sábado, 28 de maio de 2011

Um Novo Despertar

Fosse este um filme bizarramente genial de Charlie Kaufman ou uma comédia dos irmãos Farrelly (estrelada por Jim Carey) talvez o resultado tivesse sido melhor. Mas "Um Novo Despertar", apesar da premissa aparentemente radical, é tão quadrado quanto seu título brasileiro. O filme é estrelado e dirigido por Jodie Foster e traz no papel principal ninguém menos que Mel Gibson, que um dia já foi garantia de bilheteria; ultimamente, por conta de uma série de declarações e atitudes infelizes, o ator e diretor tem estrelado mais páginas policiais e de fofocas do que em obras cinematográficas.

Gibson é Walter Black, dono de uma empresa de brinquedos que está sofrendo de depressão. Passa os dias em um estupor constante que aliena a esposa Meredith (Foster) e os filhos Porter (Anton Yelchin, de Star Trek) e Henry (Riley Thomas Stewart). Um dia a esposa finalmente o coloca para fora de casa e Black decide se matar em um quarto barato de hotel. Ele é salvo no último minuto por uma voz estranha que, aparentemente, vem de um boneco de castor que Black havia colocado no braço, minutos antes, bêbado. O castor "fala" através de Gibson, que usa um falso sotaque britânico que me lembrou uma imitação de Michael Caine. Salvo da morte pelo castor, Walter Black volta para casa e, com a facilidade e didatismo típicos de um filme "família" americano, consegue conquistar o filho mais novo e a esposa, a quem diz que o castor é uma terapia nova implementada por seu psiquiatra.

A premissa não é ruim. A mente humana é inventiva e lida com problemas psíquicos de diversas formas. Mel Gibson, além de bom ator, já interpretou diversos "malucos" anteriormente, do policial Riggs na série Máquina Mortífera e o publicitário de "Do que as mulheres gostam" até o príncipe da Dinamarca, Hamlet, em filme de Franco Zefirelli. A idéia de um homem depressivo que só consegue se comunicar através de um boneco não é ruim, o problema é que o filme não consegue fugir do típico drama familiar americano. O personagem de Gibson, sempre falando pelo castor, faz uma reunião com os funcionários de sua empresa de brinquedos e lhes propõe uma reformulação geral. Em poucas semanas, milagrosamente, a companhia está vendendo milhões de dólares de um kit de madeira para crianças chamado, claro, de "O Castor".

Há uma subtrama, até mais interessante do que a principal, envolvendo o filho mais velho de Walter, Porter, e Nora (Jennifer Lawrence, de "Inverno da Alma") uma garota que é a primeira da sala. Ela quer pagar Porter para que ele escreva um discurso de formatura para ela. O rapaz (em outra "sacada" psicológica do roteiro) é bom em se fazer passar por outras pessoas e costuma cobrar para fazer os trabalhos dos companheiros de classe. Esta subtrama lembra um pouco "Beleza Americana"; até a mãe de Nora é interpretada pela mesma atriz que fazia a mãe fria e distante do rapaz no filme de Sam Mendes, Allison Janney.

O final chega até mais longe do que se poderia esperar de um filme como este, mas não resolve os problemas da produção. Há erros flagrantes de continuidade no roteiro e a trilha sonora de Marcelos Zarvos é melosa e soporífica. Dispensável.


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Tecnologia ajuda jovens cineastas

por João Solimeo




Câmeras fotográficas não servem apenas para tirar fotos. A capacidade de se gravar vídeos em alta definição representou um avanço considerável para os produtores de imagens em movimento. Rodrigo Zanotto, 32 anos, natural de São José dos Campos e morador de Campinas, foi diretor de fotografia e operador de câmera em vários trabalhos. É dono de uma Canon 5D Mark II, uma das mais avançadas e cobiçadas máquinas fotográficas do mercado, a “menina dos olhos” dos novos cineastas. A 5D tem a capacidade de gravar vídeos em alta definição e “full frame” (semelhante à película cinematográfica de 35 mm) e está sendo usada por profissionais de cinema e televisão do mundo todo, mesmo nos Estados Unidos. Zanotto foi diretor de fotografia do curta-metragem vencedor do prêmio do júri popular no último Festival de Cinema de Paulínia, Meu avô e eu, de Caue Nunes. “Os aspectos positivos da 5D, além do preço bem em conta (por volta de US$ 3.500 o kit básico), são a similaridade com câmeras de cinema, a profundidade de campo, o tamanho do frame e as texturas da imagem”, diz Zanotto.


Túlio Ferreira, 28 anos, de Valinhos, também trabalha com audiovisual. Atualmente morando em São Paulo e professor na Escola de Cinema, começou aqui na região a trabalhar com curtas-metragens, videoclipes e institucionais. O envolvimento de Túlio com o audiovisual começou no mercado de gravações de eventos como casamentos, formaturas e festas de aniversário, mas seu amor pelo cinema fez com que se aventurasse por caminhos maiores. Para ele, fazer cinema só é um hobby para as pessoas que encararam a atividade dessa maneira. “Se cinema é sua paixão”, diz ele, “e você não consegue se imaginar fazendo outra coisa, então podemos conversar”. Certa vez, durante uma palestra do diretor Claudio Assis (diretor de Amarelo Manga e Baixio das Bestas), Túlio perguntou se é possível viver de cinema no Brasil, ao que o diretor respondeu, meio furioso: “Claro que dá! É só você correr atrás!". Túlio está trabalhando como editor em um longa-metragem independente chamado Alguém Qualquer, produzido inteiramente com uma Canon 7D (modelo inferior à 5D, citada anteriormente, mas também de ótima qualidade). “O digital veio para ficar e a película cinematográfica [filme] existirá apenas para os saudosistas” – diz Ferreira - “Os custos despencam a cada dia. Gravamos um longa-metragem com uma câmera fotográfica, com imagens maravilhosas, transferidas na hora para o computador, analisadas e até montadas quase que em tempo real. Isso é esplêndido! Portanto, o digital é o melhor amigo do cineasta independente”.




Caue Nunes, 34 anos, jornalista formado pela PUC-Campinas, é um dos produtores regionais mais bem sucedidos dos últimos anos. Seu trabalho foi reconhecido em duas edições consecutivas do Festival de Paulínia, ganhando prêmios por seu documentário Quem será Katlyn? (2009), sobre a vida de uma travesti e por Meu avô e eu (2010), descrito por Nunes como “uma ficção sobre um jovem que reflete sobre sua situação enquanto passa por uma entrevista de emprego”. Este último filme teve direção de fotografia de Rodrigo Zanotto e foi gravado com uma Canon 5D. Mesmo assim, Caue é mais reservado e realista quanto ao uso do equipamento em produções cinematográficas. “Tem vantagens como o uso de lentes de câmera fotográfica, o que dá uma estética mais cinematográfica, e o CCD [sensor eletrônico que capta as imagens] tem o mesmo formato das câmeras de película de 35mm. Mas há desvantagens: o som precisa ser gravado em outro equipamento, e como as câmeras são muito pequenas, os movimentos são mais difíceis e instáveis”. Caue Nunes também levanta outro problema, o da exibição. Não basta produzir um filme, é necessário exibi-lo. “Os equipamentos profissionais ainda são caros e de difícil manuseio. Câmeras, lentes, filtros, luzes, finalização. Tudo isso ainda é muito caro. Hoje as salas de cinema têm um padrão técnico mínimo, se você estiver fora do padrão corre o risco do filme ficar na gaveta”. Nunes, que começou a produzir em 1999 em uma oficina de cinema em Campinas, conta que o fato de vencer um prêmio em Paulínia mostra que o trabalho é reconhecido pelo público. Para seu segundo curta, Nunes contou com uma pequena verba em dinheiro do FICC (Fundo de Investimentos Culturais de Campinas) e serviços de equipamento e finalização do prêmio recebido em Paulínia. Seu último trabalho, o curta chamado 3 x 4, tem sido muito bem recebido. “Na verdade, está sendo meu curta com a melhor carreira” – diz Nunes, “foi para o Gramado Cine Vídeo, Festival Amadis Du Film, na França, e agora está no circuito de festivais da Inffinito [empresa distribuidora de filmes] e será exibido em Londres, Nova York, Vancouver, Montevidéu e Buenos Aires. Vou mandar para Paulínia, espero que entre. Fora isso, tenho outros projetos de curtas e um longa-metragem que é um falso documentário”.
O próximo Festival de Cinema de Paulínia ocorre entre os dias 7 e 14 de julho, e certamente contará com várias produções feitas por aqui.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Lope

Cinebiografia do dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega, esta co-produção entre Espanha e Brasil conta com a direção do brasileiro Andrucha Waddington (de Eu, Tu, Eles e Casa de Areia). No final do século XVI, Lope (o ator argentino Alberto Ammann) volta da guerra para Madri, onde encontra a mãe (Sonia Braga, em uma cena rápida) à beira da morte. Lope é bom com as palavras mas a família é pobre; mesmo assim, o poeta quer dar à mãe um enterro nobre que o deixa endividado e na mão de um produtor de teatro chamado Jerónimo Velázquez (Juan Diego), a quem promete escrever cinco comédias.

A situação financeira, com o tempo, acaba se revelando o menor dos problemas de Lope de Vega. Conquistador, ele se envolve com a controladora filha de Velázquez, Elena (Pilar Lopez de Ayala) e com Isabel (Leonor Watling), que está de casamento marcado com o Marquês de Navas (Selton Mello, interpretando um personagem português). A produção de época é muito bem feita, em especial a maquiagem, os figurinos e a maravilhosa direção de fotografia do brasileiro Ricardo Della Rosa, que compõe verdadeiros quadros com seus planos. O roteiro deixa um pouco a desejar, principalmente na primeira parte. O filme se arrasta em exposição desnecessária, principalmente na morte da mãe de Lope. O próprio personagem do poeta demora a se definir e Waddington se alonga em cenas que mostram Lope "descobrindo" o teatro e se maravilhando com os bastidores.

Cinebiografias de escritores e dramaturgos são bastante semelhantes, e Lope tem vários momentos que lembram "Shakespeare Apaixonado" (nas cenas passadas no teatro) e "Cyrano de Bergerac" (Lope serve de poeta contratado para o Marquês de Navas, que tenta usar como suas as palavras de Vega). Há algumas cenas de ação, inclusive duelos de esgrima, que destoam um pouco da teatralidade presente em quase todo resto do filme. Há passagens plasticamente muito belas, principalmente as que mostram a fuga de Lope da Espanha para Portugal, onde ele pretende embarcar nas caravelas para "as Américas". Segundo o filme, Vega foi chamado por Miguel de Cervantes (autor de Dom Quixote) de "monstro da natureza", pelo enorme volume de seu trabalho. Vega teria revolucionado o teatro espanhol com sua mistura de comédia e drama. Como quase todo artista, sua vida era tão atribulada quanto sua obra apreciada.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Thor

A cultura "pop" americana é impressionante. Em que outro lugar no mundo (tirando o Japão) se imaginaria uma história tão espetacularmente absurda como "Thor"? Este é outro produto da máquina de mitos da Marvel, que redescobriu sua mina de ouro ao levar para a tela grande seus antigos heróis das histórias em quadrinhos, quase todos criações do roteirista Stan Lee. Em uma aposta ousada (mas nao tão arriscada, quando se leva em conta a falta de originalidade do cinema americano atual) a Marvel resolveu apresentar os heróis do grupo "Os Vingadores" um de cada vez, cada um com seu filme particular, antes de produzir a história com o grupo formado.

A versão cinematográfica de "Thor" é dirigida por Kenneth Branagh, conhecido pelos filmes de Shakespeare que fez no final dos anos 80 e nos anos 90 (Henrique V, Muito Barulho por Nada, Hamlet). Pode-se imaginar uma reunião de executivos discutindo o roteiro de "Thor" e pensando: "Quem poderia dirigir um filme sobre reis, rainhas, intrigas palacianas e traições?". Há até uma frase em "Thor" em que um príncipe diz que o povo não aceitaria um soberano que houvesse chegado ao trono tendo matado seu antecessor, o que basicamente é a trama de Hamlet.

Assim, da mistura da mitologia nórdica com as histórias em quadrinhos americanas surgiu Thor, o "Deus do Trovão". Ele é interpretado pelo australiano Chris Hemsworth, e Sir Anthony Hopkins interpreta o deus Odin, seu pai. O mundo dos deuses é chamado de "Asgard", uma cidade com um visual exagerado, quase brega. A direção de arte usa e abusa de dourados e enche a tela de cores brilhantes e vermelho sangue. Branagh, de formação teatral, cria cenas grandiosas como a que milhares de figurantes (digitais) assistem ao que seria a coroação de Thor como o novo rei de Asgard. Acontece que seu meio-irmão Loki (Tom Hiddleston) tem outros planos e consegue manipular Thor e seus amigos guerreiros a causar uma guerra com os "Gigantes do Gelo". Banido para a Terra, Thor é encontrado por uma cientista obstinada chamada Jane Foster (Natalie Portman), que estuda as "anomalias magnéticas" causadas pelo meio de transporte dos Asgardianos. O ator sueco Stellan Skarsgård interpreta outro cientista, Erik Selvig, que vai desconfiar da origem verdadeira de Thor.

Há várias piadas internas, principalmente com o Agente Coulson (Clark Gregg) da "SHIELD" (a organização por trás dos Vingadores). Quando Loki envia uma espécie de robô para a Terra, um dos agentes pergunta a Coulson se o monstro de metal era alguma criação do "Stark" (Tony Stark, o "Homem de Ferro"). Toda a trama, claro, é extremamente absurda, mas isso não importa. Chega a ser emocionante a cena em que Thor, após derrotar vários humanos, consegue finalmente chegar ao local onde está seu martelo e tenta tirá-lo da rocha. Toda sua arrogância e poder se mostram inúteis e é então que seu personagem começa a mudar. Mesmo o visual exagerado de Asgard tem um "charme" nostálgico. Kenneth Branagh faz o que pode em uma superprodução em que, provavelmente, ele não passa de uma pequena engrenagem. Surpreendentemente, "Thor" resulta em um filme divertido e, dentro do que se propõe, satisfatório.