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domingo, 25 de setembro de 2016

Truman (2015)

Ainda meio sem saber o que falar sobre "Truman", esta co-produção Espanha/Argentina estrelada por Ricardo Darín. "Maravilhoso" seria um bom adjetivo. Filme sensível, tocante, triste sem ser piegas, engraçado sem ser histérico. É, antes de mais nada, Darín mostrando porque é um dos melhores atores do mundo. 

[Atenção, SPOILERS] Ele interpreta Julian, um ator argentino que mora na Espanha. Ele é divorciado, tem um filho de 22 anos morando em Amsterdan e um cachorro chamado Truman, que ele diz que é como se fosse outro filho. Um dia Julian recebe em seu apartamento Tomás (Javier Cámara), um amigo de longa data que veio visitá-lo do Canadá. Os dois se abraçam, Julian deixa o cachorro com uma vizinha e eles saem por Madrid para resolver alguns negócios pendentes. Primeiro visitam o veterinário de Truman, a quem Julian pergunta como é que um cachorro lida com a questão do luto. Julian pretende dar o cachorro para adoção e está preocupado com o modo como o cachorro vai sentir sua falta "depois que ele partir". Ao longo do filme eles visitam uma funerária, onde Julian precisa decidir se quer um enterro comum ou cremação. Finalmente visitam o médico de Julian, a quem o ator declara sua decisão de parar com a quimioterapia. "De que vai adiantar? Eu vou morrer de qualquer maneira, não vou?".

É assim que, lentamente, o espectador toma conhecimento de que Julian tem uma doença terminal e que, para espanto de amigos e família, ele está resignado com o diagnóstico e desistiu de lutar com o inevitável. Escrito e dirigido pelo catalão Cesc Gay (de "O que os homens falam"), "Truman" me lembrou um pouco de "As Invasões Bárbaras", do canadense Denys Arcand. Mas ao contrário daquele filme, quase todo passado em um hospital e nas derradeiras horas de um homem, "Truman" mostra Julian enquanto ele ainda parece saudável e com a vida toda pela frente, o que torna tudo ainda mais assustador. Julian se apresenta todas as noites no teatro (em uma versão da peça "Ligações Perigosas") e ainda tem forças para, em um impulso, pegar um avião e ir almoçar com o filho em Amsterdan (em uma das cenas mais tocantes do filme).

Vale repetir que, apesar do tema triste, este não é um filme piegas ou melodramático. A morte está à espreita no horizonte de Julian (e de todos nós um dia, não?) e ele tenta, no pouco tempo que lhe resta, resolver o destino de seu cachorro, colocar em ordem suas coisas e, principalmente, retomar a amizade com Tomás, que mais se parece como um irmão. O filme nos poupa da parte realmente ruim, quando a doença vai destruir este homem ("Eu era um galã!", diz Julian em dado momento). É uma história sobre o poder da amizade e da dificuldade em se dizer adeus, seja para um amigo, um filho ou um cachorro. (filme disponível no Google Play).

João Solimeo

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Amor

Georges não se recorda do nome do filme, mas lembra que ficou muito emocionado enquanto o assistia. Mais do que isso; ao encontrar um colega, na volta para casa, não pôde conter as lágrimas ao lhe narrar a história. "Por que você nunca me contou isso?", pergunta a esposa de Georges, Anne, que acabou de sofrer um derrame e está com o lado direito do corpo paralisado. Cenas como esta, de um casal ainda surpreendendo um ao outro mesmo depois de décadas de intimidade, é que fazem de "Amor", o novo filme do austríaco Michael Haneke, mais do que uma história sobre velhice e doença. Georges e Anne são interpretados por duas lendas do cinema francês, Jean-Louis Trintignant (de "Um homem e uma mulher") e Emmanuelle Riva (de "Hiroshima, moun amour") , e "Amor" venceu o último Festival de Cannes. É uma pequena obra-prima. É também, surpreendentemente, um filme muito sensível e mesmo "gentil" quando comparado à obras anteriores de Haneke, um mestre da frieza, como "Caché" e "A Fita Branca".

Não que "Amor" seja um filme fácil. A lenta desintegração física e mental pela qual passa Anne no desenrolar da trama é tão desoladora quanto inevitável. Haneke filma em planos longos, quase teatrais. Há uma conversa entre Georges e a filha Eva (a sempre competente Isabelle Huppert, de "Minha Terra, África" e "Copacabana") em que a câmera fica em um canto da sala, imóvel, por minutos a fio enquanto pai e filha falam sobre a família. Eva é casada com um músico inglês que tem casos com outras mulheres; os filhos estão em internatos ou não falam com os pais. É um contraste grande com o Amor (com letra maiúscula) que existe entre Georges e Anne. Haneke os filma com carinho lidando, a princípio com um choque disfarçado, com os primeiros sinais da doença. Anne, apesar de precisar de muitos cuidados, é uma mulher inteligente e muito consciente dos esforços do marido em tratar dela. Ela o faz prometer que nunca vai levá-la a um hospital ou casa de repouso e, no início, o casal parece ter a situação sob controle. É então que Anne sofre um segundo derrame e fica naquele estado semi vegetativo em que não se sabe se a pessoa está consciente ou não, e é um tormento tanto para Georges quanto para o espectador testemunhar a mudança na mulher. Há uma cena extremamente corajosa de Riva em que ela (que tem 85 anos) é vista nua enquanto uma enfermeira lhe dá banho, e a atriz se entrega totalmente ao papel; não por acaso, ela foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Jean-Louis Trintignant também oferece uma interpretação sincera e emocionante como o marido devotado que sofre dia e noite para cuidar da esposa e lidar com as cobranças da filha.

Em uma época de relacionamentos rasos e com os índices de divórcio atingindo novos recordes, a relação mostrada em "Amor" pode parecer tanto uma benção quanto um tormento. O filme fala sobre o que todo mundo já sabe, ninguém consegue fugir da morte. O difícil é saber lidar com isto de forma digna e corajosa.

ps: falando em Oscar, "Amor" surpreendeu ao ser indicado em cinco categorias: Melhor Filme Estrangeiro (o virtual vencedor), Melhor Diretor (Michael Haneke, que pode tirar de Steven Spielberg seu terceiro prêmio), Melhor Roteiro (também de Haneke), Melhor Atriz (a já citada Emmanuelle Riva) e Melhor Filme de 2012.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Inquietos

Não há nada romântico a respeito do câncer, e este é o maior problema com "Inquietos", de Gus van Sant. Com produção de Ron Howard e Brian Grazer (de blockbusters como "Apolo 13" e "Cowboys e Aliens" ) o filme de Van Sant tem "alma" de filme independente. Atores relativamente desconhecidos, trilha sonora "alternativa" e assuntos considerados tabu no cinema americano, como morte e suicídio. O filme é "bonitinho" demais, o que compromete.

Enoch Brae (Henry Hopper, filho de Dennis Hopper) é um rapaz depressivo que gosta de entrar de penetra em velórios. Ele perdeu os pais em um acidente de carro e esteve à beira da morte por meses. Ele mora com uma tia em uma casa que é o protótipo da casa mal assombrada, grande e escura, e tem um amigo imaginário chamado Hiroshi (Ryo Kase), que diz ser o fantasma de um piloto kamikaze japonês. Enoch conhece Annabel (Mia Wasikowska, pense na garota mais gracinha que se pode imaginar) em um destes velórios e os dois se tornam amigos. Tudo no casal lembra a morte; Enoch apresenta seus pais a Annabel no cemitério, claro, e ela é interessada em insetos que se acasalam na carcaça de animais mortos. Annabel está morrendo; ela é paciente teminal de câncer e os médicos lhe deram três meses de vida. Junta-se um rapaz apaixonado por morte com uma moça que está para morrer e o resultado é difícil de classificar (uma "comédia romântica mórbida"?).

O elenco deve ser elogiado. O filho de Dennis Hopper é bom e sua interpretação ao lado de Wasikowska funciona bem. A amizade entre os dois logo se transforma em amor e, com três meses de vida, não há tempo a perder e o casal passa a maior parte do tempo juntos, seja em transfusões de sangue ou visitando o necrotério do hospital de Annabel. Nem tudo funciona no filme, no entanto. Sim, o casal é uma gracinha e há muita "nobreza" por parte de Enoch em aceitar o amor de Annabel nessas condições, mas se a "mensagem" do filme é contra o preconceito, o rapaz tinha que ser um suicida que tem conversas com pilotos kamikaze? Fica aparente também a tentativa de Gus Van Sant (ou dos produtores) em deixar tudo sempre o mais leve possível. Não há problema algum em encarar a morte com bom humor, mas o filme sofre de um excesso de "gracinha" que chega a incomodar. A trilha sonora de Danny Elfman (que já viu dias melhores em sua parceria com Tim Burton) e as canções "alternativas" tocam alegremente em qualquer situação que poderia ser mais dramática, como se o espectador tivesse que ser pego pela mão e não enfrentar o que, repito, não tem graça alguma: Annabel está morrendo de câncer.

Mia Wasikowska carrega o filme nas costas, mas sua personagem, que deveria ser o centro de atenção, é colocada de lado em sequências em que Enoch está brigando com seu fantasma imaginário ou agindo como um garoto mimado. E por que um filme que fala tanto sobre morte evita encará-la de frente no final? "Inquietos" é cheio de boas intenções, tem bom elenco e várias cenas interessantes, mas acaba se afogando no próprio açúcar. Visto no Topázio Cinemas.



sábado, 20 de agosto de 2011

A Árvore da Vida

Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Deus existe? E se existe, como pode permitir que coisas ruins aconteçam? Estamos sós no Universo? O que é estar vivo, afinal? Estas são as perguntas básicas que os seres humanos fazem desde o início dos tempos, e campos de conhecimento como a filosofia, a psicologia ou as religiões tentam responder. São questionamentos fascinantes mas, também, extremamente básicos, e lidar com eles pode resultar em obras baratas de auto-ajuda ou em obras-primas. O diretor Terrence Mallick não se intimidou e fez um filme que é extremamente pretensioso, sim, e lembra os tempos em que diretores como Stanley Kubrick não tinham medo de desafiar o público. Curioso também que o filme de Mallick tenha sido produzido e lançado praticamente no mesmo período que Melancolia, de Lars von Trier, e é uma experiência singular vê-los com poucas semanas de diferença. Há várias ligações, tanto temáticas quanto visuais, entre as duas obras.

A Árvore da Vida era um projeto antigo de Terrence Mallick que, como diretor, se dá ao luxo de só produzir quando está absolutamente pronto para um projeto. O enredo pode ser descrito em poucas palavras. Uma típica família americana do pós guerra perde um de seus três filhos quando ele tem 19 anos. A morte do rapaz provoca reações de dor, consusão, revolta e questionamentos. Mallick, auxiliado pela espetacular fotografia de Emmanuel Lubezki, filma quase tudo com lentes grande angular montadas em câmeras que se movimentam constantemente. Não é aquela movimentação epilética e desnecessária dos filmes de Michael Bay; a câmera de Mallick é como um "espírito" percorrendo os cenários ou circulando os personagens. É, talvez, a visão de "Deus". Cada plano é como um pequeno filme acompanhado pela bela trilha sonora de músicas clássicas ou original, composta por Alexandre Desplat.

Os questionamentos da mãe (Jessica Chastain, sublime) a Deus e ao próprio Universo levam a um flashback que literalmente transporta o espectador para a origem dos tempos. Uma sequência claramente baseada em 2001 enche a tela de galáxias e aglomerados estelares, com efeitos especiais produzidos, em parte, por Douglas Trumbull (lendário técnico de filmes como 2001, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e Blade Runner, entre outros). Vale repetir, Mallick não tem medo de ser pretensioso. O resultado é uma obra que, para surpresa negativa de vários frequentadores dos cinemas de shoppings, está longe de ser "um filme do Brad Pitt". É mais apropriado classificar A Árvore da Vida como um filme experimental, uma obra audiovisual que lembra Koyaanisqatsi (de Godfrey Reggio) e Baraka (de Ron Fricke), compostos inteiramente por imagens e música. A diferença é que, ao contrário dos exemplos citados, há um lado humano bastante presente no filme de Mallick. A típica família americana dos anos 50 é representada pelo Sr. O´Brien (Brad Pitt), um self made man que trabalha duro, sustenta (e oprime) a esposa e tenta ensinar aos três filhos o que é "ser homem". Não é uma tarefa fácil. Jack (Hunter McCraken), o filho mais velho, tem que lidar com a rididez do pai e com as dificuldades de se tornar adulto. A Sra. O´Brien, a mãe, é quase uma irmã para os três filhos homens, mas carrega aquela sabedoria e amor que só a maternidade ensina.

Falar mais é desnecessário. "A Árvore da Vida" deve ser mais sentido do que explicado. Não é um filme fácil e Mallick se equilibra em uma linha tênue entre o sublime e o patético. Na comparação com Melancolia, o filme de Terrence Mallick é mais esperançoso, embora também mostre como o Universo, ou a Natureza, ou Deus, ou seja lá como se pode nomear o grande mistério da existência, é ao mesmo tempo generoso e implacável. Seja você humano ou um ser pré-histórico, recém saído do mar e dando os primeiros passos na areia.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Além da Vida

Não foi só no Brasil que o espiritismo atraiu a atenção dos cineastas ultimamente. Depois que filmes nacionais como "Chico Xavier", "Nosso Lar" e "As Cartas Psicografadas por Chico Xavier" foram exibidos por aqui, chega agora aos cinemas "Além da Vida", com Matt Damon e direção de Clint Eastwood. A questão do que po de haver depois da morte sempre afligiu o ser humano. Shakespeare já falava, em Hamlet, sobre a "terra desconhecida, de onde ninguém jamais voltou". Clint Eastwood trata do tema do ponto de vista dos sobreviventes, que tem que suportar a perda de alguém e que, às vezes, querem tentar "fazer contato" com os que partiram.

Matt Damon é George Lonegan, um homem comum que, depois de quase morrer em uma cirurgia delicada quando criança, recebeu um "dom". Ao tocar em uma pessoa, ele pode, aparentemente, entrar em contato com os entes queridos dela que morreram. George não vê sua habilidade como um dom, mas como uma maldição, pois impede que ele tenha qualquer tipo de relacionamento normal com alguém. Eastwood e Damon fazem um bom trabalho ao mostrar como George evita o contato físico com todos à sua volta. Uma das situações mais complicadas (e doces) do filme é seu "relacionamento" com Melanie (Bryce Dallas Howard). Os dois fazem um curso de culinária e as cenas entre eles são conduzidas por Eastwood com muita elegância. Melanie, frágil e carente, sente-se atraída por George, mas como retratar um romance em que o casal não pode se tocar, e tornar as cenas interessantes? Novamente, é com muita sensibilidade que Eastwood resolve a situação, em uma cena da aula de culinária que envolve o uso de vendas e a degustação de alguns temperos.

Há outras duas tramas que correm paralelas à de George. Na França, uma jornalista chamada Marie LeLay (a bela Cécile de France, de "Um segredo em família") volta mudada de uma viagem à Tailândia. Em uma cena espetacular logo no início do filme, Marie quase morre afogada por um tsunami que destrói tudo por onde passa. Na verdade, talvez ela tenha realmente morrido e visto, por alguns segundos, o "outro lado", a conhecida imagem da luz branca e sensação de paz descrita por milhares de pessoas. Marie pede afastamento do trabalho e começa a escrever um livro sobre o assunto.

Em Londres, um garoto chamado Marcus (Frankie McLaren) sofre com a perda do irmão gêmeo em um acidente. Para piorar, a mãe é viciada em drogas e é levada para uma clínica de recuperação. Sentindo muita falta do irmão, Marcus começa a investigar a vida após a morte, chegando a consultar vários tipos de "videntes", muitos deles charlatões.

O roteiro de Peter Morgan não toma partido, o que por vezes deixa o filme superficial. A direção de Eastwood e a qualidade das interpretações, porém, superam alguns tropeços da trama, que quase cai no sensacionalismo quando Marie discursa sobre uma "conspiração" para silenciar os que acreditam na vida após a morte. A trilha sonora, do próprio Eastwood, é um pouco melodramática. Um dos temas, aliás, é praticamente uma cópia do segundo movimento do Concerto número 2 para Piano e Orquestra de Rachmaninov. Em um filme sobre a vida após a morte, Eastwood, acertadamente, está mais interessado nos vivos e faz um tipo de cinema raro hoje em dia (da sala ao lado se podia escutar o barulho de tiros e explosões comuns aos cineplexes), com tempo para o desenvolvimento das tramas e respeito pelos personagens.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Senna

Sexta-feira, 29 de abril de 1994, Grande Prêmio de San Marino, Itália. O jovem Rubens Barrichello voa em uma zebra durante o treino classificatório em um acidente espetacular, do qual sai ileso. No sábado, dia 30, Roland Ratzenberger não teve a mesma sorte. Um acidente grave custou-lhe a vida, e uma sombra negra pairou sobre o "circo" da Fórmula 1. Um dos mais afetados foi um brasileiro chamado Ayrton Senna da Silva, 34 anos, três campeonatos mundiais e um ícone do esporte. Ele havia trocado a equipe Mclaren pela Williams, não estava enturmado com a equipe de engenheiros e, o mais grave, não estava em paz com o carro. Mudanças no regulamento haviam proibido as inovações eletrônicas que haviam dado o quarto campeonato mundial a Alain Prost no ano anterior, e nem a habilidade de um piloto como Senna conseguiam manter a Williams na pista. No domingo, primeiro de maio, a tragédia.

O grande prêmio deveria ter sido suspenso devido à morte de Ratzenberger? Senna, inseguro, deveria ter desistido de correr? Se ele não tivesse saído da Mclaren, seu destino seria outro? Estas perguntas ficam na cabeça do espectador depois de assistir ao documentário "Senna", dirigido por Asif Kapadia para a produtora inglesa Working Title. O documentário é todo feito a partir de imagens de arquivo, em um ótimo trabalho de seleção e edição. Vozes em off completam o filme, com depoimentos da família de Senna e de pilotos e comentaristas da Fórmula 1, como Reginaldo Leme. Há cenas muito boas cedidas pela família ou recuperadas por televisões do mundo todo, muitas delas providenciadas pela Rede Globo. O arquivo pessoal da família mostra imagens de Senna muito jovem, em 1978, competindo de kart na Europa e já chamando a atenção do mundo. Senna diz que era competição pura, sem politicagens ou dinheiro, problemas que ele teria que enfrentar depois na F1.

Grande ênfase é dada ao relacionamento conturbado que Senna teve com seu companheiro de equipe na Mclaren, Alain Prost. O "professor", como era conhecido, era um mestre em tirar vantagem tanto do carro quanto na política envolvida no esporte. Em especial sua ligação com Jean-Marie Balestre, também francês, que dirigia a Federação Internacional de Automobilismo. Se o filme fosse feito no Brasil, provavelmente teria sido dado destaque também à relação não muito amigável entre Senna e Nelson Piquet. Os dois foram explorados pela imprensa como lados opostos da mesma moeda, Senna era o "bom" e Piquet era o "mau". Quando hoje se vê Rubens Barrichello, bom piloto mas simples pelego de equipes como Ferrari, que mandavam e desmandavam nele, é difícil lembrar como eram competitivos pilotos como Ayrton Senna e Nelson Piquet. Piquet podia não ser tão genial quanto Senna dentro de um carro, mas também foi tri-campeão mundial e era arrojado como ninguém. Senna acabou levando a fama de "bom moço", era muito mais acessível e ficou conhecido por seus trabalhos filantrópicos. Mas o documentário mostra que, nas pistas, ele também não era nenhum "santo". Após ter perdido o campeonato mundial para Prost em 1990, no Japão, após uma manobra discutível do francês e pela politicagem da FIA, Senna não teve dúvidas; no ano seguinte, jogou seu carro contra Prost, também no Japão, e venceu seu segundo campeonato mundial.

O que vemos em "Senna" é o retrato de um homem obcecado pela velocidade e pela vitória. É impressionante ver como os carros da sua época eram guiados realmente pelo piloto manualmente, e não por "controle remoto" dos boxes, como é praticamente feito hoje. O câmbio ainda era mecânico, por exemplo, e nas câmeras colocadas no carro podemos ver Senna "voando" pelas ruas estreitas de Mônaco, pilotando com a mão esquerda (ele era canhoto) e mudando as marchas com a direita. Pilotar era sua paixão e seu objetivo era vencer. O documentário traz cenas incríveis das ultrapassagens de Senna, seu trabalho de recuperação quando largava mal e feitos como quando venceu o Grande Prêmio do Brasil tendo apenas a sexta marcha funcionando.

Felizmente, o documentário não tenta endeusar o homem. As conquistas de Senna falam por si em imagens de suas vitórias dentro e fora das pistas. E, claro, quando ele está dentro da Williams, rosto triste e conturbado, esperando a corrida começar em Ímola, temos vontade de lhe dizer para sair do carro e ir para casa. Senna acabou sendo vítima da própria obsessão. Muito se fez para tentar culpar a equipe Williams, dos mecânicos ao próprio Frank Williams, pela morte de Ayrton Senna. Mas isso é bobagem. Quanto mais o carro o desafiava, mais ele tentava conquistá-lo. Senna morreu porque foi, até o último minuto, um piloto de corrida.


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Hanami - Cerejeiras em Flor

A cultura japonesa é, no fundo, uma cultura da morte. Uma celebração da efemeridade da vida e da passagem inexorável do tempo. O mesmo ritual estilizado com que se prepara um vaso de flores é o empregado pelo samurai antes de cortar a própria barriga. É nessa relação entre a vida e a morte que se apóia o filme alemão "Hanami - Cerejeiras em Flor", da escritora Doris Dorrie. Hanami é um festival que ocorre no Japão durante a florada das cerejeiras. As flores surgem apenas por alguns dias, colorindo a cidade em tons de vermelho e rosa, e depois desaparecem. Novamente, uma celebração da vida e da morte.

Trudi (Hannelore Elsner) recebe a notícia de que seu marido está com uma doença terminal. Os médicos sugerem que ela vá viajar com ele para aproveitar seus últimos momentos. O marido, Rudi (Elmar Wepper), é um homem sem muita imaginação, que todos os dias faz o mesmo trajeto até o trabalho, onde está há décadas, e volta para casa. Trudi, com seu jeito manso e maternal, consegue convencê-lo a ir até Berlin visitar os filhos crescidos, mas não lhe conta sobre a doença. Em Berlin, os filhos mal conseguem esconder o fato de que são pessoas ocupadas e que não têm tempo para dar atenção aos pais. Há ainda outro filho, Karl, que é o "preferido da mamãe" e que mora em Tóquio. Tanto na casa de Trudi e Rudi quanto na casa dos filhos vemos, nas paredes, gravuras japonesas e lembranças enviadas por Karl. A própria Trudi, na verdade, gostaria de ter sido uma dançarina de Butoh, uma dança japonesa, mas deixou tudo em nome da família. Há uma bela cena passada em um teatro alemão em que o dançarino Tadashi Endo se apresenta e Trudi, na platéia, mal contém as lágrimas. O velho casal então vai à praia e, inesperada e ironicamente, Trudi morre durante a noite, dormindo, deixando Rudi sozinho e sem saber que, ele mesmo, está fatalmente doente.

O filme tem um ritmo extremamente lento e, a bem da verdade, ganharia com uma edição mais enxuta. Com a morte de Trudi (a excelente Hannelore Elsner), praticamente começa outro filme, ainda mais longo, mostrando a viagem de Rudi ao Japão, onde encontra o filho Karl e fica tentando, em vão, entender a morte (e a vida) da esposa. Tóquio é, como todo Japão, um grande paradoxo, um monstro de concreto onde se escondem belos jardins e o contato com a natureza. Rudi faz amizade com uma jovem dançarina (Aya Irizuki) e, com ela, parte para tentar ver o lendário Monte Fuji e tentar se "reencontrar" com o espírito da esposa. Não é um filme fácil, fazendo parte daquela categoria fugidia dos "filmes de arte". A interpretação do elenco é impecável e o filme é um retrato interessante, para os espectadores brasileiros, da vida no primeiro mundo. Por todo o trajeto de Trudi, Rudi e família, somos testemunhas do eficiente sistema de transporte alemão e japonês, da presença marcante da Arte, da eficiência das instituições. Por outro lado, percebemos a frieza das pessoas, principalmente dos filhos em relação aos pais, considerados um estorvo depois de velhos. Bom filme atrapalhado pela longa duração, com cenas repetitivas que poderiam ter sido cortadas facilmente.


domingo, 3 de maio de 2009

A Janela

O velho escritor Antonio (Antonio Larreta) tem um sonho. De algum lugar de sua memória, ele revê uma imagem que não via há 80 anos: uma figura feminina que estava tomando conta dele, criança, enquanto uma festa acontece no andar de baixo. Onde estaria escondida essa memória? Por que lembrar dela justo hoje? Antonio se encontra em uma cama, se recuperando de um ataque recente do coração. Ele vive em uma casa antiga, em uma fazenda no interior da Argentina, tão afastada que sequer tem um telefone. Duas criadas tomam conta dele, Maria Del Carmen e Emilse, e o velho está ansioso porque o filho, um renomado pianista que mora na Europa, está vindo visitá-lo.

A Janela é dirigido por Carlos Sorin. É um filme pequeno, curto, que é uma contemplação sobre a chegada da morte. Com poucos atores e feito todo em uma locação, Sorin se baseia em um elenco sólido, na bela fotografia de Julián Apezteguia e em um som impressionante. Como praticamente não há música (a não ser na cena do sonho), o som tem uma importância fundamental em nos transportar para aquele mundo privado e instrospectivo do escritor. Há uma cena muito bonita em que Antonio foge de seu quarto para dar uma volta pela fazenda e quase podemos sentir o cheiro do mato, da pequena horta e das flores por onde Antonio anda, tal a perfeição das imagens e da recriação sonora. A figura de um velho piano também é importante para a trama e para o estado de espírito do filme. Como o filho está vindo da Europa, Antonio contrata um afinador para olhar o instrumento, e há um paralelo interessante entre a visita do médico, com suas agulhas e instrumentos, para examinar Antonio, e a figura do afinador tentando trazer o piano à velha forma.

O filho chega ao final do dia, trazendo uma namorada que não se conforma com o fato de seu celular não ter sinal. Os sons da natureza, grilos, sapos, pássaros noturnos e do vento, vão se tornando cada vez mais fortes enquanto a noite cai, trazendo com ela uma escuridão que nós, habitantes do mundo moderno, já nos desacostumamos. Sorin, com seu filme, nos reapresenta a certas verdades esquecidas pelo mundo moderno. O dia é claro, a noite é escura e a morte chega a todos um dia. Aos seres humanos resta saber transformar o tempo entre o nascer e o pôr do sol em algo útil e belo, através do trabalho, da cultura e da arte.



segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Última Parada 174

O desfecho de "Última Parada 174" todo mundo já conhece. Em julho de 2000, com toda a imprensa acompanhando ao vivo, um jovem chamado Sandro Nascimento estava dentro de um ônibus da linha 174. Ele estava de revólver em punho e mantinha vários reféns. Após horas de negociações, e já fora do ônibus, um policial do Bope tentou atirar nele, errou o alvo e matou a refém que Sandro segurava. A refém morreu e Sandro, levado a uma viatura, morreu oficialmente por "asfixia". O caso interessou o cineasta José Padilha, que realizou um bom documentário, "Ônibus 174". Mais tarde, Padilha resolveu mostrar o outro lado da moeda e quis fazer um filme sob o ponto de vista dos policiais. O resultado foi o polêmico "Tropa de Elite".

Parecia que nada mais poderia ser feito a partir desta história, mas Bruno Barreto, diretor brasileiro que há anos estava radicado nos Estados Unidos, resolveu fazer um filme de ficção baseado no episódio. O resultado é interessante. O foco do filme, curiosamente, não é o sequestro nem o final trágico, mas sim a história da vida de Sandro (Michel Gomes) e de um outro rapaz da mesma idade e um nome parecido, Alessandro (Marcello Melo Jr), que foi tirado da mãe quando bebê e criado pelo pai traficante. Sandro vê a mãe ser assassinada por um assaltante e vai morar com uma tia. Mas ele não consegue se adaptar à família e se torna um morador de rua. Ele passa seus dias cheirando cola e praticando pequenos delitos no Rio de Janeiro. Em um lance de sorte, ele escapa da famosa chacina da Candelária, quando vários menores de rua foram assassinados a sangue frio. O destino faz com que ele seja enviado para a mesma prisão em que Alessandro está, e os dois formam uma aliança.

O filme acompanha também a vida de Marisa, a mãe de Alessandro, que nunca se esqueceu do filho que lhe foi tirado das mãos pelo pai traficante. Ela se torna evangélica e, ao assistir uma matéria na televisão sobre a Candelária, acredita ter achado seu filho. O roteiro faz um jogo interessante entre estes dois adolescentes que perderam a mãe e esta mulher em busca do filho (ou de uma figura que possa substituí-lo). O espectador sabe que o filho verdadeiro de Marisa é Alessandro, mas ela acredita que seu filho é Sandro que, precisando de um lugar para ficar (e de uma mãe), acaba se passando por filho dela.

Tudo isso já daria um filme bastante interessante e, a bem da verdade, você até se esquece do sequestro até perto do final, quando Sandro, rejeitado pelo amigo, pela namorada e pela mãe adotiva, gasta seu dinheiro em cocaína e vai parar dentro do Ônibus 174. A polícia é avisada por um passageiro que há um homem armado dentro do ônibus e o cerco é levantado. O resto já é de conhecimento geral, mas Bruno Barreto não se preocupou em ser muito fiel aos eventos reais. Há um detalhe no elenco que me desagradou. Interpretando o negociador do Bope que tenta tirar Sandro do ônibus está ninguém menos que André Ramiro, o ator que interpretou o policial Matias em "Tropa de Elite". Vestindo o uniforme negro com a caveira, Ramiro parece literalmente saído do outro filme para aparecer neste, e o resultado é confuso. Seria uma piada de Bruno Barreto? Ou uma crítica ao resultado da operação?

Também não deixa de ser irônica (e trágica) a coincidência de que o lançamento de "Última Parada 174" se deu apenas alguns dias depois do final de outro sequestro que mexeu com a opinião pública e que resultou na morte de uma refém, em Santo André, São Paulo. Não tenho a menor dúvida de que, em pouco tempo, teremos um filme a respeito. "Última Parada 174" foi o escolhido brasileiro para tentar concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem, em Los Angeles. O roteiro é do craque Bráulio Mantovani (Cidade de Deus), a fotografia do francês Antoine Heberlé e a bela trilha sonora é de Marcelo Zarvos.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O Açougueiro (1970)

Com o bom "Uma Garota Dividida em Dois" ainda nos cinemas, decidi assistir a alguns filmes mais antigos do mestre francês Claude Chabrol. Ele foi um dos jovens franceses da geração da nouvelle vague, cineastas que tinham formação original de críticos de cinema e se tornaram autores cinematográficos, como François Truffaut. Chabrol (assim como Truffaut), viu no inglês radicado nos Estados Unidos, Alfred Hitchcock, um gênio do cinema (na época, Hitch ainda era considerado um diretor "menor" nos EUA). Tanto Chabrol quanto Truffaut escreveriam verdadeiras teses sobre o mestre do suspense inglês, e Chabrol viria a ser, à moda francesa, um de seus seguidores.

O Açougueiro (Le Boucher, 1970) tem vários dos elementos hitchcockianos do suspense. Em uma pequena cidade do interior da França, uma bela mulher (loira e fria como as de Hitchcock), chamada Helene (Stéphane Audran) é professora e diretora de uma escola para crianças.

Um ex-soldado, o açougueiro Popaul (Jean Yanne) a conhece em uma festa de casamento que abre o filme. É curioso como a festa é filmada de modo quase documental, com muito uso de "zoom" e enquadramentos "desleixados". Quando Popaul e Helene saem da festa, o filme se torna meticulosamente filmado e enquadrado. Um longo plano contínuo acompanha o casal da festa até a casa da moça, que fica na própria escola. O suspense vai sendo criado aos poucos, nem tanto pelo que acontece na tela, mas sim fora dela. Uma garota é brutalmente assassinada em um bosque da cidade, mas Chabrol não mostra nem o crime nem o corpo. Apenas ficamos sabendo do fato por causa de uma conversa entre duas crianças, alunos de Helene, e pela presença da polícia correndo pela cidade.

Não é muito difícil saber quem é o assassino, mas esta não é a questão. Hitchcock já ensinava que suspense é diferente de surpresa. Em um filme em que se tem que descobrir o assassino geralmente há uma surpresa, algum acontecimento que ninguém esperava e que acaba revelando a identidade do criminoso. Suspense se cria quando o espectador já sabe de alguma coisa, mas não pode fazer nada. Uma bomba que explode de repente é surpresa. Saber que há uma bomba em um quarto, e imaginar se ela vai explodir ou não, é suspense. A relação entre a professora Helene e o açougueiro Popaul é claramente uma bomba esperando para explodir. Os dois passam a se ver com frequência, mas o caso não passa de amizade por causa de Helene. Em uma conversa no bosque (o mesmo em que foi encontrado o corpo, provavelmente) ela lhe diz que teve um grande amor no passado e que não quer sofrer novamente. Isso não impede que ela o convide para jantar, ou ao cinema.

É a própria Helene quem encontra o segundo corpo, durante uma excursão com suas crianças. Ela também encontra algo que pode indicar a identidade do assassino mas, curiosamente, ela não passa a informação para a polícia. As cenas finais são do mais puro suspense. Sozinha na escola, à noite, Helene vai fechando todas as portas e janelas do lugar em um ótimo jogo de luz e sombra, até o confronto final. A única coisa a se lamentar no filme é a trilha sonora, composta por uma série de sons dissonantes e claramente datados, típicos do final dos anos 1960. De resto, um belo trabalho do diretor francês, fazendo grande suspense e ótimo cinema.

domingo, 19 de outubro de 2008

Caos Calmo

Pietro Paladini (Nanni Moretti) é um executivo de uma grande empresa. Um dia ele está na praia com o irmão e escuta um pedido de socorro. Os dois correm para a água e salvam duas mulheres de morrer afogadas. Justo neste momento heróico, Pietro é atingido por uma tragédia; ao retornar para casa, sua esposa está morta, caída no jardim. A filha pequena, chorando, se joga em seus braços. Ele a abraça e fica olhando o corpo da esposa.

"Caos Calmo" é dirigito por Antonello Grimaldi e é uma boa mistura de drama e de comédia. O filme foi escrito por Moretti, que também é diretor de cinema (ele foi um dos diretores da coletânea de curtas "Cada um com seu Cinema", exibido em Cannes), baseado em um livro de Sandro Veronesi. Com a morte da esposa, Pietro tem que cuidar da filha Cláudia (a ótima Blu Di Martino) e lidar com um problema no escritório. Sua firma está à beira de uma fusão com um gigante americano e toda a empresa está fervendo com boatos e fofocas. A resposta de Pietro a todo este caos é inusitada. Um dia ele leva a filha à escola e diz: "eu vou ficar aqui até você sair". Ele não só cumpre sua palavra naquele dia, como passa a ficar todos os dias em frente à escola da filha. No início achamos que ele perdeu o juízo, mas a atitude de Pietro acaba resultando em uma manobra muito mais inteligente do que ele próprio imaginaria. Longe do caos do escritório e evitando ficar sozinho em casa, Pietro passa seus dias caminhando pela praça em frente à escola e a observar a região. Com o passar dos dias, certos padrões começam a se repetir: há um garoto que passa todos os dias no mesmo horário, que dá risada quando Pietro aciona o alarme de seu carro; há uma linda moça (Kasia Smutniak) que leva o cachorro para passear e que troca olhares com Pietro; a mãe de uma das amiguinhas de sua filha conversa com ele praticamente todos os dias, com um interesse cada vez maior, e assim por diante.

Os executivos da firma, ao invés de demitirem Pietro por não estar comparecendo ao escritório, começam a achar que ele tem alguma estratégia milagrosa para salvar a empresa ou para aconselhar suas carreiras. Aos poucos, um a um vai até a praça para conversar com Pietro e pedir sua opinião sobre alguma coisa. Pietro raramente fala alguma coisa, mas sua calma e serenidade servem para satisfazer as pessoas que vem até ele. Mas como será que ele está encarando, na verdade, sua situação? Ele não sente falta da ex-esposa? Ele não está preocupado com a fusão pela qual está passando sua empresa? E a mulher que ele salvou na praia, é apenas uma desconhecida ou ela vai ter algum papel importante nessa história?

Em sua simplicidade, o filme é muito inteligente e engraçado. Nanni Moretti carrega o filme nas costas, e seu pergonagem é interessante e divertido. Enquanto espera a filha sair da escola, ele tem o hábito de fazer listas inúteis, como o nome de todas as companhias aéreas pelas quais ele já voou, ou o endereço de todos os lugares em que já morou. A esposa morta se revela um enigma, alguém que, na verdade, ele realmente não conhecia. Será que ele a amava de verdade? Por que nem ele, nem a filha, choram sua perda? E há os personagens secundários. A bela Valeria Golino interpreta Marta, sua cunhada, uma mulher passional por quem ele teria sido apaixonado um dia. De vez em quando ela vai visitá-lo na praça com algum problema emocional sério e desabafa. Há também seu irmão, Carlo (Alessandro Gassman), que tem uma marca de calça jeans e é considerado um "galã" pelas mulheres. O espectador fica esperando por certos clichês que fatalmente existiriam em um drama americano, mas não é este tipo de filme. E há uma cena de sexo que gerou muita polêmica, e tenho que admitir que ela é desnecessariamente gráfica e longa em um filme que, até ali, tinha sido "censura livre". "Caos Calmo" é um filme inteligente, divertido e gostoso de assistir. Destaque para a participação especial, no final, de ninguém menos que o diretor Roman Polanski, em uma ponta.

Visto no Cine Jaraguá, em Campinas.


quinta-feira, 8 de maio de 2008

Vênus




O primeiro papel no cinema de Peter O´Toole foi no épico “Lawrence da Arábia” (1962), de David Lean. O´Toole deu a interpretação de sua carreira, que foi seguida de uma série de sucessos e de outras grandes atuações, mas nunca recebeu o Oscar de Melhor Ator. Alguns anos atrás ele recebeu um prêmio honorário da Academia, o que não é a mesma coisa. Em 2007, aos 75 anos, O´Toole foi novamente indicado (e novamente derrotado) ao prêmio por sua brilhante interpretação em “Vênus”, um bom filme dirigido em 2006 por Roger Michell. Não deixa de ser chocante ver o efeito dos anos nas feições do antigo Lawrence da Arábia. O´Toole exibe as marcas da idade em seu rosto, sua voz e no modo de andar. O “consolo” é que tudo isso é perfeitamente adequado ao papel que ele está interpretando, Maurice, um velho ator que passa seus dias indo ao teatro e na companhia de velhos amigos. Um deles é Ian (Leslie Phillips, ótimo), a própria definição do “velho rabugento”. Ian também foi um ator de sucesso modesto e que está ansioso com a notícia de que uma sobrinha de 19 anos virá morar com ele. Ian tem fantasias de que a sobrinha Jessie será uma espécie de enfermeira particular, cuidando dele e fazendo suas vontades, mas a realidade é bem diferente. Jessie (Jodie Whittaker) é a típica adolescente revoltada e insolente, que não liga para o tio e o trata mal.

Mas Maurice sente uma inesperada atração pela atitude da garota e começa a usar do seu velho charme para conquistá-la. Ian pergunta a Maurice, indignado: “o que você faz com ela, na sua idade?”. E Maurice responde simplesmente “algo muito difícil... eu a trato bem”. De fato, a relação entre Maurice e Jessie não é inteiramente platônica... há um subtexto sexual ocorrendo o tempo todo, mas é fato que a idade avançada de Maurice não permite que nada muito físico ocorra. Assim, Maurice passa as tardes levando Jessie ao teatro e a jantares, onde Jessie descobre que ele é razoavelmente famoso. Ele também lhe arruma um emprego como modelo (nua) em uma classe de desenho, mas ela não permite que ele a veja. Maurice começa a chamá-la de “Vênus” depois de levá-la ao museu de arte para ver o quadro de mesmo nome de Diego Velázquez. A garota não tem maturidade para entender os motivos do interesse de Maurice, mas claro que gosta da atenção e, em alguns momentos, permite certas liberdades da parte dele, como deixar que ele beije seu pescoço ou segure suas mãos. Estas cenas (um velho de 74 anos e uma garota de 19) podem soar “impróprias” mas são feitas com muita sensibilidade. Maurice claramente foi um ator belo e desejado na juventude (assim como Peter O´Toole), e a figura de Jessie lhe trás de volta velhos desejos. Jessie (que teve um filho abortado recentemente) não está acostumada a ser bem tratada por ninguém, muito menos por homens.

Vale notar também a presença de Vanessa Redgrave, maravilhosamente “real” e idosa, como a ex-esposa de Maurice. Eles ainda cultivam uma amizade antiga, mas ela guarda certo ressentimento pelas aventuras amorosas que Maurice teve nos tempos de juventude. Há uma bela cena entre os dois em que Maurice demonstra arrependimento pelo que fez. Peter O´Toole está magnífico nos pequenos detalhes de seu personagem e em seu claro declínio físico. O filme não tem ilusões com relação à velhice e também mostra o lado “ruim” (ainda que natural) da idade, como embaraçosas consultas a médicos, problemas físicos e a presença inevitável da morte. O filme está em DVD.