segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Caixa

Difícil saber qual idéia é mais estranha: a da trama de "A Caixa" ou a própria idéia de fazer um longa-metragem deste conto de Richard Matheson (originalmente chamado "Button, Button"), transformado em um ótimo episódio da série "Além da Imaginação", nos anos 1980 (que pode ser visto aqui). Como conto e curta-metragem, "O Botão" era uma intrigante fábula moral sobre até que ponto uma pessoa comum poderia ir em troca de dinheiro. A trama foi baseada em um experimento psicológico feito nos Estados Unidos (em que voluntários, achando que estavam testando o efeito das punições na memória humana, administravam choques elétricos em outras pessoas. Os choques, na verdade, não eram reais, mas muitos voluntários aplicaram choques que seriam fatais).

O casal Arthur e Norma Lewis (Cameron Dias e James Marsden) recebem uma estranha proposta. Um homem com o rosto deformado (Frank Langella) lhes entrega uma caixa com um botão vermelho no topo. Se eles apertarem o botão, duas coisas irão acontecer: uma pessoa que eles não conhecem morrerá, e eles vão receber um milhão de dólares. Simples assim. Eles não podem contar sobre a caixa para ninguém, e têm 24 horas para decidir o que fazer. Arthur é um cientista que trabalha para a NASA e tinha esperanças de se tornar astronauta. A trama se passa em 1976, logo após as sondas americanas pousarem em Marte, e Arthur foi o designer da câmera que tira fotos em 360 graus levada ao planeta vermelho. Para sua decepção, sua inscrição para astronauta é recusada porque ele não teria passado no teste psicológico. A esposa, Norma, é uma professora de literatura que gosta de Sartre e tem um dos pés defeituosos, por causa de um acidente na infância. Os dois são educados e estão longe de serem pobres, mas um milhão de dólares é muito dinheiro, certo? A proposta da caixa, claro, é uma outra forma de contar a história da queda do paraíso terrestre. O homem deformado é a serpente que chega para Eva e lhe pede que coma o fruto proibido, o que ela faz. Não aguentando a pressão, Norma acaba apertando o botão meia hora depois de começado o filme. O conto e o episódio de TV originais terminavam mais ou menos por aqui, e a moral da história é que o homem misterioso vinha buscar a caixa e dizia que a passaria para outra pessoa... que eles não conhecem.

Já o longa metragem parte para uma trama completamente absurda envolvendo pessoas que parecem zumbis, com sangue escorrendo pelo nariz, bases secretas em Langley, Virginia (a sede da CIA), gente agindo de forma estranha, pessoas que foram atingidas por raios e portais para outras dimensões. Tudo isso é produto da mente fértil do diretor Richard Kelly, diretor do "cult" Donnie Darko, amado por alguns e odiado por muitos. É fato que, apesar de absurdo, o filme é curiosamente atraente. Kelly atira para todos os lados, misturando suspense, terror e citações do mestre da ficção-científica, Arthur C. Clarke (que dizia que "toda tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia"). Há cenas de suspense muito bem dirigidas, principalmente uma que se passa em uma biblioteca. Mas a idéia origial, por melhor que seja, não tem fôlego para sustentar um longa-metragem. Ainda assim, "A Caixa" não deixa de ser um exercício interessante de suspense, com fotografia digital curiosamente fora de lugar em uma ótima recriação de época dos anos 70. Vale como curiosidade.


sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Estrada

Há muitos ecos de "Filhos da Esperança" em "A Estrada", outro daqueles filmes pós-apocalípticos tão adorados pela ficção científica. Baseado em um livro de Cormac MacCarthy, "A Estrada" alterna momentos de extremo realismo e crueldade com outros ternos, beirando perigosamente a pieguice, principalmente por culpa do piano repetitivo da tilha sonora.

Viggo Mortensen é um ator corajoso, que poderia ter explorado sua boa figura e seu sucesso na trilogia "O Senhor dos Anéis" para fazer filmes mais fáceis e lucrativos. Mas ele preferiu um caminho mais desafiador e tem trabalhado frequentemente com David Cronenberg. Aqui ele é "O Pai", um personagem sem nome que, após perder a mulher e o mundo que conhecia em um evento que destruiu a Terra (não se explica o que aconteceu), vive para seu filho único. Os dois partem para uma viagem na "Estrada", a caminho do mar, este eterno símbolo de volta ao útero materno. A relação entre pai e filho é tocante, e subverte a noção de ligação da criança com a figura da mãe. Ela é vista em flashbacks na figura de Charlize Theron que, ao contrário do Pai, não vê sentido em continuar vivendo, nem mesmo por seu filho. As memórias da esposa assombram os pesadelos de Pai e Filho na estrada, indo em frente sem saber exatamente o porquê. Há várias referências bíblicas e até uma afirmação "pró vida" no modo como o Pai trata do Filho. Embora seja uma relação complicada. Há uma clara referência ao mito bíblico de Abraão, que teria sido ordenado por Deus a matar o próprio filho. O Pai anda com uma arma com duas balas na cintura, uma para ele e outra para o filho, no caso da situação ficar insuportável.

"A Estrada" tem direção de John Hillcoat, que é corajoso o suficiente para não transformar o filme em uma simples "mensagem" de esperança. O Pai diz ao filho que eles devem continuar vivendo, e que eles fazem parte do grupo dos "bons". Os "maus" são homens que desceram ao nível mais baixo que um ser humano pode chegar, que é o canibalismo. Há várias sequências em que eles são vistos, às vezes perto demais, e há uma arrepiante cena de suspense quando o Pai vai verificar o que há no porão de uma casa. É também em um subterrâneo que Pai e Filho encontram um paraíso na forma de produtos que nós, vivendo no mundo moderno, não imaginamos a importância. O filme conta com a participação especial de coadjuvantes de alto nível. Tente reconhecer Robert Duvall ou Guy Pierce entre as poucas figuras encontradas durante a jornada de Pai e Filho em direção do mar.

É um bom filme, na mesma linha de Mad Max, Eu sou a Lenda, Filhos da Esperança e tantos outros. Mas lhe falta uma amarração melhor, algum senso de propósito ao final da jornada. É episódico e muitas vezes repetitivo. As interpretações, sem dúvida, são seu ponto forte.


domingo, 18 de abril de 2010

Soul Kitchen

Soul Kitchen é um caldeirão pop que mistura o visual de flyers de propaganda, fast-food, música soul, funk, dance, black e similares com generosas doses de comédia. O diretor Faith Aikin (de Contra a Parede e Do outro lado) usa um restaurante decadente como cenário para a mistura multicultural que é a cara da Europa de hoje, com seus valores seculares misturados à influência dos imigrantes e contaminada pela globalização.

Zinos Kazantzakis (Adam Bousdoukos) é um imigrante grego dono de um restaurante decadente em Hamburgo, chamado "Soul Kitchen". Ele vende comida barata para um público não muito exigente, e parece feliz com isso. Ele é ao mesmo tempo gerente e chef de cozinha, com dotes culinários reduzidos a comprar comida congelada no supermercado e sevir para os fregueses. Ele tem uma linda (e mimada) namorada que é a típica alemã, Nadine (Pheline Roggan), que está de mudança para a China. Não poderia haver duas pessoas mais diferentes, mas aparentemente Nadine (rica, bela, sofisticada) gosta da atenção do pobre, sujo e desleixado Zinos. Ela quer que ele a acompanhe para a China, mas ele está ocupado demais com seu restaurante. A partida na namorada, porém, parece causar uma maré de azar ao pobre Zinos, que desloca a coluna ao tentar consertar a máquina de lavar do restaurante, e passa o filme todo tentando, física e psicologicamente, endireitar sua vida.

Há também o irmão de Zinos, Iliias (Moritz Bleibtreu, de "Corra, Lola, Corra"), um presidiário que precisa que Zinos o contrate como funcionário do restaurante, para ter sua pena mudada para regime semi-aberto. Iliias é um jogador compulsivo que vive perdendo dinheiro em apostas e tem verdadeira alergia pelo trabalho. Ele se apaixona pela garçonete do Soul Kitchen, Lucia (Anna Bederke), uma moça interessada em arte, bebida e música. O restaurante perde seus clientes quando Zinos contrata um chef de cozinha excêntrico, e o lugar corre o risco de ser comprado por um antigo conhecido de Zinos, que quer destruir o restaurante para construir um shopping.

Apesar de um pouco episódico, "Soul Kitchen" encanta pelo ritmo rápido, pela trilha sonora e pelo humor do roteiro. A mistura de culturas e a influência pop me lembraram dos livros de Nick Hornby, como "Alta Fidelidade", com seus personagens que parecem adolescentes presos em corpos adultos. Há também uma bem humorada crítica à globalização e ao mundo moderno. A Grécia tem sido o "primo pobre" da comunidade européia nos últimos anos e enfrenta atualmente grave crise financeira. A China, por outro lado, representa uma grande oportunidade de negócios. Paradoxalmente, a globalização tem também sua vantagens culturais, como na influência americana na música européia e nos ritmos escutados por toda a trilha do filme. Soul Kitchen mostra que estilo pode também ter conteúdo, nem que seja na forma de fast-food de qualidade.


terça-feira, 13 de abril de 2010

LOST e Cavalo-Marinho no Céu

por João Solimeo

Um grupo de passageiros de um avião se encontra, de repente, em um lugar isolado. Um deles acorda e não sabe direito onde está. Olha em volta e vê os outros passageiros do avião na mesma situação, desorientados. Alguns gritam, outros choram. Se, ao ler estas linhas, você pensou na abertura do seriado “Lost”, da ABC, não é o único. A surpresa, talvez, esteja em descobrir que se trata da abertura de um livro de ficção científica dos anos 60 escrito por Edmund Cooper (Inglaterra, 1926-1982), chamado “Cavalo-Marinho no Céu” (“Seahorse in the Sky”, 1969).

Li este livro nos final dos anos 80, e quando “Lost” foi lançado fiquei intrigado com as semelhanças. Nestes seis anos em que a série está no ar fiquei ainda mais intrigado pelo fato de que, a não ser por poucas referências na internet, a ligação entre livro e série não foi feita. Nem mesmo o site “Lostpedia”, um dos mais completos a respeito da série, cita o livro de Cooper. Sou fã da série, embora não possa ser considerado um "expert", mas as semelhanças listadas a seguir mostram como muitas das idéias presentes no seriado, sem dúvida, foram baseadas em “Cavalo-Marinho no Céu”.


Livro versus Série
No livro de Cooper, um avião saindo de Estocolmo, com direção a Londres, nunca chega a seu destino. Não há um acidente aéreo, mas os passageiros se lembram apenas de estarem em um avião em um momento e, no outro, estarem em um lugar completamente diferente. Dezesseis pessoas, oito homens e oito mulheres, acordam deitados no meio de uma rua, no meio do nada. Eles são de países diferentes, mas conseguem se entender. Estão isolados em uma rua que começa do nada e leva a lugar nenhum. Há um “Hotel” de um lado da rua e um “Supermercado” do outro. Em redor, há apenas mato.

Em “Lost”, um avião que ia da Austrália para os Estados Unidos nunca chega a seu destino. Há um acidente aéreo, mas os passageiros, a princípio, não conseguem se lembrar de nada. Jack, um médico, acorda em uma floresta, sem saber onde está ou o que aconteceu. Anda até uma praia onde encontra os destroços do avião e um grupo de pessoas desesperadas e confusas. Eles estão em uma ilha, sem possibilidade de fugir. Há 48 sobreviventes.

No livro de Cooper, aos poucos os passageiros do avião descobrem que estão em uma “ilha” no meio do nada, cercados por uma barreira feita por uma névoa fria e estranha. Também descobrem que dois outros grupos de 16 pessoas, em estágios evolutivos diferentes, estão na “ilha”. São, assim, três grupos de 16 pessoas, em um total de 48.

Na ilha de Lost, também há três grupos de pessoas. Há os sobreviventes do avião, há o grupo da vila e há os “outros” do templo.

No livro, comida aparece misteriosamente no “supermercado” do outro lado do Hotel. Na série, em uma das temporadas, comida da Iniciativa Dharma também aparece para os sobreviventes.

Na série, várias tentativas para sair da ilha são feitas, até que um grupo consegue finalmente sair. Três anos depois, eles retornam à ilha e, na sexta e última temporada, uma “realidade paralela” é criada.

No livro, após algumas tentativas de atravessar a “névoa”, um barco é construído e um grupo foge da “ilha” através do rio. Eles retornam três anos depois.

O final (leia sob sua conta e risco)

No livro, quando um grupo sai da “ilha” de névoa, encontram uma espécie de monumento abandonado. Lá eles descobrem que não passam de “cópias” de seus corpos originais, feitos por uma raça alienígena que morreu há muitos séculos. Este povo existe apenas como “fantasmas” que lembram a forma de cavalos-marinhos (por isso o nome do livro original) e que atravessaram o Universo para fazer cópias dos humanos e recriar sua espécie. Os extraterrestres fizeram uma cópia do avião, em pleno vôo, retiraram seus ocupantes e deixaram o avião original continuar sua viagem. O que significa que, assim como em Lost, duas realidades paralelas passam a existir. O livro termina com esta revelação e não mostra o que aconteceu aos passageiros originais, mas as “cópias” acabam se desenvolvendo e criando uma nova civilização.

O final da série está guardado a sete chaves na cabeça do atual responsável pela série, Damon Lindelof. Não me surpreenderia se descobríssemos que Jacob é um extraterrestre que veio à Terra para criar uma nova civilização usando “cópias” dos passageiros de um avião. Em maio, quando a série terminar, vamos descobrir, e atualizaremos este texto.

domingo, 4 de abril de 2010

Ervas Daninhas

Escrever sobre "Ervas Daninhas" é tarefa difícil. O último filme do mestre francês Alain Resnais tem de tudo. Tem drama, tem comédia, tem suspense e romance. Tem aviões antigos e uma homenagem aos filmes hollywoodianos.

Marguerite Muir (Sabine Azéma) é uma dentista de meia idade, solteira. Ela sempre compra sapatos no mesmo lugar, em Paris, porque gosta do modo como a vendedora a atende. Saindo da loja, um dia, ela tem sua bolsa roubada, e perde todos os documentos. Sua carteira é encontrada no chão por Georges Palet (André Dussolier), um homem casado que, ao ver as fotos de Marguerite dentro da carteira, começa a fantasiar com ela. Ele tenta ligar para ela, mas não consegue encontrá-la. Leva então a carteira até a polícia, onde o policial Bernard (Mathieu Almaric) o atende, e contata Marguerite. Ela então liga para Georges para agradecer por ter devolvido a carteira, e ele pede para que ela saia com ele. Ela se recusa, e ele passa a lhe escrever e telefonar todos os dias, obcecado.

Tudo isso é mostrado por Resnais de forma extremamente fluida, com movimentos de câmera constantes e por um narrador que passa ao espectador todos os pensamentos dos personagens. Quando Georges está voltando para casa, depois de encontrar a carteira, por exemplo, nós o vemos imaginando como vai ser sua ligação para Marguerite. Assim como todos nós, seu pensamento não é linear, ele ensaia várias frases que pensa em usar quando ela atender... se ela atender. O roteiro vai se tornando cada vez mais fantástico e, em alguns momentos, imaginamos se tudo não passa de algum delírio da imaginação de Georges, ou do tal narrador que conta a história. Tecnicamente, Resnais e seu diretor de fotografia Eric Gautier mantém a câmera se movimentando constantemente em belas tomadas que, por vezes, tomam o lugar da montagem, em planos contínuos que simulam a passagem do tempo.

Interessante também como o cinema americano é tão marcante em remeter a momentos de romance clichê em filmes. Quando Marguerite, intrigada com a atenção de Georges, finalmente vai encontrá-lo, o local não poderia ser outro que não o exterior de um cinema que passa filmes clássicos de Hollywood. A fanfarra tema da 20th Century Fox também é usada em outro momento para remeter à uma cena tipicamente hollywoodiana, quando Georges e Marguerite finalmente se beijam. Mas que o espectador não se iluda, tudo não passa de uma farsa pregada por Alain Resnais no espectador incauto. O filme, classificado como "drama", na verdade é uma deliciosa comédia fantástica, uma brincadeira com os gêneros cinematográficos e com o próprio cinema. Resnais, um dos fundadores da nouvelle vague e diretor de clássicos eternos como "Hiroshima Moun Amour" (1959), está com 88 anos, e deve ter se divertido muito fazendo este filme.

ps: o trailer abaixo, que não tem nada a ver com o filme, mostra como tudo é uma farsa divertida.


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Atraídos pelo Crime

Não há nada de novo em "Atraídos pelo crime", filme policial que estréia neste final de semana. O que o impede de ser dispensável, no entanto, é um bom elenco sob a direção segura de Antoine Fuqua. O filme conta a história de três policiais, em situações que você já viu antes: Eddie (Richard Gere) é um policial que está a uma semana da aposentadoria. Ele é alcoólatra e mal visto pelos colegas de farda. Sal (Ethan Hawke) é casado, tem vários filhos e a esposa está grávida de gêmeos. Para complicar, ela é asmática e sofre com o mofo nas paredes da casa velha onde vivem. Sal não é exatamente um tira corrupto, mas vem roubando dinheiro apreendido em batidas policiais para comprar uma casa nova para a família. Tango (Don Cheadle) é um policial infiltrado na comunidade negra e amigo do chefão local, Caz (Wesley Snipes), que acabou de sair da prisão. O sonho de Tango é deixar o trabalho infiltrado e ter um trabalho policial "normal", atrás de uma mesa de escritório.

Todas essas histórias são clichês do gênero policial, assim como a estratégia do roteiro de mantê-las em linhas separadas de ação, entrecortadas pela montagem. Mas, como disse, a direção e interpretação mantêm a experiência interessante. Don Cheadle, particularmente, está muito bem como o policial infiltrado que, como costuma acontecer nestas situações, não sabe mais direito a quem deve lealdade. Todas as suas cenas com Wesley Snipes são muito bem conduzidas, em diálogos rápidos e bem interpretados. Ethan Hawke é um ótimo ator, apesar de estar se repetindo. Ele já interpretou o mesmo "tipo", até com o mesmo penteado e barba, em vários outros filmes, como "Antes que o diabo saiba que você está morto", ou "Dia de Treinamento", do mesmo Antoine Fuqua. Richard Gere faz o que pode com o velho clichê do policial que está para se aposentar. As três histórias (ou quatro, contando Wesley Snipes) se cruzam em alguns momentos, mas vão em um crescendo até um ótimo (e violento) final, que vale o filme.

ps: há várias cenas neste filme em que as legendas brancas do cinema são praticamente invisíveis. Para quem entende inglês, tudo bem, mas várias pessoas estavam reclamando. As distribuidoras deveriam investir no tipo de legenda com borda ou sombra, mais visíveis.


Hanami - Cerejeiras em Flor

A cultura japonesa é, no fundo, uma cultura da morte. Uma celebração da efemeridade da vida e da passagem inexorável do tempo. O mesmo ritual estilizado com que se prepara um vaso de flores é o empregado pelo samurai antes de cortar a própria barriga. É nessa relação entre a vida e a morte que se apóia o filme alemão "Hanami - Cerejeiras em Flor", da escritora Doris Dorrie. Hanami é um festival que ocorre no Japão durante a florada das cerejeiras. As flores surgem apenas por alguns dias, colorindo a cidade em tons de vermelho e rosa, e depois desaparecem. Novamente, uma celebração da vida e da morte.

Trudi (Hannelore Elsner) recebe a notícia de que seu marido está com uma doença terminal. Os médicos sugerem que ela vá viajar com ele para aproveitar seus últimos momentos. O marido, Rudi (Elmar Wepper), é um homem sem muita imaginação, que todos os dias faz o mesmo trajeto até o trabalho, onde está há décadas, e volta para casa. Trudi, com seu jeito manso e maternal, consegue convencê-lo a ir até Berlin visitar os filhos crescidos, mas não lhe conta sobre a doença. Em Berlin, os filhos mal conseguem esconder o fato de que são pessoas ocupadas e que não têm tempo para dar atenção aos pais. Há ainda outro filho, Karl, que é o "preferido da mamãe" e que mora em Tóquio. Tanto na casa de Trudi e Rudi quanto na casa dos filhos vemos, nas paredes, gravuras japonesas e lembranças enviadas por Karl. A própria Trudi, na verdade, gostaria de ter sido uma dançarina de Butoh, uma dança japonesa, mas deixou tudo em nome da família. Há uma bela cena passada em um teatro alemão em que o dançarino Tadashi Endo se apresenta e Trudi, na platéia, mal contém as lágrimas. O velho casal então vai à praia e, inesperada e ironicamente, Trudi morre durante a noite, dormindo, deixando Rudi sozinho e sem saber que, ele mesmo, está fatalmente doente.

O filme tem um ritmo extremamente lento e, a bem da verdade, ganharia com uma edição mais enxuta. Com a morte de Trudi (a excelente Hannelore Elsner), praticamente começa outro filme, ainda mais longo, mostrando a viagem de Rudi ao Japão, onde encontra o filho Karl e fica tentando, em vão, entender a morte (e a vida) da esposa. Tóquio é, como todo Japão, um grande paradoxo, um monstro de concreto onde se escondem belos jardins e o contato com a natureza. Rudi faz amizade com uma jovem dançarina (Aya Irizuki) e, com ela, parte para tentar ver o lendário Monte Fuji e tentar se "reencontrar" com o espírito da esposa. Não é um filme fácil, fazendo parte daquela categoria fugidia dos "filmes de arte". A interpretação do elenco é impecável e o filme é um retrato interessante, para os espectadores brasileiros, da vida no primeiro mundo. Por todo o trajeto de Trudi, Rudi e família, somos testemunhas do eficiente sistema de transporte alemão e japonês, da presença marcante da Arte, da eficiência das instituições. Por outro lado, percebemos a frieza das pessoas, principalmente dos filhos em relação aos pais, considerados um estorvo depois de velhos. Bom filme atrapalhado pela longa duração, com cenas repetitivas que poderiam ter sido cortadas facilmente.


quinta-feira, 1 de abril de 2010

3D Toy Story (e o futuro da Pixar)

O primeiro Toy Story surgiu nos cinemas em 1995, há 15 anos. Era o primeiro filme feito totalmente em computação gráfica na História (apesar da controvérsia de que o brasileiro "Cassiopéia", lançado alguns meses depois, tenha sido criado primeiro), e iniciou o domínio dos estúdios Pixar no gênero. Inicialmente um braço menor da Industrial Light & Magic, a empresa de efeitos especiais de George Lucas, a Pixar foi vendida por míseros 5 milhões de dólares para Steve Jobs, o cabeça da Apple, e revolucionou o cinema de animação. Produziu uma série impecável de filmes como os dois Toy Story (1995/1999), Vida de Inseto (1998), Monstros S.A. (2001), Procurando Nemo (2003), Os Incríveis (2004), Carros (2006), Ratatouille (2007), Wall-e (2008) e Up (2009). O poder da empresa está em uma combinação perfeita de técnica com criatividade aparentemente inesgotáveis, com o talento de pessoas como John Lasseter, Andrew Stanton, Pete Docter, Brad Bird, Lee Unkrich, entre centenas de técnicos. Desde 2006, a Pixar foi comprada pela Disney, a principal concorrente, em um negócio que, na verdade, deu ainda mais poder à Pixar e a John Lasseter, que se tornou diretor criativo de ambas.

A Pixar encontra-se agora em uma encruzilhada, em que vai ter que se provar novamente. Com a moda de filmes 3D fazendo fortunas mundo afora, o estúdio relançou os dois primeiros Toy Story em versões no formato, preparando terreno para a vinda de Toy Story 3. Esta terceira parte de Toy Story foi gerada sob muita controvérsia. Quando a Pixar surgiu, eles fizeram um acordo de distribuição com a Disney para três filmes. O sucesso de Toy Story gerou uma continuação que seria originalmente lançada diretamente em home video, mas que ficou tão boa que a Disney resolveu lançá-lo nos cinemas. Só que a empresa não quis incluir este filme entre os três do contrato de distribuição com a Pixar, que queria mais liberdade. A Disney chegou até a ameaçar fazer Toy Story 3 por conta própria, sem John Lasseter, mas era provavelmente um blefe. Com a junção das empresas, o filme volta a sair do papel, com a benção de Lasseter e com a produção da Pixar por trás.

Toy Story, até agora, foi o único filme Pixar a ter continuações. A empresa sempre se notabilizou por sua filosofia de criar produtos originais de alta qualidade voltados para a família, algo que a própria Disney, com suas dezenas de continuações caça-níqueis lançadas diretamente em home video, já havia perdido. Será que agora a Pixar vai perder seu "toque" de ouro? Além de Toy Story 3, já foi anunciada a continuação de "Carros" (também de John Lasseter), que foi um filme extremamente bem feito mas, a bem da verdade, longo e pouco interessante. É esperar por Toy Story 3 e ver se ainda tem algo para contar ou se é apenas uma produção para ganhar uns trocados em cima da "franquia" e do sistema 3D.