terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Vingador do Futuro

A ideia é interessante. Na falta de dinheiro ou oportunidade para fazer uma viagem ao redor do mundo, que tal comprar um implante com as memórias desta viagem, como se você a tivesse feito de verdade? A empresa Rekall, no final do século 21, promete lhe fornecer a experiência. Esta é a premissa criada pelo escritor de ficção-científica Philip K. Dick em seu conto "We can remember it for you wholesale", escrito em 1966. A história deu origem a um espetacular filme de aventura dirigido pelo holandês Paul Verhoeven em 1990, estrelado por Arnold Swarzenegger. Hoje, 22 anos depois, uma nova versão é dirigida por Len Wiseman.

Douglas Quaid (Colin Farrell) é um homem que, todas as noites, sonha que é um agente secreto. Na vida real, porém, ele é um simples operário das indústrias Cohaagen, que fabrica soldados robóticos do outro lado do planeta. A Terra foi quase toda destruída em guerras biológicas e apenas dois lugares ainda são habitáveis: a "Federação Unida da Bretanha" (Inglaterra e arredores) e a "Colônia" (a Austrália). Os dois são ligados por um túnel/elevador que atravessa o núcleo do planeta, por onde Quaid e milhares de operários da "Colônia" se deslocam para trabalhar na sede do novo "Império Britânico". Quaid gostaria que a vida dele e da esposa Lori (Kate Beckinsale) fosse diferente, e um dia resolve comprar memórias na Rekall. O vendedor lhe oferece um pacote em que ele seria um agente secreto que trabalharia tanto para o Chanceler Cohaagen (Bryan Cranston) quanto para o líder da resistência, Matthias (Bill Nighy, desperdiçado). O problema é que quando o procedimento de implante está para começar, descobre-se que Quaid realmente é um agente secreto, e dezenas de policiais invadem a Rekall. Descobrindo habilidades que não sabia que tinha, Quaid consegue matar a todos e fugir. Quem ele seria realmente? E, o mais importante, seria aquilo tudo real ou ele estaria vivendo as memórias implantadas pela Rekall?

A versão de 1990 levava Swarzenegger em uma aventura até o planeta Marte, onde ele lutava ao lado da resistência contra Cohaagen, um empresário que explorava os colonos. O roteiro era cheio de reviravoltas e Paul Verhoeven, como de hábito, criou um filme bastante violento, mas empolgante. A versão de Wiseman é muito mais "clean"; o visual é claramente baseado em "Blade Runner" (1982, de Ridley Scott, também tirado de um conto de Philip K. Dick) e Colin Farrell, sem dúvida, é melhor ator que Arnold Swarzenegger. O que não significa que este filme seja melhor; pelo contrário, falta a habilidade de um diretor como Verhoeven. Kate Beckinsale, apesar de bonita, está muito mal como a "esposa" de Quaid e passa o filme fazendo uma expressão forçada de vilã. Jessica Biel, como a comparsa de Quaid na resistência, se sai um pouco melhor, mas tanto seu visual quanto os figurinos são tão parecidos com os de Beckinsale que, por diversas vezes, elas se confundem. Os poucos momentos de calma são seguidos por sequências absurdas, como a passada dentro de elevadores que podem se movimentar em qualquer direção. A trama se passa toda no planeta Terra, mas o roteiro até referencia o primeiro filme em uma fala de Colin Farrell, que diz que ele sempre quis ir à Marte. O final é uma confusão de cenas de ação com as  esperadas explosões e fugas impossíveis. Prefira o original. Visto no Kinoplex Campinas.



terça-feira, 21 de agosto de 2012

360

A pior coisa a se dizer sobre "360", a mais nova produção de Fernando Meirelles, é o fato de ser "agradável". O que significa dizer que "360" é bom, e se tivesse sido feito por um diretor mediano  qualquer, estaria de bom tamanho. Mas era de se esperar mais do talento do realizador de "Cidade de Deus" (2002) e "O Jardineiro Fiel" (2005), entre outros. O filme é composto por uma série de histórias independentes que se cruzam, formando um mosaico irregular.

Michael (Jude Law) é um homem de negócios que está em Viena e marca um encontro com uma prostituta eslovaca chamada Mirka (Lucia Siposová). O casamento dele com Rose (Rachel Weisz) não vai bem. O casal mora em Londres, e ela está traindo o marido com um brasileiro chamado Rui (Juliano Cazarré). A namorada de Rui, Laura (Maria Flor), não aguenta a situação e resolve deixar Londres e voltar para o Brasil. No voo para os Estados Unidos ela conhece John (Anthony Hopkins), um pai que está à procura da filha que fugiu há anos e nunca mais deu notícias. A polícia a considera morta, mas ele não desiste. A história de John e seu encontro com Laura é a melhor do filme, em grande parte graças ao talento de Hopkins. Fica evidente que ele vê  na brasileira uma substituta para a filha ausente. Ele tem uma cena muito boa em que conta sua história em uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, e Meirelles declarou em entrevista que Hopkins improvisou grande parte das próprias falas, pois é de fato alcoólatra. Há também a história de Tyler (Ben Foster, sempre intenso), um prisioneiro que passou seis anos preso por "crimes sexuais" e que foi solto em condicional. Uma tempestade de neve o deixa preso no aeroporto de Denver onde, por vontade do roteiro de Peter Morgan (de "A Rainha" e "Frost/Nixon), também se encontram Anthony Hopkins e Maria Flor. É justamente no personagem de Foster que o roteiro começa a apresentar problemas. Maria Flor senta-se à mesa dele e, tendo bebido demais, começa a flertar com ele, sem saber que era a primeira vez em anos que Tyler estava livre com uma mulher. A trama cria uma situação de suspense que, estranhamente, não vai a lugar algum. 

Outro problema do roteiro está na história de um dentista muçulmano, em Paris, que é apaixonado pela assistente russa. Ele está em um dilema moral pois ela é casada e a religião dele não permite o adultério. O caso é que ela não está nada feliz no casamento com um guarda-costas russo que trabalha para um chefão do crime. A trama do romance entre o muçulmano e a russa também não vai longe e o roteiro força uma situação ao tentar fechar o ciclo (ou os 360 graus do título) ligando o russo à prostituta do início do filme. Tecnicamente é tudo muito bem feito, o que era de se esperar de Fernando Meirelles, formado no premiado cinema publicitário brasileiro. A bela fotografia é de Adriano Goldman (de "O ano em que meus pais saíram de férias") e Daniel Rezende, tradicional editor dos filmes de Meirelles, faz um ótimo trabalho ao ligar as várias linhas da trama com cortes bem feitos. Apesar de esteticamente bonito e das boas interpretações, porém, falta "garra" ao filme. Algumas histórias poderiam ter sido descartadas para dar espaço para as outras tramas. Tudo termina de forma "agradável" e falta ao filme dizer a que veio. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Políssia

"Meu pai me tocou no bumbum", diz a menina à policial. Um pai conta que dá banho na filha e, sim, a lava nas partes íntimas. Uma mãe diz que o filho dorme melhor quando ela o masturba à noite. Estas declarações, e outras mais chocantes, são ouvidas durante "Políssia" (forma propositalmente errada de grafar a palavra "Polícia"), filme escrito, dirigido e interpretado por Maïwenn Le Besco (que assina apenas "Maïwenn"). O filme mostra, quase como em um documentário, o cotidiano de uma equipe da Brigada de Proteção aos Menores de Paris. É trabalho destes policiais (além de psicólogos e assistentes sociais) investigar casos como os vistos acima e tentar descobrir quais deles são evidência de abuso sexual, pedofilia, estupro ou violência relacionada a menores. Não é tarefa fácil, e mais difícil ainda é manter uma vida pessoal diante do estresse relacionado à profissão.

Maïwenn dirige um elenco numeroso com competência, embora por vezes fique difícil entender os relacionamentos entre os personagens. Há Íris (Marina Foïs), uma mulher fria que esconde dos colegas que sobre de bulimia e está sempre interferindo na vida da colega Nadine (Karine Viard), que está se separando do marido. Baloo (Frédérick Pierrot) é o chefe de equipe que não consegue enfrentar os burocratas e, por isso, causa atrito com os subordinados. Fred (o rapper Joeystarr) vive com os nervos à flor da pele e não é capaz de manter distância emocional dos casos. Há uma cena impressionante em que um garoto é separado da mãe,o menino se põe a chorar desesperadamente e Fred tenta acalmá-lo. A dor do menino é tão convincente que é de se imaginar como a cena foi filmada. A própria Maïwenn interpreta uma fotógrafa chamada Melissa, e a presença da diretora no filme é questionável. Metade da trama ela passa muda, de cabelos presos e óculos, parecendo completamente perdida enquanto fotografa os policiais em ação. É possível que a personagem seja assim de propósito, mas o problema é que a presença dela é totalmente desnecessária. Ela então passa por uma transformação rápida, e pouco convincente, quando Fred se interessa por ela. De cabelos soltos, olhos claros e beleza de modelo, a personagem Melissa ganha importância na trama, mas ainda dá a impressão de habitar um filme diferente dos outros personagens.

O roteiro também trata dos problemas raciais e de imigração que são constantes na França. Há uma cena em que um suspeito desrespeita uma policial muçulmana, que tira o Alcorão do armário e lhe passa um sermão sobre o que é ser um bom muçulmano. As relações de abuso de poder entre os gêneros, seja de homem contra mulher ou, nos dias de hoje, mulher contra homem, também são mostradas. O filme soa  realista e tem diálogos e cenas bastante fortes (como um aborto feito por uma garota que havia sido estuprada). Só que se alonga demais, com duas horas e quinze minutos de duração. "Políssia" faz parte do "Festival Varilux de Cinema Francês 2012", que está em cartaz em 33 cidades do país e traz 17 filmes inéditos. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

Corações Sujos

"Corações Sujos", que estréia hoje, abriu o Festival de Cinema de Paulínia de 2011. O link a seguir leva para a crítica escrita na data, em que também entrevistei o diretor Vicente Amorim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Febre do Rato

"Febre do Rato" é uma experiência visceral que cheira rio, cidade, poluição, tinta, esperma, esgoto. É como um panfleto deixado por um poeta pobre, magro e faminto na mesa do restaurante e, como quase todo discurso panfletário, ele é exagerado, poético, incongruente e apaixonado. É moderno mas também anacrônico, seja nos discursos declamados ou na fotografia em preto e branco.

O cenário é Recife, cidade centenária e tradicional que, recentemente, foi invadida por empreendimentos imobiliários e financeiros que ergueram grandes torres de aço e vidro às marges do rio que a cruza. A câmera do diretor Cláudio Assis passeia pelo rio, por debaixo das pontes, mostrando os arranha-céus ao longe enquanto que, em primeiro plano, as palafitas criam um contraste enorme. Zizo (Irandhir Santos, inspirado) é um poeta que escreve e publica um jornal artesanal chamado "Febre do Rato", que distribui nas favelas da cidade com seu carro velho e um alto falante, com o qual declama palavras de ordem e poemas. O Poeta, a bem da verdade, fala por quase todo o filme, em um jorro ininterrupto de palavras. Só duas coisas conseguem lhe calar: a repressão, ao final, e a bela Eneida (Nanda Costa), uma jovem por quem o Poeta se apaixona. Ela é uma musa moderna, bem distante das donzelas virginais cantadas nos versos românticos do passado. Embora, para o pobre Zizo, ela decida ser inacessível, recusando-se a ficar com ele; o que, claro, só aumenta sua paixão.

Várias pessoas orbitam em volta do Poeta, como seu amigo Pazinho (Matheus Nachtergaele, muito bem), que tem uma relação conturbada com Vanessa (Tânia Granussi). Ela o traiu com outro homem e os dois estão na situação complicada de ainda se amarem, embora haja muita raiva no ar, principalmente por parte dele. Há uma sequência ótima em que uma discussão do casal se passa em três lugares (e três tempos) diferentes, mas as frases se complementam, como se a briga fosse sempre a mesma, repetidamente. Há ainda o traficante de maconha local (Juliano Cazarré) que, aparentemente, vive com outros dois homens e uma mulher; há uma cena que surpreende (ou choca alguns) em que os quatro estão nus, no chão, em uma situação claramente sexual. Cláudio Assis gosta de quebrar com as convenções recatadas do cinema nacional recente e chocar o espectador, por vezes de forma um tanto gratuita; há três ou quatro cenas de sexo entre Irandhir Santos e uma senhora muito mais velha dentro de uma caixa d´água, por exemplo, que podem ser encaradas como gratuitas, apesar da personalidade bastante edipiana do Poeta, que ainda vive com a mãe e depende dela.

O roteiro de Hilton Lacerda não segue uma trama muito clara, mas é evidente o talento de Assis em dirigir todos estes personagens. A fotografia e os movimentos de câmera de Walter Carvalho são tão elegantes e precisos que, repetimos, há certa incongruência entre a crueza do roteiro e das locações e a extrema beleza das imagens. Carvalho, por diversas vezes, coloca a câmera acima dos personagens e os segue em planos sequência que acompanham a trilha sonora (de Jorge du Peixe) ou os versos de Zizo. Tudo culmina para um desfile de 7 de setembro que é uma cacofonia de pés marchando, pessoas falando e poemas declamados. O final, infelizmente, não tem a força do resto do roteiro. É previsível que a subversão do Poeta será punida  pelo "sistema"; por isso mesmo, um final alternativo teria mais impacto. "Febre do Rato" foi apresentado no Festival de Paulínia em 2011 e levou oito prêmios. Não é um filme para o grande público; há muita nudez (masculina e feminina) e vários momentos bizarros pelos quais o cinema de Cláusio Assis ficou conhecido. Mas é um trabalho de fôlego, provocador e, em alguns momentos, curiosamente sublime. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Violeta foi para o céu

A cantora chilena Violeta Parra conquistou fama internacional com a canção "Gracias a la vida", composta pouco antes da sua morte, em 1967. Mas Parra era mais do que cantora; foi também poetiza, tapeceira, pintora e ativista política. Quando, no filme, é chamada por um repórter de "uma mulher moderna", ela diz que, pelo contrário, é uma mulher primitiva.

"Violeta foi para o céu" é a cinebiografia da artista, dirigida por Andrés Wood com roteiro de Eliseo Altunaga, baseado no livro do filho de Violeta, Angél. A estrutura, não linear, cria várias rimas visuais e temáticas entre a infância pobre de Violeta, filha de um músico alcoólatra, com quem aprendeu a tocar violão, e as diversas fases de sua vida adulta. O filme recebeu prêmio especial do júri no último festival de "Sundance" e foi melhor filme, roteiro e edição no Cine Ceará.

Parra é interpretada com vigor pela atriz chilena Francisca Gavilán, que canta várias das canções da compositora. O filme usa uma entrevista de Parra dada à televisão chilena como fio condutor de sua vida, que teve tragédias como a morte de uma filha, ainda bebê, quando Violeta se apresentava na Polônia. Flashbacks mostram a delicada relação com o pai e seu primeiro contato com a música. A artista foi casada duas vezes, sendo a segunda com um flautista suíço chamado Gilbert Favre (Thomas Durand), 20 anos mais moço. É com Favre que Parra vai à Paris, onde realiza diversas apresentações musicais e, com as tapeçarias debaixo do braço, vai ao Museu do Louvre mostrar seu trabalho, que ganha uma exposição especial.

O lado político não é muito bem desenvolvido pelo roteiro. Apesar de se declarar tão comunista que, "se me cortassem, o sangue sairia vermelho" e de declarar à televisão que trocaria toda sua arte para ficar com o "povo", o filme a mostra como uma mulher individualista e possessiva. Há uma longa parte dedicada à instalação de uma tenda comunitária que Parra chama de "universidade do folclore" em uma região remota de Santiago; é lá que Parra faz apresentações e recebe artistas convidados, inclusive o grupo boliviano com o qual Gilbert Favre deixa o país, mas o experimento se revela um fracasso. Parra recusa o apoio do prefeito de Santiago, briga com Favre, com os filhos e termina sua vida de forma melancólica, sozinha e faminta. Apesar de um tanto depressivo, "Violeta foi para o céu" vale pela honestidade da interpretação de Gavilán e para se conhecer mais sobre a cultura latino americana. Em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura

domingo, 5 de agosto de 2012

Histórias que só existem quando lembradas

Da escuridão surge o rosto de uma senhora . Passo a passo, ela anda em direção ao primeiro plano, e a luz do lampião revela uma cumbuca de cerâmica. Ela é Madalena (Sônia Guedes) e, como todas as noites, ela prepara a massa do pão que vai levar à venda do Sr. Antônio (Luiz Serra). Ela implica com o modo dele preparar o café, enquanto que ele implica com o fato dela colocar os pães na prateleira da vendinha. Como todos os dias, eles tomam o café, vão à missa e, mais tarde, almoçam junto com os outros moradores do pequeno povoado de Jotuomba. No dia seguinte, estes pequenos rituais se repetem, rigorosamente iguais. Todos na vila têm idade avançada, não há luz elétrica e nenhum trem passa pelos trilhos. O cemitério está trancado e há uma placa com um aviso aparentemente fora de lugar: "Proibida a entrada".

"Histórias que só existem quando lembradas" é um filme meditativo, lento e curioso. Formalmente, é tão antigo e preso a regras como os habitantes do lugar. A decupagem é clássica e a câmera permanece fixa, sem panorâmicas, travellings ou zoom. A diretora Julia Murat estabelece a rotina na repetição do movimento dos atores e nos diálogos, mas ilustra a mudança dos dias deslocando a câmera para o outro lado do eixo em que a cena foi filmada da primeira vez. O primeiro movimento de câmera, sutil, se dá com a entrada no filme de Rita (Lisa Fávero), uma garota de uns 20 anos que aparece misteriosamente na vila. É a primeira  jovem a ser vista na região em décadas e, aos poucos, ela vai mudando a rotina dos habitantes locais. Na mochila ela traz tanto uma câmera fotográfica digital, que destoa do mundo mecânico e analógico à sua volta, quanto câmeras caseiras de "pin-hole", técnica artesanal de fotografia que usa apenas papel fotográfico colocado dentro de uma lata, tendo um pequeno orifício como lente. É com estas câmeras que Rita começa a fazer registros da vila e seus moradores; apropriadamente, eles parecem fantasmas quando as fotos são reveladas (também de forma artesanal) por Rita.

O filme é uma co-produção brasileira, argentina e francesa. A equipe de produção é mínima e é daquele tipo de obra em que a lista de agradecimentos, nos créditos finais, é maior que a parte técnica. É um corpo estranho quando comparado à filmografia nacional recente, formada em grande parte por comédias destinadas ao público jovem e televisivo. Há uma lentidão estudada e proposital e o roteiro, alegórico, pode gerar várias interpretações. Interessante o fato de que a fotografia seja usada como instrumento tanto de memória quanto de mudança dos habitantes de Jotuomba. A direção de fotografia de Lucio Bonelli é muito boa, explorando principalmente os claros e escuros provocados pela iluminação dos lampiões. Pena que os diálogos, por vezes, sejam redundantes. O espectador (e Rita) já tem a informação, por exemplo, de que o cemitério está trancado; também já viu uma imagem que mostra uma lista dos habitantes que foram lá enterrados, sendo que o último data de 1976. Ainda assim, há uma cena em que Rita pergunta para Antônio o porquê deles não anotarem mais o nome dos mortos. O filme já tinha, sutilmente, mostrado que ninguém morria em Jotuomba há décadas, e não precisava que isso fosse reforçado em um diálogo.

De qualquer forma, é um filme bastante sensível sobre a vida e a morte. Há uma cena belíssima, infelizmente já revelada tanto no trailer quanto no cartaz do filme, em que Madalena (interpretação ótima de Sônia Guedes) finalmente decide posar para Rita. A imagem fotográfica, simulacro da realidade, memória em forma de imagem, se torna também o meio pelo qual a diretora mostra o cemitério sendo finalmente reaberto, com todas as consequências que isso traz. Belo filme. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.