sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Looper: Assassinos do Futuro

"Looper" é uma ficção-científica que tem viagens no tempo, cidades futuristas, mutantes, uma boa dose de "animê" japonês e até uma bem bolada releitura do clássico "O Exterminador do Futuro" (1984). Na década de 2040 as viagens no tempo ainda não foram inventadas. Mas, como explica o narrador, elas seriam criadas 30 anos depois e usadas para um fim macabro: organizações criminosas, quando quisessem executar uma pessoa e se livrar do corpo, enviariam a vítima para o passado onde "loopers", assassinos profissionais contratados, as matariam a sangue frio. Sim, é uma premissa um tanto exagerada; afinal, se os criminosos têm o poder de enviar pessoas para o passado, por que não enviá-las para o meio do Oceano Atlântico, por exemplo, onde morreriam afogadas? Não importa. A partir desta ideia o diretor e roteirista Rian Johnson criou um dos filmes mais originais dos últimos anos.

A trama é focada em um "looper" particular, Joe (Joseph Gordon-Levitt), que um dia tem que enfrentar um dilema: o homem que aparece à sua frente para ser assassinado é uma versão 30 anos mais velha dele mesmo (interpretado por Bruce Willis). O "velho Joe" consegue escapar e, com isso, cria um paradoxo que deve ser evitado, a todo custo, pelo chefão dos "loopers", Abe (o bom Jeff Daniels). Viagens no tempo quase sempre rendem boas histórias, ainda mais quando envolvem pessoas encontrando elas mesmas. O que aconteceria se o "velho Joe" matasse a sua versão mais nova? E se fosse o contrário? Há uma cena muito bem bolada em que o Joe mais novo quer se encontrar com o mais velho e "manda um recado" a  si mesmo cortando uma frase no próprio braço, o que faz surgir uma cicatriz no braço do Joe mais velho. O roteiro de "Looper" está cheio destas situações criadas pela relação de causa e efeito. Como se não bastasse a trama da luta do "velho Joe" contra o "novo Joe", o roteiro ainda acrescenta uma segunda trama que, de forma inteligente, faz uma releitura do filme de 1984 de James Cameron, "O Exterminador do Futuro". Um dos motivos do "velho Joe" em voltar para o passado é o de matar uma criança que, no futuro, se tornará um cruel criminoso conhecido como "Rainmaker". A referência fica escancarada quando se descobre que a mãe desta criança se chama Sara (Emily Blunt), o mesmo nome da mãe de John Connor nos filmes de Cameron. As cenas com o menino, interpretado pelo jovem Pierce Gagnon, são assustadoras e têm ecos do animê "Akira" (1988), de Katsuhiro Ohtomo.

Assim, Rian Johnson consegue a proeza de equilibrar todas estas referências e tramas em um filme envolvente, violento na dose certa e muito interessante. O final, surpreendentemente, não decepciona. Visto no Kinoplex, Campinas.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Ted

Era uma vez um garotinho que não tinha amigos. Até  que, em uma noite de Natal, ele ganhou um ursinho de pelúcia chamado Ted; o garoto desejou que  ele fosse vivo de verdade e seu amigo pelo resto da vida. Como era noite de Natal, seu desejo foi realizado e os dois viveram felizes para sempre. Ou não.

"Ted" é criação de Seth MacFarlane, da série "Uma Família da Pesada" (Family Guy), e o filme é como um conto de fadas estrelado pelas novas versões de Beavis e Butthead. O garotinho cresceu para se transformar em John Benett (Mark Wahlberg), um adulto irresponsável de 35 anos que ainda se diverte com Ted, seu ursinho, mas em brincadeiras bem diferentes dos tempos de criança. Os dois passam grande parte do tempo no sofá experimentando drogas e vendo televisão. Ted continua fofo, mas a voz engrossou e ele se tornou um drogado que solta uma frase chula atrás da outra. Por mais improvável que pareça, um cara como John tem um emprego em uma locadora de carros e uma bela namorada, Lori (Mila Kunis), com quem está junto há quatro anos. Lori trabalha em uma empresa grande, onde todos os dias tem que aguentar as "cantadas" de um chefe que tem nome de cachorro, Rex (Joel McHale). Ele é irritante, mas é rico, ambicioso e muito mais adulto do que John. Apesar de amar muito o namorado, Lori gostaria que ele deixasse o ursinho de lado e se tornasse, finalmente, "gente grande".

Não deixa de ser interessante que, no mundo politicamente correto de hoje, um filme como "Ted" tenha sido feito. Há situações engraçadas geradas pelo absurdo de ver um ursinho de pelúcia agindo como um canalha completo, viciado em drogas e mulheres. Quando se esperaria ver, em um filme de um grande estúdio americano, uma cena de sexo entre um boneco e uma loirona? A voz de Ted é feita pelo próprio MacFarlane, que também escreve, produz e dirige o filme. Claro que é tudo uma grande bobagem e há algumas sequências em que se percebe que o filme está apenas girando em círculos. Sam J. Jones, o ator de "Flash Gordon", filme ultra brega produzido em 1980, aparece como ele mesmo em uma festa promovida no apartamento de Ted. Jones tira sarro de si e do personagem, mas a sequência é longa e é só mais uma desculpa para mostrar outras cenas com drogas e nudez. O relacionamento entre John e Lori passa por todos os clichês esperados e é de se admirar o fato de que Mila Kunis, aparentemente, leva o papel a sério. Já Wahlberg, com 41 anos, não convence muito como um "garotão" de 35. As cenas de drogas e o tema "adulto" da produção levaram a censura brasileira a classificar o filme para maiores de 16 anos, o que não impediu um caso pitoresco, tipicamente brasileiro, de um deputado querer proibir "Ted" de ser exibido em território nacional. Sim, o filme não é para crianças e os cinemas que permitirem a entrada de menores de 16 anos na sala (como fez o deputado, que levou o filho de 11 anos ao cinema, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo) deveriam ser punidos. Quando for lançado em DVD, espera-se que a embalagem deixe bem claro que o conteúdo não é adequado para crianças. Quanto aos adultos, "Ted" rende algumas risadas e nada mais. Visto no Kinoplex, Campinas.


domingo, 23 de setembro de 2012

A vida de outra mulher

É de se surpreender que atores do calibre de Juliette Binoche ("Cópia Fiel", "A Liberdade é Azul") e Mathieu Kassovitz ("Munique", "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain") tenham aceitado fazer um filme tão formulaico como este. Binoche é Marie, uma mulher que acorda em um apartamento enorme, em Paris, e não sabe quem é. A última coisa de que se lembra é de ter 25 anos e de ter conhecido Paul (Kassovitz), um desenhista de histórias em quadrinhos. Agora ela se olha no espelho e descobre que está com 41 anos e é casada com Paul, com quem tem um filho pequeno. Os três vivem em um apartamento luxuoso e ela é uma empresária de sucesso, muito rica.

Só que as coisas não vão bem entre eles. Paul está lançando um livro de histórias em quadrinhos que é um sucesso, mas ele está o tempo todo com um rosto triste e não entende a súbita mudança no comportamento da esposa. Clichê atrás de clichê, o filme mostra como Marie descobre que havia se tornado uma "bruxa" odiada por todos e que, agora, tem a chance de se redimir e salvar o casamento. Você já viu este filme antes. O roteiro da diretora Sylvie Testud (de "Piaf, um hino ao amor") e Claire Lemaréchal é um pastiche de filmes americanos como "Quero ser grande" ("Big", Penny Marshall, 1988), "Uma Segunda Chance" ("Regarding Henry", Mike Nichols, 1991) e vários filmes adolescentes em que uma pessoa se descobre muito mais velha de uma hora para outra, como "De repente 30", com Jennifer Garner. Chega a ser triste ver a grande Juliette Binoche, de 48 anos, agindo como uma criança perdida em Paris, correndo para lá e para cá enquanto tenta convencer o mundo (e os espectadores) de que ela ainda é a mesma empresária barra pesada que todos conheciam. Matthieu Kassovitz faz o que pode em um papel unidimensional de marido abandonado pela esposa. Em "Uma segunda chance", de Nichols, ao menos havia um motivo para que o personagem de Harrison Ford, um advogado ranzinza, perdesse a memória de repente (ele leva um tiro durante um assalto). E mesmo quando Tom Hanks acorda adulto em "Quero ser grande" há uma explicação razoável, dentro do gênero fantasia ao qual o filme pertence. "A vida de outra mulher" nem se dá ao trabalho de criar um motivo para a súbita amnésia de Marie. Ou de criar um final para o filme que, de repente, termina.

Com exceção de uma ou outra cena interessante (como algumas em que Binoche contracena com o filho), o roteiro é preguiçoso e redundante. Uma pena. Binoche e Kassovitz mereciam coisa melhor. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Os Infiéis

Um desperdício de talento generalizado pode ser visto neste "Os Infiéis", estrelado pelo astro de "O Artista", Jean Dujardin, e por Gilles Lellouche. Os dois interpretam amigos de meia idade, maduros, bem-sucedidos financeiramente, casados e com filhos, mas com um "vício" incontrolável, a infidelidade. Em uma série de episódios curtos, Dujardin e Lellouche batem na mesma tecla machista e anacrônica de que os homens foram feitos para "procriar e copular" (frase do filme) e que as esposas devem se manter fiéis donas de casa. Tem-se a sensação de se estar assistindo a um "E ai, comeu?" falado em francês, mas ainda pior.

Os episódios são dirigidos por oito diretores diferentes, inclusive pela dupla principal de atores. O filme abre e fecha com a história de Fred e Gregg, dois amigos de Paris que fazem tudo juntos, inclusive transar no mesmo quarto com garotas que "pegaram" na balada. Os dois enganam as esposas e vão para mais uma série de orgias em Las Vegas, onde a amizade deles se transforma em outra das piadas sem graça do filme. O diretor de "O Artista", Michel Hazanavicious, dirige Dujardin em um episódio em que ele tenta, sem sucesso, transar com alguém em um hotel, durante uma conferência. Eric Lartigau dirige Gilles Lellouche na história de um dentista que trai a esposa com uma adolescente muitos anos mais nova (e paga o preço por isso). Há também episódios que são apenas "cenas" curtas, uma envolvendo um homem que vai parar no hospital "atracado" com uma mulher e outra que mostra uma cena de sadomasoquismo que termina mal.

Há apenas dois episódios, um dramático e outro cômico, que têm algum mérito. Na história dirigida por Emmanuelle Bercot, uma esposa (Alexandra Lamy), com a pulga atrás da orelha, começa uma daquelas conversas aparentemente leves e divertidas com o marido, provocando-o a contar se teve algum caso extra-conjugal. O marido (Dujardin) sabe que aquilo não vai terminar bem e tenta fugir do assunto o máximo que pode. Quando a verdade (tanto do marido quanto da esposa) acaba vindo à tona , os ânimos se alteram e é o momento mais dramático do filme. É o único momento em que o assunto "infidelidade" é tratado com certa seriedade e realismo. O outro episódio digno de nota mostra uma reunião dos "infiéis anônimos", em que vários maridos pegos em flagrante estão em uma sessão de terapia coletiva conduzida por uma mulher (a ótima Sandrine Kiberlain, de "As Mulheres do Sexto Andar", "Mademoiselle Chambon", etc). Dirigido por Alexandre Courtès, o episódio é divertido, bem escrito e o melhor resolvido. O resto, infelizmente, não passa de uma série de generalizações simplistas sobre homens, mulheres e a infidelidade. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

domingo, 9 de setembro de 2012

13 Assassinos

O diretor Takashi Miike se inspira no mestre Akira Kurosawa (1910-1998) ao fazer "13 Assassinos", baseado no clássico "Os Sete Samurais", que Kurosawa lançou em 1954 (depois transformado no ótimo western "Sete Homens e um Destino", em 1960). No Japão feudal, em 1844, o sistema de governo dos shoguns está em decadência. O meio irmão do atual shogun, Lorde Naritsugu (Goro Inagaki) é um homem cruel que se diverte humilhando os servos e matando a esmo homens, mulheres e crianças. Sir Doi (Mikijiro Hira), um dos conselheiros, decide ir contra o cruel Lorde contactando um experiente samurai para matá-lo, o mestre Shinzaemon (Koji Yakusho, ótimo). Assim como em "Os Sete Samurais", Shinzaemon começa a recrutar samurais para a missão praticamente suicida de assassinar o tirano.

Samurais eram servos treinados para seguir o código do bushi-dô, o código do guerreiro, e dar a vida pelo seu senhor feudal. Para um samurai, pior do que a morte era a vergonha, e a saída "honrosa" para grande parte dos dilemas morais era a morte pelas próprias mãos, no ritual do seppuku, que os homens realizavam cortando as próprias entranhas (as mulheres o pescoço). Em "13 Assassinos", esta lealdade cega é colocada em dúvida por Shinzaemon, para verdadeiro horror do samurai Hanbei (Masachika Ikimura); é visível que ele não tem grande estima por seu mestre, Lorde Naritsugu, mas nunca passa por sua cabeça desrespeitar o código de obediência. Miike filma com grande elegância e, no início, tem um estilo quase teatral, passado em salas iluminadas por velas e filmado em lentos movimentos laterais de câmera; conforme o filme avança,  o filme se abre para cenas ao ar livre e ensolaradas. Leva um tempo para se acostumar ao início ritualizado e cheio de personagens. A cultura japonesa é focada na perfeição, e a perfeição só é alcançada na morte; assim, o filme tem uma beleza mórbida conforme os poucos samurais, armados com suas espadas, lanças e arcos de uma outra era, se preparam para enfrentar um exército de centenas de homens. Antes da parte final, passada inteiramente em uma luta sangrenta, há momentos pitorescos e até engraçados, a maior parte deles protagonizada por Koyata (Yusuke Iseya), um caçador que os samurais encontram na floresta e que, mais tarde, se revela mais do que um homem comum.

A batalha final, também reminiscente de "Os Sete Samurais", se dá em uma pequena vila que é preparada pelos samurais para enfrentar o exército de Lorde Naritsugu. São apenas 13 homens contra centenas de soldados mas, apesar do claro exagero, o filme mostra como os samurais são mais do que simples guerreiros. O banho de sangue é grande e há espaço para uma discussão sobre a futilidade da guerra e a validade do poder. A cena de batalha se estende por mais do que o necessário, e Lorde Naritsugu poderia ser um vilão menos caricato. O filme, porém, é extremamente bem produzido, com fotografia caprichada e direção de arte correta. O ator Tsuyoshi Ihara, que protagoniza o filme brasileiro "Corações Sujos", faz parte do elenco. É um épico à moda antiga. Visto no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

domingo, 2 de setembro de 2012

Margin Call - O dia antes do fim

"É só dinheiro", diz o chefão de uma grande empresa financeira em Wall Street. "São pedaços de papel com figuras que nos impedem de ter que brigar por comida". A principal força por trás de "Margin Call", além do fantástico elenco, é o quão claro ele mostra como as grandes transações do mercado financeiro são, no fundo, um grande jogo de adivinhações e atribuir valor a algo que, na verdade, talvez nem exista.

O filme, escrito e dirigido por J. C. Chandor, mostra 24 horas na vida de um grupo de funcionários de uma empresa de Wall Street. As 24 horas que antecederam o grande crash de 2008, quando a bolha do mercado imobiliário americano, há meses inflada artificialmente por especuladores, finalmente estourou. É um grande filme, dirigido em um estilo que lembra o que Michael Mann usou em "O Informante" e filmes similares. O elenco de peso inclui Paul Bettany, Zachary Quinto, Kevin Spacey, Jeremy Irons, Demi Moore, Stanley Tucci, entre outros. É o personagem de Tucci, Eric Dale, um analista de riscos, que descobre que há um problema com as contas. Ele não consegue soar o alarme pois, na véspera do crash, ele e vários outros funcionários são demitidos em um corte de gastos. Por razões de segurança, ele tem seu e-mail e celular cortados e, após 19 anos de trabalho, é escoltado por um segurança até o elevador. Pouco antes de sair, no entanto, ele entrega um pendrive a um jovem chamado Peter Sullivan (Zachary Quinto, o Sr. Spock da nova Jornada nas Estrelas). "Cuidado", diz ele. Sullivan, apesar da pouca idade, é um doutor em engenharia aeroespacial que foi atraído pelo dinheiro de Wall Street. Ele consegue deduzir pelas anotações de Dale que a empresa vem trabalhando com números superfaturados há semanas. Lentamente, o filme mostra como  o pânico começa a se espalhar pelos corredores da firma, enquanto a informação vai chegando a níveis hierárquicos superiores. A notícia chega aos ouvidos do chefão da empresa, John Tuld (Jeremy Irons), que vem de helicóptero, no meio da madrugada, intervir. (mais abaixo)


O roteirista/diretor consegue realizar a difícil tarefa de transmitir o que está acontecendo mesmo para quem ignora o jargão financeiro. O filme se passa quase todo durante a noite, enquanto o resto do mundo dorme, um paralelo com a situação de Wall Street em 2008, aparentemente rica, mas a ponto de desabar. Jeremy Irons, com seu modo britânico sofisticado, mostra com que frieza se pode salvar a própria pele vendendo milhões de ações que, no fundo, não valem nada. O personagem de Kevin Spacey é um dos únicos que mostra alguma indignação moral frente ao esquema proposto pelo chefe, não que isso o impeça de fazer o trabalho. Zachary Quinto, o analista, lida apenas com números, independente do que eles vão significar para as pessoas "comuns". Stanley Tucci tem um bom monólogo em que lembra da época em que, engenheiro civil, construiu uma ponte que encurtou em dezenas de quilômetros a distância percorrida pelos motoristas. Hoje, enquanto o mercado desaba à volta dos personagens, todos recolhem seus bônus e continuam com seu trabalho. Filme disponível em DVD. PS: Para uma visão mais técnica do que foi a crise de 2008, veja o documentário "Trabalho Interno".

sábado, 1 de setembro de 2012

Intocáveis

Philippe (François Cluzet) é um ricaço que tem uma casa enorme, vários empregados e carros esporte estacionados na garagem. O problema é que ele depende dos outros para quase tudo; ele perdeu os movimentos do pescoço para baixo em um acidente de paraglider anos atrás e agora está procurando um novo cuidador. Na fila de entrevistados há um grande número de candidatos, mas nenhum lhe agrada. Até que entra sala adentro Driss (Omar Sy), um senegalês de dois metros de altura, falante e sem intenção de pegar a vaga. Ele só quer que assinem um documento para poder entrar com o seguro desemprego. Philippe, cansado de ser olhado com dó e compaixão por todos, resolve desafiar Driss. "Você é capaz de aceitar a responsabilidade? Aposto como terá desistido em duas semanas".

"Intocáveis" é uma comédia dramática muito bem feita que mostra a amizade que nasce destas pessoas tão diferentes. Driss, que mora em um apartamento pequeno com vários irmãos mais novos e tem passagem pela polícia, é um homem das ruas. Malandro, sem educação formal, é fã das músicas dançantes do grupo "Earth, Wind and Fire". Philippe é um aristocrata francês, especialista em Chopin e Berlioz, que é capaz de passar horas olhando uma pintura moderna antes de comprá-la por 41 mil euros. Driss não é bobo e percebe que tirou a sorte grande, o que não o impede de, a princípio, se recusar a fazer algumas das tarefas a ele delegadas, como vestir Philippe com meias especiais ou lhe fazer a higiene pessoal. O filme funciona em grande parte pelo acerto da escolha do elenco. Cluzet só pode atuar do pescoço para cima, mas consegue passar frases inteiras apenas com um olhar. Omar Sy é um vulcão constantemente em erupção, e seu bom humor contagia a todos rapidamente. Há cenas bem escritas pelos roteiristas e diretores Olivier Nakache e Eric Toledano. A relação entre Philippe e Driss é uma troca de amizade e de conhecimento. Driss tem contato com um mundo que lhe é extraterreno, tanto materialmente ("Eu tenho uma banheira!" diz ele a uma empregada da casa) quanto intelectualmente. Ele leva Philippe a galerias de arte e concertos de música erudita, nem sempre com os resultados esperados, e sua honestidade causa momentos hilariantes. Já Philippe aprende com Driss a escutar música popular, a fumar um baseado de vez em quando e, principalmente, a ter coragem para enfrentar algumas situações, como finalmente telefonar para uma mulher com quem vinha se correspondendo há seis meses.

"Intocáveis" fez grande sucesso na França e chega ao Brasil em um circuito que não se limita aos cinemas de "arte", o que é bom sinal. O roteiro, apesar de um pouco longo e não fugir do final feliz, é uma bem sucedida mistura de momentos cômicos com cenas dramáticas, e é ótima pedida.

Câmera Escura