Resistência (The Creator, 2023). Dir: Garreth Edwards. Belíssimo filme de ficção científica que é um sopro de ar fresco em meio a tantas versões de Star Wars ou filmes da Marvel dominando as telas. "Resistência" usa de muitas referências, claro, "Blade Runner", "Akira", "A.I" do Spielberg até mesmo "E.T.", mas é uma história totalmente original.
No futuro, a Terra está em guerra com as IA (Inteligência Artificial). Ou melhor, os Estados Unidos estão em guerra com a IA porque, supostamente, uma explodiu uma bomba atômica em Los Angeles, pulverizando milhões de pessoas em segundos. Os Estados Unidos constroem uma fortaleza voadora chamada NOMAD, que vigia todo o planeta e dispara mísseis sobre os inimigos.
John David Washington é um soldado das forças especiais que é recrutado para encontrar uma arma construída pelas IA na Ásia. Ao mesmo tempo, ele espera poder reencontrar sua esposa, que teria sido morta no começo do filme mas que ele acredita que ainda esteja viva. A tal "arma" que ele encontra tem o formato de uma criança pequena de uns seis anos (Madeleine Yuna Voyles), que ele passa a chamar de "Alphie". A criança, aos poucos, começa a se aproximar dele e a agir como uma criança comum, não como uma arma que poderia destruir os americanos. Fica a dúvida no ar... a criança realmente tem sentimentos ou é só programada para fingir? Como espectador, você fica o tempo todo "mudando de lado", ora torcendo para os americanos, ora torcendo pela Resistência.
O que realmente impressiona é a construção de mundo. Há centenas de efeitos visuais o tempo todo, misturados às paisagens filmadas na Tailândia e países vizinhos. Tudo é tão integrado que você se esquece que está vendo efeitos especiais. Há até monges budistas que são robôs, tudo integrado à narrativa. O roteiro tem algumas parte difíceis de engolir e todo o terceiro ato depende de uma série de conveniências para dar certo, mas não importa. É bastante emocionante.
O filme foi feito com um orçamento baixo, 80 milhões de dólares (contra uns 300 milhões do último Indiana Jones e 200 milhões de Aquaman 2). A recepção foi mista, muita gente esperava mais; para mim, é um filmão a ser visto e revisto. Disponível na Star+.
Andor (2022). Dir: Tony Gilroy. Disney+. Escrevendo sobre algumas séries e filmes que vi este ano antes que ele acabe. "Andor" é, de longe, a melhor série baseada no universo Star Wars já feita. Esqueça fan service desnecessário, esqueça piadinhas bobas, esqueça até dos Jedi e dos sabres de luz. Não deveria ser surpresa, pois ela é baseada no melhor filme derivado de Star Wars, "Rogue One", dirigido por Gareth Edwards em 2016. O ás na manga aqui está no roteirista/produtor/diretor Tony Gilroy; diz a lenda que Gilroy resgatou "Rogue One", que tinha um roteiro perdido e sem foco, reescrevendo grande parte do filme e criando um final emocionante. Deu certo.
"Andor" volta alguns anos na história de "Rogue One" e apresenta o surgimento de um de seus heróis, Cassian Andor (Diego Luna), que está mais para um anti-herói, na verdade. Andor é um órfão que vive de golpes e pequenos roubos. Ele não tem aquele ar "perfeito" de um Luke Skywalker, muito pelo contrário. Como visto em "Rogue One", ele não pensa duas vezes antes de matar alguém a sangue frio, se isso for necessário. A série também foca no início da Rebelião contra o Império, uma época entre os três primeiros episódios de Star Wars e a trilogia composta por "Uma Nova Esperança", "O Império Contra-Ataca" e "O Retorno de Jedi".
A Rebelião é representada por um ótimo novo personagem, Luthen, interpretado pelo grande Stellan Skarsgård. Luthen é idealista, mas é também um personagem bastante ambíguo. Curiosa a participação de uma personagem secundária dos filmes originais, a Senadora Mon Mothma (Genevieve O'Reilly), que é colocada em evidência aqui. A série é bastante "pé no chão"; há a sensação (bem-vinda) de que personagens importantes podem morrer a qualquer momento. A série, com 12 episódios, é dividida em alguns "blocos"; há uma história que parece ter saído diretamente de algum filme de 2ª Guerra Mundial (tipo "Comando 10 de Navarone"), quando Andor se junta a um grupo que pretende atacar uma represa e roubar uma fortuna do Império. Há também um "bloco" passado em uma prisão em que conhecemos outro bom personagem, Kino Loy, interpretado por Andy Serkis (a voz de Gollun, de "O Senhor dos Anéis"). Há episódios que lidam com os bastidores da política em Coruscant, a capital do Império, em que vemos a senadora Mothma tentando levantar dinheiro para a Rebelião; e assim por diante.
Como disse, não há em "Andor" espaço para aparições de Darth Vader ou Obi-wan Kenobi. Não há versões fofinhas de um bebê Yoda. Não há cenas com Luke Skywalker rejuvenescido em computação gráfica. O que temos é uma série com roteiros sólidos, boas interpretações e a sensação de que há realmente algo em jogo. Muito bom. Disponível na Disney+.
Primeiro, aviso de SPOILERS. MUITOS SPOILERS. ESTEJA AVISADO.
Segundo, assisti "Rogue One" no dia da estreia aqui no Brasil mas, curiosamente, não consegui escrever a respeito do filme. Eu o achei fantástico, mas teria sido apenas resultado da baixa expectativa? Resolvi que só escreveria quando o assistisse novamente, o que foi hoje. O que me leva a....
Terceiro: estava a caminho da sala de cinema para rever o filme quando chega uma mensagem enviada por um amigo: "Morreu Carrie Fisher". E lá vou eu rever "Rogue One" com mais esta informação na cabeça. De repente, a cena final toma um significado todo especial. De repente, todas as mortes neste filme (e são muitas) se tornam mais marcantes.
"Rogue One", sem exagero, é um dos melhores filmes já feitos da franquia "Star Wars". O diretor Gareth Edwards (do apenas razoável "Godzilla") e vários roteiristas (Chris Weitz, Tony Gilroy, John Knoll, Gary Whitta) conseguiram a façanha de transformar aqueles títulos iniciais de "Star Wars: Uma Nova Esperança" (1977) em um filmão de guerra e aventura. "É um período de guerra civil. Espaçonaves rebeldes, atacando de uma base escondida, obtiveram sua primeira vitória contra o malvado Império Galáctico", dizia o famoso texto inicial de "Guerra nas Estrelas" (como, por muitos anos, era conhecido o filme). Pois bem, "Rogue One" trata exatamente sobre este feito dos rebeldes em roubar os planos secretos para a famosa "Estrela da Morte", a "destruidora de planetas", como cita um dos personagens. O roteiro vai além, ao explicar até o que sempre foi considerada uma falha na história original de George Lucas, que era a famosa fraqueza na estação espacial, o duto em que (SPOILER, caso você não tenha crescido neste planeta) Luke Skywalker atira um torpedo e manda pelos ares a "arma final do Império". A fraqueza teria sido colocada lá de propósito pelo construtor da Estrela da Morte, Galen Erso (o grande Mads Mikkelsen), como uma vingança contra o Império que matou sua esposa Lyra e o afastou da filha, Jyn (Felicity Jones).
Não que o filme seja perfeito, veja bem. O começo, principalmente, quando os personagens estão sendo apresentados, patina bastante. É fato que o roteiro passou por grandes mudanças mesmo em estágios avançados da produção. O roteirista Tony Gilroy (dos filmes de Jason Bourne) teria recebido mais de 5 milhões de dólares para reescrever e refilmar grande parte da produção, fazendo mudanças que alteraram vários aspectos da trama, inclusive o final. Quem compara os trailers que foram lançados antes do lançamento com o filme final vai perceber que não só muitas falas foram cortadas como cenas inteiras estão diferentes.
O que importa, claro, é o produto final, e "Rogue One" faz a alegria não só dos novos fãs como dos antigos conhecedores da saga. Esqueça a lenga lenga política e conversas sobre "midichlorians" inventadas por George Lucas nos famigerados Episódios I, II e III. "Rogue One" resgata o ritmo acelerado da estonteante sequência final de "Uma Nova Esperança" e "O Retorno de Jedi" com o lado sombrio e trágico de "O Império Contra Ataca". É melhor até que o bom "Episódio VII", lançado ano passado por J.J. Abrams. Felicity Jones não é grande atriz mas ela está competente como Jyn Erso, uma personagem dividida cujo pai é, aparentemente, um colaborador do Império enquanto a Aliança Rebelde procura sua ajuda. Diego Luna interpreta um rebelde de moral também bastante duvidosa, como se vê em uma cena inicial em que ele mata a sangue frio um companheiro. Há também, claro, espaço para o humor; Alan Tudyk interpreta o robô K2SO, que pode não ser nenhum C3PO, mas tem algumas das falas mais engraçadas do filme. Há também dois atores chineses, Donnie Yen e Wen Jiang, que emprestam ao filme um lado oriental que já estava subliminar nos primeiros filmes de Lucas, fortemente influenciados pelos samurais de Arika Kurosawa. Há diversas sequências tiradas diretamente de filmes sobre o "Dia D", no final da 2ª Guerra Mundial; até o uniforme dos rebeldes lembram o desembarque dos Aliados na Normandia em 1944.
E temos que falar, claro, da volta de Darth Vader (com a poderosa voz de James Earl Jones); ele faz apenas algumas cenas neste filme, mas o cinema literalmente vem abaixo quando ele luta com os os rebeldes na espetacular sequência final. Quem também está de volta é Grand Moff Tarkin, interpretado além túmulo por um Peter Cushing digital que nem sempre funciona direito, mas impressiona. O compositor Michael Giachinno, que eu sempre considerei o sucessor de John Williams, usa e abusa dos temas originais do mestre mas vai além, criando novos temas em uma das melhores trilhas sonoras de toda saga.
Em suma, "Rogue One" é um grande filme, que serve tanto de homenagem a uma das franquias mais famosas do cinema como também funciona com méritos próprios. As cenas finais, quando testemunhamos o sacrifício dos personagens em prol de "uma nova esperança", são tocantes e muito bem feitas. Curioso que é com uma Carrie Fisher digital, jovem e sorridente, que o filme termina e nos joga em um mar de estrelas, prenunciando o que está por vir.