sábado, 28 de agosto de 2010

Os Inquilinos

Periferia de São Paulo. Calor insuportável. Classe média baixa. Filas se formam nos pontos de ônibus, onde homens e mulheres embarcam para horas no trânsito. À noite, na volta pra casa, ônibus queimados e comandos policiais se enfileiram no caminho. Valter (Marat Descartes) é um dos milhares de anônimos que enfrentam esta rotina todos os dias. Branco, é casado com Iara (Ana Carbatti), negra, e tem um casal de filhos. Um dia três rapazes barulhentos, encrenqueiros e com jeito de bandidos se mudam para a casa vizinha. A presença destes novos inquilinos inquieta toda a vizinhança e muda a rotina familiar de Valter.

Dirigido por Sérgio Bianchi (de Cronicamente Inviável), o filme é um ótimo exemplo de produto não comercial (e corajoso). Bianchi, que não tem nada de conformado, mostra Valter como um homem comum que é levado aos limites do que é ser um cidadão "de bem", confrontado com uma situação desesperadora. Ele é pobre, mas leva uma vida digna com a família, na casa que foi construída pelo pai tijolo por tijolo, como gosta de contar. A esposa vê os vizinhos pela janela e não gosta do barulho ou da decadência representada por aqueles homens. Ao mesmo tempo, há uma curiosa atração pelo perigo e pelo proibido, representado por Bianchi em cenas que mostram um misto de sonhos e alucinações de Iara com os homens do outro lado do muro. Valter, além de carregar caixas o dia inteiro em um subemprego, frequenta aulas à noite. A escola está sob frequente ameaça do "Partido", que tem feito atentados nos últimos dias. Cássia Kiss faz uma professora que recita poemas de hip hop ou de Carlos Drummond de Andrade, tentando mostrar aos alunos um outro lado da vida que levam.

Curioso como tanto Cássia Kiss quanto Caio Blat e Ailton Graça, que atuam no filme, também estavam em "Bróder", que Jeferson De estreou em Paulínia mês passado. "Os Inquilinos" é um filme mais angustiante. Bianchi traz a violência e o estresse da vida moderna para dentro da casa do brasileiro, independente da sua condição social. Qual o limite? Como lidar com pessoas claramente fora do convívio social? Chamar a polícia? Ou será necessário esperar até que eles façam algo realmente errado? A televisão, ligada constantemente, mostra José Luis Datena metralhando seu circo de horrores. A filha de 12 anos de Valter, mulata de olhos verdes, é precocemente sexualizada pela coreografia de danças "funk" que a faz rebolar no meio da rua, atraindo a atenção dos marmanjos. A esposa, diante da aparente letargia do marido, que não quer entrar em conflito com os vizinhos, envolve um irmão mais "esquentado", que planeja uma ação contra os baderneiros.

"Os Inquilinos" é sufocante. Há um plano fantástico que mostra uma senhora carregando uma cadeira e se instalando na calçada para assistir ao "show" do outro lado da rua, quando a história chega ao sangrento final. Ainda assim Bianchi surpreende. Este não é um filme americano, que fatalmente o transformaria em uma cruzada de um homem só, com Valter assumindo a causa da família e enfrentando os bandidos. A vida real é muito mais sutil e cruel. Depois que todo o sangue corre, há um plano que mostra o ponto de vista contrário do adotado durante todo o filme, visto da cozinha de Iara. Valter, à noite, resolve ir ver com os próprios olhos o que aconteceu na casa vizinha, e é surpreendido pelo sorriso cruel e irônico da própria esposa, o observando do outro lado do muro. Será que somos todos espectadores sádicos nesse mundo violento?

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