câmeras iam disparando e capturando o momento. Colocadas em sequências, as fotos do cavalo trotando se tornaram um dos primeiros "filmes" do mundo. Hoje, quando se assiste a uma grande produção de hollywood, não dá mais para saber o que é real e o que é inventado com computadores. Mas, ao menos por enquanto, o velho princípio da câmera escura, do pequeno furo por onde a luz passa para ser capturada seja por um rolo de filme ou por um feixe de eléctrons, ainda existe.
O site do projeto "O Brasil pelo buraco da Agulha" pode ser acessado abaixo:

Jogos do Poder

Outro dia falei aqui de "Leões e Cordeiros", de Robert Redford, e mencionei que lembrava algum episódio de "The West Wing", de Aaron Sorkin. Pois é, "Jogos de Poder" é um Sorkin "legítimo" e conta com uma equipe impressionante. O filme conta a história real de um congressista americano chamado Charlie Wilson (Tom Hanks), um mulherengo que dividia seu tempo entre o congresso em Washington e bordéis em Las Vegas, cercado de "strippers" e cocaína. Apesar deste caráter duvidoso, o filme mostra como Wilson, auxiliado por uma socialite de Houston (Julia Roberts) e um agente excêntrico da CIA (Philip Seymour Hoffman, excelente), ajudou a terminar com a Guerra Fria. Nos anos 80 a antiga União Soviética invadiu o Afeganistão e estava massacrando a população local com helicópteros e armamento pesado. A CIA tinha um orçamento anual de apenas 5 milhões de dólares para "operações especiais" (leia-se espionagem e sabotagem) no país. Wilson se interessa pela situação e pede para dobrar este orçamento, o que atrai a atenção de Joanne Herring (Julia Roberts), a 6a. mulher mais rica do Texas, que "encontrou Jesus" e quer tirar os comunistas do Afeganistão. Apesar de "religiosa", Joanne se envolve sexualmente com o mulherengo Wilson desde a primeira "reunião", e ambos decidem procurar ajuda para resolver o conflito no oriente. Usando os contatos de Joanne e contando com a ajuda do agente da CIA Gust Avrakotos, Wilson elabora um plano de fornecer armamento russo para os rebeldes afegãos contando com a ajuda de inimigos históricos como Israel e a Palestina. O armamento não pode ser americano porque, oficialmente, os Estados Unidos não estavam envolvidos no conflito. Extra-oficialmente, porém, os EUA elevaram cada vez mais o orçamento das operações secretas da CIA, chegando de 5 milhões anuais para até um bilhão de dólares. Com todo esse dinheiro, treinamento e armamento anti-helicópteros, os rebeldes afegãos conseguiram derrotar a União Soviética, que acabou ruindo alguns anos depois. A ironia é que estes afegãos, treinados pelos americanos, iriam se tornar o Taliban.

O filme é dirigido pelo grande Mike Nichols (A primeira noite de um Homem, Closer) e escrito por Aaron Sorkin, roteirista "queridinho" da TV americana que criou e escreveu as séries "Sports Night" (ótima série, mas pouco vista), "The West Wing" e "Studio 60 on the Sunset Strip". Sorkin é conhecido por seus diálogos rápidos e inteligentes ("The West Wing" é provavelmente a série com mais diálogos da história da televisão). "Jogos do Poder" é cheio destes diálogos, mas o filme não é tão bom quanto poderia ser. Achei ele um pouco confuso com o que está realmente tentando passar. A trama é muito focada na ação "heróica" de Wilson e seus companheiros em ajudar os afegãos a derrotar a União Soviética. Quando isso acontece, o filme perde a oportunidade de ser realmente polêmico e mostrar o que aconteceu depois. Sim, nós sabemos que aqueles heróis rebeldes acabaram se tornando os terroristas que os próprios americanos estão caçando hoje, mas por que não deixar isso mais explícito? Talvez o fato de haver tantos astros no filme (três vencedores do Oscar, Hanks, Roberts e Hoffman, fora o diretor Nichols) e o tom leve tenham impedido um aprofundamento maior nas causas e consequências do ocorrido. Fica uma sensação de que falta alguma coisa quando o filme termina, em uma cerimônia de premiação do governo americano para Charlie Wilson.

A direção de fotografia, a cargo de Stephen Goldblatt, é maravilhosa. E Philip Seymour Hoffman rouba todas as cenas. Impressionante comparar sua interpretação aqui como um agente bruto e boca suja, com seu retrato de Truman Capote, pelo qual ganhou o Oscar. Disponível em DVD.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Era uma vez...

A força e a honestidade das interpretações são as principais razões para se gostar de "Era uma vez...", novo filme de Breno Silveira, diretor de "Dois Filhos de Francisco". O elenco é encabeçado por Thiago Martins, que não é exatamente um desconhecido (já participou de "Cidade de Deus" e outras produções), mas os atores soam todos naturais. O filme é uma espécie de versão brasileira da história de "Romeu e Julieta". Nada muito novo ou original mas, repito, o trabalho soa "honesto" na interpretação de Thiago como Dé, um rapaz que mora da favela do Cantagalo, em pleno bairro nobre de Ipanema, a quatro quadras da Avenida Vieira Souto. Ele trabalha em um quiosque que vende cachorro-quente na praia, que fica em frente a um apartamento de luxo onde mora Nina (a estreante Vitória Frate, muito bem no papel), por quem ele é apaixonado. Do quiosque ele a vê à janela e fica imaginando como é a vida de quem tem dinheiro. Ele mora em um barraco com a mãe (Cyria Coentro), e tem uma vida difícil. Um irmão foi morto ainda quando criança por um traficante local e o outro, Carlão (Rocco Pitanga) foi preso pela polícia por engano.

Um dia Dé vê Nina tendo uma discussão com o namorado, que termina com ela. Chateada, ela vai se sentar em um banco em frente à praia e quase é assaltada, mas Dé a ajuda e a leva de volta ao apartamento. A partir daí eles passam a se encontrar na praia e a se aproximar. O clima de romance é bom e rende algumas das melhores cenas do filme. É verdade que não faz muito sentido que Dé largue o quiosque vazio por diversas vezes, mas o filme é um romance, não um documentário. No início Nina não sabe que Dé é pobre e mora no morro. Quando descobre, fica confusa e a relação fica complicada, mas ela volta a se aproximar do rapaz em um baile "funk" na favela. A geografia do Rio de Janeiro, com suas praias e seus morros, propiciou o surgimento de uma divisão social enorme e cruel, onde a distância entre ser pobre e miserável ou classe média alta é de algumas ruas. O morro é praticamente uma zona de guerra controlada por traficantes e criminosos que, às vezes, matam alguém simplesmente porque joga futebol melhor. Nina, quando sobe o morro, é chamada de "princesa" por todos e aparentemente não é uma moça preconceituosa, mas fica claro que ela e Dé são de mundos diferentes. Mesmo assim os dois iniciam um namoro que não é bem visto nem pela mãe de Dé nem pelo pai de Nina, Evandro (Paulo César Grande), um advogado que está com problemas financeiros. Ele fica sabendo do namoro da filha pelo porteiro do prédio. Enquanto isso, Carlão foge da prisão e Dé descobre que o irmão se transformou em um criminoso que planeja tomar o morro. Rocco Pitanga, carismático, está muito bem como um homem que, no fundo, era bom e honesto mas não conseguiu se manter assim. Ele quer transformar o morro em um lugar melhor para os moradores, mas isso envolve assassinatos e ligações perigosas com a polícia e traficantes rivais.

O filme, como disse, não é um documentário, mas toca em questões relevantes sobre a situação aparentemente desesperadora pelo qual passa o Rio de Janeiro. Consultei colegas cariocas sobre como é realmente viver na cidade e as respostas são variadas. Há quem diga que o Rio vive uma guerra civil sim e que a vida diária é afetada pela violência. Ao se procurar um lugar para morar, por exemplo, deve-se escolher um apartamento que não esteja voltado para a favela sob o risco de ser atingido por balas perdidas. Há tiroteios constantes e o "espetáculo" de ver balas traçantes cortando a noite lembra até cenas da Guerra do Iraque. Mas há quem diga que não é bem assim, que o clima de violência é exagerado pela mídia, principalmente a TV e os filmes, que pintam um Rio de Janeiro que não existe. O fato é que o abismo social existe e que milhares de pessoas convivem diariamente sob ameaça de morte. E que o descaso e preconceito prevalecem. Quando fui ver o filme, por exemplo, na fileira atrás de mim havia quatro adolescentes, típicas "patricinhas" universitárias, fazendo comentários sobre o trailer de "Linha de Passe", o novo filme de Walter Salles. Diziam que filme brasileiro "é tudo igual", e que "só mostram pobres". Por que elas estavam no cinema, então? E o cinema nacional recente é variado a ponto de ter filmes "globais" como "Se eu fosse você" ou alternativos como "O Cheiro do Ralo". O difícil é vencer o preconceito dos brasileiros com seu próprio cinema.

O final de "Era uma vez..." provocou certa polêmica, mas é o encerramento certo para o filme. A única ressalva é que a direção pecou um pouco no modo de conduzir este final, que é mal editado e um pouco confuso. Havia modos mais verossímeis de se criar o impasse que encerra o filme. "Era uma vez..." foi mal nas bilheterias, ficando bem longe do sucesso estrondoso de "Dois Filhos de Francisco", mas é um bom romance. E o Rio de Janeiro continua lindo...e complicado.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Leões e Cordeiros

Um filme com algumas das maiores estrelas do cinema americano, Robert Redford, Tom Cruise e Meryl Streep... conversando. Não só conversando, mas debatendo idéias, procurando e analisando causas e conseqüências relevantes para a situação política e histórica dos dias de hoje. Soa tedioso? Como teatro filmado? Pois é, muita gente achou que sim. O filme teve vida curta nos cinemas e em pouco tempo estava nas prateleiras das locadoras. Eu gostei.

Não é um filme “cinematográfico”, é verdade. São basicamente duas longas conversas entrecortadas por alguma ação. Em uma escola de Washington, o professor Stephen Malley (Robert Redford, que também dirige o filme) não está satisfeito com a performance de um aluno que, um dia, ele considerou brilhante. Ele é Todd Hayes (Andrew Garfield), um rapaz que tem boas notas, mas muitas faltas, e simplesmente perdeu o interesse nas aulas de Ciência Política ministradas por Malley. O professor lhe propõe um trato: ele não precisaria vir a mais nenhuma aula até o final do ano e ainda assim receberia nota “B” na média final. Ou então ele poderia decidir não faltar mais a nenhuma aula, mas teria que participar ativamente de todas elas, como costumava fazer. Por que ele perdera o interesse? O aluno explica que não tem mais esperança na política e que resolveu que iria apenas “fazer a sua parte”, pagar seus impostos, trabalhar e tirar proveito do que o país tivesse a oferecer, mas nada mais do que isso.

Enquanto isso, em outra parte de Washington, um senador republicano (Tom Cruise) chama para uma entrevista exclusiva a jornalista Janine Roth (Meryl Streep), com o objetivo de lhe passar uma nova estratégia militar que seria implementada pelo governo americano no Afeganistão. O que se segue é um longo debate entre os dois em que questões como a guerra do Iraque e o clima político pós 11 de setembro são discutidos. A nova estratégia consiste em usar um número menor de soldados no Afeganistão. Eles ocupariam as montanhas durante o inverno e teriam vantagem tática contra o Talibã quando o verão chegasse. A jornalista, que começou a carreira em plena Guerra do Vietnam, vê com desconfiança e sensação de “deja vu” tais táticas militares. Apesar da troca de gentilezas entre os dois, fica claro o clima tenso no ar, com acusações fundamentadas de ambos os lados. A jornalista levanta os vários erros militares cometidos no Iraque e as milhares de vidas perdidas. O político, por seu lado, pede para que ela se concentre no presente e a lembra de que a imprensa havia apoiado integralmente a ofensiva contra o Iraque.

Em uma terceira trama, acompanhamos a tática mencionada por Cruise sendo aplicada no Afeganistão. Mas nem tudo é simples como os engravatados em Washington imaginavam. Um helicóptero americano é atacado por uma bateria antiaérea no topo das montanhas geladas. Dois jovens soldados, Arian Finch (Derek Luke) e Ernest Rodriguez (Michael Pena), são jogados na neve lá embaixo. Os dois, ficamos sabendo através de flashbacks, foram alunos exemplares do professor Malley. As três histórias são entrecortadas durante todo o filme. Arian e Rodriguez eram alunos pobres que chamaram a atenção do professor durante um debate em classe, em que eles pregavam mais comprometimento por parte dos americanos para se criar uma sociedade melhor. Os outros alunos os chamaram de hipócritas, dizendo que eles também, no fundo, só estavam esperando a hora de entrar em uma boa universidade e ganhar dinheiro. Os dois resolvem provar seu comprometimento mostrando seus papéis de alistamento no exército. Redford não acredita que esta seja a melhor maneira de ajudar o país e tenta fazê-los mudar de idéia.

Tudo isso é discutido e debatido em longas conversas. Senti influência da série “The West Wing”, de Aaron Sorkin, famosa por conter debates políticos pelos corredores da Casa Branca. Repetindo, não é muito cinematográfico (a série, diga-se de passagem, era até mais dinâmica). Tudo se passa em duas salas em Washington (a sala do professor e o gabinete do senador) e na montanha gelada. Mas os pontos levantados são relevantes e é raro vê-los discutidos em um filme deste modo. Devemos simplesmente falar mal da política ou fazer algo a respeito? Há o que ser feito? O mundo aprendeu alguma coisa com as guerras do passado ou estamos repetindo os mesmos erros geração a geração? Pode não ser um filme muito “agitado”, mas vale pegar o DVD.

domingo, 10 de agosto de 2008

Morre Isaac Hayes


Who's the black private dick
That's a sex machine to all the chicks?
SHAFT!
Ya damn right!

Who is the man that would risk his neck
For his brother man?
SHAFT!
Can you dig it?

Who's the cat that won't cop out
When there's danger all about?
SHAFT!
Right On!

They say this cat Shaft is a bad mother
SHUT YOUR MOUTH!
I'm talkin' 'bout Shaft.
THEN WE CAN DIG IT!

He's a complicated man
But no one understands him but his woman
JOHN SHAFT!

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Isaac Hayes foi encontrado morto, aos 65 anos, em Memphis, EUA. O compositor ficou famoso pelo tema acima, da trilha sonora do filme "Shaft" (de Gordon Parks, 1971), que ganhou o Oscar de Melhor Canção. "Shaft" foi um marco dos filmes conhecidos como "blaxploitation", feitos por e para a comunidade negra americana nos anos 1970.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Vida dos Outros

Gerd Wiesler (Ülrich Muhe) é um funcionário exemplar da Stasi, a polícia secreta alemã, e membro devotado do Partido Comunista. Ele está ensinando adolescentes, em uma universidade, a escutar o depoimento de um suspeito e notar se ele está dizendo a verdade ou a mentira. Um aluno, sensibilizado com o sofrimento do suspeito após horas de interrogatório, diz que aquilo é desumano. Wiesler anota o nome do aluno e explica que um inocente ficaria cada vez mais revoltado, enquanto que um culpado ficaria cada vez mais quieto, ou começaria a chorar. Na fita, escutamos os soluços do suspeito.

"A Vida dos Outros" é um ótimo filme passado durante os últimos anos da Guerra Fria, na antiga Berlim Oriental. A Stasi tem agentes infiltrados em todos os setores da sociedade e praticamente todos os cidadãos são vigiados. A arte é apenas tolerada e Georg Dreyman (Sebastian Koch de "A Espiã") é um dramaturgo bem visto pelo Partido e livre de suspeitas. Até o dia em que um funcionário da Stasi leva Wiesler para assistir a uma peça dele. Wiesler bate os olhos em Dreyman e diz: "Eu o poria sob vigilância. Ele é arrogante". Inicia-se assim uma operação secreta batizada de "Operação Lazlo", que forra o apartamento de Dreyman de microfones. Wiesler se instala no sótão do prédio e passa a escutar a vida de Dreyman e sua namorada, a bela atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck). É então que algo extraordinário acontece: com o passar dos dias e a constante vigília sobre Dreyman, o frio e burocrático Wiesler começa a ficar sensibilizado pelo drama humano que escuta, e uma gradual mudança se inicia. Dreyman leva uma vida de artista, com vários colegas ativistas, cheios de idéias perigosas e revolucionárias, entre eles um diretor de teatro, Albert Jerska (Volkmer Kleinert) que foi colocado na "lista negra" pelo Partido. A princípio Wiesler apenas escuta a tudo e não se envolve, mas aos poucos sua passividade é colocada de lado. Christa-Maria, a atriz, é assediada sexualmente por um alto ministro alemão, e Wiesler, em uma manobra inteligente, arruma um meio de fazer com que Dreyman fique sabendo do caso. Espera-se uma briga dramática entre os amantes, mas não é o que ocorre. Depois de ser atacada pelo ministro, a moça simplesmente volta para casa, toma um banho e se deita na cama. Dreyman a abraça e, lá no sótão, vemos que Wiesler está tocado pelo fato.

A vida de Dreyman e Christa-Maria se torna uma espécie de "novela" para Wiesler, que passa a se interessar pela história deles e, quando pode, a se envolver. Ele percebe que o objetivo de seus superiores do Partido não são necessariamente nobres e que eles estão querendo destruir Dreyman apenas como uma forma de ascenção social. Quando Dreyman resolve escrever um artigo perigoso sobre os suicídios ocorridos na Alemanha Oriental, o que certamente seria considerado um ato de traição, Wiesler passa a mentir em seus relatórios, inventando que Dreyman está escrevendo uma peça em homenagem aos 40 anos da Alemanha Oriental. Assim, o burocrata passa, a seu modo, a se tornar um artista, pois tem que criar uma peça de ficção para encobrir a dura realidade do dramaturgo.

O roteiro é extraordinário e a direção de Henckel sóbria e equilibrada. O filme tem um formato clássico e elegante, sem pressa em contar sua história. Sebastian Koch, como o dramaturgo Dreyman, tem um estilo que me lembrou os antigos astros de Hollywood, centrado, decidido. Martina Gedeck compõe uma mulher apaixonada, mas humana, dividida entre sua arte e sua vida amorosa. Mas é Ülrich Muhe quem faz do espião Wiesler uma obra prima de interpretação. O que começa como um personagem frio e detestável se transforma aos poucos em um herói inesperado, que descobre na vida dos outros forças para despertar sua própria humanidade e fazer algo a respeito.


Filmão. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2007. Disponível em DVD.


Visto no Espaço Cultural CPFL (agradecimentos pela dica da leitora Grazielle Fraga), em Campinas, em cópia 35mm. Soube que há planos para uma refilmagem americana que seria dirigida por Sydney Pollack. Como Pollack faleceu recentemente, esperemos que a idéia da refilmagem tenha morrido com ele.

Trailer:



terça-feira, 5 de agosto de 2008

Star Wars: Comentários de George Lucas



Ontem assisti ao bom e velho Guerra nas Estrelas (também conhecido como Star Wars, Episódio IV: Uma Nova Esperança) escutando os comentários de George Lucas (roteiro/direção), Carrie Fisher (atriz, Princesa Leia), Ben Burtt (criador dos efeitos sonoros) e Denis Murren (especialista em efeitos especiais).

De uns anos pra cá descobri que tenho pouca paciência com Lucas, que me soa cada vez mais falso. E no início do filme quase parei de escutá-lo, quando ele começou com aquela história de "estudar mitologia" para criar um "mito moderno" e blá blá blá que, cá entre nós, não cola muito. Sim, os personagens são arquétipos, são baseados em modelos pré-estabelecidos de heróis (Luke, Han Solo), figuras paternas (Obi-Wan Kenobi), princesas (Leia), vilões sombrios (Darth Vader), etc, mas não acho que as intenções de Lucas eram assim tão "nobres" quando fez o filme. Era uma grande aventura, sim, que com o tempo (e principalmente com os outros filmes, "O Império Contra-Ataca" e "O Retorno de Jedi") ganhou uma dimensão e uma profundidade maiores.

Mas ele disse coisas interessantes. Como a relação com Alec Guinnesss, que era uma figura que trazia mais calma ao set de filmagem. E que, originalmente, Obi-Wan Kenobi iria viver até o final do filme, mas que Lucas percebeu que ele não teria muita função depois da fuga da Estrela da Morte, e por isso decidiu "matá-lo". Guinness não teria ficado nada contente com a idéia e Lucas teve de convencê-lo.

Também achei interessante a "confissão" por parte de Lucas de que os três filmes anteriores a "Uma Nova Esperança" eram apenas idéias sobre o passado dos personagens, e não roteiros completos, como se dizia antes. Por muito tempo se difundiu a idéia de que Lucas teria escrito nove roteiros, que formariam três trilogias, mas Lucas diz que, na década de 70, quando ele estava preparando "Uma Nova Esperança", ele tinha apenas esboços das histórias de cada personagem. Ele também disse que o Universo de Star Wars é um universo "usado", que ele queria passar a impressão que pessoas realmente moravam ali, que os cenários eram sujos e gastos de propósito. Ele diz que o filme é muito mais uma fantasia do que um filme de ficção-científica. Segundo ele é muito ruim quando um filme tenta ficar se explicando o tempo todo. Star Wars é passado inteiro em planetas e em um Universo desconhecido, mas ele não queria ficar parando para explicar nem a parte técnica (como funciona um sabre de luz, por exemplo), ou do cotidiano daquelas pessoas. Irônico é que quando Lucas resolveu fazer as chamadas “prequels” (“A Ameaça Fantasma”, “O Ataque dos Clones” e “A Vingança dos Sith”, os três filmes que contavam a história anterior à trilogia original de Star Wars), um de seus maiores pecados foi justamente ficar explicando tudo. Lucas criou inclusive uma explicação biológica para a “Força” (produzida por seres simbiontes que viveriam no sangue das pessoas), o que contradiz tudo isso que ele disse sobre os filmes originais.

Lucas tinha formação de editor e diz que queria contar uma história da forma mais cinematográfica possível. As batalhas espaciais foram baseadas em filmes da Segunda Guerra Mundial, e Lucas chegou inclusive a editar o final do filme originalmente usando imagens de filmes e documentários da guerra para conseguir explicar aos técnicos em efeitos espaciais o visual que ele estava procurando. A revolução veio com uma técnica chamada de “motion control camera”, que permitia que uma câmera controlada por computador repetisse sempre os mesmos movimentos, filmando modelos em escala que eram compostos para criar os planos espetaculares da seqüência final do filme, o ataque contra a Estrela da Morte.

“Contradição” é uma boa palavra ao se falar em George Lucas. O “Guerra nas Estrelas” original é ao mesmo tempo clássico e de vanguarda. Clássico porque bebeu na fonte de cineastas como Akira Kurosawa e John Ford (pode-se descrever Star Wars como um faroeste passado no espaço, com samurais que lutam usando espadas de laser). Vanguarda, pois Lucas redefiniu os padrões técnicos do gênero e revolucionou a arte dos efeitos especiais. Mas é engraçado ver os belos efeitos mecânicos do filme, usando modelos e cenários reais (vindos do cinema clássico) e escutar Lucas reclamando que não podia, na época, criar digitalmente centenas de criaturas e monstros (como fez, repito, nos decepcionantes filmes recentes da saga).

De qualquer forma, o filme é um clássico inegável, que sobreviveu até às mutilações e transformações digitais que o próprio Lucas cometeu, em 1997 (na chamada “edição especial”). O DVD “Edição Limitada” trás também a versão original do filme, respondendo ao clamor de milhões de fãs mundo afora que sabem que, na verdade, Han sempre atirou primeiro.