domingo, 30 de novembro de 2014

De Volta ao Jogo

"De Volta ao Jogo" é só clichês. Apesar disso, ou melhor, por causa disso, é um filme muito bom de se ver. Considere a sinopse: um assassino profissional chamado John Wick (Keanu Reeves, "Side by Side") havia se aposentado por causa do amor de uma mulher (Bridget Moynahan, vista apenas em flashbacks). Poucos dias depois dela morrer de uma doença, a casa de Wick é invadida por três membros da máfia russa. Eles não só roubam o Mustang 1969 de Wick como também matam seu cachorro. Pior: o cachorro havia sido um presente de despedida da esposa. Está armada a fórmula para um dos melhores filmes de vingança dos últimos anos.

Reeves está muito bem. Com inacreditáveis 50 anos, ele empresta ao personagem sua personalidade zen e várias das habilidades em artes marciais mostradas em filmes como "Matrix", há 15 anos. John Wick é puro profissionalismo. Em poucas horas ele descobre que quem roubou seu carro e matou seu cachorro foi Iosef Tarasov (Alfie Allen, da série "Game of Thrones"), filho do chefe da máfia russa, Viggo Tarasov (Michael Nyqvist, aquele tipo de vilão sofisticado que faz longos monólogos ao invés de simplesmente matar o inimigo). Há aqui outro clichê que remonta a filmes como "Duelo de Titãs" ("Last Train from Gun Hill", de John Sturges, 1959), em que a mulher de Kirk Douglas havia sido morta pelo filho de um antigo companheiro, interpretado por Anthony Quinn, e ele parte para a vingança. Alfie Allen também está muito bem, embora esteja praticamente reprisando Theon Greyjoy, seu personagem covarde e fraco de "Game of Thrones". (leia mais abaixo)


O que transforma a lista de clichês de "De Volta ao Jogo" em um bom filme? O elenco, que também conta com nomes como Willem Dafoe e John Legizamo, ajuda bastante. O filme brilha de verdade, porém, na ótima coreografia das cenas de tiroteio e luta, executadas como uma dança por Reeves e um exército de dublês (contei pelo menos cinquenta nos créditos). Há uma mistura de artes marciais e armas de fogo que lembra "Equilibrium", ficção-científica com Christian Bale de 2002. John Wick se move como um samurai; ao invés de ter uma katana nas mãos, empunha uma automática. E nestes tempos em que a maioria dos filmes americanos têm a classificação PG-13 (que significa violência disfarçada) é bom ver um filme feito diretamente para adultos. John Wick nunca dá apenas um tiro em seus opositores e geralmente finaliza com um tiro na cabeça. Há uma sequência passada em uma casa noturna em que os tiros parecem até pipocar em sincronia com a música.

"De Volta ao Jogo" é dirigido por dois ex-dublês de Hollywood, Chad Stahelski e David Leitch, o que explica a quantidade e precisão das cenas de ação. Filme macho das antigas (Steve McQueen estaria à vontade nele há 40 anos), o filme é diversão garantida.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Cavalgada dos Proscritos (Netflix)

"Cavalgada dos Proscritos" (título moralista para "The Long Riders") é um filme de 1980 dirigido por Walter Hill (que faria sucesso com "48 Horas" em 1982). É um bom faroeste com uma sacada interessante de elenco: irmãos na vida real interpretam irmãos na ficção. David, Keith e Robert Carradine interpretam os irmãos Younger; James e Stacy Keach são Jesse James e Frank James; Dennis e Randy Quaid são os irmãos Miller; Christopher e Nicholas Guest são os irmãos Ford.

O filme trata da história do famoso bandido americano Jesse James (James Keach), que depois da Guerra de Secessão assaltou vários bancos e trens no estado do Missouri. A ferrovia contratou a famosa Agência de Detetives Pinkerton para caçar James e seu bando.

Os irmãos Keach, além de atuarem, também co-escreveram e co-produziram o filme, que tem bela fotografia em tons dourados feita por Ric Waite e trilha sonora de Ry Cooder. A história foi contada novamente em 2007 no longo e introspectivo "O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford", de Andrew Dominik, estrelado por Brad Pitt. (leia mais abaixo)


A versão de Hill é mais crua e realista, no estilo dos anos 1970. Há uma espetacular sequência de tiroteio quando um roubo a banco não sai como se esperava, com ótima edição e uma quantidade inacreditável de tiros trocados pelos bandidos e os agentes da lei. O elenco é bom, embora o papel de Jesse James seja interpretado pelo ator mais fraco do grupo, James Keach (Stacy Keach, por outro lado, está ótimo). "Cavalgada dos Proscritos" está disponível no Brasil na Netflix.

João Solimeo

domingo, 9 de novembro de 2014

Interestelar

Um ótimo filme de ficção científica de uma hora e meia, no máximo duas horas, existe dentro de "Interestelar", o novo e ambicioso épico de Christopher Nolan. O problema é que, como em quase todo filme de Nolan, ele é longo demais, explicativo demais e chega ao público com longas três horas de duração.

Não me entenda mal, há muito que se elogiar em "Interestelar". O elenco é muito bom, encabeçado por Matthew McConaughey, ator que viveu um "renascimento" ultimamente na carreira, coroado com o Oscar de melhor ator por "Clube de Compras Dallas". O grande Michael Caine bate ponto novamente em um filme de Nolan (como fez na trilogia "Batman" e em "O Grande Truque") e há uma garota (Mackenzie Foy) que faz a filha de McConaughey, que quase rouba o filme. O visual é muito bom, capitaneado pelo diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema (de "Ela"), que substituiu Wally Pfister, o habitual fotógrafo de Nolan (que foi dirigir outra ficção científica, o decepcionante "Trancendente").

Gostar ou não do filme vai depender muito do quanto o espectador gosta ou não do estilo exagerado de Christopher Nolan. Uma coisa, porém, é certa: "Interestelar" não é nenhum "2001 - Uma Odisséia no Espaço", filme que o próprio Nolan tem citado em entrevistas por aí. Não se trata de comparar Nolan com Kubrick. O caso é que falta muito em "Interestelar" o que sobra em "2001": silêncios. Nolan consegue fazer um filme de três horas de duração em que praticamente não há um respiro, um momento contemplativo sequer. Como faria bem ao filme ter uma sequência espacial sem que a música de Hans Zimmer não estivesse tocando a todo volume. Como faria bem ao filme ter uma sequência de mistério que não fosse explicada minuciosamente por algum personagem. De duas, uma; ou Nolan não confia em seu espetador ou acha que deve conduzi-lo pela mão, passo a passo, por cada sequência de seu filme.

Tanto assim que a melhor parte do filme é o início, situado em uma fazenda de milho cujo cenário e personagens lembram muito "Sinais", de M. Night Shyamalan. Assim como no filme do indo-americano, um viúvo mora em uma casa de fazenda com um casal de filhos e o sogro (no filme de Shyamalan, era um irmão). A Terra está passando por um período de grande fome; bilhões de pessoas já morreram e quase todos os sobreviventes são plantadores de milho, uma das últimas culturas que ainda crescem no planeta. Assim como em "Sinais", coisas inexplicáveis estão acontecendo na casa da família de Cooper (McConaughey), um ex-piloto e engenheiro. Sua filha Murph diz que um "fantasma" tem derrubado os livros da estante. Alguma coisa está atraindo para a casa as máquinas colheitadeiras robóticas e até mesmo um "drone" entra em pane perto da fazenda de Cooper. Em uma tempestade de areia, Cooper e a filha percebem sinais formados pelo pó no chão do quarto dela. São coordenadas de algum lugar misterioso. (leia mais abaixo)



Há nesta primeira parte um suspense e mistério que fazem falta no resto do filme. Cooper é recrutado pelo que restou da NASA para encontrar um planeta adequado a receber os últimos seres humanos do planeta. A Terra está condenada e a NASA descobriu que alguém colocou um "buraco de minhoca" ("wormhole", em inglês, basicamente um portal para outra parte da galáxia) nas proximidades de Saturno. A referência a "2001" é clara, já que o escritor Arthur C. Clarke também colocou seu "Monolito" próximo a Saturno em seu livro (Kubrick, no filme, mudou para Júpiter).

Cooper, em companhia de Anne Hathaway, Wes Bentley, David Gyasi e um robô chamado TARS partem para a aventura a bordo da espaçonave Endurance (que não foi feita em computação gráfica, mas com as boas e velhas miniaturas de antigamente). É então que, paradoxalmente, o filme perde força. O mistério e os bons dramas familiares são trocados por longas conversas sobre a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, e temas bem menos científicos, como uma teoria sobre a função do amor.

Nolan já havia brincado com a noção relativa do tempo em "A Origem", que dizia que ele corre em velocidades diferentes dependendo em que nível do sonho o personagem estava. Há uma passagem de "Interestelar" que diz que cada hora passada em determinado planeta equivaleria a sete anos na Terra. O conceito é interessante e cientificamente comprovado (o roteiro teve consultoria do físico teórico Kip Thorne), mas Nolan não o usa em todo seu potencial. Há uma passagem em que um personagem envelhece 23 anos entre uma sequência e outra, mas a não ser por alguns cabelos brancos permanece exatamente o mesmo. Até a conversa continua como se nada muito extraordinário houvesse acontecido.

Por outro lado, há boas sequências quando a personagem da filha de Cooper, Murph, volta à cena encarnada pela ótima Jessica Chastain (de "Árvore da Vida", este sim bastante similar a "2001"). Chastain consegue imprimir uma boa dose de drama à personagem, dividida entre o amor à ciência e a mágoa pela ausência do pai. É inevitável, porém, não lembrar da personagem de Jodie Foster em "Contato", baseado em livro de Carl Sagan, que também tratava de viagens intergalácticas em wormholes. A relação entre a personagem de Foster e o pai também era o centro dramático daquele filme.

Assim, há de tudo um pouco em "Interestelar". Ou melhor, há muito de tudo em "Interestelar". O filme se beneficiaria com o corte de algumas sequências (como a passada em um planeta coberto de água, por exemplo, que não é fundamental ao roteiro); acredito também que teria sido um filme muito mais interessante se Nolan não quisesse explicar tudo nos mínimos detalhes. "Antigamente nós olhávamos para o céu e nos maravilhávamos", diz Cooper em uma cena. Nada como um bom e velho mistério.

João Solimeo
Câmera Escura

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O Senhor das Moscas (Netflix)

O começo de "O Senhor das Moscas" ("Lord of the Flies", 1990), disponível no Brasil pela Netflix, parece uma daquelas aventuras infanto-juvenis escritas por Júlio Verne, como "Dois Anos de Férias" (1888). Um grupo de uns 20 garotos sobrevive a um acidente de avião e naufraga em uma ilha deserta. Aparentando ter no máximo 13 anos, os garotos estão todos vestindo uniformes de um colégio militar e, a princípio, agem com maturidade diante da tragédia. O tempo, as adversidades e principalmente a natureza humana vai mudar este quadro.

O filme, dirigido por Harry Hook, é baseado no famoso livro escrito pelo britânico William Golding em 1954. Ao contrário do otimismo apresentado pelo colega francês Júlio Verne, Hook escreveu "Lord of the Flies" no período pós 2ª Guerra Mundial, com o mundo dividido entre Ocidente e Oriente, na Guerra Fria. Em uma alegoria não muito sutil, o livro de Golding não vê o ser humano com muita esperança. As crianças, sozinhas na ilha e tendo que lutar para sobreviver, acabam aos poucos abandonando a civilização e regredindo a estágios primitivos. (mais abaixo)


Filmado na Jamaica com bela fotografia de Martin Fuhrer, o que mais impressiona na versão cinematográfica de Hook é o ótimo elenco infantil. O grupo acaba se dividindo entre a liderança natural de dois garotos, o idealista Ralph (Balthazar Getty) e o rebelde Jack (Chris Furrh). Ralph acredita na ordem e na civilização. Ele convoca assembleias para discutir os rumos da colônia de garotos, criando grupos de pesca e coleta de frutas. Ralph também organiza a manutenção de uma fogueira para tentar atrair a atenção de um possível resgate. Já Jack valoriza a liberdade e organiza grupos de caça aos porcos selvagens que existem na ilha.

O filme, a princípio, pode parecer um bom programa de aventura para crianças, mas atenção; o desenrolar da história leva a alegoria de Golding a caminhos extremos e muito violentos. Há uma cena particularmente perturbadora, envolvendo a morte de uma criança, que surpreende pela forma gráfica com que é mostrada. Cuidado, portanto, pais que pretendem ver o filme com os filhos. Disponível na Netflix.

Obs: Fãs da série de TV "Lost" vão reconhecer e achar curiosas as referências apropriadas pelos criadores da série, como a queda do avião em uma ilha, a caça aos porcos selvagens, a divisão dos sobreviventes em grupos distintos e até mesmo a presença (ou não) de um "monstro" misterioso na floresta.

João Solimeo
Câmera Escura