domingo, 26 de fevereiro de 2012

Oscar 2012 - Vencedores

Deu o esperado. "O Artista" levou o prêmio de melhor filme de 2011, além de premiações para melhor diretor, ator, figurino e trilha sonora. "A Invenção de Hugo Cabret"  era o principal concorrente, mas o filme de Martin Scorsese acabou ficando com os prêmios técnicos. O iraniano "A Separação" levou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, como era de se esperar, apesar desta ser uma das categorias mais imprevisíveis do Oscar. Meryl Streep foi ovacionada ao receber o terceiro Oscar da carreira por sua interpretação de Margaret Tatcher no ruim "A Dama de Ferro". Pessoalmente, discordo. Streep está acima de crítica, mas seu trabalho como Tatcher dependeu mais de quilos de maquiagem e um forte sotaque britânico. Não por acaso, "A Dama de Ferro" também levou o Oscar de Melhor Maquiagem.

A cerimônia foi morna. Billy Crystal, em sua nona vez como apresentador, estava sem timing e com um texto ruim. Não trouxe nada de novo à apresentação, limitando-se a repetir sua montagem de filmes inicial, em que contracena com imagens dos filmes do ano (a única surpresa sendo o beijo na boca de George Clooney, imitando cena de "Os Descendentes"), o número musical sobre os candidatos a melhor filme e até repetiu o quadro em que ele tenta adivinhar o que os convidados estão pensando. Crystal estava longe dos bons tempos em que tirava a cerimônia do tédio. Uma pena.

A seguir, a lista dos vencedores, na ordem de premiação.

Melhor Fotografia:
Robert Richardson (A Invenção de Hugo Cabret)

Melhor Direção de Arte
Dante Ferretti, Francesca Lo Schiavo (A Invenção de Hugo Cabret)

Melhor Figurino
Mark Bridges (O Artista)

Melhor Maquiagem
Mark Coulier, J. Roy Helland (A Dama de Ferro)

Melhor Filme Estrangeiro
A Separação (Irã)

Melhor atriz coadjuvante
Octavia Spencer (Histórias Cruzadas)

Melhor Montagem
Kirk Baxter, Angus Wall (Os Homens que não Amavam as Mulheres)

Melhor Edição de Som
Philip Stockton, Eugene Gearty (A Invenção de Hugo Cabret)

Melhor Mixagem de Som
Tom Fleischman, John Midgley  (A Invenção de Hugo Cabret)

Melhor documentário
Undefeated

Melhor Animação Longa Metragem
Rango

Melhores Efeitos Visuais
Robert Legato, Joss Williams, Ben Grossmann, Alex Henning (A Invenção de Hugo Cabret)

Melhor Ator Coadjuvante
Christopher Plummer (Toda Forma de Amor)

Melhor Trilha Sonora
Ludovic Bource (O Artista)

Melhor Canção
Bret McKenzie - "Man or Muppet" (Os Muppets)

Melhor Roteiro Adaptado
Alexander Payne, Nat Faxon, Jim Rash (Os Descendentes)

Melhor Roteiro Original
Woody Allen (Meia-Noite em Paris)

Melhor Curta-Metragem
The Shore

Melhor documentário de curta-metragem
Saving Face

Melhor curta-metragem de animação
The Fantastic Flying Books of Mister Morris Lessmore

Melhor Diretor
Michel Hazanavicious (O Artista)

Melhor Ator
Jean Dujardin (O Artista)

Melhor Atriz
Meryl Streep (A Dama de Ferro)

Melhor Filme
O Artista

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Último Dançarino de Mao

Vencedor do prêmio de público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2009, só agora "O Último Dançarino de Mao" chega a Campinas. O filme tem produção australiana e conta história real do dançarino chinês Li Cunxin (Chi Cao) que, nos anos 80, abandonou a República Popular da China para viver nos Estados Unidos.

Dirigido por Bruce Beresford ("Conduzindo Miss Daisy", 1989), o filme começa com a chegada de Li a Houston no início dos anos 80 e conta sua história através de flashbacks. Sexto filho de uma família de sete crianças, Li era um "filho da revolução" comunista de Mao Tsé Tung (1893-1976). Ele vivia com a família no interior rural da China quando foi recrutado por Pequim para ser treinado como dançarino. Lá ele foi alfabetizado e tinha uma alimentação melhor que a da família; em troca, passou anos treinando balé clássico. Sua grande chance aconteceu com a visita cultural de membros do Balé de Houston, chefiados por Ben Stevenson (Bruce Greenwood), que gostou de Li e conseguiu uma autorização para que o chinês passasse três meses nos Estados Unidos. Em plena Guerra Fria, Li cresceu acreditando que os Estados Unidos eram a terra da perdição. Há uma cena em que ele recusa as roupas compradas por Stevenson dizendo que o pai ganhava 50 dólares por ano, enquanto que Stevenson havia gasto 500 dólares em uma tarde.

Claro que também há pobres e miseráveis nos Estados Unidos, mas alguém com o talento de Li poderia fazer muito sucesso e, de fato, é o que acontece. Ele conquista a simpatia das platéias de Houston e se apaixona por uma bailarina chamada Elizabeth (Amanda Schull). Terminados os três meses, Li decide ficar nos Estados Unidos e, auxiliado por um advogado (Kyle MacLachlan), se casa com Elizabeth, causando um incidente internacional. Após ser mantido contra a força na Embaixada da China, Li recebe autorização para ficar nos EUA, desde que nunca mais retorne ao país natal ou veja sua família. Considerando que em pleno século XXI um país como Cuba ainda proíbe cidadãos de deixarem seu território sem autorização (como aconteceu recentemente com a blogueira Yoani Sánchez), é de se imaginar as dificuldades durante a Guerra Fria.

Apesar de alguns momentos melodramáticos, o filme tem boa fotografia de Peter James e bons números de dança (há encenações de "O Lago dos Cisnes" e "Sagração da Primavera", entre outros). O dançarino Chi Cao, se não é um grande ator, é certamente um ótimo dançarino (é membro da companhia britânica Birmingham Royal Ballet) e Bruce Greenwood está à vontade como Ben Stevenson. A Guerra Fria causou grande impacto tanto no mundo das artes quanto dos esportes (com sucessivos boicotes aos Jogos Olímpicos tanto por parte dos americanos quanto do bloco soviético). A mensagem que fica é que, no fundo, o que importa é o talentos humano, independente da política.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Drive

O mais impressionante sobre "Drive" é como o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn consegue manter o filme no eixo. Seria simples optar por uma saída fácil e, com os elementos que ele tem na mão (um piloto excepcional, carros envenenados, as ruas de Los Angeles) transformar o filme em uma versão paralela de "Velozes e Furiosos" ou produtos do gênero.

Ryan Gosling (cada vez melhor) é um piloto nato. Ele faz serviços como dublê para produções de cinema e trabalha como mecânico. Sua habilidade ao volante, no entanto, também lhe garante serviços como piloto de fuga para bandidos, à noite. As regras são simples: por cinco minutos, ele trabalha para você. Ele não participa do roubo e não anda armado, apenas senta e espera. Terminado o assalto, ele consegue fugir dos policiais através do conhecimento preciso das ruas de Los Angeles e habilidade na direção. O filme começa com um desses assaltos, e a sequência é um primor de edição e suspense. Escutando a frequência do rádio da polícia e a narração de um evento esportivo, ele consegue despistar os policiais e se perder na multidão da saída do estádio. Tudo feito com a precisão de um relógio.

Gosling faz um personagem tão centrado que o espectador nem percebe que ele sequer tem um nome. Seu empresário e parceiro Shannon (Bryan Cranston) o chama simplesmente de "garoto". Ele mora sozinho em um prédio de Los Angeles, não tem família ou passado. Sua armadura só se abre quando ele conhece Irene (Carey Mulligan, de "Educação", adorável como sempre), uma jovem mãe que mora no mesmo andar. Os dois se conhecem quando o carro dela quebra e ela o leva na oficina de Gosling. A atração entre os dois é óbvia desde o primeiro minuto, mas não é apenas física. Há cenas em que ambos ficam apenas olhando um para o outro, e o rosto fechado do rapaz esboça sorrisos de calma felicidade simplesmente por estar sentado com o filho dela vendo televisão. Claro que tudo vai dar errado em breve, mas é notável o modo como o diretor tem controle sobre o ritmo do filme. As coisas se complicam quando o marido de Irene, que estava na prisão, é solto e volta para casa. Ele deve dinheiro para criminosos e, caso não pague, eles vão machucar Irene e o filho. Gosling oferece ajuda, mas as coisas não saem como o esperado e o filme, de repente, mergulha em um banho de sangue.

Há algumas semelhanças com "Taxi Driver" (1976), de Martin Scorsese, outro filme violento sobre um motorista. Os personagens principais são solitários, aparentemente comuns mas capazes de atos de violência inesperados. "Drive" tem um visual e uma ambientação que lembram o final dos anos 70 e início dos 80, um pouco de Scorsese misturado com a série de televisão "Miami Vice". Os créditos iniciais são escritos em rosa escuro e mostram o rapaz dirigindo pela cidade ao som de "Nightcall" (ouça), do artista Kavinsky. Os vilões são um capítulo à parte. Albert Brooks, geralmente associado a comédias leves, interpreta Bernie Rose, um chefão do crime a quem Shannon, chefe do rapaz, vai pedir dinheiro emprestado para investir em um carro de Stock Car. Brooks está irreconhecível e perfeito, uma pena que, assim como Gosling, tenha sido esquecido nas indicações ao Oscar. Outro bandido de peso é Nino, interpretado por Ron Perlman, que dispensa comentários.

"Drive" entrou na lista de melhores filmes de 2011 de muitos críticos, causou sensação em Cannes e Nicolas Winding Refn ganhou o prêmio de melhor diretor no prestigiado festival francês. Pena que a Academia americana não tenha indicado o filme a quase nenhum prêmio ("Drive" foi indicado apenas em uma categoria técnica, Melhor Edição de Som). O filme tem todas as características para se tornar um cult. Imperdível.

Câmera Escura

Trailer (não veja caso não tenha visto o filme)


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Tão Forte e Tão Perto

Oskar Schell (Thomas Horn) é um garoto de nove anos que perdeu o pai no atentado de 11 de setembro de 2001. Naquela manhã, Oskar chegou mais cedo da escola e encontrou algumas mensagens gravadas pelo pai na secretária eletrônica, seus últimos registros com vida. A mãe (Sandra Bullock) realizou um enterro simbólico com um caixão vazio, coisa que o pequeno Oskar não consegue aceitar. Ele não é um garoto comum. Extremamente inteligente mas pouco sociável (com suspeita de que seja portador da Síndrome de Asperger), Oskar não consegue digerir a ideia da morte do pai, de quem era muito próximo. Thomas Schell (Tom Hanks, visto em flashbacks) também não era um pai comum. Joalheiro de profissão, ele queria ter sido um cientista e gostava de desafiar o filho com missões estranhas como encontrar provas da existência de um sexto bairro de Nova York, que teria desaparecido.

Um ano após os atentados, Oskar encontra no quarto do pai um misterioso envelope em que está escrita a palavra "Black". Dentro do envelope há uma chave. Acreditando ser um desafio deixado pelo pai, o garoto cria um método para visitar as 472 pessoas com sobrenome "Black" da cidade de Nova York, para descobrir que porta aquela chave abre. "Tão Forte e Tão Perto" é baseado no livro "Extremely Loud & Incredibly Close", de Jonathan Safran Foer. Dirigido por Stephen Daldry ("O Leitor"), com roteiro de Eric Roth ("Forrest Gump") e trilha de Alexander Desplat, o filme tem uma premissa interessante, mas peca pela falta de bom senso. Por mais brilhante que seja o garoto, é necessária uma boa dose de fé para acreditar que Oskar, com nove anos de idade, consiga se virar sozinho pelas ruas de uma cidade como Nova York. E mais, Oskar sofre de vários tipos de fobias (ele se recusa a andar de metrô, por exemplo), o que torna sua missão ainda mais inacreditável. A interpretação do garoto e a boa qualidade técnica em geral, no entanto, conseguem criar suspense suficiente para, ao menos no princípio, tornar o filme interessante. Tom Hanks (e mesmo Sandra Bullock) estão muito bem e o elenco é complementado pela participação especial de Max von Sidow, que aos 82 anos interpreta um senhor que se torna parceiro de Oskar em parte de sua jornada.

O "espectro" do 11 de setembro paira sobre toda a obra e há certa verdade nas acusações de que tanto livro quanto filme explorem a tragédia para arrancar lágrimas da platéia. A parte final, quando se descobre que a mãe de Oskar sabia mais do que aparentava, torna a trama ainda mais absurda e até cruel. O que o garoto precisava é de uma boa terapia para lidar com a morte violenta do pai e não de uma aventura improvável, sozinho, em uma das cidades mais perigosas do mundo. O filme foi feito a toque de caixa para coincidir com o aniversário de dez anos dos atentados, mas foi lançado só no final de 2011 nos Estados Unidos e chega ao Brasil dia 24 de fevereiro. O veterano Max von Sidow recebeu uma indicação (merecida) ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, mas "Tão Forte e Tão Perto" surpreendeu a todos com a indicação a Melhor Filme, sem nenhuma outra indicação a prêmios importantes como direção ou roteiro. Se ganhar, vai ser uma das maiores zebras do Oscar.


sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Homem que Mudou o Jogo

Filmes sobre esportes seguem sempre a mesma fórmula e são populares no cinema americano. Talvez porque sejam uma representação fácil (mas não necessariamente simplória) dos dramas humanos; lutar, treinar, perseverar, vencer, perder, dar a volta por cima. A sociedade americana adora um vencedor, e "O Homem que Mudou o Jogo", apesar de seguir esta fórmula, não foca necessariamente na vitória, mas em um processo, um modo novo de fazer as coisas. Baseado em um livro de 2003 de Michael Lewis, mostra a trajetória de um time pequeno de baseball que, em 2002, venceu 20 partidas em seguida, estabelecendo um novo recorde, depois de um começo de temporada desastroso. As regras do baseball, mesmo depois de todos os filmes americanos a respeito, ainda soam como grego para o espectador brasileiro, mas "O Homem que Mudou o Jogo" pode ser assistido da mesma forma que se assiste a um filme sobre hackers; os personagens estão falando em um código estranho, mas o que interessa é a história que está sendo contada. Não por acaso, um dos roteiristas do filme é Aaron Sorkin, de "A Rede Social", fazendo dupla de peso com o roteirista Steve Zaillian (de "Millenium, Os Homens que Não Amavam as Mulheres").

Brad Pitt é Billy Beane, o gerente geral do Oakland Athletics. Billy havia sido um jogador promissor nos anos 80, mas que não conseguiu se destacar. No início da temporada de 2002, o Athletics havia perdido três de seus principais jogadores e Billy precisava de um novo modo para gerenciar o time. Seus assessores e olheiros procuravam pelas soluções de sempre, mas Billy encontrou no jovem Peter Brand (Jonah Hill) o "algo a mais" que procurava. Brand havia se formado em economia em Yale e é o protótipo do nerd. Baseado nas teorias matemáticas de um homem chamado Bill James, Brand tem um modo diferente de escolher jogadores. Ao invés de procurar pelos astros do esporte, caros demais para as finanças do Oakland, Peter alega poder escolher combinações vencedoras formadas por jogadores menos talentosos e mais baratos. Billy Beane resolve apostar nas teorias do rapaz, causando alvoroço na imprensa e problemas com seus colegas de time, em particular o técnico Art Howe (Philip Seymour Hoffman).

A dupla Brad Pitt e Jonah Hill garante os melhores momentos do filme, com diálogos rápidos e inteligentes. Os dois estão concorrendo ao Oscar por sua performance, apesar de não serem necessariamente brilhantes. Pitt sempre foi bom ator e faz de Billy Beane um homem fechado, que apesar de amar o esporte tenta manter certa distância emocional dele. Durante os jogos, por exemplo, ele nunca está no estádio, preferindo ficar dirigindo a esmo ou se exercitando na academia. Um toque a mais de drama é acrescentado pela convivência com sua filha Casey, que fica preocupada quando os rumores sobre a possível demissão do pai circulam pela internet.

O filme é dirigido por Benett Miller (de "Capote") e não tem nada de novo. Mas é um drama esportivo bem construído, com boas interpretações e roteiro bem escrito.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret

Mais de um crítico já notou uma curiosidade sobre os dois filmes com mais indicações ao Oscar neste ano: além de serem, ambos, declarações de amor ao cinema, um é um filme de um diretor francês que homenageia o cinema americano ("O Artista"), enquanto o outro é uma declaração de amor de um americano aos pioneiros do cinema francês. No caso, um dos maiores diretores do cinema americano, Martin Scorsese, e seu mais recente filme, "A Invenção de Hugo Cabret". O celebrado diretor de filmes como "Taxi Driver" e "Os Bons Companheiros" resolveu investir em um gênero inédito em sua carreira, o filme infantil. Ao receber o Globo de Ouro pelo trabalho, Scorsese agradeceu à esposa por ter lhe pedido que fizesse um filme que, finalmente, os filhos pudessem assistir.

Ele conta a história de Hugo Cabret (Asa Butterfield), um garoto que, após a morte do pai (Jude Law), vai morar com o tio alcoólatra na estação de trem de Paris, onde mantém todos os relógios funcionando. Feito em 3D e repleto de cenas de efeitos especiais, o filme não se parece em nada com "um filme de Martin Scorsese", o que não é necessariamente ruim, mas é possível perceber a falta de habilidade do diretor em lidar com uma tecnologia e um assunto que não domina. Steven Spielberg, que também estreou no cinema 3D este ano com "Tintim", talvez fosse um nome mais apropriado para contar a história do órfão Hugo.

Mas há um outro lado no filme que é muito caro a Scorsese, que é a história do Cinema. Baseado no livro de Bryan Selznick, o roteiro de John Logan ("Gladiador", "O Aviador") é também uma homenagem ao primeiro diretor de cinema a descobrir o potencial lúdico da nova arte que, como disse o crítico Luis Carlos Merten em seu livro "Cinema, entre a Arte e o Artifício", é a única que tem data de nascimento: 28 de dezembro de 1885, em Paris, quando os irmãos Lumiére realizaram a primeira sessão de cinema. Um mágico que estava na platéia se chamava George Méliès e, encantado com a nova tecnologia, se tornou um dos primeiros cineastas e contou histórias maravilhosas sobre sereias, aventureiros e, em 1902, fez a obra prima "Viagem à Lua". Méliès usou de sua formação como mágico para ser também um dos pioneiros dos efeitos especiais, realizando truques na própria câmera através de dupla exposição do filme.

Pois bem, tudo isso é citado em "A Invenção de Hugo Cabret", mas talvez o filme fosse mais interessante se focasse apenas na extraordinária história real de Méliès. No filme, George Méliès (Ben Kingsley) é um senhor que tem uma loja de brinquedos na estação de trem de Paris. Hugo, o órfão, mora escondido na estação e tem um segredo: está montando um homem mecânico que o pai encontrou quebrado em um museu. Para isso o garoto rouba peças da loja de brinquedos até que é descoberto pelo velho George, que o faz trabalhar para pagar suas dívidas. Hugo faz amizade com a filha adotiva de George, Isabelle (Chloë Grace Moretz), uma garota apaixonada por livros, e os dois descobrem, aos poucos, a história do velho e sua importância para o cinema. Há vários personagens secundários, o principal deles interpretado por Sacha Baron Cohen (de "Borat"), que faz o Inspetor, um vigia da estação que prende e envia crianças para o orfanato. O veterano Christopher Lee interpreta o dono de uma loja de livros e ajuda os garotos a pesquisar sobre a história do cinema. Há cenas muito bem elaboradas por Scorsese e o 3D é bem usado principalmente quando ele mostra o maquinismo dos relógios mantidos por Hugo. Em outros, porém, o uso do artifício é questionável. Os próprios filmes de Méliès, quando projetados, estão em três dimensões, o que não só não faz sentido como chega a ser uma adulteração das obras originais; algo estranho vindo de Scorsese, que tanto prega pela preservação da memória do cinema. Falta ao filme a inventividade e a engenhosidade mostradas em "O Artista", por exemplo, mas "A Invenção de Hugo Cabret" pode servir de porta de entrada, para adultos e crianças, no fantástico mundo dos filmes de George Méliès.


domingo, 12 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro

Meryl Streep está bem, como sempre, interpretando a Primeira Ministra britânica Margaret Thatcher. O filme sobre Thatcher, no entanto, é sofrível. Dirigido por Phyllida Lloyd (que já havia trabalhado com Streep antes no musical "Mamma Mia"), "A Dama de Ferro" é uma confusa montagem de três elementos: 1) a representação fictícia de um momento na velhice de Thatcher quando, senil e tendo alucinações com o marido morto, ela recorda sua vida; 2) cenas de arquivo tiradas da televisão mostrando multidões protestando em uma Inglaterra decadente e 3) a cinebiografia propriamente dita da filha do dono de uma mercearia que chegou ao governo de uma das nações mais poderosas do mundo entre 1979 e 1990.

A mescla destes três elementos é feita de forma quase aleatória e, o que é pior, com um peso muito grande nas cenas que representam a velhice de Thatcher. Grande parte do filme se dedica a mostrar Streep coberta por uma pesada maquiagem que a envelhece e em acompanhá-la por seu apartamento, andando de um cômodo a outro na companhia do "fantasma" do marido, Denis (interpretado por outro grande ator desperdiçado, Jim Broadbent). Thatcher conversa com o marido como se ele estivesse vivo, escuta seus conselhos e lhe diz como se vestir enquanto ignora os empregados da casa que, vivos, não sabem o que fazer com ela. Entre uma conversa com o marido e outra, Thatcher relembra cenas da própria vida, e o filme parte para flashbacks que mostram como a jovem Margaret Roberts (interpretada quando moça por Alexandra Roach) idolatrava o pai que tinha idéias conservadoras. A jovem é aceita na renomada Universidade de Oxford e, em 1959, entra para o parlamento. Thatcher se tornaria a primeira mulher a liderar o Partido Conservador e a ser eleita Primeira Ministra em 1979, época em que a Inglaterra se via às voltas com problemas trabalhistas e com atentados do grupo separatista irlandês IRA.

Ao contrário do filme "A Rainha", que contrabalançava a personagem da Rainha Elisabeth (interpretada por Helen Mirren) com cenas do Primeiro Ministro Tony Blair e ainda falava sobre a morte da Princesa Diana, "A Dama de Ferro" trata apenas da personagem convervadora, durona e intransigente que era Margaret Thatcher, e não sabe o que fazer com ela. Todas as tentantivas de humanizar Thatcher se dão durante as cenas em que ela está tendo alucinações com o marido, o que acaba por tirar a importância das passagens históricas que são tratadas de forma superficial e, em grande parte, usando material de arquivo. O único acontecimento real que é retratado de forma um pouco mais aprofundada é a absurda Guerra das Malvinas, travada entre a Inglaterra e a Argentina em 1982. Ainda assim, o filme cita apenas vagamente o uso político que Thatcher fez da guerra, que resultou na morte de centenas de soldados argentinos e britânicos e ajudou a Dama de Ferro a vencer as eleições de 1983. É de se perguntar o porquê deste filme ser lançado justamente no aniversário de 30 anos do conflito.

"A Dama de Ferro", confuso e sem direção, falha tanto como cinebiografia quanto como denúncia de uma das figuras mais importantes (para o bem e para o mal) do século XX. Resta apenas tecer elogios retóricos à interpretação de Meryl Streep, indicada pela 17ª vez ao Oscar (que, provavelmente, será ganho por Viola Davis por "Histórias Cruzadas"). Mesmo assim, o filme mostra Thatcher de forma tão caricatural que nem Streep consegue salvá-lo.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Artista

"O Artista" é uma das mais puras homenagens feitas pelo cinema ao próprio cinema. É daqueles filmes que fazem o espectador querer sair dançando da sala e, por um momento, esquecer dos problemas do mundo. Dançando e pensando, pois apesar de parecer um culto ao escapismo de Hollywood, "O Artista" é muito mais, é uma reflexão sobre o próprio cinema e sobre a arte em geral.
Escrito e dirigido pelo francês Michel Hazanavicius, "O Artista" é um bilhete em uma máquina do tempo para o início do século XX e o surgimento de Hollywood. Uma época em que os filmes podiam ser mudos, mas nunca eram silenciosos. Hollywood, por mais que representasse o cinema "americano", foi o lugar para onde fugiram pessoas das mais variadas origens e credos; ela podia se localizar nos Estados Unidos, mas era universal. Atores que falavam com carregado sotaque europeu como o italiano Rodolfo Valentino (1885-1926) podiam ser estrelas de cinema pois suas vozes eram apenas imaginadas pelo público, que mantinha os olhos grudados na tela e eram auxiliados por uma orquestra ao vivo que acompanhava a projeção. Tudo isso mudou em 1927, quando um filme chamado "The Jazz Singer" apresentou alguma cenas faladas e cantadas; o público ficou encantado e a indústria cinematográfica teve que se adaptar à nova tecnologia.

"O Artista" começa exatamente em 1927, quando George Valentin (Jean Dujardin) era a maior estrela do cinema. O tom de metalinguagem já é estabelecido desde a primeira cena, que mostra a exibição de um filme de Valentin em uma daquelas salas gigantes, lotada, e Valentin e a equipe aguardam o término da projeção atrás da tela. "O Artista" não só é em preto e branco como também é mudo, assim como o filme que passa dentro do filme. A trilha de Ludovic Bource acompanha as imagens fielmente, estabelecendo o tom e reforçando as emoções. Valentin conhece por acaso a bela aspirante a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo) e os dois chegam a fazer uma pequena cena juntos, mas a indústria está mudando. A chegada do som joga Valentin no limbo das estrelas do cinema mudo, enquanto Miller representa a nova geração do cinema falado.

Please Be Silent
Há uma enorme quantidade de pequenos detalhes que mostram com que carinho e dedicação este filme foi feito. Durante a projeção no início, por exemplo, quando se mostra a equipe aguardando o final do filme, há uma placa que, ironicamente, diz "Faça silêncio quando estiver atrás da tela". E o que dizer da cena em que Valentin é dispensado pelo estúdio e encontra Miller em uma escada? Repare como, nesta cena, a garota está em um nível acima do ator, que se encontra em um momento complicado da carreira, abaixo. Em outra cena mais à frente, os dois estão em um restaurante, e a atriz está dando uma entrevista a um repórter de rádio (que representa o cinema falado), enquanto Valentin está de costas para a garota; ele está, literalmente, dando as costas para a nova tecnologia. Quando o ator se desespera e acaba indo parar em um hospital, a garota vai visitá-lo no quarto 27, extamente o ano em que surgiu o cinema falado.

Cena de "Cidadão Kane", 1941
Há pelo menos três homenagens ao filme "Cidadão Kane", de Orson Welles, de 1941. Mesmo não sendo um filme mudo, "Cidadão Kane" foi pioneiro em uma série de efeitos sonoros trazidos por Welles do rádio. A famosa sequência que mostra o distanciamento de Kane e a esposa através de cenas passadas na mesa do jantar é reproduzida em sequência parecida em "O Artista". O plano em que o dono do fictício estúdio Kinograph (interpretado por John Goodman) mostra para Valentin um trecho de um filme falado lembra muito, na cenografia e fotografia, a cena em que os jornalistas discutem a vida de Kane; o plano tem a mesma imagem escura cortada pelas fortes luzes da sala de projeção. Há também uma cena em que Valentin, em um acesso de fúria, destrói seu apartamento de forma bem similar à cena em que Kane destrói o quarto da mulher. Um pouco mais difícil de entender é o uso de uma faixa da ótima trilha de "Um Corpo que Cai" (1958), de Alfred Hitchcock, em uma cena dramática. O fato até causou controvérsia com a publicação de uma carta de repúdio da atriz Kim Novak a respeito. Como "O Artista" homenageia o cinema, e a música de Bernard Herrmann se encaixa perfeitamente na cena (que termina com uma cartela ótima, representando um efeito sonoro), pode-se dizer que Hazanavicious, o diretor, está desculpado pelo empréstimo.

A metalinguagem é também muito bem utilizada em uma cena em que George Valentin, logo depois de saber do aparecimento dos filmes falados, vai para seu camarim. Ele toma uma bebida e, ao colocar o copo sobre a mesa, leva um susto ao ouvir o som do vidro sobre a madeira. De repente, é como se todo o mundo ganhasse som, e o espectador partilha da surpresa de Valentin ao conseguir escutar o barulho do trânsito da rua, de pessoas falando e do latido do animal de estimação do ator. Impossível falar de "O Artista" sem citar, também, "Cantando na Chuva" (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. O musical da Metro também tratou da transição entre o cinema mudo para o falado de forma bem humorada, embora seja um tanto cruel com os artistas do cinema mudo. 

"O Artista" recebeu dez indicações para o próximo Oscar, inclusive para melhor filme e melhor diretor. Seu principal concorrente, "As Aventuras de Hugo Cabret", de Martin Scorsese, curiosamente, também é uma homenagem aos primórdios do cinema. Parece que a Hollywood do século XXI está com saudades de suas origens. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


domingo, 5 de fevereiro de 2012

A Menina que Brincava com Fogo

Tendo visto "Os homens que não amavam as mulheres", filme de David Fincher baseado em livro de Stieg Larsson, fiquei curioso em assistir à versão sueca do segundo livro de Larsson, "A menina que brincava com fogo" (2009). Interessante acompanhar uma história com personagens familiares interpretados por outros atores. Noomi Rapace é Lisbeth Salander, que na versão americana foi feita por Rooney Mara. Rapace tem feições mais fortes e um lado físico que é mais ameaçador que  Mara. Michael Nyqvist é o jornalista Mikael Blomkvist, papel de Daniel Craig na versão americana. "A menina que brincava com fogo" tem direção de Daniel Alfredson, que repetiu o posto na última parte da trilogia sueca, "A rainha do castelo de ar".

Esta segunda parte investiga mais a fundo o passado de Lisbeth Salander, uma hacker bissexual que ajudou o jornalista Mikael Blomkvist a solucionar um mistério no primeiro filme. Salander sofreu uma série de abusos durante a vida e está sob a tutela do estado desde que, aos 12 anos, tentou matar o próprio pai queimado. Stieg Larsson, na vida real, também era um jornalista que investigava a violência contra mulheres, e o tema é recorrente em seus livros. A revista Milleium, onde Blomkvist trabalha, está investigando o tráfico de mulheres na Europa oriental quando o jornalista responsável pela reportagem, Dag Svensson (Hans Christian Trulin) e sua namorada são assassinados. O assistente social responsável pela tutela de Lisbeth, Nils Bjurman (Peter Andersson), também aparece morto, e Lisbeth é declarada suspeita pela polícia. Vale lembrar que foi Bjurman que esturprou Lisbeth no primeiro filme. Mikael Blomkvist, certo da inocência da garota, entra na investigação dos crimes e acaba descobrindo muitos segredos do passado de Salander.

O filme é tecnicamente bem feito, embora Daniel Alfredson, o diretor, não tenha a mesma classe que David Fincher. A produção sueca é mais crua e há longas cenas que mostram simplesmente um personagem indo de um lugar a outro, fato que provavelmente seria acelerado em um filme americano. É também curioso que Blomkvist e Salander passem praticamente o filme todo separados, encontrando-se frente a frente apenas no final (em aberto) da obra. Resta se perguntar se Fincher, ou algum outro diretor, vai fazer uma versão em inglês desta segunda parte também.


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin

Kevin (Ezra Miller) é um rapaz de quinze anos, bonito, culto, com fala mansa e grave. É apaixonado por arco e flecha desde que sua mãe, Eva (Tilda Swinton), leu Robin Hood para ele quando era criança. Mas Kevin tem um problema: ele é um monstro. "Precisamos falar sobre o Kevin" é um livro lançado pela escritora Lionel Shriver (nascida Margaret Ann Shriver) em 2003, que conta uma história bem americana que, infelizmente, se tornou lugar comum nos noticiários: o massacre em uma escola ginasial. A britânica BBC comprou os direitos do livro e lança agora o filme dirigido por Lynne Ramsay.

Assim como no livro, o filme é contado do ponto de vista da mãe de Kevin, Eva, após a tragédia ocorrida com a família. Tilda Swinton (de "Um Sonho de Amor") está excelente e foi injustamente esquecida pelo Oscar, para o qual não foi sequer indicada. Swinton, usando penteados diferentes conforme a época em que se passa a história, interpreta Eva como o retrato desesperado de uma mulher que, ao se tornar mãe, perdeu tudo. É um ponto de vista um tanto radical; é como se toda a vida dela, a partir do nascimento de Kevin, fosse uma interminável depressão pós-parto, e há algo de maniqueísta no filme. Que Kevin se torne um adolescente problemático e sádico é triste, mas possível. Mais improvável é a premissa de que o garoto fosse o retrato do demônio desde o seu nascimento. Será que Hitler era uma criança problemática? Exageros à parte, o filme é tão bem feito e Tilda Swinton tão convincete que o espectador acredita na existência deste garoto capaz dos atos mais terríveis. Mas o filme é tanto sobre os problemas de Kevin quanto sobre as falhas dos pais, Eva e Franklin (John C. Reilly).

Franklin é o retrato do otimismo e da ingenuidade. Ele se recusa a acreditar que Kevin tenha problemas e sempre poe a culpa na esposa. Eva também não é uma mãe exemplar. Ela tenta ser amigável com o filho, mas frequentemente transforma suas frustrações em um comportamento violento. Interessante como as semelhanças físicas e psicológicas entre Eva e seu filho são mostradas através de detalhes como o corte de cabelo dos dois ou em cenas espelhadas. A cor vermelha está ligada a Kevin através de suas roupas quando criança e seus sanduíches de geléia. A cor é fortemente ligada a Eva em uma cena extraordinária que abre o filme, quando ela está na Espanha durante a "Tomatina", uma festividade em que centenas de pessoas se envolvem em uma guerra de tomates. Uma cena que é, ao mesmo tempo, alegre e assustadora.

Há também uma crítica à sociedade do espetáculo em que o mundo se tornou. Quando perguntado sobre o porquê dele ter feito o que fez, Kevin diz a um repórter que ele agiu como todos, no fundo, desejavam . Por que eles estavam assistindo àquela entrevista? Por que não mudaram de canal? Perturbador, mas fascinante, "Precisamos falar sobre o Kevin" é dos melhores filmes do ano. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas

A maior força de "Histórias Cruzadas" está no elenco encabeçado por Viola Davis, que interpreta a empregada doméstica Aibileen Clark. Davis venceu o prêmio do Sindicado dos Atores, foi indicada ao Globo de Ouro e é a principal aposta para o Oscar. O elenco ainda conta com Jessica Chastain (de "A Árvore da Vida"), muito bem como uma dona de casa problemática, e Octavia Spencer, que venceu o prêmio de Melhor Coadjuvante no Globo e Ouro e também concorre ao Oscar.

"Histórias Cruzadas" é um filme cheio de boas intenções e que toca no delicado tema do racismo nos Estados Unidos, mas não tem nada de novo para contar. Baseado em um livro de Kathryn Stockett, o filme tem roteiro e direção de Tate Taylor e conta a história de uma recém formada jornalista que volta da faculdade para a pequena cidade de Jackson, no estado do Mississipi. Ela é Skeeter Phelan (Emma Stone, de "Amor a toda prova"), uma jovem independente que, ao contrário das amigas na cidade, não tem interesse em se casar e ter filhos.  Ela arruma um emprego no jornal local para escrever uma coluna sobre prendas domésticas, assunto que não domina. Ela então procura a ajuda das empregadas negras da cidade, em particular Aibileen Clark (Viola Davis), mas o contato com elas a faz mudar o foco de suas matérias. Skeeter fica interessada na vida das empregadas e babás negras e em um estranho fenômeno: as crianças brancas são criadas pelas mulheres negras mas, ao crescerem, se tornam patroas insensíveis e racistas. Aibileen e outra empregada, Milly (Spencer), concordam em relatar suas histórias a Skeeter, que pretende enviá-las a uma editora em Nova York.

O assunto da segregação racial gerou grandes filmes como "Mississipi em Chamas" (1988), de Alan Parker, e está na raiz do próprio cinema americano. O primeiro longa metragem importante de Hollywood foi "O Nascimento de uma Nação" (1915), de D.W. Grifith, que hoje causa espanto por mostrar os membros da organização racista Ku Klux Klan como heróis. "Histórias Cruzadas" está mais interessado em emocionar a plateia do que em ser um filme de denúncia. A fotografia de Stephen Goldblatt valoriza as paisagens ensolaradas e a recriação de época retrata bem o interior americano dos anos 60. Apesar das ótimas atuações e de momentos emocionantes, a relação entre os personagens é muito simplista, cheia de estereótipos. Há a "vilã" interpretada por Bryce Dallas Howard, uma dona-de-casa que posa de defensora das crianças da África mas propõe uma nova lei que proíbe os negros de usarem o mesmo banheiro que os brancos. A mãe de Skeeter (a ótima Allison Janney) passa por uma transformação rápida demais de mulher racista para defensora das ideias da filha. Falta ao filme um clima maior de tensão; as atitudes de Skeeter e as declarações das mulheres negras certamente causariam reações violentas, possivelmente letais, e não apenas rostos chocados de um grupo de donas-de-casa. Falta, essencialmente, um engajamento maior. Como entretenimento leve, "Histórias Cruzadas" certamente vai agradar o grande público, em particular o feminino, e vale pelas boas interpretações de Davis, Spencer e Chastain.

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