sábado, 28 de julho de 2012

Fausto


A história do homem sábio que vendeu a alma para o diabo em troca de conhecimento e prazer vem de um passado desconhecido. Teve várias versões em livros, peças de teatro e filmes, como as escritas pelo alemão Johann Goethe no século 19 e Thomas Mann no século 20. O diretor expressionista alemão F.W. Murnau fez um filme a respeito da lenda em 1926. A versão mais recente é do diretor russo Alexander Sokurov,  ("A Arca Russa", 2002), que  realizou um filme bem particular e, para a maioria do público, impenetrável.

Falado em alemão e com 140 minutos de duração, "Fausto" é lento e ambientado em uma Europa antiga que parece parte de um pesadelo. A direção de fotografia do francês Bruno Delbonnel é surpreendente. O filme é apresentado em uma proporção quadrada que lembra os filmes mudos do início do cinema; a imagem é mostrada através de uma máscara que limita a visão e aumenta a sensação de claustrofobia. As cores têm um tom sépia, por vezes vistas como através de uma névoa. Mesmo nesta janela quadrada e estreita, há enquadramentos de rara beleza que lembram quadros holandeses.

O filme começa com uma cena bem gráfica em que o Doutor Fausto (Johannes Zeiler) está abrindo um cadáver e retirando seus órgãos, enquanto tem uma discussão filosófica com seu assistente. Ele está à procura da "alma" do ser humano. Mesmo culto, Fausto está sempre com fome e sem dinheiro, o que o leva a uma loja de penhores que é, apropriadamente, a representação do inferno. É lá que ele conhece Maurício (Anton Adasinsky), que se recusa a penhorar o anel que Fausto lhe traz. Mas ele lhe dá comida e, aos poucos, vai se revelando para o cientista como sendo o demônio em pessoa. Interessante a questão política representada pelo fato de que o demônio é quem tem o controle do dinheiro, algo que se poderia esperar de um diretor russo como Sokurov. Em uma das várias sequências surreais do filme, Fausto conhece a jovem Margarete (Isolda Dychauk), logo após ter matado o irmão dela, por acidente, em um bar da cidade. Fausto se apaixona pela moça e, após assinar com o próprio sangue um contrato com o demônio, consegue se aproximar dela.

A trama é conduzida por Sokurov com extrema lentidão e sem muita linearidade. Há frequentes discussões filosóficas sobre a existência ou não de Deus e do bem e do mal. Fausto fica repetindo a si mesmo o início do Genesis, que diz que "no início era o verbo", mas o demônio lhe apresenta outra interpretação: "No início era o contrato". Filme difícil, clássico "filme de arte" europeu, lento, filosófico, surreal, por vezes bizarro, "Fausto" é, no mínimo, um espetáculo visual extremamente interessante, com imagens que vão do sonho ao pesadelo. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Oito anos se passaram desde os eventos relatados em "Batman: O Cavaleiro das Trevas" (2008). Gothan City está livre da ameaça dos bandidos graças a uma lei de "tolerância zero" idealizada por Harvey Dent (Aaron Eckhart) e Batman está desaparecido. Ele foi declarado culpado pela morte de Dent e, com a cidade em paz, está aposentado. Bruce Wayne vive recluso em sua mansão e as pessoas pensam nele como uma espécie de Howard Hughes. A paz, claro, está para terminar. Um Vilão (com "V" maiúsculo) está chegando à cidade; ele é Bane (Tom Hardy), um gigante musculoso e assustador que fala com a voz distorcida por uma máscara. Retomando a trama de "Batman Begins" (2000), Bane é um membro da "Liga das Sombras", organização liderada por Lian Neeson que planejava reduzir Gothan City a cinzas.

"O Cavaleiro das Trevas Ressurge" é o capítulo final da franquia regida por Christopher Nolan, diretor que, apesar de extremamente competente, não é conhecido nem pela modéstia ou pela humildade; Nolan gosta de espetáculos grandiosos e um pouco auto-importantes demais. Há quem o ache um gênio, enquanto outros o consideram um charlatão competente. O fato é que, com apenas 42 anos, o britânico Nolan conquistou um lugar entre os grandes diretores hoje no cinemão americano. O espectador que conseguir passar por cima da mão pesada do diretor vai gostar bastante deste episódio final do Homem Morcego. O filme tem 164 minutos de duração e muito pouco humor, e seria mais fácil de digerir se não se levasse tanto a sério. É o tipo de filme de super-herói que não faz auto-paródia, como "Os Vingadores", por exemplo.

Nolan trabalha com um elenco que o acompanha não só desde o primeiro "Batman", mas muitos deles também trabalharam com ele em "A Origem" (2010), como Michael Caine (o mordomo Alfred), Tom Hardy (irreconhecível como Bane), Joseph Gordon-Levitt (o policial Blake) e a francesa Marion Cotillard (Miranda Tate). Morgan Freeman volta como o "professor pardal" Lucius Fox e Gary Oldman reassume o papel do Comissário Gordon. Anne Hathaway estréia como a Mulher Gato, que não é necessariamente uma vilã. Christian Bale interpreta novamente Wayne e Batman. A trama é, como todo roteiro de Nolan, complicada. Bane se apodera de um reator desenvolvido pelas empresas Wayne que geraria energia limpa para a cidade de Gothan, mas que nunca havia sido usado porque Bruce Wayne temia, com razão, que ele pudesse ser transformado em uma arma. É exatamente o que faz Bane, com a ajuda de um cientista russo que ele captura em uma sequência espetacular que abre o filme. De posse da bomba nuclear, Bane faz toda cidade de Gothan de refém, cortando as ligações com o resto do mundo. Gothan, neste filme, foi filmada em Nova York, e não em Chicago, como nos outros filmes, para reforçar o isolamento da ilha de Manhattan.

(AVISO DE SPOILERS) Bane destrói a Bolsa de Valores, implode um estádio de futebol americano (em uma cena espetacular já revelada nos trailers) e faz um discurso aos cidadãos da cidade que é uma mistura de anarquismo com um socialismo deturpado. Muito pesado para um filme de super-heróis? Talvez, mas este é o cinema de Christopher Nolan. E onde está Batman, em meio a tudo isso? Ele, ou Bruce Wayne, está no fundo de um poço/prisão daqueles que só existem em filmes, pois dão ao herói a chance de escapar (um vilão de verdade simplesmente mataria Bruce Wayne, mas aí não teríamos o filme, certo?). Pena que, depois de tanta pompa e circunstância, o final de "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge" caia no clichê de uma luta corpo a corpo e em uma bomba daquelas que tem um contador grande e vermelho mostrando quantos segundos faltam para ela explodir. Apesar disso tudo, para quem gosta de um filme lento e bem feito, "Batman" é bom de se ver. Nolan, indo na contra-mão do cinema digital, é dos diretores que ainda usam película para filmar e, mais louvável ainda, se recusou a fazer o filme em três dimensões, como dita a "moda" corrente. Assim como nos outros capítulos, partes do filme foram filmadas em sistema IMAX, com película de bitola de maior resolução, o que dá ao filme um visual espetacular. E apesar de estar sendo divulgado como o último filme do super-herói, o final deixa aberta a porta para possíveis continuações.

sábado, 21 de julho de 2012

Valente

O estúdio Pixar se notabilizou por trazer à animação um sopro novo, fugindo das tradicionais histórias de princesas pelas quais Walt Disney construiu seu império. Filmes como "Toy Story", "Procurando Nemo", "Os Incríveis", "Monstros S.A", etc, eram não só tecnologicamente avançados como traziam histórias originais e divertidas. Os tempos mudaram. A Pixar cresceu tanto que acabou embarcando a Disney e hoje são um só gigante da animação, e a empresa vive uma crise de identidade. Se, por um lado, o ótimo "Enrolados" continuava a tradição dos filmes de princesa da Disney, os filmes da própria Pixar, como o desastroso "Carros 2" ou mesmo o bom "Toy Story 3" mostraram o desgaste do estúdio de John Lasseter. Entre os trailers para "Valente" estava um sobre uma continuação desnecessária de "Monstros S.A.", que não promete ser grande coisa. Será que a empresa perdeu a originalidade?

Chegamos então a "Valente", animação que, da Pixar, só tem a qualidade técnica excelente. Ele funciona melhor como filme de princesa da Disney, e deve ser encarado desta forma. Merida é uma princesa na Escócia medieval com longos cachos ruivos. Assim como a Pequena Sereia, ela não quer seguir a educação tradicional imposta pelos pais e vive brigando com a mãe, que é mandona e cheia de regras. Para complicar, três clãs rivais chegam ao reino com a intenção de disputar um torneio; a tradição diz que o primogênito do clã vencedor ganhará a mão da princesa. Merida foge dos pais e faz um pacto com uma bruxa que vive no meio da floresta. Um feitiço acaba transformando a mãe de Merida em um gigantesco urso pardo, o animal que o pai de Merida, o rei Fergus, mais odeia no mundo. Ele perdeu uma perna para um urso há muitos anos, quando a filha era criança, e havia jurado vingança.

"Valente" é escrito e dirigido por Branda Chapman e Mark Andrews; Chapman foi a primeira mulher a dirigir um longa-metragem de animação de um grande estúdio, o ótimo "Príncipe do Egito" (1998), na DreamWorks, e Andrews trabalhou como desenhista de storyboards em vários filmes. A técnica em "Valente" é excelente, embora o visual não seja exatamente original, lembrando muito "Como treinar seu dragão", filme da DreamWorks de 2010. Duas coisas difíceis de se fazer em computação gráfica, cabelo e água, em "Valente" são apresentados em sua melhor forma. O roteiro, que se arrasta um pouco na primeira parte, melhora bastante a partir da transformação da rainha em urso. Há uma cena muito boa (e tecnicamente impressionante) em que Merida tenta ensinar à mãe como pescar com as próprias mãos em um rio. Os três irmãos mais novos de Merida, gêmeos e ruivos como a irmã, servem para criar cenas engraçadas para as crianças da platéia. De inovação mesmo, "Valente" traz apenas o fato de que, produto genuíno do novo milênio, não há a necessidade de um "príncipe encantado" para criar um final feliz. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

PS: Antes do filme começar, há a exibição de um curta-metragem chamado "La Luna", sobre três gerações de homens que poderiam ser descritos como "faxineiros" da Lua. O curta de animação é muito bem feito e extremamente poético. 

sábado, 14 de julho de 2012

Na Estrada

"On the road" foi lançado por Jack Kerouc em 1957, anos depois que seus manuscritos originais, datilografados nervosamente sobre rolos compridos de papel, foram escritos. O livro descrevia as aventuras de Kerouac e seu amigo Neal Cassady pelas estradas dos Estados Unidos. Era o final dos anos 40, o país vivia a euforia do pós-guerra e uma legião de jovens encontrava-se sem rumo. O jazz antecipava a revolução que seria incorporada pelo rock ´n roll e as drogas eram experimentadas em doses crescentes. A saga real de Kerouac e Cassady foi compartilhada com nomes como do poeta Allen Ginsberg e William S. Burroughs, mas todos tiveram seus nomes trocados por exigência das editoras.

O livro se tornou um marco da chamada "geração beat" e conquistou milhares de seguidores, imitadores e influenciou o movimento hippie dos anos 1960, assim como bandas de rock como "The Doors", nas letras de Jim Morrison. Francis Ford Coppola comprou os direitos para uma adaptação cinematográfica nos anos 80, mas só agora o filme foi feito, sob direção do brasileiro Walter Salles, que construiu uma carreira à base de "filmes de estrada" como "Central do Brasil" (1998) e, principalmente, "Diários de Motocicleta" (2004). Salles enfrentou uma tarefa inglória. Como agradar aos fãs de uma obra incensada por quase meio século? Exibido no último Festival de Cannes, "Na Estrada" foi em geral mal recebido pela crítica, com muitos torcendo o nariz para a visão de Salles das aventuras de Kerouac. Visto como cinema, colocando de lado toda a carga extra-filme que a história carrega, "Na Estrada" é uma obra tremendamente bem feita e ambiciosa. E o livro, sim, está na tela, em roteiro adaptado por Jose Rivera. Sal Paradise (o britânico Sam Riley, que foi Ian Curtis em "Control") é um aspirante a escritor que conhece o poético e hiperativo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, de "Tron - O Legado") na Nova York dos anos 1940. Moriarty inspira Paradise a por o pé na estrada e partir para o mítico Oeste americano, vivendo a vida no limite. Há cenas bastante parecidas com o livro de Kerouac, como a que mostra Moriarty estacionando carros em alta velocidade em seu emprego de manobrista, e a edição de François Gédigier (que montou "Dançando no Escuro", de von Trier) tenta emular a técnica do fluxo de consciência usada por Kerouac.

Kristen Stewart, bem longe de suas interpretações insípidas da saga "Crepúsculo", é a jovem musa de Moriarty (e Paradise), Marylou. Ela é uma das forças inspiradoras que movem o insaciável Dean Estados Unidos afora, para Denver, São Francisco e dezenas de outros lugares pelo caminho. A outra mulher na vida de Moriarty é Camille (Kirsten Dunst), com quem tem uma filha e constantes brigas. A direção de fotografia de Eric Gautier (que havia trabalhado com Salles em "Diários de Motocicleta") é ótima, e a reconstituição de época de "Na Estrada" é uma verdadeira máquina do tempo, transportando o espectador para bares de jazz esfumaçados, rodovias cheias de carros antigos, paradas e ônibus, estações de trem e campos de algodão dos anos 1940. O design sonoro também é inspirado; o som duro da terra caindo sobre o túmulo do pai de Sal Paradise, as gotas de água batendo no pára-brisas do veloz Hudson com o qual eles cruzam o país, a respiração febril de Paradise, doente, no México.

O filme é um pouco arrastado para um público acostumado a blockbusters. E Salles talvez tenha posto muita ênfase à parte sexual da aventura, embora se possa imaginar, no livro, que grande parte do tempo de Paradise foi, de fato, passado escutando os gemidos de alguma parceira de Moriarty. Tanto Kristen Stewart quando a brasileira Alice Braga aparecem nuas e em cenas de sexo "ousadas" para o padrão do cinema atual. O elenco ainda conta com algumas participações especiais, a melhor delas feita por Viggo Mortensen como Old Bull Lee (na verdade, William S. Burroughs), em uma sequência passada no Sul americano. A mais bizarra é protagonizada por Steve Buscemi, que Salles declarou, em entrevista, ter escalado pois "não existe filme independente sem Steve Buscemi".

Se "Na Estrada" faz jus à geração beat, à contracultura, aos anos 1960 e todo esse caldeirão cultural é discutível (e, provavelmente, impossível para um único filme); mas é bom cinema, com interpretações competentes e parte técnica impecável. Visto no Kinoplex Campinas.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Espetacular Homem-Aranha

Crianças gostam de escutar a mesma história várias vezes. Assistem ao mesmo desenho animado repetidamente, pedem para os pais lerem a mesma história antes de dormir todas as noites. Hollywood, acusada há tempos de infantilizar as plateias do mundo, já se aproveitava desta característica humana fazendo continuações desnecessárias de filmes de sucesso, arrecadando bilheterias astronômicas apostando no que é certo, ao invés de arriscar em novas histórias.

Eis que surge um "novo" Homem-Aranha, lançado apenas cinco anos desde que o "velho" Homem-Aranha voava pelos prédios de Nova York em "Homem-Aranha 3", em 2007; há meros dez anos, Tobey Maguire interpretava Peter Parker, o jovem fotógrafo que era picado por uma aranha geneticamente modificada e se transformava em um super-herói. O filme de Sam Raimi foi um grande sucesso e teve uma segunda parte, ainda muito boa, seguida por um terceiro filme longo e decepcionante.

Seja para mudar a má impressão deixada pelo terceiro filme, ou para começar outra franquia de sucesso, os estúdios da Marvel fazem um reboot no personagem e começam tudo de novo, agora com Andrew Garfield (de "A Rede Social") no papel de Parker. Tirando todas as considerações de marketing de lado e o fato de que "O Espetacular Homem-Aranha" é um filme desnecessário, a produção dirigida por Marc Webb é competente e divertida. Garfield faz um Peter Parker menos "chorão" que Maguire, e o roteiro segue por outro caminho na história do personagem. Antes mesmo do trauma de ver o Tio Ben (Martin Sheen) ser morto por um bandido, Peter Parker começa o filme como uma criança que é abandonada por pai e mãe. O pai era um geneticista que, junto com um colega misterioso chamado Curt Connors (Rhys Ifans), estava desenvolvendo um soro capaz de transferir as características regenerativas de certos animais para os seres humanos. É uma das aranhas criadas pela Oscorp, empresa onde o pai de Parker trabalhava, que pica Peter Parker e o transforma no Homem-Aranha. Connors é um cientista que não tem o braço direito e sonha com a possibilidade de ser "curado". Claro que algo dá errado e, após uma overdose do soro, ele se transforma em um lagarto gigante que aterroriza Nova York. O roteiro, bem humorado, faz as piadas apropriadas relacionando o fato aos filmes japoneses de Godzilla.

Kirsten Dusnt é substituída por Emma Stone ("Amor a Toda Prova") e seus grandes olhos azuis no papel de Gwen Stacy, o novo interesse romântico de Parker. O Homem-Aranha sempre foi o super-herói mais adolescente do cartel da Marvel, e grande parte do filme se passa nos corredores do ginásio onde Parker e Gwen estudam. Há boas cenas românticas entre os dois e o roteiro surpreende pela rapidez com que Peter Parker revela seu segredo a algumas pessoas. Denis Leary, ótimo ator coadjuvante, está bem como um íntegro capitão de polícia que não gosta nada quando o Aranha começa a perseguir bandidos pela cidade. Mas "O Espetacular Homem-Aranha", apesar de bom, não deixa de ser mais do mesmo; continuações são esperadas. Divertido, mas desnecessário.