Mostrando postagens com marcador colin farrell. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador colin farrell. Mostrar todas as postagens

sábado, 14 de outubro de 2023

O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017)

 
O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017). Dir: Yorgos Lanthimos. HBO Max. Difícil classificar este filme... terror psicológico? O grego Yorgos Lanthimos é especialista em filmes estranhos, como "O Lagosta" ou "A Favorita" (este mais normalzinho), e "O Sacrifício do Cervo Sagrado" não é exceção.

Colin Farrell é um cirurgião renomado, bem casado com uma oftalmologista (Nicole Kidman) e pai de um casal de adolescentes; mas algo está errado. Ele tem encontros frequentes com um rapaz (Barry Keoghan), a quem dá presentes caros e passeia pela cidade. É filho de outro casamento? Filho ilegítimo? O quê? O rapaz vai visitar a família de Farrell e é muito polido e educado mas, novamente, algo parece fora de lugar. Ele aparece sem avisar no hospital; é visto fora da casa de Farrell, observando quieto. Uma noite, ele leva Farrell para jantar em sua casa e a mãe dele (Alicia Silverstone), fica bastante interessada no médico. Farrell tenta cortar relações mas o rapaz continua ligando e aparecendo sem avisar.

Contar mais pode estragar o filme (ou não). Esta é daquelas produções que você assiste desconfortável, inquieto. Lembra um pouco "Caché" (2005), do austríaco Michael Haneke. Visualmente, Lanthimos empresta as lentes grande angular e os movimentos de câmera de Stanley Kubrick (há ecos de "Laranja Mecânica" e "O Iluminado"), além da trilha sonora composta por clássicos. A trama é bastante simbólica (o personagem de Keoghan chega a dizer isso abertamente). O médico interpretado por Farrell vai ter que enfrentar erros do passado e tomar decisões terríveis no presente. Racionalmente, nada faz muito sentido, mas Lanthimos está lidando com fábulas e mitologia aqui. Estranho. Disponível na HBO Max. PS: curioso que tanto Farrell quanto Keoghan atuariam juntos em "Os Banshees de Inisherin" alguns anos depois, um filme também metafórico, embora completamente diferente.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin, 2022)

 
Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin, 2022). Dir: Martin McDonagh. "Banshee" é uma figura do folclore irlandês que se manifesta na forma de uma mulher cujos gritos anunciam uma morte iminente. Este é um filme estranho, mas bastante envolvente, passado em uma pequena ilha na costa da Irlanda. Na superfície, ele trata do fim de uma amizade. Todos os dias, Pádraic (Colin Farrell) passava na casa de Colm (Blendan Gleeson) para irem ao bar. Uma tarde, porém, Colm simplesmente ignora os convites de Pádraic e não vai com ele. É uma ilha, e logo isso se torna o assunto dos moradores. "Vocês brigaram?", pergunta o dono do bar. "Não", responde Pádraic. "Eu acho que não... será que brigamos?". Pádraic vai tirar satisfações com Colm e recebe uma explicação estranha: "Eu só não gosto mais de você". É uma premissa inusitada para um filme, mas este pequeno incidente acaba rendendo um dos roteiros mais interessantes que já vi.

Roteiro e direção são de Martin McDonagh, que já fez um filme com Colin Farrell e Brendan Gleeson antes, "In Bruges" (2008), que por um motivo ou outro eu ainda não vi. McDonagh era dramaturgo e fez algum sucesso escrevendo peças em Londres e em sua terra natal, a Irlanda. Nos EUA, fez "Três Anúncios Para Um Crime", com Frances McDormand, que tem vários problemas, mas é um bom filme. "Os Banshees de Inisherin" talvez seja seu melhor trabalho. A trama se passa há um século, em 1923, e tem como pano de fundo a Guerra Civil irlandesa. Em vários momentos os habitantes da ilha escutam o barulho de bombas e tiros vindos do continente, mas é como se eles vivessem em um mundo à parte.
A "briga" inicial entre os dois melhores amigos acaba revelando um mundo que, para o bem ou para o mal, estava estagnado. Pádraic não só sente falta do que considerava seu melhor amigo, mas também do seu modo de vida. Colm revela que não quer mais "perder tempo" com ele porque quer se dedicar a compor músicas. Há uma bela discussão, em um momento, sobre "criar um legado" versus "ser uma boa pessoa". Colm desafia Pádraic a se lembrar de qualquer boa pessoa nos últimos trezentos anos. "Mozart, por outro lado, todo mundo sabe quem é". Bêbado, Pádraic responde que nunca havia ouvido falar em Mozart, então a teoria era furada. Colin Farrell está surpreendente como Pádraic, um sujeito comum que, de repente, perde o chão. Ele não se conforma com o fato do amigo simplesmente parar de falar com ele. Há também a personagem da irmã de Pádraic, Siobhán (Kerry Condon, excelente), uma solteirona que mora com ele e talvez seja a pessoa mais inteligente da ilha. Essa inteligência, no entanto, talvez seja seu fardo, porque ela gostaria de fazer algo melhor da vida. O que os tais "banshees" têm a ver com isso? Há a figura de uma velha que é vista ao fundo de várias imagens. Ninguém gosta de interagir muito com ela, mas a única que não tem medo é Siobhán.
É um filme cheio de simbolismos, parecendo uma fábula. O roteiro, que começa de forma cômica, vai se tornando pesado e até assustador. Ser "bom" é uma virtude ou uma fraqueza? É possível deixar um legado ou estamos todos fadados a nascer, crescer, morrer e sermos esquecidos? É possível cortar com o passado sem ser cruel com os outros? Devemos lutar por quem gostamos ou deixa-los partir? Um filme "estranho", mas cheio de significado. Indicado a nove Oscars.

domingo, 14 de agosto de 2022

Treze Vidas: O Resgate (Thirteen Lives, 2022)

Treze Vidas: O Resgate (Thirteen Lives, 2022). Dir: Ron Howard. Amazon Prime Video. Eu me lembrava, de modo geral, desta história real ocorrida na Tailândia uns anos atrás. Um grupo de 12 crianças e seu treinador de futebol foram explorar um caverna profunda e acabaram presos quando ela foi alagada por fortes chuvas. O resgate destas treze pessoas mobilizou gente do mundo todo e o louvável nesta versão de Ron Howard é que ficamos interessados na trama mesmo sabendo (até certo ponto) como foi que tudo terminou. Howard já havia conseguido algo parecido quando filmou o acidente da Apollo 13 (a coincidência do número).


No caso de "Treze Vidas", havia a grande chance de que ele acabasse se tornando um daqueles filmes feitos para a TV (que eu chamo de "filmes de Supercine"). Howard conseguiu se safar disso ao juntar um bom elenco internacional e em trazer realismo na reconstrução do acidente e dos cenários. O filme foi feito na Tailândia (cenas externas) e na Austrália (para o trabalho de estúdio). Colin Farrell e Viggo Mortensen interpretam dois mergulhadores voluntários ingleses que vão até a Tailândia tentar ajudar no resgate dos meninos. Mortensen está muito bem, como sempre, interpretando um sujeito de poucas (e amargas) palavras. Quando ele e Farrell encontram os meninos em uma bolha de ar a 2,5 km de distância da entrada da caverna, todos comemoram, mas Mortensen diz: "Nós encontramos os garotos vivos, agora vamos vê-los morrer".

Joel Edgerton é trazido para a equipe de mergulho por causa de uma especialidade que poderia ajudar no resgate das crianças; confesso que não me lembrava como é que eles haviam conseguido transportar 13 pessoas por 2,5 km de túneis submarinos, mas a solução foi engenhosa. O filme talvez seja um pouco longo (duas horas e meia de duração), mas o roteiro usa bem o tempo para explicar detalhadamente as condições da caverna e as dificuldades que todos tiveram que enfrentar para efetuar o resgate. As cenas submarinas, em túneis apertados e cobertos por águas lamacentas, são um desafio para os claustrofóbicos. Disponível na Amazon Prime Video. 

sábado, 12 de março de 2022

Batman (The Batman, 2022)

Batman (The Batman, 2022). Dir: Matt Reeves. Outro filme do Batman, e com quase três horas de duração? Confesso que fui ver sem esperar grande coisa (apesar das boas críticas); mas é um filmão (com algumas ressalvas). Esta versão do Batman tem mais a ver com o personagem "detetive" do que com o "super herói". Interpretado por Robert Pattinson, Batman é um "vigilante" que trabalha à noite sob a constante chuva de Gothan City. Como um detetive de filme noir, este Batman narra em "off" seus pensamentos, dúvidas e medos. Há algo do gótico explorado pelas versões de Tim Burton, mas diria que este Batman está mais para filmes de David Fincher como "Seven" e "Zodíaco" do que para as versões do morcego de Christopher Nolan.

Gothan City está em ano eleitoral e um serial killer começa a matar pessoas importantes da cidade. Ele deixa para trás pistas e charadas para serem decodificadas pelo Batman. Robert Pattinson está bem como o homem-morcego, com um design ao mesmo tempo mais realista e mais "retrô". Seu vigilante aterroriza tanto bandidos comuns quanto criminosos poderosos da cidade. Seu único aliado, além do mordomo Alfred (Andy Serkis), é o Tenente (futuro Comissário) James Gordon (Jeffrey Wright), que não se intimida em pedir a ajuda do encapuzado quando necessário. Zoë Kravitz (Selina Kyle, a "Mulher Gato") mantém uma relação de amor e ódio com o morcegão, dependendo da situação.

O filme é bem lento (tem duas horas e cinquenta e cinco minutos de duração), pesado, escuro e chuvoso, mas a trama é interessante o suficiente para manter a atenção. Vilões famosos como o Pinguim aparecem em versões mais realistas (aqui ele é interpretado por um irreconhecível Colin Farrell, escondido sob camadas e maquiagem). O grande John Turturro é um chefão da máfia. O "Charada" é interpretado por um ator tão maluco quando o personagem (e sei que não é spoiler, mas não vou revelar quem ele é, porque eu não sabia e fui pego de surpresa). Como disse, em vários momentos me lembrei do "clima" de filmes pesados como "Seven" e "Zodíaco" (cujos enigmas claramente serviram de inspiração para este filme). A trilha sonora de Michael Giacchino é ótima tanto no tema do morcego quanto ao incorporar a "Ave Maria" de Schubert no tema do "Charada". A bela (e escura) direção de fotografia é de Greig Fraser, que já havia feito um trabalho incrível em "Duna". O filme é carregado de tons negros e vermelhos.

Quanto às ressalvas, não acho que o filme precisava ter quase três horas de duração. E quando chegamos ao terceiro ato, a história de detetive/máfia desaparece para dar lugar a um daqueles planos megalomaníacos (e absurdos) dignos de um vilão de James Bond. Por mais que Batman lute bem (e tenha a melhor roupa à prova de balas da galáxia), fica meio difícil de acreditar nas sequências finais. Isso posto, é um filme e tanto, um épico noir que é melhor do que eu esperava e, nessa era com tantos filmes de super heróis, consegue ter personalidade própria. Nos cinemas.  

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Voyagers (2020)

Voyagers (2020). Dir: Neil Burger. Amazon Prime. Ficção-científica adolescente que foi bastante criticada, mas que não achei tão ruim (assisti com zero expectativas). A principal crítica é que o roteiro é basicamente uma versão espacial de "O Senhor das Moscas", livro de William Golding que mostrava o que acontecia a um grupo de crianças que naufragou em uma ilha deserta. Sem orientação de adultos e entregues à "natureza humana", o resultado era bem ruim.

Neste filme, 30 crianças são criadas desde bebês para partir em uma viagem sem volta; eles vão embarcar em uma nave que vai viajar por 86 anos até chegar a um planeta distante, em uma "nave geracional". Se tudo correr bem, só seus netos, nascidos na nave, chegarão ao destino. Richard (um competente Colin Farrell) é o único adulto a bordo. Dez anos depois, a nave é mantida pelos 30 (agora) adolescentes e por Richard. Só que alguns problemas começam a acontecer; os adolescentes descobrem que uma bebida azul, que eles tomavam depois das refeições, era uma droga que inibia o desejo sexual, entre outras coisas (as futuras gerações seriam criadas em laboratório, se dependesse dos cientistas). Eles param de tomar a droga e, aos poucos, começam a agir de forma desinibida, o que gera conflitos, revoltas, ciúmes e atração sexual.

O elenco adolescente é bom (Lily-Rose Depp, filha de Johnny Depp, está no elenco) e o filme tem bom visual e efeitos especiais competentes. O roteiro é um tanto previsível (mesmo para quem não leu "O Senhor das Moscas") mas, como disse, não é um filme ruim. Ele poderia, sim, ser bem mais ousado. A impressão que dá é que o diretor não pode (ou não quis) chocar o público, então o filme fica no meio do caminho quando trata de sexualidade ou violência. Disponível na Amazon Prime. 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Vingador do Futuro

A ideia é interessante. Na falta de dinheiro ou oportunidade para fazer uma viagem ao redor do mundo, que tal comprar um implante com as memórias desta viagem, como se você a tivesse feito de verdade? A empresa Rekall, no final do século 21, promete lhe fornecer a experiência. Esta é a premissa criada pelo escritor de ficção-científica Philip K. Dick em seu conto "We can remember it for you wholesale", escrito em 1966. A história deu origem a um espetacular filme de aventura dirigido pelo holandês Paul Verhoeven em 1990, estrelado por Arnold Swarzenegger. Hoje, 22 anos depois, uma nova versão é dirigida por Len Wiseman.

Douglas Quaid (Colin Farrell) é um homem que, todas as noites, sonha que é um agente secreto. Na vida real, porém, ele é um simples operário das indústrias Cohaagen, que fabrica soldados robóticos do outro lado do planeta. A Terra foi quase toda destruída em guerras biológicas e apenas dois lugares ainda são habitáveis: a "Federação Unida da Bretanha" (Inglaterra e arredores) e a "Colônia" (a Austrália). Os dois são ligados por um túnel/elevador que atravessa o núcleo do planeta, por onde Quaid e milhares de operários da "Colônia" se deslocam para trabalhar na sede do novo "Império Britânico". Quaid gostaria que a vida dele e da esposa Lori (Kate Beckinsale) fosse diferente, e um dia resolve comprar memórias na Rekall. O vendedor lhe oferece um pacote em que ele seria um agente secreto que trabalharia tanto para o Chanceler Cohaagen (Bryan Cranston) quanto para o líder da resistência, Matthias (Bill Nighy, desperdiçado). O problema é que quando o procedimento de implante está para começar, descobre-se que Quaid realmente é um agente secreto, e dezenas de policiais invadem a Rekall. Descobrindo habilidades que não sabia que tinha, Quaid consegue matar a todos e fugir. Quem ele seria realmente? E, o mais importante, seria aquilo tudo real ou ele estaria vivendo as memórias implantadas pela Rekall?

A versão de 1990 levava Swarzenegger em uma aventura até o planeta Marte, onde ele lutava ao lado da resistência contra Cohaagen, um empresário que explorava os colonos. O roteiro era cheio de reviravoltas e Paul Verhoeven, como de hábito, criou um filme bastante violento, mas empolgante. A versão de Wiseman é muito mais "clean"; o visual é claramente baseado em "Blade Runner" (1982, de Ridley Scott, também tirado de um conto de Philip K. Dick) e Colin Farrell, sem dúvida, é melhor ator que Arnold Swarzenegger. O que não significa que este filme seja melhor; pelo contrário, falta a habilidade de um diretor como Verhoeven. Kate Beckinsale, apesar de bonita, está muito mal como a "esposa" de Quaid e passa o filme fazendo uma expressão forçada de vilã. Jessica Biel, como a comparsa de Quaid na resistência, se sai um pouco melhor, mas tanto seu visual quanto os figurinos são tão parecidos com os de Beckinsale que, por diversas vezes, elas se confundem. Os poucos momentos de calma são seguidos por sequências absurdas, como a passada dentro de elevadores que podem se movimentar em qualquer direção. A trama se passa toda no planeta Terra, mas o roteiro até referencia o primeiro filme em uma fala de Colin Farrell, que diz que ele sempre quis ir à Marte. O final é uma confusão de cenas de ação com as  esperadas explosões e fugas impossíveis. Prefira o original. Visto no Kinoplex Campinas.



domingo, 27 de junho de 2010

O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus

Terry Gilliam é um diretor singular. Americano, é frequentemente confundido como inglês, por ter participado do grupo humorístico britânico Monty Pyton e ter dirigido alguns filmes deles, como "Monty Pyton e o Cálice Sagrado" (1975). Dotado de uma imaginação exuberante (e mais anárquica do que, digamos, Tim Burton), Gilliam é também animador e diretor de arte, com um estilo bastante rococó e influências do teatro. Fez alguns dos filmes mais interessantes, ricos e mesmo polêmicos dos últimos trinta anos, como "Bandidos do Tempo" (1981), "Brazil - O Filme" (1985) e "As Aventuras do Barão Munchausen" (1988). Também flertou com produções mais comerciais, como os ótimos "Pescador de Ilusões" (1991), com Robin Williams e Jeff Bridges e "Os Doze Macacos" (1995), com Bruce Willis e Brad Pitt.

Em 2007, Gilliam começou a produção de seu mais novo filme, "O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus", que é bastante influenciado pelo seu próprio "Barão Munchausen", com Christopher Plummer e Heath Ledger no elenco. Como se sabe, Ledger foi encontrado morto em janeiro de 2008, o que aparentemente sepultou o filme com ele. Algum tempo depois, porém, Gilliam fez algumas modificações no roteiro e, com a ajuda de amigos como Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, além de muitos efeitos especiais, conseguiu completar o filme, que termina com a assinatura "Um filme de Heath Ledger e Amigos". O resultado é uma obra difícil de classificar. "Dr. Parnassus" tem toda a exuberância esperada de Terry Gilliam, com um visual barroco e uma trama ambiciosa e complicada. Por outro lado, ele demora a engrenar e, em alguns momentos, parece o trabalho de um editor maluco brincando de colar sequências aleatoriamente.

Christopher Plummer (excelente) é o Dr. Parnassus, um homem que fez um pacto com o Diabo (Tom Waits) para se tornar imortal. Em troca, o Diabo exigiu que ficaria com qualquer filho que Parnassus porventura tivesse. Parnassus tem uma filha, Valentina (Lily Cole, uma mistura de inocência e sensualidade) que, como nos contos de fada, seria sua até os 16 anos de idade, quando deveria ser entregue ao Diabo. O Dr. Parnassus tem mais de mil anos de idade e hoje vaga pela Inglaterra em um palco ambulante com a filha, um anão (o ótimo Verne Troyer, com as melhores frases do filme) e um ajudante chamado Anton (Andrew Garfield). Não fica muito claro exatamente o que eles oferecem em seu show ambulante, mas há um espelho mágico no palco que, quando atravessado, leva ao tal "imaginário do Dr. Parnassus", um mundo em constante mutação transformado pelas vontades de quem entra nele. A este grupo mambembe se junta Tony Shepherd (Heath Ledger), um pilantra que eles encontram enforcado (mas não morto) em uma ponte de Londres.

Ledger, aparentemente, havia filmado todas as suas cenas fora do mundo imaginário, de modo que, com sua morte, foi substituído inteligentemente por Depp, Law e Farrell nas cenas mais extravagantes do filme, passadas do outro lado do espelho e dentro da mente do Dr. Parnassus. Depp é extraordinário e rouba o filme nos poucos minutos em cena. Law é apenas correto mas Farrell é o que encarna de forma mais realista a persona de Ledger.

O roteiro (do próprio Gillian e Charles McKeown), ambicioso, mistura elementos da mitologia grega (Parnassus é inspirado no Monte Parnaso, na Grécia, que influenciou o movimento da "arte pela arte", o Parnasianismo), filosofia budista, católica e mais uma dezena de citações. Mas o produto não é livre de problemas. Como disse, a edição é por demais caótica em várias sequências e a trama, já complicada, demora a ser exposta e desenvolvida. O mundo imaginário, uma mistura de efeitos especiais em computação gráfica com tradicionais modelos em escala, varia do sublime ao cafona. O elenco é irregular, sendo que o mais fraco é o personagem Anton, de Andrew Garfield. Mas, sem dúvida, é um filme ambicioso, que evoca velhos rituais sobre o modo de se contar histórias e sua importância para, como explica uma frase do filme, manter o Universo funcionando.


quarta-feira, 4 de junho de 2008

O Sonho de Cassandra



"O Sonho de Cassandra" é mais um filme da "fase britânica" de Woody Allen. O diretor, famoso por seus filmes passados em Nova York, nos últimos anos se apaixonou por Londres e fez filmes como o bom "Machpoint" (2005) e "Scoop" (2006), que eu não assisti. Allen tem seus altos e baixos, lançando um filme novo praticamente todos os anos. É de certa forma reconfortante ver um filme que comece simplesmente mostrando os créditos (de forma simples, letras brancas em fundo preto), característica dos filmes de Allen. A equipe e elenco impressionam, como a fotografia do veterano Vilmos Zsigmond ou a trilha sonora característica de Philip Glass. No elenco, dois grandes atores, Ewan McGregor e Colin Farrell são Ian e Terry, irmãos que compram um pequeno veleiro no início do filme e o batizam de "O Sonho de Cassandra". O nome veio de um cachorro que Terry, jogador inverterado, apostou nas corridas. "Cassandra", assim me lembra a Wikipedia, vem da mitologia grega; o deus Apollo lhe deu o dom da profecia por causa de sua grande beleza, mas ela não retribuiu seu amor. Ela assim recebeu a maldição de que ninguém acreditaria em suas previsões (como a queda de Tróia, por exemplo), e teria enlouquecido.

Ian e Terry estão sempre no limite entre o risco e a malandragem. Terry (Farrell) está sempre devendo dinheiro a alguém por causa de suas apostas em corridas ou jogos de pôker. Ian (McGregor) é boa pinta e empreendedor, mas sempre sonha alto demais e engana suas namoradas usando carros esportes que ele empresta da oficina de Terry. Uma destas garotas é Angela (Haylay Atwell), uma bela atriz de teatro que aparentemente faria de tudo para conseguir um grande papel em Hollywood. O filme começa bem, mostrando as malandragens dos irmãos e sua complicada relação com os pais. A mãe (Clare Higgins, muito bem) está sempre ralhando com o pai e falando bem de um tal de "tio Howard", que seria um parente rico dono de hotéis e restaurantes em vários países do mundo. Os diálogos de Allen são interessantes e o filme, até aqui, é dirigido de forma impecável. Há uma cena curiosa (e muito bem fotografada) em que os irmãos levam as namoradas para passear no veleiro e eles estão cantando "Show me the way to go home", que remete diretamente ao clássico "Tubarão" (1975), de Steven Spielberg. Em outras palavras, algo muito errado está para acontecer, e rápido.

O problema é que o filme, de repente, perde um pouco o foco justo quando o misterioso "tio Howard" (ninguém menos que Tom Wilkinson) entra em cena. Tudo apontava para a chegada de mais um trambiqueiro, mas não é o que acontece. Aparentemente Howard é mesmo rico e bem sucedido, mas ele tem um problema. Um sócio está para testemunhar contra ele no tribunal e isso pode enviá-lo para a cadeia. Terry está devendo uma fortuna para agiotas e precisa da ajuda financeira do tio para sobreviver, assim como Ian, que tem planos de se mudar para a Califórnia com Angela. Howard, então, pede ajuda para os sobrinhos para "se livrarem" do tal sócio e, em troca, ele os ajudaria financeiramente. O filme, infelizmente, começa a decair a partir deste momento. Colin Farrell, que não é mal ator, começa a ter problemas de consciência não muito convincentes mais por culpa do roteiro do que por sua interpretação. De jovem irresponsável, mas irreverente, ele de repente passa a um alcoólatra que também tem problemas com remédios, além das crises de consciência. Allen escreve diálogos cheios de culpa freudiana que, repito, não soam muito convincentes, assim como as situações vividas pelos personagens. As cenas que levam ao crime em si tem certo suspense e sem dúvida são bem feitas, mas não são suficientes para justificar os problemas que o filme enfrenta. Allen já esteve muito melhor em "Crimes e Pecados" (1989), que também lidava com questões morais a respeito de assassinato mas de forma muito mais profunda e equilibrada. "O Sonho de Cassandra", apesar de seus bons momentos, acaba soando falso e vazio.