Mostrando postagens com marcador solidão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador solidão. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Amorosa Soledad

"Ficou lindo em você", diz o vendedor. "Ficou, não é verdade?", responde Soledad (Inés Efron). A cena não se passa em uma joalheria, e os personagens não estão falando de um anel de brilhantes; eles estão em uma farmácia, e a moça está comprando um medidor automático de pressão. Esta é Soledad, uma garota de uns 20 anos que acabou de ser abandonada pelo namorado e prometeu que vai passar três anos sozinha. Ela mora sozinha em um apartamento grande e luta constantemente com o vazo entupido da privada. Em uma noite chuvosa, depois de preparar um DVD, vestir pantufas confortáveis e descer para pegar uma pizza, Soledad descobre que se trancou para fora do próprio apartamento. O pai, vivido em uma cena de 40 segundos pelo gigante Ricardo Darín, é ausente e ocupado. A mãe (Monica Gonzaga) fez uma operação de implante de mamas e precisa de ajuda até para abrir uma porta.

"Amorosa Soledad" é daqueles filmes leves e perigosamente "doces" que você assiste com um pequeno sorriso nos lábios, mas sabe que vai esquecê-lo em poucas horas. Foi lançado nas Argentina em 2008 mas chegou só agora ao Brasil. No tom e no tema, lembra bastante o também argentino (e muito superior) "Medianeiras", que também tratava de solidão, hipocondria e dilemas da vida urbana moderna. O filme se apoia totalmente na interpretação "gracinha" de Inés Efron, com seus expressivos olhos azuis e suas neuras cotidianas. Seu "voto de castidade" não dura uma semana, claro; um dia ela está em um café e um arquiteto chamado (assim como o ex-namorado) Nicolás (Fabian Vená) a convida para sair. Logo eles estão "ficando", mas Soledad não sabe direito o que quer. Hipocondríaca, faz visitas constantes ao hospital próximo de casa para checar enfartes imaginários. Uma tarde decide procurar por um pacote turístico para Búzios, no Brasil, mas a vendedora lhe diz que é complicado vender viagens para uma pessoa sozinha.

O filme é bem curto e, como disse, leve como uma pluma. O roteiro, bem feminino, é de Victoria Galardi, e a direção de Galardi e de Martín Carranza (que seria assistente de direção no pesado "Abutres", de Pablo Tapero, em 2010).

domingo, 6 de junho de 2010

Mary e Max - Uma Amizade Diferente

Em 2003, Adam Elliot ganhou o Oscar de Melhor Curta Metragem de Animação (além de vários outros prêmios, inclusive o Animamundi do Rio de Janeiro) com "Harvie Krumpet", uma história agridoce sobre um personagem com problemas mentais, todo feito com a técnica da "animação de massinhas" (ou claymation). Veja o curta no final deste texto.

Os prêmios e o prestígio conseguidos com o curta abriram caminho para a produção do longa metragem "Mary e Max - Uma Amizade Diferente", em cartaz no Cine Topázio de Campinas. Elliot é daqueles animadores que vão contra a corrente da computação gráfica e, assim como seus colegas da Aardman Animation (a produtora inglesa responsável por Wallace & Gromit), ainda faz seus filmes de forma artesanal, movimentando bonecos e cenários milímetros por vez e fotografando quadro a quadro. O mundo de Adam Elliot é todo particular. Também ao contrário de animações "fofinhas" para crianças, ele cria um quadro bastante adulto (e muito bem humorado) da sociedade, expondo as neuroses do homem moderno, seus medos perante o mundo e um tom geral bem distante das animações estilo Disney (que cumprem seu papel). Tanto que "Mary e Max" é mostrado em versão legendada, destinado a adultos.

O humor negro e visão perturbadora da vida presente em "Harvie Krumpet" retornam em "Mary e Max". O filme toma emprestada a trama de "Nunca te vi, sempre te amei", de 1986, que contava a história de duas pessoas (Anne Bancroft e Anthony Hopkins), em cantos diferentes do globo, que por anos mantiveram uma amizade por meio de cartas. Mary Daisy Dinkle é uma garota de 8 anos que mora em uma cidade pequena na Austrália, com a mãe alcoólatra e o pai taxidermista. Ela tem uma marca de nascença de cor chocolate na testa, usa óculos de grau e é solitária. Sua visão de mundo é distorcida pela história da mãe, que lhe disse que ela foi um "acidente", e do avô, que lhe diz que os bebês são encontrador no fundo de canecas de cerveja. Um dia ela encontra uma lista telefônica de Nova York e, aleatoriamente, resolve escrever para uma pessoa, em busca de amizade. O escolhido é Max Jerry Horovitz, um judeu de 44 anos, obeso, solitário e com muitos problemas. Max explica a Mary que os bebês, nos Estados Unidos, não são encontrados em canecas de cerveja, mas nascem de ovos colocados por rabinos (se forem judeus), freiras (se forem católicos) ou por prostitutas (se forem ateus). Max, um leitor de ficção-científica que nunca dormiu com uma mulher, se considera ateu.

O filme é quase todo sem diálogos, composto pela narração de Barry Humphries e pelas vozes (nas cartas de Mary e Max), de Toni Collette e Philip Seymour Hoffman. O filme é lento e cheio de detalhes irônicos e sarcásticos. Max é um caso típido de depressivo das grandes cidades, solitário e com um problema de peso, do qual ele tenta se curar frequentando reuniões dos "Comedores Compulsivos Anônimos". Mary é a garota feia, tímida e impopular na escola. Ela gostaria de receber mais atenção do pai ausente e da mãe alcoólatra, mas só está feliz quando assiste sua série preferida na televisão, ao lado do galo de estimação e comendo uma lata de leite condensado. A vida de Mary, de oito anos, e a de Max, muito mais velho mas com a idade mental de uma criança, começa a mudar quando eles encontram finalmente um amigo através das cartas. Eles trocam experiências (distorcidas) de vida, receitas de sanduíches de chocolate e leite condensado e tentam, principalmente, encontrar conforto para a solidão.

A animação é elegante, com boa direção de fotografia e cenário rico em detalhes. Há piadas escondidas pelo roteiro e pelo cenário, como o fato do gato de Max se chamar HAL e ter apenas um olho (assim como o computador do filme "2001 - Uma Odisséia no Espaço").



Veja aqui "Harvie Krumpet", curta metragem de Adam Elliot:

domingo, 8 de junho de 2008

Edifício Master

"Edifício Master" venceu o prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado de 2002. O diretor é Eduardo Coutinho, diretor de "Peões", documentário "irmão" de "Entreatos", de João Moreira Salles, que acompanhou a campanha de Lula à presidência, "Jogo de Cena" (que brinca com a questão realidade/ficção em um documentário), entre vários outros.

"Edifício Master" é um prédio no Rio de Janeiro que fica a um quarteirão da famosa Praia de Copacabana. Era de se esperar que um endereço tão "nobre" abrigasse apenas classe média alta mas o documentário serve para desmistificar muitas ilusões. O prédio abriga mais de duzentos apartamentos conjugados, com uma população de aproximadamente quinhentas pessoas, de todos os tipos. E é desta diversidade que Coutinho se serve para retratar o que é o coração deste documentário: os habitantes. O filme não é sobre o prédio, mas sobre o ser humano. O filme é formado por uma série de entrevistas francas dos mais variados tipos ao próprio Eduardo Coutinho que, com sua fala tranquila e perguntas certas, consegue retirar confissões impressionantes dos moradores. Engraçado como a presença da câmera não intimida os entrevistados. Diria até que o contrário acontece; a chance (e até a necessidade) de expressão destas pessoas é tão importante que elas se abrem para declarar ressentimentos reprimidos, idéias e desejos. Há um casal de idosos que, na superfície, parece estar bem, mas quando a entrevista começa a mulher começa a falar dos problemas de relacionamento que vêm acontecendo. Ela diz que não é ciumenta mas reclama do fato do companheiro ficar olhando para outras mulheres na rua. Cita também uma tentativa de suicídio (tema recorrente no documentário, como se vê em outras entrevistas) e os quinze abortos que já fez. Já um outro casal idoso é a imagem da felicidade. Juntos há treze anos, os dois se conheceram através de anúncios e estão muito bem.

Outro tema que se repete é o da gravidez adolescente. Há uma garota que veio de Belo Horizonte que conta que não teve infância, pois engravidou aos 14 anos, do primeiro homem que teve na vida. Ela conta como foi reprimida pelo pai superprotetor e como, hoje, vive como garota de programa. Ela fala do assunto de forma extremamente franca, até surpreendendo Coutinho. Diz que o trabalho é "nojento" e que tem que beber todas as noites para conseguir realizá-lo, mas que faz isso porque tem que sustentar a filha. Do outro lado do espectro, há o depoimento de uma jovem bonita e de classe alta que também engravidou cedo e foi expulsa pelo pai do apartamento grande em que morava para ir para o Master. Ela diz que no início o apartamento era "claustrofóbico", mas que hoje é sua casa. Diz também que, se pudesse, isolaria acusticamente o apartamento porque não aguenta a invasão sonora que vem dos outros moradores o tempo todo.

Há os artistas, como uma banda formada por dois músicos e um... quem é aquela figura? O terceiro membro do grupo fica o tempo todo parado, mudo, vestindo uma capa de chuva amarela e uma espécie de capacete extraterrestre. Há uma "apresentação" apaixonada "My Way", com Frank Sinatra, de um morador que já morou nos Estados Unidos e que hoje vive da pensão que recebe de lá. Há também uma professora de inglês que, apesar de bem articulada, não consegue encarar Coutinho nem a câmera durante a entrevista. Timidamente, ela recita uma poesia sua em inglês e mostra um quadro que pintou. Falando em quadros, uma pintora gosta de criar paisagens que vê pela janela, mas que são geograficamente "incorretos".

Coutinho não segue a cartilha "tradicional" do audiovisual em seus documentários. Ele tem horror aos "inserts", que são imagens usadas normalmente para exemplificar ou ilustrar alguma coisa que o entrevistado está dizendo. Nos comentários em áudio do DVD, um produtor puxa a orelha de Coutinho por não mostrar os retratos que uma senhora cita repetidamente em sua entrevista, mas Coutinho diz que isso não faz seu gênero. Como editor de imagens, confesso que também senti falta delas para ilustrar vários dos depoimentos, mas o resultado é muito interessante. Coutinho não quer fazer o óbvio, como mostrar uma cena da praia quando alguém está falando sobre a praia. O documentário é sobre as pessoas e suas histórias, e não sobre imagens. Edifício Master sequer tem uma tomada externa do edifício, o que é surpreendente e até revolucionário. Mesmo a ordem das entrevistas não segue uma lógica tradicional. O DVD, aliás, trás o recurso de assistir às entrevistas em ordem aleatória, criando novos documentários a cada exibição. O que fica de "Edifício Master" é a diversidade humana frente à vida, à morte e o fantasma cada vez mais presente da solidão. E o outro solitário pode esta apenas à distância de uma parede.