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quarta-feira, 6 de junho de 2012

À Espera de Turistas

Auschwitz. A palavra evoca lembranças da II Guerra Mundial, de massacres, genocídio, câmaras de gás, morte. E, de fato, tudo isso aconteceu lá há aproximadamente 70 anos, em plena Europa. Mas como seria, hoje, o lugar que serviu de última morada a tantos prisioneiros judeus? Quem mora lá? Como se comportam jovens que nasceram muitos anos depois que estas coisas aconteceram? "À Espera de Turistas", de Robert Thalheim, responde a algumas dessas perguntas, mas deixa várias outras no ar.

Sven (Alexander Fehling) é um jovem alemão que, ao invés de servir o exército, preferiu realizar um ano de trabalho voluntário no exterior, terminando como o único voluntário em Auschwitz. Lá ele encontra uma cidade pequena e comum, habitada por jovens que, como em qualquer lugar do mundo, se divertem nas baladas; há também uma boa quantidade de idosos, e Sven é escalado para cuidar de Stanislaw Krzeminski (Ryszard Ronczewski), um sobrevivente do campo de concentração. O velho é ranzinza, mal humorado e não quer o rapaz por perto. Os amigos de Krzreminski brincam com o fato dele, um ex-prisioneiro do campo, ter agora um empregado alemão. Sven faz o que pode para lidar com o velho, e encontra consolo e romance em Ania (Barbara Wysocka), uma jovem guia turística. O fantasma do passado paira constantemente sobre o lugar, mesmo que o campo de concentração tenha se tornado atração turística e, assim como em Paris, nas bancas sejam vendidos cartões postais.

Quando uma indústria química local é comprada por uma empresa alemã, o velho Krzeminski é requisitado para dar palestras aos empregados. Por mais que ele tenha histórias importantes para contar, Sven percebe que o velho está sendo exibido pela empresa como mera curiosidade. Quando o Sr. Krzeminski é chamado para inaugurar um monumento ao holocausto em uma vila próxima, a Relações Públicas da empresa corta bruscamente o discurso dele. Mas não são só os alemães que se sentem desconfortáveis com o velho. O próprio museu não quer mais que ele trabalhe restaurando as antigas malas usadas pelos prisioneiros na época da guerra. Sven, aos poucos, vai mudando de opinião quanto à rabugice do Sr. Krzeminski e quanto aos próprios sentimentos com relação a Auschwitz.

Não é um filme amigável. O roteiro, do próprio diretor, não faz questão de ser empolgante. O personagem do rapaz não tem família, passado ou futuro; é uma incógnita. Isso pode ser visto como uma falha mas, por outro lado, torna sua transformação no final, ainda que tímida, ainda mais importante. A interpretação de Ryszard Ronczewski como o Sr. Krzeminski é muito boa. Um problema técnico atrapalhou a apreciação do filme; a cópia digital estava escura e com problemas evidentes de compressão, como em um vídeo de baixa qualidade. Este detalhe, mais a lentidão do roteiro, contribuíram para que a platéia não gostasse do filme. Mas é um filme interessante, embora frio, realista. Como diz o Sr. Krzeminski em uma cena, quem quer se emocionar com Auschwitz pode ver "A Lista de Schindler". Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Chave de Sarah

Kristin Scott Thomas é Julia Jarmond, uma jornalista americana que construiu uma vida na França. Ela é casada, tem uma filha adolescente e está escrevendo uma matéria sobre um período pouco falado (e vergonhoso) da história francesa. Em julho de 1942, com a França ocupada pelo exército nazista, judeus franceses foram retirados à força de suas casas e levados a um velódromo de Paris, onde passaram cinco dias em condições sub-humanas. "Era necessário fechar a janela por causa do mau cheiro", diz uma vizinha do velódromo, anos depois, à jornalista.

O mais absurdo da situação é que os oficiais responsáveis pela operação não eram nazistas alemães, mas soldados franceses. Quando eles invadiram o apartamento da família Starzynski, em 1942, a pequena Sarah (Mélusine Mayance) levou o irmão Michel para um armário e o trancou lá, dizendo que voltaria para buscá-lo. Sarah e a família são levados primeiro ao velódromo e depois para campos temporários, onde os homens foram separados das mulheres e, depois, as crianças das mães. Sarah, apesar de cada vez mais fraca e doente, segura nas mãos a chave do armário onde trancou o irmão, imaginando um modo de fugir para resgatá-lo.

Dirigido por Gilles Paquet-Brenner, "A Chave de Sarah" alterna de forma eficiente a trama passada em 1942 e a pesquisa realizada por Julia em 2009. Apesar de mais de 60 anos separarem os dois eventos, há pontos em comum que deixam Julia cada vez mais incomodada. O apartamento em Paris que o marido está reformando, por exemplo, pertenceu à família dele desde a época da guerra. Um pesquisador sobre o Holocausto, depois de investigar o endereço, informa Julia que o apartamento havia pertencido à uma família judaica de nome Starzynski. Julia fica obcecada com a história trágica de Sarah e, depois de saber do irmão que havia sido deixado trancado no apartamento, se recusa a morar lá. A família do marido passa a questioná-la sobre o porquê dela estar desenterrando um passado que todos gostariam de esquecer. "A verdade tem um preço, para o bem ou para o mal", responde a jornalista.

Curioso que a trama de "A Chave de Sarah" também foi contada recentemente no filme "Os Nomes do Amor". Naquele filme, a mãe do personagem principal também era uma sobrevivente dos nazistas que havia sido criada em um orfanato, sofrendo com a perda da própria identidade. A colaboração dos franceses no massacre dos judeus é uma ferida aberta na história da Europa, que sofre até hoje com problemas de racismo e antissemitismo. Kristin Scott Thomas é uma ótima atriz que, assim como sua personagem, mudou-se para a França e construiu uma carreira sólida em filmes como "Partir", "Há tanto tempo que te amo" e vários outros. Ela interpreta Julia como uma mulher madura e cansada com a hipocrisia do mundo. Em meio à reportagem ela descobre que está grávida e se recusa a fazer o aborto que o marido gostaria que fizesse.

A parte final sofre pela longa duração e certo didatismo. A busca de Julia pela história de Sarah a leva aos Estados Unidos e depois à Itália, onde o ator Aidan Quinn faz uma participação especial como um filho de Sarah. Bom filme. Visto no Topázio Cinemas, Campinas.

Câmera Escura

terça-feira, 25 de maio de 2010

O que resta do tempo

O diretor Elia Suleiman conseguiu um feito. Uma comédia extremamente sutil lidando com a delicada situação entre israelenses e palestinos. Tão sutil, na verdade, que demora para o espectador perceber o humor da situação. O filme começa com um tom fantasioso, quando um taxista desconfiado pega um passageiro no aeroporto, à noite, e ruma para a estrada. No caminho, uma forte tempestade o faz parar no meio fio e o motorista, claramente assustado, se pergunta o que está acontecendo. A situação parece um sonho e abre uma janela para o passado e para as lembranças de Suleiman, o passageiro do táxi. Voltamos para 1948, ano da criação de Israel e da ocupação da cidade de Nazaré. O pai de Suleiman, Fuad (Saleh Bakri) faz parte da resistência palestina e é um fabricante de armas. Ele é preso e torturado pelos israelenses, e imaginamos que estamos para ver um filme pesado de guerra.

Curiosamente, não é o que acontece. Em saltos para frente no tempo, o filme deixa de lado a ação inicial e se torna uma espécie de contemplação do equilíbrio frágil que se instala na região. Suleiman faz uma delicada homenagem ao pai e à mãe na forma de episódios cuidadosamente dirigidos e enganadoramente simples. O espectador acompanha situações cotidianas da família Suleiman e da vizinhança, tudo maravilhosamente fotografado por Marc-André Batigne. Há um vizinho "maluco" que se encharca de gasolina e ameaça se queimar toda semana. Há a tia que faz um prato de lentilha tão intragável que o pequeno Elia Suleiman sempre joga o conteúdo do prato no lixo. Na escola, Elia é frequentemente repreendido por ter falado alguma coisa contra os Estados Unidos. À noite, seu pai e um amigo gostam de pescar em frente ao mar, tendo que explicar para a polícia, todas as vezes, de que não estão fazendo nada suspeito.

É um filme extremamente contemplativo, talvez até demais. A terceira parte mostra o próprio diretor voltando para Nazaré para visitar a mãe doente. Suleiman faz uma espécie de filme mudo (aos moldes de Buster Keaton, que nunca sorria), nos mostrando o lado engraçado de situações absurdas, como um homem que sai para jogar o lixo e parece nem notar o gigantesco tanque de guerra que o mantém sob a mira constante; ou o guarda de trânsito que dança uma coreografia com os carros que passam, ou a mulher com o bebê que, por um momento, para um tiroteio entre a polícia israelense e os palestinos. Suleiman faz sua declaração de amor ao cinema em pequenos momentos, como na exibição de "Spartacus" (de Kubrick) em seus tempos de escola, ou no rapaz que passa na rua assobiando a trilha de "O Poderoso Chefão" (de Francis-Ford Coppola) ou "Três Homens em Conflito" (de Sergio Leone). Uma das melhores cenas, no entanto, é a que envolve o impassível Suleiman, o muro construído por Israel para separar judeus de palestinos e uma vara olímpica.

Uma comédia em que o espectador nunca solta uma gargalhada, mas está sempre sorrindo. A não ser em uma cena inacreditável de karaokê, que vale o filme.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Um Homem Sério

Lawrence Gopnik (Michael Stuhlbarg) está revoltado. Ele é um “homem sério”; mora nos subúrbios, em uma daquelas vizinhanças planejadas dos Estados Unidos do pós-guerra, com a esposa e um casal de filhos. Ele também tem sido um bom judeu, matriculando os filhos na escola hebraica e se preparando para o “bar mitzvah” do caçula. Por que, então, Hashem tem sido tão duro com ele? A esposa (Jéssica MacManus) quer o divórcio. A filha só pensa em penteados e o filho está sempre fumando maconha no banheiro da escola. “Um Homem Sério” é a última produção dos irmãos Ethan e Joel Coen. Os dois têm uma invejável produção que consegue se manter dentro da linha tênue entre o cinema comercial e os produtos intelectuais, destinados a platéias mais exigentes. Os irmãos Coen escrevem, produzem, dirigem e editam os próprios filmes, e têm na carreira títulos como "Barton Fink" (1991), "A Roda da Fortuna" (1994), "Fargo" (1996), "O Homem que não estava lá" (2001) e "Onde os Fracos não Têm Vez" (2007). Por este último, ganharam o Oscar de melhores roteiristas e diretores, além do prêmio de Melhor Filme. O estilo deles é uma equilibrada mistura de um humor fino com bela técnica cinematográfica, além de roteiros provocativos.

“Um Homem Sério” tem todos os ingredientes de um trabalho pessoal dos irmãos. Situado no final dos anos sessenta (1967, para ser exato), o ambiente judaico e as situações vividas pelos personagens têm tons autobiográficos. Não é difícil imaginar os irmãos Coen aprendendo hebraico ou se escondendo para fumar maconha. Lawrence é um professor de física e matemática em uma escola secundária e, apesar de judeu praticante, tem muita fé na Razão e na certeza dos números. Sua vida organizada e “normal” é virada de pernas para o ar com o anúncio da esposa de que ela quer o divórcio. “Mas o que foi que eu fiz?”, pergunta ele, incrédulo. “Nada”, diz ela, “você não fez nada”. O choque do anúncio como que abre os olhos de Lawrence para os problemas de sua vida. Seu irmão Arthur (Richard Kind) mora de favor na casa dele, dorme no sofá e fica horas no banheiro, para desespero da filha de Lawrence. Para complicar, a esposa está tendo um caso com um viúvo (Fred Melamed) que insiste em ser extremamente gentil e compreensivo com Lawrence, que conforme vai ficando cada vez mais desesperado, imaginamos o que mais pode dar errado na vida dele. Como o roteiro dos Coen vai nos mostrar, muita coisa.

O final é abrupto e, assim como em “Onde os Fracos não Têm Vez”, totalmente aberto, o que deve revoltar muitos espectadores. Aparentemente, “Um Homem Sério” pode parecer uma simples comédia excêntrica, mas é muito mais do que isso. O choque enfrentado pelo personagem principal, na verdade, é o experimentado por toda sociedade americana (e também o mundo), nos turbulentos anos sessenta. Lawrence representa o americano médio, religioso, otimista, classe média, que acreditava na prosperidade econômica experimentada pelo país no pós-guerra. De repente, ele tem que enfrentar fatos como a revolução sexual, o feminismo, as drogas e a guerra do Vietnã. Sua fé na Matemática e em Deus (In God We Trust), de repente, não dá conta de enfrentar todas estas mudanças sociais e culturais. Os irmãos também fazem uma brincadeira bem humorada com a imagem do Deus tirano e vingativo do “Torá” (e do Velho Testamento), pronto para castigar aquele que sai do “caminho do bem”. Justo quando as coisas pareciam estar melhorando para o pobre Larry Gopnik. Indicado para os Oscars de Melhor Roteiro e Melhor Filme em 2010.