quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pai, Filhos & Etc

A CPFL Cultura exibiu nesta quarta feira, em 35mm em seu cinema "Café Filosófico" a comédia dramática "Pais, Filhos & Etc" (Père et fils, 2003), produção franco-canadense dirigida por Michel Boujenah. O filme conta a história de um velho pai, Léo (o ótimo Philippe Noiret), que tem três filhos crescidos. David (Charles Berling), o mais velho, é um empresário bem sucedido mas ocupado demais para cuidar da vida pessoal. Mal visita o pai e está brigado com seu irmão Max (Bruno Putzulu). Os dois se desentenderam e não se falam há cinco anos, para desgosto do pai. E há Simon (Pascal Elbé), que é praticamente um adulto que esqueceu de crescer. O velho sofre um mal estar e vai parar no hospital para exames de rotina, mas ele tem um plano. Quando seus dois filhos mais velhos vão visitá-lo (separadamente), ele conta a cada um deles a mesma mentira: ele estaria com uma grave doença de coração e iria passar por uma arriscada cirurgia em duas semanas. Seu último sonho seria viajar junto com os filhos para o Canadá, "para ver as baleias" (Léo havia acabado de assistir a um documentário sobre isso na TV). Ao mais novo, Simon, Léo diz apenas que a família está saindo de férias.

Assim, os quatro homens partem para o Canadá onde, aos poucos, a convivência forçada faz surgir tanto atritos quanto reconciliações. Philippe Noiret (o eterno projecionista Alfredo, de Cinema Paradiso, que morreu em 2006) está ótimo. Ele usa e abusa da suposta doença para manipular os filhos e tentar reaproximá-los, nem que seja passando uma noite na cadeia. O tema da proximidade da morte como forma de aproximar a família tem sido bastante usado no cinema, com alguns bons resultados. A trama de "Pais, Filhos & Etc" me lembrou um pouco do filme canadense "As Invasões Bárbaras", de Denys Arcand. Mas este é um filme mais leve, que se torna um "road movie" quando os quatro saem em uma viagem de carro atrás de uma suposta curandeira que poderia curar a "doença" de Léo.

O curioso é que quanto mais tempo os irmãos passam juntos, mais próximos eles se tornam, o que significa que o plano do velho está dando certo. O problema é que, na verdade, Léo não foi um pai tão exemplar conforme os filhos estavam crescendo, e em alguns momentos ele é confrontado por eles. O roteiro (de Edmond e Edouard Bensimon) é bom e cria situações interessantes mas, por vezes, é um pouco repetitivo (como nas várias vezes em que alguém descobre a mentira do velho e o enfrenta). E, perto do final, achei que o filme seria mais dramático (ou corajoso), mas o tom leve permanece até o final.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Rebobine, Por Favor

Esta é uma curiosa e nostálgica mistura de filmes de Frank Capra, "Alta Fidelidade", ficção-científica "B" e, para completar, uma pitada de "Cinema Paradiso". O diretor é Michel Gondry, responsável pelo ótimo "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", com Jim Carrey, do roteiro de Charlie Kauffmann. O próprio Gondry escreveu "Rebobine, por favor", e o filme parece se passar em algum universo paralelo. Digo, que locadora de filmes, nos dias de hoje, teria apenas fitas VHS em seu acervo? As fitas estão lá por duas razões.

Há uma razão simbólica, talvez até poética. O dono da locadora, o Sr. Fletcher (Danny Glover), é um homem que vive no passado, cheio de histórias para contar, principalmente sobre um obscuro músico de jazz chamado Fats Waller. A outra razão para as fitas existirem é dramática. Filmes em DVD não podem ser apagados, ao contrário das VHS, que podem sofrer alterações se influenciadas por um forte campo magnético. Jerry (o sempre entusiasmado Jack Black, de "Alta Fidelidade" e "Escola do Rock"), após tentar sabotar um gerador elétrico (que estaria "manipulando seu cérebro"), sofre uma grande descarga elétrica e se torna magnetizado. Ao entrar na loja, seu campo magnético apaga todo o acervo da locadora. Para despistar os clientes, ele e o atendente da locadora (Mos Def) resolvem regravar os filmes em versões "condensadas", no estilo faça você mesmo. Há cenas engraçadas dos dois tentando refazer "Os Caça-Fantasmas" usando uma velha câmera de video, efeitos especiais de terceira categoria e muita imaginação. O que eles não poderiam prever é que a versão se torna um sucesso, e logo a vizinhança começa a frequentar a locadora em busca de outras versões "condensadas". Com a ajuda de um garota, os três então começam a recriar desde filmes de ação como "A Hora do Rush 2" até clássicos como "2001 - Uma Odisséia no Espaço".

O filme é interessante mas, em minha opinião, o resultado não é tão bom e criativo quanto seu argumento. Creio que seria um filme melhor se assumisse de vez seu lado "trash" ao invés de tentar ser também nostálgico e dramático. Danny Glover, a bem da verdade, com suas histórias sobre o músico de jazz e recordações do passado, me pareceu estar no caminho de Jack Black e do tema real do filme, que é a criação cinematográfica amadora e o puro prazer de filmar. De qualquer modo, tudo acaba levando a um final um pouco açucarado que, como disse, me lembrou um pouco Cinema Paradiso (mesmo que em versão VHS). Mas é um filme simpático, com bom elenco que conta com participações de Mia Farrow e Sigourney Weaver.

ps: não teria sido realmente genial se eles convencessem a personagem de Sigourney Weaver a fazer um papel em "Os Caça-Fantasmas"?
ps2: Michel Gondry vai estar no Brasil e fará workshops em que os participantes poderão criar seus próprios filmes. Veja aqui.


segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Última Parada 174

O desfecho de "Última Parada 174" todo mundo já conhece. Em julho de 2000, com toda a imprensa acompanhando ao vivo, um jovem chamado Sandro Nascimento estava dentro de um ônibus da linha 174. Ele estava de revólver em punho e mantinha vários reféns. Após horas de negociações, e já fora do ônibus, um policial do Bope tentou atirar nele, errou o alvo e matou a refém que Sandro segurava. A refém morreu e Sandro, levado a uma viatura, morreu oficialmente por "asfixia". O caso interessou o cineasta José Padilha, que realizou um bom documentário, "Ônibus 174". Mais tarde, Padilha resolveu mostrar o outro lado da moeda e quis fazer um filme sob o ponto de vista dos policiais. O resultado foi o polêmico "Tropa de Elite".

Parecia que nada mais poderia ser feito a partir desta história, mas Bruno Barreto, diretor brasileiro que há anos estava radicado nos Estados Unidos, resolveu fazer um filme de ficção baseado no episódio. O resultado é interessante. O foco do filme, curiosamente, não é o sequestro nem o final trágico, mas sim a história da vida de Sandro (Michel Gomes) e de um outro rapaz da mesma idade e um nome parecido, Alessandro (Marcello Melo Jr), que foi tirado da mãe quando bebê e criado pelo pai traficante. Sandro vê a mãe ser assassinada por um assaltante e vai morar com uma tia. Mas ele não consegue se adaptar à família e se torna um morador de rua. Ele passa seus dias cheirando cola e praticando pequenos delitos no Rio de Janeiro. Em um lance de sorte, ele escapa da famosa chacina da Candelária, quando vários menores de rua foram assassinados a sangue frio. O destino faz com que ele seja enviado para a mesma prisão em que Alessandro está, e os dois formam uma aliança.

O filme acompanha também a vida de Marisa, a mãe de Alessandro, que nunca se esqueceu do filho que lhe foi tirado das mãos pelo pai traficante. Ela se torna evangélica e, ao assistir uma matéria na televisão sobre a Candelária, acredita ter achado seu filho. O roteiro faz um jogo interessante entre estes dois adolescentes que perderam a mãe e esta mulher em busca do filho (ou de uma figura que possa substituí-lo). O espectador sabe que o filho verdadeiro de Marisa é Alessandro, mas ela acredita que seu filho é Sandro que, precisando de um lugar para ficar (e de uma mãe), acaba se passando por filho dela.

Tudo isso já daria um filme bastante interessante e, a bem da verdade, você até se esquece do sequestro até perto do final, quando Sandro, rejeitado pelo amigo, pela namorada e pela mãe adotiva, gasta seu dinheiro em cocaína e vai parar dentro do Ônibus 174. A polícia é avisada por um passageiro que há um homem armado dentro do ônibus e o cerco é levantado. O resto já é de conhecimento geral, mas Bruno Barreto não se preocupou em ser muito fiel aos eventos reais. Há um detalhe no elenco que me desagradou. Interpretando o negociador do Bope que tenta tirar Sandro do ônibus está ninguém menos que André Ramiro, o ator que interpretou o policial Matias em "Tropa de Elite". Vestindo o uniforme negro com a caveira, Ramiro parece literalmente saído do outro filme para aparecer neste, e o resultado é confuso. Seria uma piada de Bruno Barreto? Ou uma crítica ao resultado da operação?

Também não deixa de ser irônica (e trágica) a coincidência de que o lançamento de "Última Parada 174" se deu apenas alguns dias depois do final de outro sequestro que mexeu com a opinião pública e que resultou na morte de uma refém, em Santo André, São Paulo. Não tenho a menor dúvida de que, em pouco tempo, teremos um filme a respeito. "Última Parada 174" foi o escolhido brasileiro para tentar concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem, em Los Angeles. O roteiro é do craque Bráulio Mantovani (Cidade de Deus), a fotografia do francês Antoine Heberlé e a bela trilha sonora é de Marcelo Zarvos.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O Açougueiro (1970)

Com o bom "Uma Garota Dividida em Dois" ainda nos cinemas, decidi assistir a alguns filmes mais antigos do mestre francês Claude Chabrol. Ele foi um dos jovens franceses da geração da nouvelle vague, cineastas que tinham formação original de críticos de cinema e se tornaram autores cinematográficos, como François Truffaut. Chabrol (assim como Truffaut), viu no inglês radicado nos Estados Unidos, Alfred Hitchcock, um gênio do cinema (na época, Hitch ainda era considerado um diretor "menor" nos EUA). Tanto Chabrol quanto Truffaut escreveriam verdadeiras teses sobre o mestre do suspense inglês, e Chabrol viria a ser, à moda francesa, um de seus seguidores.

O Açougueiro (Le Boucher, 1970) tem vários dos elementos hitchcockianos do suspense. Em uma pequena cidade do interior da França, uma bela mulher (loira e fria como as de Hitchcock), chamada Helene (Stéphane Audran) é professora e diretora de uma escola para crianças.

Um ex-soldado, o açougueiro Popaul (Jean Yanne) a conhece em uma festa de casamento que abre o filme. É curioso como a festa é filmada de modo quase documental, com muito uso de "zoom" e enquadramentos "desleixados". Quando Popaul e Helene saem da festa, o filme se torna meticulosamente filmado e enquadrado. Um longo plano contínuo acompanha o casal da festa até a casa da moça, que fica na própria escola. O suspense vai sendo criado aos poucos, nem tanto pelo que acontece na tela, mas sim fora dela. Uma garota é brutalmente assassinada em um bosque da cidade, mas Chabrol não mostra nem o crime nem o corpo. Apenas ficamos sabendo do fato por causa de uma conversa entre duas crianças, alunos de Helene, e pela presença da polícia correndo pela cidade.

Não é muito difícil saber quem é o assassino, mas esta não é a questão. Hitchcock já ensinava que suspense é diferente de surpresa. Em um filme em que se tem que descobrir o assassino geralmente há uma surpresa, algum acontecimento que ninguém esperava e que acaba revelando a identidade do criminoso. Suspense se cria quando o espectador já sabe de alguma coisa, mas não pode fazer nada. Uma bomba que explode de repente é surpresa. Saber que há uma bomba em um quarto, e imaginar se ela vai explodir ou não, é suspense. A relação entre a professora Helene e o açougueiro Popaul é claramente uma bomba esperando para explodir. Os dois passam a se ver com frequência, mas o caso não passa de amizade por causa de Helene. Em uma conversa no bosque (o mesmo em que foi encontrado o corpo, provavelmente) ela lhe diz que teve um grande amor no passado e que não quer sofrer novamente. Isso não impede que ela o convide para jantar, ou ao cinema.

É a própria Helene quem encontra o segundo corpo, durante uma excursão com suas crianças. Ela também encontra algo que pode indicar a identidade do assassino mas, curiosamente, ela não passa a informação para a polícia. As cenas finais são do mais puro suspense. Sozinha na escola, à noite, Helene vai fechando todas as portas e janelas do lugar em um ótimo jogo de luz e sombra, até o confronto final. A única coisa a se lamentar no filme é a trilha sonora, composta por uma série de sons dissonantes e claramente datados, típicos do final dos anos 1960. De resto, um belo trabalho do diretor francês, fazendo grande suspense e ótimo cinema.

domingo, 19 de outubro de 2008

Caos Calmo

Pietro Paladini (Nanni Moretti) é um executivo de uma grande empresa. Um dia ele está na praia com o irmão e escuta um pedido de socorro. Os dois correm para a água e salvam duas mulheres de morrer afogadas. Justo neste momento heróico, Pietro é atingido por uma tragédia; ao retornar para casa, sua esposa está morta, caída no jardim. A filha pequena, chorando, se joga em seus braços. Ele a abraça e fica olhando o corpo da esposa.

"Caos Calmo" é dirigito por Antonello Grimaldi e é uma boa mistura de drama e de comédia. O filme foi escrito por Moretti, que também é diretor de cinema (ele foi um dos diretores da coletânea de curtas "Cada um com seu Cinema", exibido em Cannes), baseado em um livro de Sandro Veronesi. Com a morte da esposa, Pietro tem que cuidar da filha Cláudia (a ótima Blu Di Martino) e lidar com um problema no escritório. Sua firma está à beira de uma fusão com um gigante americano e toda a empresa está fervendo com boatos e fofocas. A resposta de Pietro a todo este caos é inusitada. Um dia ele leva a filha à escola e diz: "eu vou ficar aqui até você sair". Ele não só cumpre sua palavra naquele dia, como passa a ficar todos os dias em frente à escola da filha. No início achamos que ele perdeu o juízo, mas a atitude de Pietro acaba resultando em uma manobra muito mais inteligente do que ele próprio imaginaria. Longe do caos do escritório e evitando ficar sozinho em casa, Pietro passa seus dias caminhando pela praça em frente à escola e a observar a região. Com o passar dos dias, certos padrões começam a se repetir: há um garoto que passa todos os dias no mesmo horário, que dá risada quando Pietro aciona o alarme de seu carro; há uma linda moça (Kasia Smutniak) que leva o cachorro para passear e que troca olhares com Pietro; a mãe de uma das amiguinhas de sua filha conversa com ele praticamente todos os dias, com um interesse cada vez maior, e assim por diante.

Os executivos da firma, ao invés de demitirem Pietro por não estar comparecendo ao escritório, começam a achar que ele tem alguma estratégia milagrosa para salvar a empresa ou para aconselhar suas carreiras. Aos poucos, um a um vai até a praça para conversar com Pietro e pedir sua opinião sobre alguma coisa. Pietro raramente fala alguma coisa, mas sua calma e serenidade servem para satisfazer as pessoas que vem até ele. Mas como será que ele está encarando, na verdade, sua situação? Ele não sente falta da ex-esposa? Ele não está preocupado com a fusão pela qual está passando sua empresa? E a mulher que ele salvou na praia, é apenas uma desconhecida ou ela vai ter algum papel importante nessa história?

Em sua simplicidade, o filme é muito inteligente e engraçado. Nanni Moretti carrega o filme nas costas, e seu pergonagem é interessante e divertido. Enquanto espera a filha sair da escola, ele tem o hábito de fazer listas inúteis, como o nome de todas as companhias aéreas pelas quais ele já voou, ou o endereço de todos os lugares em que já morou. A esposa morta se revela um enigma, alguém que, na verdade, ele realmente não conhecia. Será que ele a amava de verdade? Por que nem ele, nem a filha, choram sua perda? E há os personagens secundários. A bela Valeria Golino interpreta Marta, sua cunhada, uma mulher passional por quem ele teria sido apaixonado um dia. De vez em quando ela vai visitá-lo na praça com algum problema emocional sério e desabafa. Há também seu irmão, Carlo (Alessandro Gassman), que tem uma marca de calça jeans e é considerado um "galã" pelas mulheres. O espectador fica esperando por certos clichês que fatalmente existiriam em um drama americano, mas não é este tipo de filme. E há uma cena de sexo que gerou muita polêmica, e tenho que admitir que ela é desnecessariamente gráfica e longa em um filme que, até ali, tinha sido "censura livre". "Caos Calmo" é um filme inteligente, divertido e gostoso de assistir. Destaque para a participação especial, no final, de ninguém menos que o diretor Roman Polanski, em uma ponta.

Visto no Cine Jaraguá, em Campinas.


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Nas filmagens de "Jean Charles"

Neste final de semana visitei o set de filmagem do filme "Jean Charles" (título provisório), que tem parte de sua cenas filmadas na cidade de Paulínia, interior de São Paulo. Soube que estavam procurando por centenas de figurantes para uma cena passada no velório de Jean Charles, filmado em uma igreja do bairro Betel, Paulínia, sábado passado. Segundo informações obtidas com a produção, por volta de 500 figurantes compareceram às filmagens, que começaram no sábado (11/10) e vão até quinta feira agora. Estavam presentes no set os atores Daniel Oliveira, Vanessa Giácomo e Luiz Miranda. Dirigido por Henrique Goldman, o filme trata do caso trágico do imigrante brasileiro morto pela polícia em 2005, na Inglaterra, ao ser confundido com um terrorista. Selton Mello (sempre ele) interpreta o papel principal, mas ele não estava presente a estas filmagens. Suas cenas já foram filmadas na Inglaterra. O filme é uma co-produção entre a Inglaterra e o Brasil e, de fato, parte da equipe presente a Paulínia sábado era britânica. Segundo o site imdb.com, Stephen Frears ("Alta Fidelidade", "Ligações Perigosas") é um dos co-produtores.

Havia realmente centenas de figurantes dentro da igreja quando cheguei. De frente para o altar, um caixão cenográfico representava o corpo do brasileiro morto. Acompanhei a filmagem de algumas cenas e, em uma delas, fui um jornalista figurante que, munido de um gravador, tenta obter um depoimento da mãe de Jean Charles, quando esta se debruça sobre o caixão, chorando. A imprensa, representada tanto por figurantes quanto por jornalistas reais presentes à filmagem, cercou os personagens vividos por Daniel Oliveira e pelos pais de Jean Charles. O diretor gritou "ação" e foi um grande empurra-empurra. Foi também filmada a cena em que o padre faz um sermão em homenagem ao morto. A direção de fotografia era bem simples e, aparentemente, semi-documental. Não havia refletores ou rebatedores; tudo estava sendo filmado com luz natural. Os planos eram todos feitos em tripé, de forma bem tradicional. Havia uma segunda unidade gravando tudo em digital, não sei se estas imagens também serão incorporadas ao filme ou se era apenas uma equipe de making of.

sábado, 11 de outubro de 2008

U23D

Durante a canção hino "Sunday Bloody Sunday", Bono olha para você, estica a mão enquanto canta "Wipe your tears away...wipe your tears away..." e parece que, se você estender a mão, poderá tocá-lo. Este é o efeito provocado pela espetacular tecnologia 3D empregado na produção deste show. Uma equipe da National Geographic, munida de câmeras especiais, documentou a turnê "Vertigo", em 2006, durante sua passagem pela América Latina e Austrália. O resultado, diziam, seria quase tão bom quanto presenciar pessoalmente um show da banda. Na verdade, em termos de visão de palco, é melhor. As cenas gravadas do ponto de vista da platéia são, de fato, impressionantes em seu realismo. As pessoas "na sua frente" levantam as mãos e, instintivamente, você desvia a cabeça para tentar ver melhor. A vantagem sobre estar lá é que as câmeras gravam o show sob diversos ângulos e perto o suficiente para parecer que você vai levar um golpe da guitarra de The Edge quando ele está tocando.

Filmes em 3D não são novidade. Experimentos em três dimensões datam do início da história do cinema, e a tecnologia vem sendo desenvolvida e usada nos cinemas há décadas, principalmente em filmes de aventura, em que objetos parecem ser jogados em direção da platéia. O ponto fraco sempre foi o uso de óculos coloridos desconfortáveis e que nem sempre produziam o efeito desejado. A produção é mais cara tanto do ponto de vista da filmagem quando da exibição, e o processo nunca vingou realmente. U23D foi produzido utilizando um processo digital criado pela empresa 3ality Digital, que gravou diversos concertos durante todo o ano de 2006, sob a direção de Catherine Owens e Mark Pellington. A platéia ainda tem que usar óculos especiais, mas eles são leves e com uma lente especial (não colorida) que transforma a imagem da tela em 3D. Outra aspecto técnico que me impressionou foram os efeitos de pós produção e o uso, em 3D, de gráficos e frases que literalmente saltam da tela. Há um momento em que Bono finge desenhar uma TV no ar, com o dedo, e um gráfico em 3D aparece conforme ele desenha.

Isso não passaria apenas de um exercício técnico interessante se não fosse pelo conteúdo do filme. A banda irlandesa U2 sempre chamou a atenção tanto pelos aspectos musicais quanto por seu lado militante. É certamente uma das bandas mais bem sucedidas, constantes e duradouras da história do rock. A bateria de Larry Mullen Jr e o baixo de Adam Clayton mantém o ritmo para as viagens sonoras da guitarra de The Edge e a performance sempre apaixonada de Bono, que parece cantar como se fosse seu último show. Os críticos têm certa razão em reclamar de certa teatralidade ou megalomania, mas quantas bandas "pop" dos últimos vinte anos têm a energia do U2 no palco? O show, composto por 14 músicas, passa por sucessos recentes e revisita os clássicos que marcaram a história do grupo, principalmente no que considero seu auge, o lançamento do álbum "The Joshua Tree" (com músicas como "Where the streets have no name", "With or without you" e "Bullet the blue sky"), e anteriores, como "New year´s day", "Pride (In the name of love)" e "Sunday Bloody Sunday". A seleção de músicas para o filme foi feita levando-se em conta a popularidade das canções, mas há boa continuidade entre elas. Há até o que se poderia chamar de um "bloco político" composto pela sequência "Sunday Bloody Sunday", "Bullet the Blue Sky", "Miss Sarayevo" (com uma leitura da Declaração dos Direitos Humanos) e "Pride".

O filme pode também ser visto em Campinas agora que foi inaugurada uma sala 3D no Box Cinemas. A sala é pequena e durante a primeira exibição de ontem havia poucas pessoas, que ao final comentaram que o som poderia ter sido um pouco mais alto (para simular melhor ainda a sensação de um show ao vivo). Mas é uma ótima experiência tanto para fãs da banda quanto para de música em geral. Não me interesso muito na tecnologia 3D aplicada a filmes de ficção "normais" (que já têm uma sintaxe e técnica desenvolvidas por mais de um século de cinema), mas creio que o 3D seja realmente ótimo para apresentação de shows e eventos como este.



quarta-feira, 8 de outubro de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias

Estamos na Romênia, perto do final do comunismo, nos anos 1980. Otilia e Gabriela são companheira de quarto em uma república de estudantes. Ela está estudando na politécnica, e espera que, ao se formar, não seja enviada pelo governo para algum canto remoto do país. Otilia (Anamaria Marinca, a grande força do filme) é claramente quem faz acontecer as coisas. A câmera do diretor Cristian Mungiu a acompanha enquanto anda pelos corredores do prédio fazendo vários coisas, como procurar por um maço de cigarro contrabandeado de alguns árabes, dar uma olhada na mercadoria ilegal (perfumes, maquiagem, anticoncepcionais) vendidas por outra colega, ou procurando leite em pó para alimentar alguns gatinhos. Gabriela, ou "Gabita" (Laura Vasiliu), é insegura e está se sentindo mal por causa de alguma coisa. Ela dá um maço de dinheiro a Otilia e pede que ela faça uma tarefa para ela. Otilia parte em um ônibus para o centro da cidade e vai encontrar o namorado, que também lhe empresta dinheiro e lhe cobra uma visita à mãe dele naquela noite. É aniversário dela. Otilia lhe pergunta onde pode encontrar um maço de cigarros, e ele lhe passa um endereço no mercado negro. Estes são os primeiros minutos de "4 meses, 3 semanas e 2 dias", e não nos preparam para o suspense que, pouco a pouco, vai se instalar no filme. O que podemos notar é que a Romênia é um país pobre, burocrático e cheio de modos "alternativos" de se conseguir alguma coisa.

O suspense vai aos poucos se instalando a partir de uma característica técnica: o diretor alterna planos curtos, que geralmente representam cenas de transição mostrando Otilia em movimento, pegando ônibus ou andando pelas ruas, com longos planos ininterruptos de diálogo, geralmente entre duas pessoas. Isso força o espectador a ter que acompanhar em tempo real os percalços que Otilia passa para conseguir alguma coisa, geralmente tendo que subornar alguém. Ela vai à um hotel e reserva um quarto para três noites. Depois vai se encontrar com um homem que, desconfiado, lhe faz um monte de perguntas. Finalmente, os dois se encontram com Gabriela no quarto do hotel e ficamos sabendo do que se trata o filme. Gabriela está grávida, e o homem (ironicamente chamado de Sr. Bebe) está ali para realizar um aborto clandestino. Interpretado por Vlad Ivanov, o homem aos poucos descreve friamente o que vai acontecer, e como irá realizar o aborto. Novamente os planos sem cortes criam uma tensão palpável, enquanto percebemos a gravidade da situação e, pior, percebemos o que o Sr. Bebe vai exigir em troca como pagamento. No cinema, neste momento, alguns espectadores se levantaram e deixaram a sala.

Frio e sem música, o filme é muito bem feito em criar tensão sem necessidade de apelar para cenas fortes. A situação é pesada o suficiente para deixar o espectador em suspense e o ritmo lento só faz a imaginação criar o pior. Anamaria Marinca faz um ótimo trabalho ao interpretar Otilia, uma moça decidida que, ao querer ajudar uma colega de quarto, passa por situações inimagináveis. Há um ótimo plano contínuo que a foca sentada à mesa de jantar no aniversário da mãe do namorado. Enquanto todos os convidados batem papo percebemos na feições dela a preocupação com a amiga que deixou no quarto de hotel. Ela também imagina o que aconteceria se ela estivesse na mesma situação, e desabafa suas preocupações com o namorado. O cena final é aberta, mas alguns detalhes sugerem problemas para o Sr. Bebe.

Um filme seco, sobre um assunto polêmico. Pode ser usado, imagino, tanto por pessoas contra o aborto quanto pelas que são a favor. Visto em 35mm na CPFL Cultura, em Campinas.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Cinema - Entre a Realidade e o Artifício (livro)

Ótima dica para quem quer saber mais sobre a história do Cinema é este livro do crítico Luis Carlos Merten (O Estado de S. Paulo). Em "Entre a Realidade e o Artifício", Merten narra a tragetória da que viria a ser chamada de "a arte do século XX", que teve seu início em dezembro de 1885, em Paris, com a exibição dos irmãos Lumiére. O livro é didático sem ser técnico ou tedioso. Fica clara a paixão de Merten pelo assunto enquanto discorre sobre as várias fases do cinema, dos filmes mudos à revolução (?) digital pela qual estamos passando atualmente. O livro se inicia e termina com questão lançada pelo teórico francês André Bazin: "O que é o cinema, afinal?". Seria apenas entretenimento? Seria arte? Um filme feito em digital ainda é um "filme", ou é um "video"? Escrito em 2003, Merten questiona qual teria sido a melhor interpretação do ano de 2002: a resposta, um personagem que não existe, "interpretado" por pelos pixels digitais que formam a criatura "Gollun", de "O Senhor dos Anéis".

Mas as questões técnicas ficam em segundo plano. O livro é escrito em capítulos que procuram englobar certos diretores ou tendências cinematográficas, como o trabalho pioneiro e revolucionário do americano D.W. Griffith ou do russo Einsentein; o lado social do Neorrealismo Italiano; a genialidade de Orson Welles (criador do filme que é considerado o melhor de todos os tempos, "Cidadão Kane"); o suspense de Hitchcock; a revolução francesa da nouvelle vague, os westerns de John Ford; a estética de Glauber Rocha, e assim por diante.

Merten não se limita a citar datas e fatos. Ele faz verdadeiras análises de literalmente centenas de filmes e os compara à outra centena, comentando o estilo dos diretores, a contribuição dos atores e referências extra cinema bastante eruditas e bem informadas. Exercício interessante seria anotar todos os filmes citados por Merten no livro e separar, talvez, um ano (ininterrupto) para vê-los. É uma lista para deixar qualquer cinéfilo nas nuvens. Interessante comentar que Merten não fala apenas dos diretores mais óbvios, nem mesmo só de seus filmes mais conhecidos. No capítulo sobre Hitchcock, por exemplo, o esperado seria ler análises de seus filmes com James Stewart (a "trilogia" "Janela Indiscreta" (1954), "O Homem que Sabia Demais" (1956) e "Um Corpo que Cai" (1958) ), mas Merten prefere falar sobre o obscuro "Marnie, Confissões de uma Ladra" (1964), "Os Pássaros" (1963) e "Psicose" (1960, este sim, muito popular e influente).

Os últimos capítulos são dedicados à maravilhosa filmografia de Kieslowski ("Abrir-se para os outros significa criar laços que restringem nossa liberdade", diz Merten sobre "A Liberdade é Azul"), ao cinema iraniano e às experimentações com o plano sequência (como no filme de um só plano, "Arca Russa"), o fenômeno Quentin Tarantino (e sua eventual decadência) e as tendências para o futuro. Merten finaliza dizendo "o cinema ainda é uma arte criança. Um mundo imenso e complexo abre-se diante dele. Que nos traga filmes tão belos como aos que assistimos até aqui".

Livro: Cinema - Entre a Realidade e o Artifício
Editora Artes e Ofícios, 246 páginas.

domingo, 5 de outubro de 2008

Ao Entardecer

Há um diálogo em "Ao Entardecer" que praticamente resume todo o filme. Já em idade avançada, Lila Ross (Meryl Streep) e Ann Grant (Vanessa Redgrave) estão conversando sobre suas vidas, e Lila diz que teve bons e maus momentos. "Eu não esperava tanto da vida como você", diz ela. "Ah, eu esperava muito!", responde Redgrave. "Ao Entardecer" é daqueles dramas sensíveis que tratam da vida sob a perspectiva de alguém que a está deixando. Ann Grant está à beira da morte, permanentemente na cama e sob os cuidados de uma enfermeira. Suas filhas Nina (Toni Collette) e Constance (Natasha Richardson) sabem que o final está próximo, e fazem o que podem para mantê-la tranquila. Só que Ann começa a falar sobre pessoas de quem elas nunca ouviram falar antes, sobre um tal "Harris" e sobre "Buddy", que ela teria "matado". A enfermeira e Constance atribuem as falas aos remédios e a delírios, mas Nina está determinada em descobrir quem são aquelas pessoas. Em flashbacks, acompanhamos então a história de Ann quando era uma jovem alegre e independente (interpretada por Claire Danes), que é escolhida para ser a dama de honra de Lila (Mamie Gummer). O casamento vai acontecer em uma bela mansão à beira do mar, propriedade da família Wittenborn, encabeçada por Glenn Close (sim, o elenco feminino deste filme é impressionante).


A família Wittenborn é descrita por Buddy (Hugh Dancy), o filho rebelde e melhor amigo de Ann, como desinteressante até para um vampiro. "Não há sangue o suficiente neles", descreve ele. Buddy é um rapaz sempre alegre (e com um copo de bebida na mão) que quer ser escritor, mas todas suas grandes idéias vêm de livros que já foram escritos. Ele diz a Ann que eles devem convencer Lila a não ir em frente com o casamento, pois ela claramente não está apaixonada pelo futuro marido, Carl (tão desinteressante que passa praticamente o filme todo mudo). Ela estaria interessada em Harris (Patrick Wilson), filho de uma antiga criada da casa e amigo da família. Harris, na verdade, é o ponto chave do filme. Sério, sensato e formado em medicina, o rapaz atrai a atenção tanto das garotas quanto do próprio Buddy, que sobre uma paixão enrustida por ele.


A dinâmica entre Ann, Buddy e Harris me lembrou um pouco do livro de Evelyn Waugh, "Memórias de Brideshead" (transformado em uma espetacular minissérie britânica da Granada Television, nos anos 1980). Em "Brideshead" também havia um rapaz sério (Charles Ryder, interpretado por Jeremy Irons), uma moça independente (Julia Flyte, interpretada por Diana Quick), e o irmão homossexual e alcóolatra (Sebastian Flyte, interpretado por Anthony Andrews). "Ao Entardecer", baseado no livro de Susan Minot, explora estes dias entre a véspera e o dia seguinte ao casamento de Lila. Ao mesmo tempo, intercala cenas do presente, com a relação complicada entre as filhas de Ann. Toni Collette está muito bem como uma mulher confusa e com medo de se comprometer com qualquer carreira ou namorado. Ela está grávida do namorado atual mas ainda não sabe se vai em frente com a gravidez ou com o relacionamento. A direção é do húngaro Lajos Koltai, um competente diretor de fotografia que já havia fotografado filmes como "Adorável Júlia" e "O Clube do Imperador".


"Ao Entardecer" é sim um filme mais voltado ao público feminino mas, ao contrário de vários exemplos do gênero, não tenta alienar o público masculino e trata os personagens com respeito e sensibilidade.


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Não Amarás

Não Amarás” (1988) era originalmente parte da épica minissérie de TV “O Decálogo”, do diretor polonês Krzysztof Kieslowski (da série “Trilogia das Cores”, já vista neste blog). A série consistia em dez filmes baseados levemente nos “Dez Mandamentos” das religiões judaico/cristãs. Dois destes filmes (este e “Não Matarás”) foram lançados como filmes de cinema em versões estendida.

“Não Amarás” trata da história de um adolescente tímido e reprimido de 19 anos chamado Tomek (Olaf Lubaszenko). Ele trabalha no posto de correios durante o dia e vive com uma senhora em um conjunto de prédios. Toda noite, por volta das 20h30, Tomek entra em seu quarto e passa a observar atentamente, através de uma luneta, o prédio de frente ao seu. É lá que vive Magda (Grazyna Szapolowska), uma mulher madura e independente por quem Tomek está apaixonado. De seu posto, em cenas que lembram muito o clássico de Alfred Hitchcock, “Janela Indiscreta” (Rear Window, 1954), Tomek fica observando Magda chegar do trabalho, sair do banho, jantar e, invariavelmente, se envolver com homens. Tomek não é apenas um observador passivo. De vez em quando ele interfere no que ele vê do outro lado da luneta. Em uma das vezes que Magda está com um namorado, por exemplo, Tomek liga para a companhia de gás de diz ter um vazamento no apartamento, mas passa o endereço de Magda. Aos poucos, ele vai encontrando maneiras de se aproximar mais dela, deixando falsas ordens de pagamento na caixa postal dela, forçando-a a ir ao posto do correio em que ele trabalha, ou entregando leite no apartamento dela todas as manhãs.

Uma noite ele a vê sozinha e chorando, após uma briga com o namorado. Ele finalmente se aproxima e se declara a ela, que a princípio fica brava com a invasão de privacidade e procura se vingar. Mas, aos poucos, ela acaba gostando da atenção e os dois finalmente saem juntos. É então que o amor platônico de Tomek precisa enfrentar a realidade do amor físico praticado por Magda. A primeira noite termina de forma trágica, e a partir deste momento o filme inverte o foco, passando a seguir a história do ponto de vista de Magda, que passa a tentar acompanhar a vida de Tomek do outro lado da janela.

O estilo de Kieslowski é lento e intimista, auxiliado por seus habituais colaboradores, o músico Zbigniew Preisner e o co-roteirista Krzysztof Piesiewicz. Ele é mestre em criar ambientes com pouca luz e muitas sombras, revelando o estado das personagens. “Não Amarás” chega a ser quase um filme mudo, em seus poucos diálogos. Há muita culpa cristã no modo como Tomek pensa amar Magda que, de seu lado, considera o ato apenas como algo físico. Mas o contato com Tomek e sua atenção acabam por comovê-la e a encarar a própria vida de outro modo. Há uma cena particularmente bonita, quando Magda, do ponto de vista de Tomek, observa seu apartamento lá longe e fantasia como Tomek a veria. O final é aberto, mas tocante.