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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Feliz Natal (o filme revisto)

Assisti a "Feliz Natal", longa de estréia de Selton Mello na direção, no I Festival Pauínia de Cinema, em julho de 2008. O clima era de festa, era a estréia no filme, com presença do próprio Selton Mello e um verdadeiro exército de pessoas da equipe, entre elenco, produtores e equipe técnica. O ambiente sem dúvida colaborou para que o filme não fosse visto de forma mais focada, de modo que resolvi revê-lo agora, quase seis meses depois, em uma sessão "comum" de cinema. O resultado é que "Feliz Natal" é, sem sombra de dúvida, um filme extremamente poderoso.

Não é um filme fácil. O tema é pesado e a direção, sim, é "exagerada" por parte de Selton Mello. Mas tudo isso é proposital: este é um filme de excessos, sobre uma época de excessos. Uma época que deveria ser de paz e de harmonia mas que, em alguns casos, acabam levando situações comuns ao limite. Picuinhas familiares, problemas entre pais e filhos, segredos escondidos, bebidas, drogas...tudo o que pode ser considerado "aceitável" durante o ano acaba se revelando um problema durante o estresse das festas de final de ano. Considere o caso de Caio (Leonardo Medeiros, perfeito), um homem que leva uma vida simples no interior, cuidando de um ferro velho, que decide enfrentar os próprios demônios e vai à cidade grande (um Rio de Janeiro quase irreconhecível) participar da ceia de natal da família. E que família. A mãe, Mércia (Darlene Glória, em interpretação no limite), é uma senhora viciada em remédios e bebida, que foi abandonada pelo marido Miguel (o grande Lúcio Mauro), que a trocou por uma garota com idade suficiente para ser sua neta. A cunhada Fabiana (Graziella Moretto), claramente não aguenta mais os escândalos da sogra nem o comodismo do marido Theo (Paulo Guarnieri). Caio é recebido na casa pelo sobrinho Bruno (o garoto Fabrício Reis, que rouba as cenas), com quem tem talvez o único diálogo completo do filme. A partir de sua entrada na festa de natal, ele é jogado em um turbilhão de recriminações veladas do irmão, olhares fuzilantes por parte do pai, um amor estranhamente físico da mãe e insinuações por parte da cunhada.

Tudo isso filmado por Selton Mello, com seu diretor de fotografia Lula Carvalho, com a câmera por vezes a centímetros do rosto dos atores, capturando cada olhar, cada respiração. O estilo pode saturar, mas há alguns planos magistrais. Leonardo Medeiros entra no banheiro, por exemplo, para lavar o rosto sulcado por lágrimas de desespero, quando a cunhada entra e fecha a porta. No plano, vemos apenas o rosto de Graziella Moretto, à direita, olhando para Caio, visto no reflexo sujo de um espelho cheio de texturas, no lado esquerdo. O que ela veio fazer ali? Veio trazer consolo? É um flerte? Caio não espera para descobrir e cruza a tela, saindo pela direita, invertendo o eixo; agora, o rosto de Moretto está à esquerda. Um pouco depois, há um longo plano seqüência que começa com um despedida entre Caio e sua mãe, que o empurra e o expulsa da casa. Ela então começa a descer as escadas da casa e a câmera vai atrás. Sem cortes, segue-se uma discussão entre Mércia e o marido; em seguida, Mércia vai até a sala e começa a atrapalhar a festa de natal, o que atrai a nora que, impaciente, praticamente a arrasta para fora da sala de volta à escadaria. O plano dura perto de dez minutos e envolve quatro situações/diálogos em seguida, sem cortes, no estilo documental de Lula Carvalho.

Mas não é pela técnica apenas que o filme é poderoso. A trama, complicada, fica realmente mais clara quando se revê o filme. O personagem de Leonardo Medeiros, Caio, está de volta à cidade não só para tentar se acertar com a família, mas para rever os amigos e enfrentar um trauma em seu passado: ele foi responsável por um grave acidente que causou a morte de uma moça. Acompanhamos sua visita a um cemitério em pleno dia de Natal (onde é recepcionado por um senhor bondoso que, irônico, diz que seu apelido é "Zé do Caixão"), para procurar o túmulo dela. Ele também visita o local do acidente e, em uma seqüência muito interessante, vemos o que realmente aconteceu. É a segunda de duas cenas em que a câmera sai do chão e, com o auxílio de uma grua, assiste tudo do alto.

Há uma cena de nudez de Graziella Moretto que, por causa de um protesto do companheiro e ator Pedro Cardoso, trouxe polêmica, mas a cena é simples, bela e nada gratuita. Fabiana, cansada dos problemas com a sogra e com o marido, está pensando em se separar. Sozinha, à noite, depois que todos já foram dormir, ela olha para o próprio corpo, nu, diante de um espelho, como que imaginando se ainda está em condições de tentar uma nova vida. O roteiro (de Selton Mello e Marcello Vindicatto) é implacável, e ainda reserva uma tragédia para o final. Quando vi o filme pela primeira vez, em Paulínia, achei o final exagerado e desnecessário. Estava enganado. É um final cruel, sem dúvida, mas, repito, condizente com o excesso presente em todo o filme.

"Feliz Natal" foi acusado de ser pretensioso e pesado demais. É pretensioso sim, mas por que não o seria? Selton Mello poderia facilmente ter feito uma comédia romântica, se aproveitado do próprio sucesso e trilhado o caminho mais fácil. Preferiu seguir por um caminho mais artístico e muito mais arriscado, mergulhando de cabeça no que há de pior no ser humano. Exagerado, sim, mas coerente. Ironicamente, o plano final é de uma paz e de uma simplicidade extremas. Por trás de uma cortina, vemos o retrato do que pode ser chamado de "felicidade".


segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Vencedores do I Festival Paulínia de Cinema

Sábado foi o encerramento do I Festival Paulínia de Cinema. O grande vencedor da noite foi José Mojica Marins, vulgo Zé do Caixão, com seu fime "Encarnação do Demônio". Não vi o filme e não gosto deste tipo de terror "trash", mas sem dúvida Zé do Caixão é um ícone do cinema brasileiro. Vi o trailer do filme e, ao menos tecnicamente, ele me pareceu bastante bem feito (e bastante sangrento). Deve agradar à molecada fã de filmes como "Jogos Mortais" e similares. Selton Mello levou o prêmio de Melhor Diretor por seu "Feliz Natal" (crítica abaixo).

Segue a lista dos vencedores:

- Melhor Filme: Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins
- Prêmio Especial do Júri: Walter Lima Júnior, diretor de Os Desafinados (leia crítica abaixo)
- Melhor Diretor: Selton Melo, por Feliz Natal
- Melhor Ator: Paulo José, por Pequenas Histórias
- Melhor Atriz: Claudia Abreu, por Os Desafinados
- Melhor Ator Coadjuvante: Ângelo Paes Leme, por Os Desafinados
- Melhor Atriz Coadjuvante: Darlene Gloria e Graziella Moretto, por Feliz Natal (por unanimidade)
- Melhor Roteiro: Helvécio Ratton, por Pequenas Histórias
- Melhor Documentário: Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, de Cláudio Manoel, Calvito Leal e Michael Langer
- Prêmios Especiais - Documentários: Iluminados, de Cristina Leal Castelar, e Nelson Dantas no País dos Generais, de Carlos Alberto Prates Correia
- Menção Especial: Fabrício Reis por sua atuação em Feliz Natal, de Selton Mello
- Melhor Fotografia: José Roberto Eliezer, por Encarnação do Demônio
- Melhor Montagem: Paulo Sacramento, por Encarnação do Demônio
- Melhor Trilha Sonora: André Abujamra e Marcio Nigro, por Encarnação do Demônio
- Melhor Edição de Som: Ricardo Reis, por Encarnação do Demônio
- Melhor Direção de Arte: Cássio Amarante, por Encarnação do Demônio
- Melhor Figurino: Fabio Namatame, por Onde Andará Dulce Veiga

domingo, 13 de julho de 2008

Feliz Natal

Li uma estatística uma vez que dizia que o stress das festas de final de ano é responsável por um aumento nas mortes por ataque cardíaco. Não sei se é verdade, mas me lembrei disso enquanto assistia a "Feliz Natal", filme de estréia na direção do ator Selton Mello, exibido dia 11 último no I Festival Paulínia de Cinema. Selton é sem dúvida uma das grandes figuras no cenário do cinema brasileiro recente, presente em filmes tão diferentes como "Lavoura Arcaica" e "O Cheiro do Ralo" como mais comerciais e leves como "O Auto da Compadecida" e "Lisbela e o Prisioneiro". Pode-se até dizer que ele sofre de certo excesso de exposição, a ponto de se tornar um pouco repetitivo. Nada melhor, então, do que passar para o lado de trás das câmeras e colocar o chapéu de diretor. Em "Feliz Natal", Selton também assina a produção, o roteiro (com Marcelo Vindicatto) e a edição do filme.

Não é um filme fácil. Selton poderia ter usado da própria fama para produzir um filme leve e divertido para atrair um grande público e agradar a todo mundo. Não é, definitivamente, o caso. "Feliz Natal" é "feio", "sujo", escuro e, por que não, polêmico. A fotografia de Lula Carvalho, além de super granulada, parece querer entrar na alma dos personagens através das lentes. Há alguns planos maravilhosos dos olhos injetados de Darlene Glória (a quem Selton Mello chamou de "minha musa, a alma do meu filme" antes da exibição em Paulínia) que valem o ingresso.

Leonardo Medeiros (perfeito) é Caio, o dono de um ferro velho no interior que volta para a cidade grande para rever a família durante as festas de Natal. A cunhada Fabiana (Graziella Moretto, em papel diferente de suas comédias habituais) o recebe dizendo que ele deixou muita mulher com o coração partido mundo afora (aparentemente, ela também). Sua mãe, Mércia (Darlene Glória, em atuação extraordinária) é um misto de amor de mãe com um "algo a mais" incômodo. O irmão Theo (Paulo Guarnieri, muito bem) não parece feliz em vê-lo e o pai (o grande Lúcio Mauro) diz para ele sumir da sua frente ou vai lhe partir a cara. Tudo isso apresentado em longos planos seqüência entrecortados por uma montagem que não segue o padrão clássico de plano/contraplano. Quando mãe e filho se encontram em frente a uma cortina de luzes, por exemplo, a edição entrecorta planos dos dois se falando com outros que os mostram se abraçando, gerando uma sensação de intimidade forçada, incômoda mesmo, para o espectador. Selton Mello também se mostra bom diretor em um encontro de Caio com a cunhada no banheiro. Nada é dito, vemos apenas o rosto dela em primeiro plano enquanto, em um espelho todo "sujo" com texturas, vemos o reflexo de Caio. Os dois apenas ficam lá, por um longo período, até que Caio pede licença e cruza a tela, deixando a cunhada do lado esquerdo do plano, agora invertido.

Selton Mello, grande fã do cinema nacional, europeu e do cinema americano marginal, claramente bebeu dessas fontes para criar sua versão de cinema. Os silêncios "europeus" de "Feliz Natal" por vezes são entrecortados por momentos mais "marginais" de humor, vindos principalmente das crianças (uma delas filho de Guarnieri; o outro menino, maravilhoso, infelizmente não peguei o nome). A (má?) influência da internet, por exemplo, rende momentos engraçados como quando os garotos vão procurar a definição de "menstruação" na web e a descrevem para os outros convidados da festa. E há a presença sutil de Tarantino em alguns diálogos trocados pelos amigos de infância que Caio vai visitar em sua passagem pela cidade.

Apesar desses momentos de humor, não é um filme para "se divertir". A hipocrisia da família moderna é mostrada de forma até cruel pela câmera "suja" de Mello. A Mércia de Darlene Glória é mostrada como uma senhora viciada em remédios e bebida. Lúcio Mauro se gaba de ter uma namorada com idade para ser sua neta, mas o "romance" tem que ser mantido à base de drogas para a potência. As crianças estão expostas a todo esse ambiente e as conseqüências são imprevisíveis. Caio está claramente tentando se reconciliar com problemas do passado, mas só encontra hostilidade ou, pior, piedade da família e amigos.

E há o final do filme. Claro que não vou entrar em detalhes aqui, pois não quero estragar o filme para ninguém. Só me limito a dizer que Selton cometeu uma ousadia final no roteiro que me deixou bastante dividido. Por um lado, a cena é forte o suficiente para ter arrancado, de uma mulher sentada atrás de mim no cinema, um "Não!" expontãneo e bem vindo (é raro tirar o público da letargia hoje). Por outro, eu me pergunto se ela era realmente necessária, ou se não teria sido uma apelação do roteiro. Para "compensar", há um plano final de absoluta paz que impressiona.

Um filme difícil, forte e impressionante. Não acho que vá agradar ao grande público. Para Selton Mello, é uma vitória artística e pessoal de alguém que já guardou seu lugar na história do cinema brasileiro como ator. "Estou nascendo de novo aqui hoje", disse ele antes da exibição do filme. "O flme se completa agora com o olhar de vocês". O olhar de muitos, ao final, era de espanto, confusão e admiração.