quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Man on wire

No final dos anos 60, um jovem francês chamado Philippe Petit estava na recepção do dentista, quando viu o desenho de duas torres no jornal: era a concepção artística do que viriam a ser as Torres Gêmeas do World Trade Center. Um idéia "maluca" surgiu na cabeça do francês, que desenhou uma linha entre as torres. Seis anos depois, ele atravessaria o vão de 450 metros de altura entre as torres a pé, equilibrando-se sobre um cabo de aço. Preso pela polícia de Nova York, ele foi levado para uma avaliação psiquiátrica e questionado sobre porquê ele havia feito aquilo. Em seu boletim de ocorrência, havia simplesmente as palavras: MAN ON WIRE. Esta é a extraordinária história do documentário de James March, vencedor do Oscar de Melhor Documentário de Longa Metragem no último domingo.

March usa de filmagens, fotos e documentos da época que, misturados a cenas reconstituídas por atores, constroem um filme de muito suspense, drama e comédia. O próprio Philippe Petit é um dos narradores, e o fato de sabermos que ele sobreviveu não tira o suspense do filme. Philippe, a namorada e um pequeno grupo de amigos organizou o ato como se fosse um assalto a banco. Ou, nos tempos de hoje, como um ataque terrorista. E é notável o fato de que o ataque de 11 de setembro de 2001 não seja citado nenhuma vez durante o filme. Pelo contrário, vemos as Torres Gêmeas serem construídas diante de nossos olhos, ao mesmo tempo em que Petit se prepara para seu "assalto". É um crime, claro, mas é em nome da arte, do espetáculo. Ou, talvez, da obsessão de um homem que nasceu para "subir em coisas". O documentário o mostra atravessando o vão entre as torres da Catedral de Notre Dame, em Paris, e em uma ponte na Austrália. A preparação para o World Trade Center, obviamente, era muito mais complicada. Eles construiram modelos em escala do topo dos prédios e Petit foi pessoalmente várias vezes para Nova York estudar a movimentação dos operários e dos poucos inquilinos do prédio ainda em construção. Sua equipe acabou contando com ajuda interna de um advogado que tinha um escritório no prédio, e providenciou identidades falsas para eles. Em outro momento, Petit e seus colegas fingiram ser jornalistas franceses que precisavam tirar fotos e entrevistar os operários no teto do prédio. Após anos de planejamento, identidades falsas e quase uma tonelada de equipamento preparado, a equipe foi para o prédio no dia 6 de agosto de 1974. Uma dupla subiu a Torre Norte enquanto a outra tomou a Torre Sul. É muito engraçada a descrição deles da noite passada no topo de Nova York, escondendo-se de guardas de segurança e passando finalmente o cabo entre as torres.

Em 7 de agosto de 1974, às sete e meia da manhã, Petit começou a travessia. Ele não só atravessou as duas torres uma vez, mas oito vezes, enquanto a polícia o aguardava dos dois lados para prendê-lo. Petit dançou, pulou e até deitou-se sobre o fio, a 400 metros de altitude sobre a cidade de Nova York. Isso depois de passar a noite em claro, escondido sob uma lona, e de puxar um cabo que pesava mais de duzentos quilos. Ele estava com 25 anos.
Além de fotos e filmes, o documentário conta com o depoimento dos cúmplices de Petit. Particularmente emocionantes são os depoimentos de sua ex-namorada, contando como ele a conquistou e como a vida dela foi dedicada a ele a partir de então, e de Jean-Louis Blondeau, o amigo que tentava manter as idéias malucas de Petit na parte prática. Interessante também ver como a vida de todos mudou depois do acontecido. A travessia (ou as travessias) entre as Torres Gêmeas mudou a vida de Petit e mesmo seu relacionamento com os amigos, que se separaram depois. O documentário é uma co-produção da BBC com a Discovery e tem previsão de lançamento no Brasil. Quanto ao "porquê" da travessia, Philippe Petit simplesmente disse à polícia de Nova York: "Não há um porquê". Condenado pelo juíz, sua sentença foi se apresentar para as crianças de Nova York.

ps: Quando o documentário ganhou o Oscar dia 22 de fevereiro último, Petit, no palco, equilibrou a estátua no queixo.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Milk - A Voz da Igualdade

Indicado ao Oscar de Melhor Filme e vencedor de Melhor Ator (uma surpresa, o favorito era Mickey Rourke por "O Lutador")) para Sean Penn, "Milk" é uma biografia bem feita dirigida por Gus Van Sant. Harvey Milk se mudou com o namorado para São Francisco no início dos anos 70. A cidade era mais acolhedora aos homossexuais, particularmente em um bairro chamado Castro, para onde chegavam gays de todo o país. Milk abriu uma loja de fotografia na Rua Castro e, aos poucos, foi crescendo politicamente. Gays andavam pelo bairro de forma mais livre que no resto do país, embora ainda fossem vítimas de violência por parte da polícia. Harvey Milk se candidatou por anos seguidos ao conselho da cidade, mas só conseguiu ser eleito quando as leis de voto distrital foram aprovadas. Em seu breve mandato conseguiu aprovar uma lei que impedia que homossexuais fossem demitidos sem justa causa de seus empregos e lutou bravamente contra uma cantora chamada Anita Bryant, que usava a fama para fazer discursos anti-homossexuais. Com a ajuda de um Senador, Bryant tentou aprovar uma lei chamada Proposição 6, que propunha que todos os professores homossexuais, e pessoas ligadas a eles, fossem demitidos. A tese do senador era que já que homossexuais não podem reproduzir eles usariam da posição de professor para "recrutar" novos gays. Não é preciso ser pró ou anti gay para perceber que não havia muita lógica por trás da idéia.

O filme usa muitas imagens de arquivo para recriar a São Francisco dos anos 70 e é bastante genuíno. Gus Van Sant, que é gay assumido, está à vontade com o material e faz o filme de forma sincera, sem endeusar Milk ou demonizar seus adversários. O elenco, encabeçado por um Sean Penn extraordinário, conta com Emile Hirsch, Diego Luna, James Franco e Josh Brolin, também indicado ao Oscar. Ele interpreta o personagem mais enigmático do filme, o conselheiro de São Francisco, Dan White. A relação entre Milk e White é complicada. Milk é convidado para o batismo do filho de White, uma cerimônia católica, e é o único conselheiro a aparecer. Os colegas de Milk pedem para que ele tenha cuidado com White, mas Milk acha que ele pode ser um gay enrustido e estar do lado deles. A História provou que não foi bem assim. O verdadeiro Dan White acabaria assassinando tanto Milk como o prefeito de São Francisco.

Minha única reclamação com a parte técnica é o formato em que o filme foi feito. "Milk" é extremamente televisivo, com a imagem "quadrada" ao invés do widescreen da tela do cinema (ou ao menos foi assim na sala em que assisti). No resto é uma boa produção, com música de Danny Elfman e fotografia de Harry Savides.



domingo, 22 de fevereiro de 2009

O vencedores do Oscar, ao vivo

Os vencedores do Oscar, ao vivo:

Hugh Jackman é o apresentador da noite. Ele acabou de fazer uma apresentação musical que lembrou os tempos de Billy Crystal, com referências aos filmes indicados.

Vou atualizando o blog conforme os prêmios forem sendo apresentados.

Melhor Atriz Coadjuvante:
Penelope Cruz, por Vicky Cristina Barcelona

Melhor Roteiro Original:
Dustin Lance Black, Milk - A Voz da Igualdade

Melhor Roteiro Adaptado:
Simon Beaufoy, Quem quer ser um milionário?

Melhor Animação:
Wall-E, Andrew Stanton, PIXAR

Melhor Curta de Animação:
La Maison en Petits Cubes, de Kunio Kato

Melhor Direção de Arte:
O Curioso Caso de Benjamim Button

Melhor Figurino:
A Duquesa

Melhor Maquiagem:
O Curioso Caso de Benjamim Button

Melhor Direção de Fotografia:
Anthony Dod Mantle, por Quem quer ser um milionário?

Melhor Curta Metragem:
Spielzeugland (Toyland), de Jochen Freydank

Melhor Ator Coadjuvante:
Heath Ledger, por Batman, O Cavaleiro das Trevas

Melhor Documentário de Longa Metragem:
Man on Wire, de James March e Simon Chinn

Melhor Documentário de Curta Metragem:
Smile Pinki, de Megan Mylan

Melhores Efeitos Especiais:
O Curioso Caso de Benjamim Button

Melhor Edição de Som:
Batman, O Cavaleiro das Trevas

Melhor Mixagem de Som:
Quem quer ser um milionário?

Melhor Edição (Montagem)
Chris Dickens, Quem quer ser um milionário?

Prêmio Humanitário Especial:
Jerry Lewis

Melhor Trilha Sonora:
A.R. Rahman, Quem quer ser um milionário?

Melhor Canção Original:
Quem quer ser um milionário?

Melhor Filme Estrangeiro:
Departures, de Yojiro Takita (Japão)

Melhor Diretor:
Danny Boyle, por Quem quer ser um milionário

Melhor Atriz
Kate Winslet, por O Leitor

Melhor Ator
Sean Penn, por Milk - A voz da igualdade

Melhor Filme:
Quem quer ser um milionário?

O Lutador

Um filme honesto, quase um documentário, "O Lutador" ainda traz como trunfo uma história cara à fábrica de sonhos hollywoodiana: o tema do retorno. Não há nada mais atraente no cinema americano do que a história de alguém que volta à cena depois de um tempo de obscuridade. O detalhe em "O Lutador", no entanto, é que o retorno se dá mais nos bastidores do que na tela. O filme não é só sobre os personagens, mas sobre a volta por cima do seu protagonista, o ex-galã "bad boy" dos anos 80, Mickey Rourke. Astro de filmes adultos como "9 1/2 Semanas de amor" (de Adrian Lyne), "Coração Satânico" (de Alan Parker) e de "O Selvagem da Motocicleta" (de Francis Ford Coppola), entre outros, Rourke provocou polêmica em cenas de sexo em "Orquídea Selvagem" (de Zalman King, rodado no Brasil), afundou nas drogas e até embarcou em uma carreira como boxeador profissional. E ninguém sabe direito, até agora, o que deu errado na cirurgia plástica que distorceu seu rosto completamente. Em 2005 fez bonito em "Sin City", coberto por maquiagem e efeitos especiais, mas a volta por cima, definitivamente, é mesmo neste "O Lutador".

Rourke é Randy "The Ram" Robinson, um praticante de luta-livre que estava no auge da fama nos anos 80. Vinte anos depois, ele ainda está nos ringues, mas está longe da forma física ideal e da glória do passado. Ele trabalha em um supermercado durante a semana e ganha uns trocados na luta-livre aos sábados. Vive sozinho em um trailer, que mal consegue pagar, tem paixão por uma "stripper" (Marisa Tomei) que visita frequentemente e uma filha, Stephanie (Evan Rachel-Wood), que não quer nada com ele. A vida de "Ram" é filmada pelo diretor Darren Aronofsky, diretor que tem uma relação de amor e ódio com a crítica e cujo último filme, "A Árvore da Vida", foi duramente criticado. Ele é autor dos cult "Pi" (1998) e "Requiém para um sonho" (2000), que eu acho brilhante, com Jenniffer Connelly, que mostra os efeitos devastadores do vício das drogas. Em "O Lutador" ele volta com um estilo despojado, com muita câmera na mão e sem efeitos, frequentemente seguindo o personagem como um cinegrafista de documentário. Esse tipo de visão serve ainda mais para humanizar os personagens, todos decadentes e o contrário do utópico "sonho americano". Algumas das melhores cenas são as dos bastidores das lutas. Elas mostram os lutadores como uma espécie de trupe de circo, homens orgulhosos, imensos, com músculos criados à base de muito exercício e de esteróides anabolizantes. Há admiração mútua entre os lutadores e é tragicômico vê-los combinando os golpes que vão fazer em seguida. As lutas são combinadas? Claro que sim, mas isso não significa que não sejam violentas ou mesmo brutais. O próprio "Ram" usa uma Gillete escondida nas ataduras para se cortar durante as lutas e dar ao público o que ele quer: muita pancadaria e sangue.

Mas tudo tem seu preço. Após uma luta particularmente pesada, "Ram" cai no vestiário, vítima de um ataque cardíaco. Um médico diz que ele sobreviveu por sorte e que deve parar de se drogar e, principalmente, de lutar. Para "Ram", seria preferível a morte. O filme conta também com o "retorno" de Marisa Tomei, indicada ao Oscar de "Melhor Atriz Cadjuvante". Até hoje há quem diga que o Oscar que ela ganhou em 1992 por "Meu primo Vinny" foi uma brincadeira do apresentador do prêmio, ou mesmo um erro. De fato, ela nunca foi grande atriz mas, de uns tempos para cá, sua participação em filmes como "Antes que o diabo saiba que você está morto" revelam uma nova mulher. Em "O Lutador" ela é uma mãe solteira que interpreta uma "stripper" que tem muito em comum com o personagem de Mickey Rourke. Ambos exploram (e abusam) do próprio corpo para viver e já passaram um pouco da idade para isso. A diferença é que enquanto ela não gosta da profissão, e está planejando largá-la, ele não consegue ser outra coisa a não ser um lutador. Há uma ótima cena que mostra "Ram" se preparando para seu primeiro dia atrás do balcão do açougue do supermercado e a câmera o segue pelos corredores até a entrada, como se estivesse indo para uma luta. Ele para na porta do açougue enquanto escutamos, em sua imaginação, o som raivoso da multidão de um ringue de luta-livre.

Não há como negar as semelhanças com o "Rocky" de Sylvester Stallone, principalmente no primeiro filme (que já era uma homenagem a todos os filmes de luta do cinema). "O Lutador" é mais realista e, por isso mesmo, mais cruel. Mas, ao mesmo tempo, chega a ser poético, principalmente em sua última cena. Premiação quase certa para Mickey Rourke, como ator, no Oscar desta noite. Falando em Oscar, o filme poderia perfeitamente estar indicado entre os cinco esta noite, assim como seu diretor. Em uma premiação "esquisita", que está tentando mais uma vez ser "diferente" para atrair audiência, a Academia provavelmente vai premiar "O curioso caso de Benjamin Button". Se o objetivo era atrair audiência, poderiam ter indicado o ótimo "Batman - O Cavaleiro das Trevas".


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O Leitor

Um aviso ao leitor: é praticamente impossível comentar sobre o filme sem revelar alguns pontos importantes da trama. Assim, deixo avisado: caso não tenha visto o filme ainda, evite ler o texto. Há dois ou três "filmes" dentro de "O Leitor". A primeira parte se passa alguns anos depois do final da II Guerra Mundial, na Alemanha, e acompanha um romance entre um rapaz de 15 anos e uma mulher mais velha. Ele é Michael Berg (David Kross), um rapaz que passa mal dentro de um ônibus e é ajudado pela cobradora, Hanna Schmitz (Kate Winslet), que cuida dele e o leva para casa. Após passar três meses de cama, o rapaz volta para a casa de Hanna e os dois começam um romance que, no início, parece ser apenas carnal. Kate Winslet, além de ter se tornado uma grande atriz com o passar dos anos, é sem dúvida uma das atrizes mais corajosas e naturais quando se trata de cenas de nudez e sexo no "púdico" cinema americano atual. Seu retrato de Hanna é interessante e misterioso. Hanna é uma mulher aparentemente fria e prática, mas há algo de maternal e amoroso em seu interesse por Michael. Os dois se relacionam sexualmente praticamente todos os dias, mas um outro "ritual" se cria: Hanna gosta que Michael leia para ela os livros que estuda na escola. É interessante ver, no mundo de hoje, um filme que se preste a homenagear os livros desta forma. Hanna e Michael formam um laço que mistura literatura com sexualidade, um dando ao outro novos horizontes com o passar dos dias. Há uma cena muito boa entre David Kross e Kate Winslet quando, após uma briga, o rapaz faz a ela uma série de perguntas simples, mas importantes. Winslet não fala nada, mas vejam com que sutileza ela responde com pequenos movimentos da cabeça fazendo "sim" e "não".

Esta primeira parte, ensolarada e romântica, dá lugar à uma segunda passada quase toda em um tribunal. Michael, mais velho, é um estudante de Direito que vai acompanhar o julgamento de algumas mulheres acusadas de cumplicidade em assassinatos praticados pelo nazismo. Para sua grande surpresa, uma delas é Hanna, que ele não via há anos. Durante o julgamento, a culpa dela vai se tornando cada vez mais evidente. Só que um "segredo" dela também começa a se revelar para Michael, e ele se vê na oportunidade de ajudá-la, mas ele hesita. Há nesta hesitação algo do comportamento alemão durante a guerra, e da culpa de um povo que, mesmo sabendo das barbáries cometidas pelos nazistas, geralmente se mantinha calado e conivente. Hanna sem dúvida é culpada de muitas coisas das quais é acusada, mas o que a teria levado a fazer o que fez? O professor de Direito de Michael diz que os ser humano acha que o mundo é governado pela moral quando, na verdade, ele é governado pelas leis. É perfeitamente possível fazer algo legal que seja imoral, e vice-versa. Todas estas questões são levantadas nesta segunda parte do filme pelo diretor Stephen Daldry (de Billy Elliot e As Horas).

E há a parte do filme dedicada ao Michael de meia idade, interpretado por Ralph Fiennes. Estes segmentos passados em um tempo mais recente são irregulares, variando de fracos a ótimos. Por vários momentos se tem a impressão que o filme vai terminar, mas ele se estende um pouco além da conta. "O Leitor" está entre os concorrentes a Melhor Filme no próximo Oscar, e sem dúvida é um candidato de respeito. É uma produção caprichada, com destaque para a reconstituição de época e pela bela fotografia de Chris Menges e o incansável Roger Deakins (que também fotografou "Foi apenas um sonho" e "Dúvida").


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Dúvida

A Irmã Aloysius (Meryl Streep) vê "monstros" em todo lugar. Diretora do colégio católico St. Nicholas, no Bronx, Nova York, ela vigia a todos com olhar de falcão, em busca de "irregularidades". Uma menina é punida por usar uma presilha no cabelo; um garoto é castigado por ter simplesmente tocado no braço de uma freira. Ela é contra uma canção de natal sobre um homem de neve que ganha vida sob a alegação que se trata de "bruxaria". É o ano de 1964 e os Estados Unidos e o mundo estão passando pelas mudanças culturais dos anos sessenta. Não na opinião da Irmã Aloysius, que diz que "não há nada de novo sob o Sol". O filme "Dúvida" levanta a questão: poderia uma mulher como ela, propensa a ver pecado em todo lugar, estar certa a respeito do Padre Flynn?

Interpretado por Philip Seymour-Hoffman, o Padre Flynn é o contrário da Irmã Aloysius. Ele é querido pelos alunos, a quem ensina coisas tão diferentes quanto basquete ou o que fazer quando todas as garotas do baile se recusarem a dançar com você: "Você vira padre!", diz ele, com um sorriso no rosto. Ele está sempre tendo idéias para seus sermões, e as anota em um caderninho que carrega consigo. Na abertura do filme, nós o escutamos dizer que a dúvida pode ser uma ligação tão grande entre as pessoas quanto a certeza. Um dia a Irmã James (Amy Adams), que é professora de História, recebe um chamado do Padre Flynn. Ele quer ver Donald Miller, o único aluno negro da escola, em particular. Para a Irmã Aloysius, esse fato já é o suficiente para que uma grave acusação se forme.

O filme é escrito e dirigido por John Patrick Shanley (baseado em sua própria peça) e é claramente um filme de atores. Falar bem de Meryl Streep (indicada novamente ao Oscar de Melhor Atriz) e Philip Seymour-Hoffman pode parecer redundante, mas os dois estão perfeitos. Ambos colocam nuances e sutilezas em suas interpretações que, dependendo da questão (ou "dúvida") levantada pelo filme, nos levam a ver seus personagens de forma diferente. Seria a Irmã Aloysius assim tão má? O Padre Flynn é perseguido injustamente ou seu comportamento é sim sinal de que seja um pedófilo? Amy Adams, como a jovem e inocente Irmã James, também merece elogios. Colocada entre o padre e a diretora da escola, Adams constrói uma personagem ingênua que tem sua fé e seu prazer em dar aulas colocados em cheque. É interessante que o roteiro a coloque justamente como a pessoa que levante a dúvida sobre o Padre Flynn. Dúvida que é forte o suficiente para que ela leve o caso até a Irmã Aloysius, mas não o bastante para que ela o considere realmente culpado.

"Dúvida" é algo que não tem vez na religião católica tradicional. Foi a dúvida que deixou Moisés de fora da Terra Prometida. O tempo e as mudanças no mundo acabaram forçando a própria Igreja a questionar certezas inabaláveis como a da Irmã Aloysius. Mas e se, contra todas as evidências, ela estiver certa?


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Foi apenas um sonho

Frank Wheeler (Leonardo DiCaprio) trabalha como um executivo em uma empresa em Nova York. É 1955 e os americanos vivem o pós-guerra. Frank não gosta do emprego, mas é o que mantém a ele, sua esposa April (Kate Winslet) e um casal de filhos em uma bela casa no subúrbio. No dia do seu aniversário de 30 anos, ele leva uma secretária para almoçar, desabafa seus problemas e, depois de beberem muito, transam no apartamento dela. Ao chegar em casa, a esposa e os filhos o aguardam para uma festa surpresa de aniversário. A cena do parabéns, aliás, é uma das poucas em que as crianças são vistas. Pelo resto do filme, muito se fala mas pouco se vê dos filhos.

"Foi apenas um Sonho" é o título brasileiro bobo e óbvio para "Revolutionary Road", o mais recente filme de Sam Mendes. Ele fecha o que podemos chamar de "trilogia do desespero" da classe média americana, formada pelos filmes "Beleza Americana" (do próprio Sam Mendes, de 1999) e "Pecados Íntimos" (de Todd Field, 2006), também estrelado por Kate Winslet. Mas não fecha com chave de ouro. Há algo de muito frio e calculado no filme de Mendes que transforma mais em um exercício de observação do que de empatia.

Após a festa de aniversário, April surpreende o marido com uma proposta: por que eles não vendem a casa, empacotam tudo e vão morar em Paris? Ela sabe que ele não é feliz no emprego e gostaria que ele tivesse tempo livre para poder "descobrir sua vocação". Como eles iriam sobreviver? O salário dela como secretária em uma agência do governo seria suficiente para sustentar a família, visto que o custo de vida de Paris (em 1955) era barato. A princípio Frank acha que ela não está sendo prática, mas acaba aceitando a idéia. De repente, a idéia de Paris e de largar tudo dá nova vida ao casal. Eles ficam mais próximos e surpreendem os vizinhos e colegas de trabalho com o anúncio de mudança de vida. No trabalho, quase que sem querer, Frank faz uma sugestão à matriz que é considerada revolucionária e, ironicamente, recebe uma proposta de promoção e aumento de salário. "Imagino a cara que eles fizeram quando você disse que está abandonando a empresa", brinca April.

Claro que a idéia de Paris funciona mais como uma fantasia do que como algo concreto. E o filme funciona ao expor os preconceitos da época, principalmente quando se comenta que seria a esposa a sustentar a família. Há também um personagem interessante interpretado por Michael Shannon, que faz um antigo interno de um hospital psiquiátrico. Ele visita os Wheelers acompanhado da mãe (Kathy Bates), que foi a corretora que lhes vendeu a casa, e do pai. Ao saber dos planos de se mudar para Paris, o rapaz parece ser o único a entender o casal. Só que Frank não está mais tão certo de sua decisão. A proposta de promoção e aumento de salário é tentadora. Eles não poderiam ser felizes nos Estados Unidos mesmo? Para complicar, April descobre que está grávida de 10 semanas e começa a imaginar se não seria melhor abortar.

"Foi apenas um sonho" funciona melhor em sua primeira metade. O filme decai mais para o final. O roteiro é por demais teatral e direto, principalmente nas constantes brigas do casal, com muitos diálogos didáticos e expositivos. As crianças aparecem e desaparecem conforme a necessidade do roteiro, e "babás" são citadas a todo momento, mas nunca são vistas. Mas é um filme bem feito e bem interpretado, principalmente por Kate Winslet. Ela e DiCaprio repetem o par romântico de "Titanic", pouco mais de dez anos depois. Com o perdão do trocadilho, "Foi apenas um sonho" é bom, mas frio como um iceberg.