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terça-feira, 28 de outubro de 2008

Rebobine, Por Favor

Esta é uma curiosa e nostálgica mistura de filmes de Frank Capra, "Alta Fidelidade", ficção-científica "B" e, para completar, uma pitada de "Cinema Paradiso". O diretor é Michel Gondry, responsável pelo ótimo "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", com Jim Carrey, do roteiro de Charlie Kauffmann. O próprio Gondry escreveu "Rebobine, por favor", e o filme parece se passar em algum universo paralelo. Digo, que locadora de filmes, nos dias de hoje, teria apenas fitas VHS em seu acervo? As fitas estão lá por duas razões.

Há uma razão simbólica, talvez até poética. O dono da locadora, o Sr. Fletcher (Danny Glover), é um homem que vive no passado, cheio de histórias para contar, principalmente sobre um obscuro músico de jazz chamado Fats Waller. A outra razão para as fitas existirem é dramática. Filmes em DVD não podem ser apagados, ao contrário das VHS, que podem sofrer alterações se influenciadas por um forte campo magnético. Jerry (o sempre entusiasmado Jack Black, de "Alta Fidelidade" e "Escola do Rock"), após tentar sabotar um gerador elétrico (que estaria "manipulando seu cérebro"), sofre uma grande descarga elétrica e se torna magnetizado. Ao entrar na loja, seu campo magnético apaga todo o acervo da locadora. Para despistar os clientes, ele e o atendente da locadora (Mos Def) resolvem regravar os filmes em versões "condensadas", no estilo faça você mesmo. Há cenas engraçadas dos dois tentando refazer "Os Caça-Fantasmas" usando uma velha câmera de video, efeitos especiais de terceira categoria e muita imaginação. O que eles não poderiam prever é que a versão se torna um sucesso, e logo a vizinhança começa a frequentar a locadora em busca de outras versões "condensadas". Com a ajuda de um garota, os três então começam a recriar desde filmes de ação como "A Hora do Rush 2" até clássicos como "2001 - Uma Odisséia no Espaço".

O filme é interessante mas, em minha opinião, o resultado não é tão bom e criativo quanto seu argumento. Creio que seria um filme melhor se assumisse de vez seu lado "trash" ao invés de tentar ser também nostálgico e dramático. Danny Glover, a bem da verdade, com suas histórias sobre o músico de jazz e recordações do passado, me pareceu estar no caminho de Jack Black e do tema real do filme, que é a criação cinematográfica amadora e o puro prazer de filmar. De qualquer modo, tudo acaba levando a um final um pouco açucarado que, como disse, me lembrou um pouco Cinema Paradiso (mesmo que em versão VHS). Mas é um filme simpático, com bom elenco que conta com participações de Mia Farrow e Sigourney Weaver.

ps: não teria sido realmente genial se eles convencessem a personagem de Sigourney Weaver a fazer um papel em "Os Caça-Fantasmas"?
ps2: Michel Gondry vai estar no Brasil e fará workshops em que os participantes poderão criar seus próprios filmes. Veja aqui.


domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira

Chega às telas o novo filme de Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel), "Ensaio sobre a Cegueira" (Blindness, 2008), co-produção do Brasil, Canadá e Japão, baseado no livro de José Saramago. O filme foi exibido na abertura do último Festival de Cannes e teve recepção morna. Fernando Meirelles, em entrevista no Roda Viva (TV Cultura) semana passada, declarou que havia tentado comprar os direitos para o livro há muitos anos, mas Saramago se recusava a vender. Após o sucesso internacional, Meirelles recebeu o roteiro do filme escrito pelo canadense Don McKellar e decidiu realizá-lo.

Não li o livro de José Saramago, de modo que não posso julgar se o resultado é fiel ou não. Só sei que, como filme, ele tem problemas. A história básica é interessante: em uma cidade qualquer do mundo, pessoas começam a sofrer de uma estranha "cegueira branca", que é contagiosa e inexplicável. Os infectados são levados à uma espécie de "campo de prisioneiros" onde são trancafiados. Julianne Moore interpreta uma mulher que, apesar do marido ter sido infectado, ela não perde a visão. Mesmo assim, ela prefere acompanhar o marido para o "hospital" e é encarcerada junto. Praticamente todo o filme se passa dentro desta espécie de sanatório/prisão, em que os cegos são deixados em número cada vez maior, vigiados por soldados armados. O mundo em que se passa a história é ficcional. A cidade não é identificada (embora seja claramente São Paulo, em diversas cenas) e, curiosamente, os personagens não têm nome. Imagino que, no livro, isso não cause problemas, por ser uma alegoria de Saramago. Mas no cinema não funciona muito bem. Esta falta de identidade acaba provocando algo fatal para um filme: a falta de identificação do espectador. Meirelles, que é mestre em manter o ritmo de seus filmes sempre em alta, tropeça com um roteiro que, de repente, empaca e não sai do lugar.

O filme foi modificado várias vezes após sessões teste e mesmo após a exibição em Cannes, onde não foi bem recebido. O famoso editor e teórico de cinema Walter Murch, em seu livro "Num piscar de olhos", diz que se deve ter cuidado com os resultados de exibições teste. Ele diz que é como os sintomas de uma dor no cotovelo, por exemplo. Não adianta tratar o cotovelo, talvez a dor seja apenas um sintoma de um problema em outro lugar. Meirelles citou, em várias entrevistas, ter atenuado ou cortado as cenas de um estupro que acontece no hospital, mas creio que o problema não seja este. Não adianta modificar a cena do estupro, o problema é criar um ambiente para que esta cena faça algum sentido. Gabriel Garcia Bernal aparece no filme como um homem que tem uma arma e se intitula o "Rei da ala 3". Ele declara que todos têm que começar a pagar pela comida e, na falta de dinheiro, as mulheres devem pagar com seus corpos. Não faz muito sentido. De onde veio a arma? Como é que a "Ala 3" tem controle sobre a comida? Ela é entregue primeiro ali? Nada no roteiro indica isso. E há Julianne Moore, como a única pessoa que pode enxergar do lugar, e é construída pelo roteiro como uma mulher forte e decidida desde o início do filme. Por que ela se submeteria aos caprichos do personagem de Bernal? Mesmo assim, o filme a mostra guiando um grupo de mulheres que, como animais para o sacrifício, vão vender seus corpos em troca de comida. Por que? A tão falada cena de "estupro" se torna gratuita não só pela violência, mas por não fazer sentido. O filme tenta passar mensagens como a baixeza humana e a falta de solidariedade com o próximo, mas tudo soa artificial demais.

Há alguma melhora quando, de repente, os guardas desaparecem e Moore, seguida por Mark Ruffalo, Alice Braga e Danny Glover saem pelas ruas de São Paulo (que não é São Paulo, mas a cidade fictícia, com placas em inglês) em busca de comida. Cinematograficamente falando, há mais oportunidades para o filme acontecer. Mas, mesmo assim, fica a sensação de que um ótimo filme está para acontecer logo ali na esquina, mas Meirelles não vai até lá. Há uma cena passada em uma igreja, em que Julianne Moore entra e vê que todas as imagens estão vendadas, como se também estivessem cegas. Interessante, certo? Na cena seguinte, a "mágica" é quebrada por um diálogo desnecessário que tenta explicar quem teria colocado as vendas. O que importa?
Talvez seja culpa do roteiro, talvez seja culpa da falta de identidade e do elenco internacional ou talvez seja um problema de tradução ruim das páginas do livro para o cinema. O fato é que, infelizmente, "Ensaio sobre a Cegueira" decepciona.