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domingo, 9 de novembro de 2014

Interestelar

Um ótimo filme de ficção científica de uma hora e meia, no máximo duas horas, existe dentro de "Interestelar", o novo e ambicioso épico de Christopher Nolan. O problema é que, como em quase todo filme de Nolan, ele é longo demais, explicativo demais e chega ao público com longas três horas de duração.

Não me entenda mal, há muito que se elogiar em "Interestelar". O elenco é muito bom, encabeçado por Matthew McConaughey, ator que viveu um "renascimento" ultimamente na carreira, coroado com o Oscar de melhor ator por "Clube de Compras Dallas". O grande Michael Caine bate ponto novamente em um filme de Nolan (como fez na trilogia "Batman" e em "O Grande Truque") e há uma garota (Mackenzie Foy) que faz a filha de McConaughey, que quase rouba o filme. O visual é muito bom, capitaneado pelo diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema (de "Ela"), que substituiu Wally Pfister, o habitual fotógrafo de Nolan (que foi dirigir outra ficção científica, o decepcionante "Trancendente").

Gostar ou não do filme vai depender muito do quanto o espectador gosta ou não do estilo exagerado de Christopher Nolan. Uma coisa, porém, é certa: "Interestelar" não é nenhum "2001 - Uma Odisséia no Espaço", filme que o próprio Nolan tem citado em entrevistas por aí. Não se trata de comparar Nolan com Kubrick. O caso é que falta muito em "Interestelar" o que sobra em "2001": silêncios. Nolan consegue fazer um filme de três horas de duração em que praticamente não há um respiro, um momento contemplativo sequer. Como faria bem ao filme ter uma sequência espacial sem que a música de Hans Zimmer não estivesse tocando a todo volume. Como faria bem ao filme ter uma sequência de mistério que não fosse explicada minuciosamente por algum personagem. De duas, uma; ou Nolan não confia em seu espetador ou acha que deve conduzi-lo pela mão, passo a passo, por cada sequência de seu filme.

Tanto assim que a melhor parte do filme é o início, situado em uma fazenda de milho cujo cenário e personagens lembram muito "Sinais", de M. Night Shyamalan. Assim como no filme do indo-americano, um viúvo mora em uma casa de fazenda com um casal de filhos e o sogro (no filme de Shyamalan, era um irmão). A Terra está passando por um período de grande fome; bilhões de pessoas já morreram e quase todos os sobreviventes são plantadores de milho, uma das últimas culturas que ainda crescem no planeta. Assim como em "Sinais", coisas inexplicáveis estão acontecendo na casa da família de Cooper (McConaughey), um ex-piloto e engenheiro. Sua filha Murph diz que um "fantasma" tem derrubado os livros da estante. Alguma coisa está atraindo para a casa as máquinas colheitadeiras robóticas e até mesmo um "drone" entra em pane perto da fazenda de Cooper. Em uma tempestade de areia, Cooper e a filha percebem sinais formados pelo pó no chão do quarto dela. São coordenadas de algum lugar misterioso. (leia mais abaixo)



Há nesta primeira parte um suspense e mistério que fazem falta no resto do filme. Cooper é recrutado pelo que restou da NASA para encontrar um planeta adequado a receber os últimos seres humanos do planeta. A Terra está condenada e a NASA descobriu que alguém colocou um "buraco de minhoca" ("wormhole", em inglês, basicamente um portal para outra parte da galáxia) nas proximidades de Saturno. A referência a "2001" é clara, já que o escritor Arthur C. Clarke também colocou seu "Monolito" próximo a Saturno em seu livro (Kubrick, no filme, mudou para Júpiter).

Cooper, em companhia de Anne Hathaway, Wes Bentley, David Gyasi e um robô chamado TARS partem para a aventura a bordo da espaçonave Endurance (que não foi feita em computação gráfica, mas com as boas e velhas miniaturas de antigamente). É então que, paradoxalmente, o filme perde força. O mistério e os bons dramas familiares são trocados por longas conversas sobre a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, e temas bem menos científicos, como uma teoria sobre a função do amor.

Nolan já havia brincado com a noção relativa do tempo em "A Origem", que dizia que ele corre em velocidades diferentes dependendo em que nível do sonho o personagem estava. Há uma passagem de "Interestelar" que diz que cada hora passada em determinado planeta equivaleria a sete anos na Terra. O conceito é interessante e cientificamente comprovado (o roteiro teve consultoria do físico teórico Kip Thorne), mas Nolan não o usa em todo seu potencial. Há uma passagem em que um personagem envelhece 23 anos entre uma sequência e outra, mas a não ser por alguns cabelos brancos permanece exatamente o mesmo. Até a conversa continua como se nada muito extraordinário houvesse acontecido.

Por outro lado, há boas sequências quando a personagem da filha de Cooper, Murph, volta à cena encarnada pela ótima Jessica Chastain (de "Árvore da Vida", este sim bastante similar a "2001"). Chastain consegue imprimir uma boa dose de drama à personagem, dividida entre o amor à ciência e a mágoa pela ausência do pai. É inevitável, porém, não lembrar da personagem de Jodie Foster em "Contato", baseado em livro de Carl Sagan, que também tratava de viagens intergalácticas em wormholes. A relação entre a personagem de Foster e o pai também era o centro dramático daquele filme.

Assim, há de tudo um pouco em "Interestelar". Ou melhor, há muito de tudo em "Interestelar". O filme se beneficiaria com o corte de algumas sequências (como a passada em um planeta coberto de água, por exemplo, que não é fundamental ao roteiro); acredito também que teria sido um filme muito mais interessante se Nolan não quisesse explicar tudo nos mínimos detalhes. "Antigamente nós olhávamos para o céu e nos maravilhávamos", diz Cooper em uma cena. Nada como um bom e velho mistério.

João Solimeo
Câmera Escura

domingo, 21 de setembro de 2014

Transcendence

A foto de Johnny Depp ao lado o mostra, provavelmente, assistindo a este filme.

"Transcendence" marca a estréia na direção de Wally Pfister, competente diretor de fotografia conhecido principalmente por sua parceria com Christopher Nolan. É compreensível que a convivência com Nolan (que não faz nada pequeno) o tenha levado a arriscar seu primeiro longa metragem em um filme ambicioso e cheio de grandes ideias. O roteiro também foi escrito por um iniciante, Jack Paglen, o que só ajuda a explicar os problemas do filme.

As boas credenciais de Pfister conseguiram trazer um elenco de peso, composto quase todo por atores da "trupe" habitual de Nolan, como Morgan Freeman (da série "Batman"), Cillian Murphy (também de Batman e de "A Origem") e Rebecca Hall (de "O Grande Truque"). O britânico Paul Bettany está no lugar de Michael Caine e o papel de Johnny Depp, se fosse em um filme de Nolan, provavelmente seria interpretado por Christian Bale ou Hugh Jackman.

Johnny Depp interpreta Will Caster, um cientista que está desenvolvendo uma I.A. (Inteligência Artificial) que, se bem sucedida, poderia resolver os problemas da Humanidade. O caso é que um grupo de ativistas anti-tecnologia (chefiados por uma inexpressiva Kate Mara, de "House of Cards") realiza uma série de atentados em que diversos cientistas são mortos e Caster é envenenado por uma substância radioativa. A esposa de Caster, Evelyn (Rebecca Hall, o único sopro de humanidade em todo o filme), dedica as últimas semanas de vida do marido a fazer um "upload" das memórias dele para a Inteligência Artificial. (leia mais abaixo)


Há uma porção de boas ideias aqui. Seria possível transferir todo o conteúdo do cérebro de uma pessoa para um computador? Em caso positivo, este conjunto de memórias seria considerado um "ser vivo"? A personalidade seria mantida? Ela seria "humana"? Imortal? Estas questões são aludidas no filme de Pfister, mas de forma tão rasa que ficam enterradas sob uma trama absurda e incoerente. Fica patente a inexperiência do diretor em dar vida ao material, que é visualizado em belas, mas frias, imagens.

Johnny Depp está particularmente ruim. Seu cientista, enquanto humano, já não tinha muito a mostrar. Depp mantém uma expressão única por todo o filme e um tom de voz mais inexpressivo que o do tradutor do Google, e quando é transferido para o computador fica pior ainda. Rebecca Hall, Paul Bettany e mesmo Morgan Freeman tentam inserir um pouco de vida a personagens vazios e mal desenvolvidos. Cillian Murphy, coitado, anda pela tela sem saber direito o que está fazendo por lá.

E em quê, na verdade, se transformou Will Caster? O roteiro, indeciso, ora dá a entender que o "ser" que habita o computador se trata do mesmo homem que ele era em vida, ora mostra que se trata de outra consciência. Aparentemente, nem o roteirista sabe o que está acontecendo. 

"Transcendence", ao invés de levantar questões, gera dúvidas. Chega-se ao final da mesma forma com que se começou. Com nada.