Abertura da série original:
trailer do filme atual:
A musa criativa parece ter abandonado M. Night Shyamalan nos últimos anos. O diretor, roteirista e produtor que surgiu praticamente do nada para uma indicação ao Oscar e grande sucesso com "O Sexto Sentido", em 1999, vem acumulando uma série de fracassos. Gostei bastante dos filmes que seguiram "O Sexto Sentido", como "Corpo Fechado" (Unbreakable, 2000) e "Sinais" (Signs, 2002). Shyamalan mostrava criatividade nos roteiros e grande domínio no terreno dominado pelo mestre Alfred Hitchcock, o suspense. "Sinais", principalmente, é um filme feito praticamente só de suspense, baseado em boas interpretações e um belo roteiro. Com "A Vila" (The Village, 2004), o namoro do diretor com público e crítica começou a se romper. Eu acho a primeira parte do filme magnífica, com ótimas interpretações, grande suspense e maravilhosa trilha de James Newton Howard. Mas a parte final desagradou a muita gente, com certas "surpresas" reveladas de forma capenga e um final duvidoso. Mas as críticas tocaram forte no diretor e ele resolveu se "vingar" com seu próximo filme, "A Dama da Água" (Lady in the Water, 2006), em que abertamente ataca os críticos de cinema criando um personagem caricato e, mostrando falta de modéstia, escalando a si mesmo para um dos papéis mais importantes (ou auto-importantes) do filme. Foi mais um fracasso.E ele insiste em criar pequenos "incidentes" no roteiro que serviriam para humanizar os personagens mas que, no fundo, apenas tiram o foco da história e soam, a bem da verdade, um pouco ridículos. Por exemplo, a esposa de Elliot não só sofre de algum tipo de paranóia e síndrome de pânico, mas também recebe ligações misteriosas no celular de um tal de "Joey" que, no fundo, foi apenas um colega de trabalho com quem ela jantou uma vez. Para que criar esta história paralela se ela não vai ser aproveitada pelo roteiro? E o que dizer de outra história paralela lançada no início do filme, de que as abelhas teriam simplesmente desaparecido sem deixar vestígios?
Há certas cenas criadas com o objetivo de fazer rir mas que provocam o efeito contrário. Mark Wahlberg, por exemplo, tenta convencer um homem dentro de uma casa que ele é "real" cantando uma musiquinha sem motivo aparente. Em outra cena, acredite, ele começa a conversar com uma planta. E para quem criou personagens infantis tão interessantes em O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Sinais, Shyamalan poderia ter se esforçado mais no personagem da garotiha adotada por Elliot e a esposa.

"Edifício Master" venceu o prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado de 2002. O diretor é Eduardo Coutinho, diretor de "Peões", documentário "irmão" de "Entreatos", de João Moreira Salles, que acompanhou a campanha de Lula à presidência, "Jogo de Cena" (que brinca com a questão realidade/ficção em um documentário), entre vários outros.
"O Sonho de Cassandra" é mais um filme da "fase britânica" de Woody Allen. O diretor, famoso por seus filmes passados em Nova York, nos últimos anos se apaixonou por Londres e fez filmes como o bom "Machpoint" (2005) e "Scoop" (2006), que eu não assisti. Allen tem seus altos e baixos, lançando um filme novo praticamente todos os anos. É de certa forma reconfortante ver um filme que comece simplesmente mostrando os créditos (de forma simples, letras brancas em fundo preto), característica dos filmes de Allen. A equipe e elenco impressionam, como a fotografia do veterano Vilmos Zsigmond ou a trilha sonora característica de Philip Glass. No elenco, dois grandes atores, Ewan McGregor e Colin Farrell são Ian e Terry, irmãos que compram um pequeno veleiro no início do filme e o batizam de "O Sonho de Cassandra". O nome veio de um cachorro que Terry, jogador inverterado, apostou nas corridas. "Cassandra", assim me lembra a Wikipedia, vem da mitologia grega; o deus Apollo lhe deu o dom da profecia por causa de sua grande beleza, mas ela não retribuiu seu amor. Ela assim recebeu a maldição de que ninguém acreditaria em suas previsões (como a queda de Tróia, por exemplo), e teria enlouquecido.
Ian e Terry estão sempre no limite entre o risco e a malandragem. Terry (Farrell) está sempre devendo dinheiro a alguém por causa de suas apostas em corridas ou jogos de pôker. Ian (McGregor) é boa pinta e empreendedor, mas sempre sonha alto demais e engana suas namoradas usando carros esportes que ele empresta da oficina de Terry. Uma destas garotas é Angela (Haylay Atwell), uma bela atriz de teatro que aparentemente faria de tudo para conseguir um grande papel em Hollywood. O filme começa bem, mostrando as malandragens dos irmãos e sua complicada relação com os pais. A mãe (Clare Higgins, muito bem) está sempre ralhando com o pai e falando bem de um tal de "tio Howard", que seria um parente rico dono de hotéis e restaurantes em vários países do mundo. Os diálogos de Allen são interessantes e o filme, até aqui, é dirigido de forma impecável. Há uma cena curiosa (e muito bem fotografada) em que os irmãos levam as namoradas para passear no veleiro e eles estão cantando "Show me the way to go home", que remete diretamente ao clássico "Tubarão" (1975), de Steven Spielberg. Em outras palavras, algo muito errado está para acontecer, e rápido.
O problema é que o filme, de repente, perde um pouco o foco justo quando o misterioso "tio Howard" (ninguém menos que Tom Wilkinson) entra em cena. Tudo apontava para a chegada de mais um trambiqueiro, mas não é o que acontece. Aparentemente Howard é mesmo rico e bem sucedido, mas ele tem um problema. Um sócio está para testemunhar contra ele no tribunal e isso pode enviá-lo para a cadeia. Terry está devendo uma fortuna para agiotas e precisa da ajuda financeira do tio para sobreviver, assim como Ian, que tem planos de se mudar para a Califórnia com Angela. Howard, então, pede ajuda para os sobrinhos para "se livrarem" do tal sócio e, em troca, ele os ajudaria financeiramente. O filme, infelizmente, começa a decair a partir deste momento. Colin Farrell, que não é mal ator, começa a ter problemas de consciência não muito convincentes mais por culpa do roteiro do que por sua interpretação. De jovem irresponsável, mas irreverente, ele de repente passa a um alcoólatra que também tem problemas com remédios, além das crises de consciência. Allen escreve diálogos cheios de culpa freudiana que, repito, não soam muito convincentes, assim como as situações vividas pelos personagens. As cenas que levam ao crime em si tem certo suspense e sem dúvida são bem feitas, mas não são suficientes para justificar os problemas que o filme enfrenta. Allen já esteve muito melhor em "Crimes e Pecados" (1989), que também lidava com questões morais a respeito de assassinato mas de forma muito mais profunda e equilibrada. "O Sonho de Cassandra", apesar de seus bons momentos, acaba soando falso e vazio.
A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu, 1993) conta a história de Julie (a jovem, bela e talentosa Juliette Binoche), uma mulher que perde o marido e a filha em um acidente de carro. O marido era um compositor famoso que estava compondo um concerto em homenagem à unificação da Europa. Julie se fecha atrás de um rosto fechado e incapaz de sentir qualquer emoção. Quando ela volta à sua casa encontra uma empregada chorando. Ela lhe pergunta: "Por que você está chorando?", e a empregada responde: "Porque a senhora não chora". Julie decide tentar mudar de vida e se muda do campo para a cidade grande, decidida a apagar o passado e nunca mais se ligar a mais ninguém. Mesmo assim, há uma cena em que ela pega o telefone e liga para um amigo, perguntando simplesmente: "Você ainda me ama? Então venha". Eles fazem amor mas ela parece não ter sentido nada. Kieslowski, auxiliado por seu ótimo compositor Zbigniew Preisner, usa a música como forma de indicar que as emoções não abandonaram totalmente Julie. Em alguns momentos, por exemplo, a tela fica simplesmente escura e escutamos alguns acordes da orquestra tocando parte da trilha (do suposto concerto perdido). É como se Julie carregasse a música, e todas as suas tristes memórias, presas dentro de si. Há também a desconfiança de que, na verdade, era ela quem compunha as músicas para seu marido. A bela fotografia e a direção de arte tratam de fazer com que todo o filme seja azulado. Binoche está maravilhosamente contida, e consegue transmitir emoção apenas com o olhar. O tema da música é levado por todo o filme. Em frente ao café que frequenta, por exemplo, Julie vê um músico de rua que, com a flauta, curiosamente toca as mesmas notas do concerto que ela escuta repetidamente na cabeça. Kieslowski gosta de colocar esses "acasos" em seus filmes, e há situações similares ou encontros casuais mesmo entre os personagens da trilogia. As emoções (ou a música) acabam vencendo no final, em uma sequência de arrepiar, mostrando os personagens do filme enquanto o concerto é escutado na trilha sem interrupções pela primeira vez. Juliette Binoche é mostrada fazendo amor como que através de um vidro, em um curioso efeito visual, como se ela estivesse finalmente exposta ao mundo e a seus sentimentos.
A Igualdade é Branca ( Trois Couleurs: Blanc, 1994) tem um tom bem mais leve e cômico que o filme anterior. O roteiro trata de um casal em crise. O polonês Karol Karol (Zibgniew Zamachowski) está sendo abandonado pela esposa Dominique (Julie Delpy). Em um tribunal, ela explica ao juiz que o motivo do divórcio é que o casamento não foi consumado. Envergonhado, Karol admite que não conseguiu fazer amor com a esposa desde o casamento, seis meses antes, mas que ele quer tentar salvar o relacionamento. Dominique não só não quer mais continuar casada como, aparentemente, quer acabar com a vida do ex-marido. Ela ateia fogo no salão de beleza deles e diz para a polícia que o culpado foi Karol. Ele tenta voltar para a Polônia mas está sem passaporte e sem dinheiro. Uma das cenas mais engraçadas do filme é o modo pelo qual Karol volta à Polônia: dentro de uma mala de viagem, embarcada por Milokaj (Janusz Gajus) um colega polonês que ele conheceu na estação de metrô de Paris. A idéia da "igualdade", ou melhor, da desigualdade, fica aparente na diferença de tratamento que imigrantes como Karol tem. De volta à Polônia, além de trabalhar como cabeleireiro no salão do irmão, Karol começa a trabalhar como segurança para um empresário e, com muita sorte e esperteza, começa a ganhar dinheiro e, aos poucos, elabora um plano para se vingar da ex-esposa. "A igualdade é branca" é o filme mais leve da trilogia, mas não deixa de ter seu charme.
A Fraternidade é Vermelha (Trois Couleurs: Rouge, 1994) lembra um pouco mais o primeiro filme. Até porque a personagem principal, Valentine, é interpretada por uma Iréne Jacob que me lembrou muito Juliette Binoche, de "Azul". Só que Valentine (que é uma modelo) é bem mais otimista e menos sofrida que Julie, apesar de ter sua cota de problemas, como um irmão viciado em drogas. Uma noite ela acidentalmente atropela uma cadela chamada Rita, que tem o nome e o endereço escritos na coleira. Valentine vai até o endereço e encontra um senhor amargo e indiferente com o destino de sua cadela. Ela leva Rita ao veterinário e cuida dela, mas fica curiosa com o velho, e volta à casa dele. Lá ela descobre que ele é um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant) que perdeu a esperança na Justiça e nos seres humanos. Como passatempo ele fica escutando as conversas telefônicas dos vizinhos através de um aparelho, o que inicialmente choca Valentine. Mas percebemos que, ao mesmo tempo que ela quer ir embora, parte dela é atraída seja pela conversa dos vizinhos ou pela figura triste do velho. Uma curiosa ligação acontece entre os dois. O filme tem uma série de tramas paralelas curiosas e interligadas. Há um vizinho de Valentine, por exemplo, que acabou de se tornar um juiz e que tem uma vida muito parecida, sabemos depois, com a juventuda da velho juiz. Valentine tem um namorado morando na Inglaterra que liga para ela todas as noites para checar se ela está em casa e, ciumento, fica fazendo perguntas sobre o dia dela. O tema da traição (e da Justiça) está presente nos três filmes da trilogia. No primeiro, a personagem de Juliette Binoche descobre que o marido recém falecido tinha uma amante que é advogada no mesmo tribunal em que o divórcio de Karol e Dominique é julgado no segundo filme. No terceiro, tanto o velho juiz quanto o rapaz foram traídos por suas companheiras e perdem a fé na Justiça. Irene Jacob, bela e inocente, ainda acredita nos seres humanos e, aos poucos, vai trazendo o juiz de volta à "vida". Há cenas de pura beleza como a sessão de fotos de Valentine, com o fundo vermelho sangue, ou seu desfile na parte final do filme. Apesar dos problemas com o namorado, Valentine resolve partir para a Inglaterra encontrá-lo, e ao final um acontecimento trágico junta todos os personagens da trilogia no mesmo lugar.Kieslowski dirige com elegância e tem preferência por certos planos, como belos closes em perfil de suas atrizes, ou detalhes mecânicos como a roda do carro do primeiro filme, a esteira que transporta a mala no segundo, ou a sequência de abertura do terceiro, que acompanha os cabos telefônicos de um aparelho ao outro. Há uma série de dicas visuais ligando um filme ao outro, como as cores de certas roupas ou objetos de cena. Ou então certas piadas como uma senhora que aparece nos três filmes na mesma situação, tentando depositar uma garrafa de vidro em uma lixeira alta demais para ela. Só Irene Jacob, em "Fraternidade", ajuda a senhora a jogar a garrafa. Kieslowski declarou, terminada a trilogia, que estava se aposentando e que jamais faria outro filme. Os DVDs contém uma entrevista dada a Rubens Ewald Filho em que ele diz que cinema é apenas sua profissão, e que ele pode parar quando quiser. Soa um pouco duro escutar isso de alguém tão competente na fabricação de suas imagens. Se ele falava sério ou não, o caso é que o cinema perdeu Kieslowski, morto por um ataque cardíaco, dois anos após filmada sua bela e sensível trilogia.