Coded Bias (2020). Dir: Shalini Kantayya. Netflix. Bom documentário que segue de perto o que foi apresentado em "O Dilema das Redes" (também na Netflix), mas que acrescenta um viés mais social. O documentário parte da descoberta de uma cientista negra do MIT chamada Joy Buolamwini, que notou que os sistemas de reconhecimento facial da Amazon tinham dificuldade em identificar seu rosto (negro). Quando ela colocava uma máscara branca, o computador facilmente identificava as características de olhos, nariz, boca, etc. Um algoritmo pode ser "preconceituoso"? De acordo com o documentário, sim, principalmente pelo fato de que estudos em Inteligência Artificial sempre foram feitos predominantemente por homens brancos.
O assustador é que o algoritmo de reconhecimento facial da Amazon estava sendo compartilhado pelo FBI. Quantas pessoas foram identificadas erroneamente por causa disso? O documentário alega que "inteligência artificial" nada mais é do que uma criação matemática que reage dependendo dos dados que lhe são "alimentados". O resultado é que preconceitos do mundo "real" acabam sendo absorvidos pela inteligência artificial. Algoritmos são usados de forma não regulamentada cada vez mais no mundo todo. Setores de RH de empresas usam inteligência artificial para selecionar candidatos; cartões de crédito fazem uma previsão de quem vai pagar suas contas ou não; há algoritmos que são usados para determinar qual a chance de alguém se tornar um criminoso, ou voltar a praticar um crime. Não é surpresa que em todas estas situações os resultados têm se mostrados tendenciosos. Bem interessante, e assustador. Tá na Netflix.
Em 14 de fevereiro de 1990 a sonda espacial Voyager, nos limites do Sistema Solar, virou sua câmera para trás e tirou uma foto da Terra. Na imagem, nosso planeta aparece como um ponto azul na imensidão do Espaço, o que inspirou o astrônomo e escritor Carl Sagan a escrever um livro chamado "Pequeno Ponto Azul" (Pale Blue Dot). O objetivo de Sagan era mostrar como somos pequenos diante da imensidão do Universo e como nossas brigas por credos, raças e dinheiro são insignificantes. O que não significa que nós não tenhamos importância; pelo contrário, Sagan sempre enfatizou que nós somos feitos da mesma matéria de que são feitas as estrelas.
E aqui estamos nós, em pleno século XXI, cercados por tecnologia por todos os lados e capazes de nos comunicar (e nos fotografar) com o apertar de um botão. E, talvez, nunca estivemos tão solitários. É o que "Homens, Mulheres e Filhos", o novo filme de Jason Reitman, tenta nos dizer. Imagine "Beleza Americana" (Sam Mendes, 1999) na era da internet e dos smartphones. O filme de Reitman tem o mesmo olhar cínico sobre a sociedade branca, rica e entediada americana que a obra de Mendes. Há também ecos de "Pecados Íntimos" (Little Children), filme de 2006 em que o diretor Todd Field mostra como os adultos também podem agir como crianças mimadas. "Homens, Mulheres e Filhos" empresta de "Pecados Íntimos" o recurso de ter um narrador externo que, como um locutor de um documentário científico, conta a história para o espectador (na voz da atriz britânica Emma Thompson).
Reitman faz uso de "segundas telas" dentro da moldura do cinema para que o espectador possa visualizar o que os personagens estão digitando em seus smartphones ou vendo na tela de computadores. Há uma cena, por exemplo, em que enquanto acompanhamos o diálogo entre três adolescentes, também vemos o que duas delas estão falando, via mensagem de texto, entre si. (Leia mais abaixo. Obs: o trailer conta quase todo o filme)
Adam Sandler (em um papel "não Adam Sandler") é Don, o marido frustrado de Helen (Rosemarie DeWitt). Eles não fazem sexo há meses e ele só consegue consolo em sites de pornografia. Um dia o computador dele está com problemas, ele entra no quarto do filho e descobre que o rapaz de 15 anos já está vendo coisas muito mais pesadas do que ele online. Helen também se sente solitária e procura alternativas em um site que promove encontros sexuais entre pessoas casadas.
Em outra trama, o adolescente Tim (Ansel Elgort, de "A culpa é das estrelas") era o astro do time de futebol americano da escola, mas um dia ele decidiu parar porque "não via mais sentido em nada". A mãe trocou a família por um namorado novo na Califórnia, deixando Tim e o pai, Kent (Dean Morris, de "Breaking Bad" e "Under the Dome") sozinhos. O filho acompanha a nova vida da mãe pelo Facebook.
Falando em mães, há uma super protetora, vivida por Jennifer Garner, que vasculha o celular da filha todos os dias, conhece todas as senhas da garota e tem um sistema de GPS que mostra onde ela está o tempo todo. Por outro lado, há outra mãe que, na tentativa de promover a filha, posta fotos sensuais da garota em poses provocantes em um website e tenta, a todo custo, colocá-la em um programa de TV.
As tramas são entrecortadas por imagens da sonda Voyager vagando pelo espaço, bem distante, alheia a todos os dramas. As palavras inspiradoras de Carl Sagan chegam à nova geração de forma distorcida. Enquanto o ex jogador de futebol americano acha que nada vale apena (afinal, somos apenas poeria cósmica), garotas como a modelo se acham o centro do Universo (e quebram a cara quando descobrem a realidade).
O filme está bem longe do tom leve e divertido usado anteriormente por Jason Reitman em filmes como "Juno" e "Amor sem escalas". "Homens, Mulheres e Filhos" é atual e bastante realista, deixando um gosto amargo na boca.
Ps: enquanto escrevia este texto, mantinha uma conversa no Whatsapp e, de vez em quando, checava o Facebook. Pois é.
Quando Osama Bin Laden morreu, um menino americano de sete anos ficou preocupado com a segurança do presidente Barack Obama. Ele expressou esta preocupação nas redes sociais, dizendo que Obama deveria "tomar cuidado". Poucas horas depois, a escola em que o garoto estudava foi invadida por homens do Serviço Secreto, que levaram o menino para ser interrogado. Um irlandês, pouco antes de viajar para os Estados Unidos, mandou um tweet para os amigos dizendo, metaforicamente, que iria "destruir a América". Ao chegar aos EUA, foi detido no aeroporto e passou horas sendo interrogado sobre a suposta "ameaça terrorista". Um comediante, após passar horas em um fila na loja da Apple, chegou em casa e reproduziu no Facebook trechos do filme "Clube da Luta" (David Fincher) que falavam sobre armas e destruição. O FBI e a SWAT derrubaram sua porta minutos depois, procurando as armas e questionando sobre o "atentado".
O documentário "Terms and conditions may apply" (disponível no Brasil pela Netflix) mostra como estas e outras situações, no limite, foram causadas por nós mesmos ao renunciarmos à privacidade toda vez que aceitamos os "Termos e Condições" de serviços online gratuitos como Google, Facebook, Apple, Microsoft e centenas de outros. Quem lê aqueles contratos? Aparentemente, ninguém, e há um motivo para isso.
O documentário compara as políticas de privacidade do Google e Facebook desde o começo do século até hoje, e muita coisa mudou. Um dos principais motivos (ou a principal justificativa/desculpa) foi o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001. O governo Bush lançou o "Ato Patriótico" que, na prática, permitia às agências vasculhar a vida online e telefônica dos cidadão americanos (e do mundo), sob a justificativa de prevenir ataques terroristas. Um de seus principais opositores era o então Senador Barack Obama que, ao se tornar presidente, não fez nada para mudar esta situação. Na verdade, a maioria dos escândalos envolvendo a NSA (a agência nacional de segurança americana) explodiu durante a administração Obama. (leia mais abaixo)
O mais assustador é que a grande maioria das informações pessoais disponíveis online foram colocadas lá voluntariamente pelas pessoas, ou melhor, por nós mesmos. Por mim e por você que está lendo estas linhas. Este blog, por exemplo, está hospedado no Blogger, que faz parte do Google. Meu login e senha me dão acesso não só ao blog, mas também a uma conta de e-mail, um canal no youtube e dezenas de outros serviços. Ao mesmo tempo que tenho estas comodidades, acabo expondo centenas de informações pessoais que, sinceramente, não sei onde estão armazenadas ou para o quê podem ser usadas.
Um executivo do Google diz, basicamente, que "quem não deve não teme", mas não é tão simples. Uma análise das palavras chave das buscas de alguém pode chegar a uma conclusão completamente equivocada. Por exemplo, uma pessoa que procure por "decapitações", "esposa morta" e "facas" no Google está planejando um assassinato, certo? Cullen Hoback, o diretor do documentário, foi atrás destas informações e descobriu que quem estava por trás delas era um escritor de uma série de televisão, e não um assassino em potencial.
Assim como no filme "Minority Report", de Steven Spielberg, pessoas estão sendo presas ou questionadas por crimes que elas (ainda?) não cometeram, apenas baseadas no que procuraramm ou publicaram online. Este é um mundo mais seguro por causa disso, ou trocamos nossa liberdade por uma suposta proteção de um Big Brother moderno?
Os anos 80 foram a década dos excessos. Os Estados Unidos estavam para se tornar a única superpotência do mundo, Ronald Reagan estava na Casa Branca, Wall Street ditava moda e o dinheiro era o rei. No cinema, os filmes para adolescentes reinavam absolutos, das comédias bem feitas de John Hughes e produções caprichadas de Steven Spielberg a bobagens de baixo nível como Porky´s e similares. Pena que o filme "A Ressaca", ao tentar prestar homenagem à década de 80, foi se basear justamente nesse lado baixo nível.
A trama é básica (e absurda). Um trio de velhos amigos, Adam (John Cusack, também produtor do filme), Lou (Rob Corddry) e Nick (Craig Robbinson) resolvem voltar à estação de esqui onde passaram a melhor época de suas vidas. O objetivo é tentar reanimar Lou, que foi internado no hospital sob suspeita de tentativa de suicídio (na verdade, ele apenas havia sido burro o suficiente para ficar cantando rock com o motor ligado dentro de uma garagem fechada). Os três eram melhores amigos quando adolescentes nos anos 80, mas o tempo e as obrigações fizeram deles "fracassados". Eles são acompanhados pelo sobrinho nerd de Adam, Jacob (Clark Duke), que está no filme para que a parte jovem da platéia se identifique com ele. Os três "adultos" são os típicos americanos "machos", interessados em bebidas, mulheres e outros "machos". Ao chegarem à estação de esqui, eles descobrem que o lugar está decadente e se tornou uma sombra do que era vinte anos atrás. De qualquer forma, eles resolvem confraternizar na banheira ao ar livre do hotel que, magicamente, os transporta para o passado, precisamente para o ano de 1986, quando a banda Poison estava tocando em um festival de rock na cidade.
O filme é até bem intencionado e tem várias referências e homenagens aos anos 80. O comediante Chevy Chase, por exemplo, grande figura da época, faz uma ponta como o zelador do hotel. Há também referências à MTV, aos primeiros celulares gigantes e até mesmo uma piada com "De Volta para o Futuro" na figura de Crispin Glover, o carregador de malas do hotel, que interpretava o pai de Marty McFly no clássico produzido por Spielberg em 1985. Mas o filme é voltado para o mau gosto do americano médio, com várias piadas baixas e cenas envolvendo vômito, dejetos em geral e mulheres com os seios de fora. O hotel onde eles se hospedam é tão obviamente um cenário que é vergonhoso. A questão dos paradoxos no tempo, explorados em filmes como "De Volta para o Futuro" e "O Exterminador do Futuro" também são citados aqui, mas o roteiro não se preocupa muito em ser consistente. Cada um dos amigos deveria, teoricamente, repetir exatamente o que fizeram em 1986 para que a História não seja alterada. John Cusack se lembra de ter terminado com a namorada naquela noite (e de levar um garfo no olho em troca). Lou levou uma surra de um grupo e Nick, que era o cantor de uma banda medíocre, iria se apresentar. As coisas não acontecem exatamente desta forma e o roteiro perde a chance de ser um pouco melhor explorando uma moça que se interessa por Cusack. Ela claramente está fora de lugar e, por um momento, o espectador imagina se ela também não está viajando no tempo. Mas a preguiça do roteiro não explora a situação. O filme é dirigido por Steve Pink, que foi co-roteirista do ótimo filme "Alta Fidelidade", também com John Cusack. É verdade que Pink não deve ter tido muito trabalho ao lidar com o ótimo livro original de Nick Hornby, pois nada da classe daquele filme está neste.
Por fim, também está de volta aquela coisa bem oitentista de que felicidade equivale a bens materiais. Assim, "A Ressaca" termina mostrando que felicidade é ter um barco gigante, uma esposa peituda e burra e um filho alienado. Filme para ser visto em DVD, no máximo, ou baixado da internet.
Orkut. Blog. Fotolog. MSN. MySpace. Hotmail. Google. Skype. Youtube. Gmail. Blogger... há dez anos, grande parte destas palavras sequer existia. Hoje há pessoas que passam suas vidas, ou grande parte delas, se expondo online através destas ferramentas. Eu não sou exceção e, se você está lendo este texto agora, é bem possível que também não seja. "Nome Próprio" é um filme forte e atual sobre uma moça que é personagem de si mesma. Uma mulher que decidiu que vai "viver intensamente" e que, quando a vida não é intensa por si só, faz alguma coisa para puxar o próprio tapete. Uma pesquisa rápida no orkut pelas palavras "viver intensamente" retorna mais de mil resultados. Nestas comunidades você lê descrições como: "VIVA A VIDA INTENSAMENTE, CURTA CADA MOMENTO DE SUA VIDA", ou "A vida acontece sempre no presente.. não devemos economiza-la!O melhor sempre acontece no AGORA!...". É de se pensar que tipo de felicidade é esta que se busca a qualquer preço, a qualquer momento.
O filme é estrelado por Leandra Leal, que se entrega totalmente a seu personagem, uma blogueira chamada Camila Lopes. Leandra, assim como seu personagem, se expõe despudoradamente para as lentes do diretor Murilo Salles. O filme começa com Camila, nua, sendo expulsa de casa pelo namorado, que a acusa de traição. Camila tem outra opinião. Segundo ela, ela deu apenas seu corpo, enquanto Felipe, o namorado da vez, está traindo a si mesmo. Expulsa de casa, ela logo vai morar no apartamento de outro rapaz. A primeira coisa que faz é comprar muita bebida e tirar dinheiro para poder pagar, adiantado, a conta do telefone. Seu blog vira espaço para expor publicamente sua briga com o namorado e detalhes do seu relacionamento. A web tem mão dupla e, em pouco tempo, há outros sites perguntando o que ela teria feito com o namorado. Camila então faz a seguinte declaração:
DECLARAÇÃO:Meu blog não é um diário. Aqui escrevo e ponto.Escrevo porque preciso. Melhor, vivo porque escrevo. Não quero saber de opiniões, nem de julgamentos. Não devo nada a ninguém. Por isso, meu blog não tem comentários. Menos ainda sobre minha vida. Isto aqui não é uma página interativa. Não gostou? Não lê. Simples assim.
Claro que é uma contradição. Se ela escreve só porque precisa, por que publicar na internet? O filme é muito inteligente em expor este aspecto da vida online. Por um lado, o escritor está sozinho do seu lado da tela. Mas a internet permite que, ao clicar do mouse, alguém lá na Austrália leia em poucos minutos o que você fez ontem à noite, ou veja fotos da sua última balada. Viver apenas o "agora" implica em uma vida sem conseqüências. Paixões sem amores. Causas sem efeitos. É um drama interessante "viver porque se escreve". Você escreve o que você viveu ou você vive porque vai escrever a respeito depois? No fundo, Camila é uma pessoa só e egocêntrica, que não consegue ver além dos limites do seu mundo. Sua relação com os homens também é complicada. A escolha entre transar com alguém ou não parece tão irrelevante quando clicar ou não em um link, e Camila troca constantemente de "namorados" para, em seguida, relatar suas aventuras online. Em uma espécie de feminismo às avessas, ela usa os homens para que eles lhe paguem um lugar para morar e, o mais importante, um lugar onde ela possa instalar seu computador conectado à internet. Há uma incômoda ligação entre suas ações e a prostituição. E nesta era online nem o sexo é tão simples. Em dado momento Camila passa a noite no apartamento de um nerd que é seu fã. Ela está dormindo profundamente e o rapaz lhe tira as roupas e tira algumas fotos com sua câmera digital. Ao invés de transar com a moça, ele passa as fotos para o computador e, com Camila dormindo nua às suas costas, se masturba diante do monitor.
O filme tem censura 18 anos e, de fato, há algumas cenas fortes. Emulando o aspecto "voyer" que existe na internet (com sua profusão de fotos e videos pornográficos) acompanhamos uma longa (e incômoda) cena de sexo entre Camila e um rapaz que ela conhece em um bar. O plano é feito sem cortes e, repito, Leandra Leal se entrega totalmente ao papel, de modo a desaparecer sob a personagem de Camila. Ela se expôe nua por tanto tempo na tela, aliás, que depois de certo tempo deixamos de notar sua nudez e a encaramos com estranha intimidade.
"Nome Próprio" tem, claro, vários sites na internet. Camila pode ser um exemplo extremo do internauta de hoje. Mas ela é um quadro bastante complexo da juventude atual e da cultura do "agora". Uma cultura que exige fidelidade sem praticá-la. Que quer ser livre mas ainda fala de amor. Que quer ficar com todo mundo mas, no fundo, ainda espera a chegada do "príncipe encantado". Nem que ele venha por e-mail.