
Parecia que nada mais poderia ser feito a partir desta história, mas Bruno Barreto, diretor brasileiro que há anos estava radicado nos Estados Unidos, resolveu fazer um filme de ficção baseado no episódio. O resultado é interessante. O foco do filme, curiosamente, não é o sequestro nem o final trágico, mas sim a história da vida de Sandro (Michel Gomes) e de um outro rapaz da mesma idade e um nome parecido, Alessandro (Marcello Melo Jr), que foi tirado da mãe quando bebê e criado pelo pai traficante. Sandro vê a mãe ser assassinada por um assaltante e vai morar com uma tia. Mas ele não consegue se adaptar à família e se torna um morador de rua. Ele passa seus dias cheirando cola e praticando pequenos delitos no Rio de Janeiro. Em um lance de sorte, ele escapa da famosa chacina da Candelária, quando vários menores de rua foram assassinados a sangue frio. O destino faz com que ele seja enviado para a mesma prisão em que Alessandro está, e os dois formam uma aliança.
O filme acompanha também a vida de Marisa, a mãe de Alessandro, que nunca se esqueceu do filho que lhe foi tirado das mãos pelo pai traficante. Ela se torna evangélica e, ao assistir uma matéria na televisão sobre a Candelária, acredita ter achado seu filho. O roteiro faz um jogo interessante entre estes dois adolescentes que perderam a mãe e esta mulher em busca do filho (ou de uma figura que possa substituí-lo). O espectador sabe que o filho verdadeiro de Marisa é Alessandro, mas ela acredita que seu filho é Sandro que, precisando de um lugar para ficar (e de uma mãe), acaba se passando por filho dela.
Tudo isso já daria um filme bastante interessante e, a bem da verdade, você até se esquece do sequestro até perto do final, quando Sandro, rejeitado pelo amigo, pela namorada e pela mãe adotiva, gasta seu dinheiro em cocaína e vai parar dentro do Ônibus 174. A polícia é avisada por um passageiro que há um homem armado dentro do ônibus e o cerco é levantado. O resto já é de conhecimento geral, mas Bruno Barreto não se preocupou em ser muito fiel aos eventos reais. Há um detalhe no elenco que me desagradou. Interpretando o negociador do Bope que tenta tirar Sandro do ônibus está ninguém menos que André Ramiro, o ator que interpretou o policial Matias em "Tropa de Elite". Vestindo o uniforme negro com a caveira, Ramiro parece literalmente saído do outro filme para aparecer neste, e o resultado é confuso. Seria uma piada de Bruno Barreto? Ou uma crítica ao resultado da operação?
Também não deixa de ser irônica (e trágica) a coincidência de que o lançamento de "Última Parada 174" se deu apenas alguns dias depois do final de outro sequestro que mexeu com a opinião pública e que resultou na morte de uma refém, em Santo André, São Paulo. Não tenho a menor dúvida de que, em pouco tempo, teremos um filme a respeito. "Última Parada 174" foi o escolhido brasileiro para tentar concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem, em Los Angeles. O roteiro é do craque Bráulio Mantovani (Cidade de Deus), a fotografia do francês Antoine Heberlé e a bela trilha sonora é de Marcelo Zarvos.