Luca (2021). Dir: Enrico Casarosa. Disney+. Ok, eu estava errado. Resolvi rever "Luca", da Pixar, despreocupadamente e o achei bem melhor do que da primeira vez. Como disse no outro texto, o nome "Pixar" levanta muitas expectativas, o que me fez achá-lo simples demais, feito só para crianças. Não é bem assim. Retiradas as expectativas, "Luca" é simples, sim, mas de forma singela; os personagens poderiam ter mais profundidade (sem trocadilhos), mas há uma leveza e inocência que eu não senti na primeira exibição.
Ao contrário da maioria dos roteiros da Pixar, que são sempre muito bem construídos (situação "A" leva a situação "B" que se resolve lá para o final, etc) em "Luca" as situações parecem que simplesmente vão acontecendo. Há uma questão de pai ausente que não se explica ou parece sem resolução, mas na verdade o garoto Alberto acaba ganhando um pai adotivo no pai da garota Giulia. Ainda acho que o vilão Ercole merecia uma história de fundo para explicar suas motivações, mas ele é simplesmente uma figura patética de um rapaz que já não é mais criança e age como um garoto mimado.
Por fim, tecnicamente o filme é muito bonito, a animação em computação gráfica chegou a um nível em que parece realmente desenhada e pintada à mão, os garotos têm um visual "cartunesco" que é interessante e aquela vila de pescadores é simplesmente linda. "Luca" está indicado ao Oscar de Melhor Animação, mas tudo indica que vá perder para o (muito) inferior "Encanto". Disponível na Disney+.
A Mão de Deus (È stata la mano di Dio, 2021). Dir: Paolo Sorrentino. Netflix. Belo filme italiano de Sorrentino lançado pela Netflix. É um filme sobre a vida, então nem dá para fazer uma sinopse, mas o roteiro gira ao redor de um rapaz chamado Fabio (Filippo Scotti), que vive em Nápoles nos anos 80. Ele é apaixonado por futebol, especificamente pelo jogador argentino Maradona, que está de mudança para Nápoles. Fabio tem pais amorosos, um irmão mais velho que quer ser ator e uma irmã que está sempre no banheiro (é uma das piadas recorrentes do filme). Sorrentino mostra um monte de personagens de várias famílias e posições sociais. Todos são bem italianos, com as paixões à flor da pele.O roteiro é formado por uma série de episódios interessantes, como quando a família conhece o noivo de uma tia "encalhada". Falando em tias, Fabio tem uma "musa", a tia Patrizia (Luisa Ranieri), uma mulher corpulenta que gosta de tomar banhos de Sol nua e deixar o marido emputecido. Tenho a impressão que um filme poderia ser feito sobre cada um dos personagens que aparecem na tela. Há momentos tristes, bizarros, felizes, sublimes. A direção de fotografia de Daria D'Antonio é maravilhosa. Há citações a Fellini, Franco Zeffirelli e Sergio Leone, entre outros. O ritmo é bem europeu, ou seja, lento, então não é um filme para ser visto correndo. Tá na Netflix.
Abbas Kiarostami trata de dois temas em "Cópia Fiel": o conceito de Arte e as relações amorosas. O filme brinca o tempo todo com noções pré-concebidas do que seria uma narrativa linear, além do que é "real" ou "fictício" em uma obra cinematográfica. Como toda boa obra de arte, a trama é polissêmica, isto é, tem vários significados, que podem ser interpretados de forma diferente por cada espectador. Complicado? Tão complicado quanto são as relações amorosas.
Há um casal. Ele é James Miller (William Shimell), um escritor que vai à Toscana, na Itália, para o lançamento de seu último livro, chamado "Cópia Fiel". Ela é Juliette Binoche, que sequer tem um nome (o banco de dados IMDB a chama de "Elle", que quer dizer "ela" em francês), a dona de uma loja de antiguidades e mãe de um pré-adolescente. Binoche compra seis cópias do livro de Miller e o convida para um passeio pela Toscana, de carro, em uma bela tarde de domingo. Aparentemente, são dois estranhos que estão se conhecendo. No caminho conversam sobre o significado da arte e o tema do livro de Miller. Há uma tensão palpável no ar, partindo principalmente da personagem nervosa de Binoche. Quando os dois param para tomar um café o filme, sutilmente, muda de direção. A dona do "Café" os confunde por marido e mulher e Binoche não a corrige. Enquanto Miller está ao celular, na rua, Binoche e a mulher discutem o valor do casamento e a aparente frieza e distância dos homens. Ao saírem deste café, Binoche e Miller começam a agir como se realmente fossem casados e a relação estivesse em crise.
É aqui que o espectador é convidado para refletir sobre o que está vendo. O casal na tela está apenas representando um papel? Estaria Miller, o escritor inglês, apenas provocando Binoche e entrando no jogo dela, fingindo ser seu marido? Ou, na verdade, eles são realmente casados e a representação era anterior, quando se faziam passar por desconhecidos? As possibilidades são muitas. Os significados, também. Kiarostami joga com os conceitos de "original" e "cópia" em uma obra de arte e os transfere para a criação e manutenção de uma relação amorosa. O casal na tela é "real" ou está apenas representando? Na verdade, não importa. Encarar "Cópia Fiel" como um enigma a ser desvendado não só é perda de tempo como também limita os vários significados encontrados no filme. Binoche e James Miller passam grande parte da trama andando pela pequena vila de Lucigniano, onde dezenas de noivos e noivas vão tirar uma foto junto a uma árvore considerada abençoada. É em meio a estes novos casais, cheios de esperança e alegria, que os personagens passam por várias das situações comuns de um casal que está junto há muito tempo: cobranças, acusações e discussões entrecortadas por pequenos momentos de compreensão e amizade. A interpretação de Juliette Binoche, como sempre, é extraordinária. Falando três línguas (inglês, francês e italiano), sua presença na tela é inigualável. Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, em 2010, pelo papel
O resultado é um filme intrigante e muito bem feito. Destaque para a bela fotografia de Luca Bigazzi. Repare como o enquadramento, por diversas vezes, também brinca com o conceito de "original versus cópia", utilizando diversos espelhos para mostrar o contra-plano.
George Clooney é um astro tão grande que pode se dar ao luxo de, de vez em quando, fazer um tipo de filme diferente. "Um Homem Misterioso" ("The American", no título original) começa com três mortes em menos de cinco minutos; uma delas é bastante surpreendente. Clooney é Jack, um americano que escapa de uma tentativa de assassinato na Suécia e foge para Roma, Itália. Lá ele liga para um homem chamado Pavel (Johan Leysen), que lhe dá as chaves de um carro e o manda para um pequeno vilarejo nas montanhas. Precavido (ou paranóico?) Jack se instala no vilarejo vizinho ao ordenado, e espera. Espera pelo que? Não sabemos. Jack passa seus dias fingindo ser um fotógrafo e tentando não chamar a atenção, mas não é bem sucedido. O padre local, Benedetto (Paolo Bonacelli) percebe que Jack é um homem em conflito, uma bomba relógio a ponto de estourar.
É então que Jack conhece Mathilde (Thekla Reuten), que tem uma encomenda para ele: uma arma. Com infinita paciência e atenção aos detalhes, é na fabricação de tal arma que Jack se revela um artista. Com equipe toda européia e dirigido pelo holandês Anton Corbijn (de "Control" e vários videoclips de bandas como U2), "Um Homem Misterioso" é um thriller despreocupado em criar cenas de ação desnecessárias. O filme é bastante lento e marcado por poucos diálogos. A rididez espartana de Jack se dissolve quando está fabricando a arma, lendo sobre borboletas ou quando está com Clara (Violante Placido), uma prostituta com quem fica envolvido. Há uma homenagem a Sergio Leone em uma cena em que "Era uma vez no Oeste" (1968) está passando na televisão, e a referência não é em vão. Há algo do diretor italiano nos longos planos abertos e no silêncio do personagem principal. É até possível imaginar Clint Eastwood fazendo o papel de Jack uns anos atrás. Clooney está muito bem em um papel atípico; Jack é um homem que pouco fala e muito menos sorri.
É na relação com as mulheres que está seu lado mais humano e, nesta profissão, o mais perigoso. Ao mesmo tempo em que percebe que está apaixonado por Clara, sente-se ameaçado pela frieza calculista da assassina Mathilde e vê possíveis ameaças em todo lugar. A relação com a prostituta também revela algo sobre ele mesmo, alguém pago para fazer algo eticamente imoral. Haverá saída para eles? Ou, como lhe diz o Padre Benedetto, a saída está no amor? Jack, com certa razão, acha que talvez seja tarde demais.
O pelotão “Búfalo” (um grupo de soldados negros combatentes na 2ª. Guerra Mundial), trava uma feroz batalha com os nazistas em um rio na região da Toscana, Itália. Eles estão enfrentando dois inimigos. Na frente, as metralhadoras nazistas fazem os soldados atingidos em pedaços; atrás, sofrem com o “fogo amigo” da própria artilharia americana. Quatro deles conseguem atravessar o rio e vão se refugiar perto de um celeiro. O recruta Sam Train (Omar Miller), um negro de físico enorme, mas com uma personalidade infantil, acaba resgatando um garoto italiano que está preso nos destroços provocados pelo bombardeio. O garoto está ferido e falando de forma incoerente, e Train acha que ele é uma espécie de “santo”. Os quatro soldados acabam se refugiando em uma vila por perto, na casa de um velho fascista e sua família.
O filme é dirigido por Spike Lee que, obviamente, ficou interessado em contar a história deste pelotão de soldados negros lutando em uma “guerra de brancos”, como declara um deles. O filme tem co-produção italiana e é falado em três línguas, inglês, italiano e alemão, conforme a trama acompanha cada lado envolvido na guerra. Baseado no livro de James McBride (que assina o roteiro), “Milagre em Santa Anna” é muito bem feito tecnicamente e tem o foco voltado para os personagens. O problema é que, por vezes, o tom “panfletário” de Spike Lee acaba atrapalhando. É fato que os negros que lutaram na 2ª. Guerra Mundial raramente são lembrados; os filmes dedicados ao gênero, em sua grande maioria, são estrelados apenas por atores brancos e pouco se fala da participação negra no conflito. Mas há alguns “discursos” no filme fora de lugar, fora o fato de que os poucos brancos retratados geralmente são apenas idiotas estereotipados.
O lado lúdico do filme, justamente o tal “milagre” do título, acaba sofrendo em um filme que mistura cenas panfletárias com outras extremamente violentas e realistas. As cenas de batalha são muito bem feitas e mostram todo horror da guerra. Os italianos se encontravam entre o fogo cruzado dos americanos, dos nazistas e dos próprios compatriotas, que se dividiam entre os dois grupos. Quando tudo isso se junta em cena é um verdadeiro massacre, mostrado com detalhes pela câmera de Lee. Em meio a isso tudo (é um filme longo, 166 minutos) há cenas muito interessantes e calmas entre o garoto, que se chama Ângelo (Matteo Sciabordi) e o recruta Train. Os dois não entendem a língua um do outro, mas conseguem se comunicar por gestos e expressões. A atriz italiana Valentina Cervi interpreta Renata, uma mulher que não sabe se o marido está vivo ou não e que se torna o motivo de atração (e discórdia) entre o Sargento Bishop (Michael Ealy) e o Sangento Stamp (Derek Luke). Há também um líder dos partisans (a resistência italiana) que chega à vila com um prisioneiro nazista. Em seu grupo está um traidor, responsável por uma tragédia revelada no final do filme.
Como se não bastassem todos estes personagens e tramas, o filme infelizmente ainda tenta fazer uma ponte com uma época 40 anos depois, quando um dos soldados apresentados no filme, agora já velho, mata a queima-roupa uma pessoa em uma agência dos correios. Estas cenas, passadas na década de 80, começam e terminam o filme de forma irregular e desnecessária. Spike Lee poderia ter se concentrado em fazer apenas um filme na 2ª. Guerra Mundial, com uma duração menor, menos panfletagem e mais atenção ao lado lúdico da trama.
"Meu irmão é filho único" é passado sob as cores quentes da Itália dos anos 1960. Quente também era a política da época, e as pessoas que a praticavam. Em uma pequena cidade chamada "Latina", uma família tradicional se vê às voltas com as vontades políticas de seus filhos, principalmente Manrico Benassi (Riccardo Scamascio), o mais velho, e Accio Benassi (Elio Germano), o mais novo. Accio, no começo do filme, está em um seminário estudando para ser padre. Mas uma visita do irmão mais velho, que lhe deixa uma foto de uma bela atriz de cinema, faz com que o adolescente tenha uma "crise de fé" (na verdade, repetidas masturbações noturnas) que o fazem abandonar a vida religiosa. Em pouco tempo o jovem Accio está metido com um vendedor de rua, Mario (Luca Zingaretti), que começa a lhe ensinar os princípios básicos do fascismo. O jovem fica fascinado com a figura do "Ducce" e se torna um fascista com carteirinha e tudo, para desgosto da família. O irmão mais velho se torna operário e comunista, e tem várias brigas políticas com Accio. Para complicar a situação, aparece a bela Francesca (Diane Fleri), a namorada de Manrico, que também é comunista e tem discussões com Accio, mas há sempre "algo" no ar quando os dois estão juntos.
Com direção de Daniele Luchetti, o filme é sempre muito colorido, exagerado e italiano. As mudanças ideológicas pelas quais Accio passa representam o modo passional com que os italianos lidam com a política. Accio entra de cabeça nas atividades dos fascistas, que consistiam basicamente em atrapalhar os comunistas e prestar honras a Mussolini. Mas aos poucos as atividades do grupo vão se tornando cada vez mais sérias e perigosas e Accio começa a ter dúvidas sobre o grupo. Fica patente que ele está apaixonado pela namorada do irmão, Francesca, e as discussões políticas entre os dois, no fundo, escondem uma vontade grande de estarem juntos. Accio abandona o grupo dos fascistas apenas para começar um caso com a esposa de seu ex-companheiro, Mario.
Tudo parece leve e inconseqüente, mas com o tempo as coisas ficam mais complicadas principalmente para o irmão mais velhos de Accio, Manrico, que aparentemente está envolvido em atentados terroristas promovidos pelos comunistas. Quanto a Accio, há uma cena em que o próprio comenta que as revoluções de 1968 varreram o mundo todo, menos a pequena cidade de Latina, onde ele se encontrava. Não demora muito, porém, que os problemas do irmão cheguem até ele, que tem que decidir se vai se envolver ou não.
Um filme vibrante e divertido, com uma energia que, por vezes, lembra os bons tempos do velho cinema italiano.