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sábado, 10 de janeiro de 2015

Whiplash: Em Busca da Perfeição

"Não há duas palavras mais prejudiciais na nossa língua do que 'bom trabalho'", diz o professor ao aluno. Esta é a visão de Terence Fletcher (J.K. Simmons, extraordinário), o exigente professor de um conservatório de música de Nova York. Seu aluno é Andrew Neyman (Miles Teller, de "Divergente"), um garoto de 19 anos que colocou na cabeça que vai ser o melhor baterista de jazz do mundo. 

Nenhum dos dois é muito simpático, o que é um dos trunfos do filme, que não tenta fazer de Andrew um "coitadinho" nas mãos de Fletcher. Em um mundo ultra competitivo como o da música em Nova York, talento e força de vontade não são o suficiente. "Whiplash" mostra que é necessário treinar e treinar e treinar mais um pouco; e se aparecer a oportunidade de tomar o lugar de outro colega na banda do conservatório, não se deve pensar nem um segundo.

Há entre Fletcher e Andrew mais do que uma relação professor-aluno. O filme lembra mais histórias militares como "Nascido para Matar" (1987), de Stanley Kubrick, e "A força do destino" (1982), de Taylor Hackford, em que um sargento durão abusa física e verbalmente de algum pobre recruta, do que outros filmes sobre música (como "A competição", 1980). Damien Chazelle, o jovem roteirista e diretor, colocou o ator Miles Teller para treinar com um baterista de verdade (Nate Lang, que interpreta o rival de Andrew, Carl) por mais de dois meses, quatro horas por dia. O resultado é bastante convincente. (leia mais abaixo)


Apesar do jazz permear todo o filme, "Whiplash" é mais sobre obsessão e ambição do que música propriamente dita. Andrew chega a colocar um pote com gelo ao lado da bateria para, de tanto em tanto tempo, mergulhar as mãos ensanguentadas de tanto ensaiar. Filho de um escritor frustrado (Paul Reiser, da série "Mad about you", aparentando os 58 anos) e abandonado pela mãe quando criança, Andrew não tem amigos, é solitário e demora para criar coragem para chamar Nicole, que trabalha em um cinema, para sair. A doce cena em que os dois saem para jantar é dos poucos momentos calmos do filme. O resto é um infindável duelo entre a obsessão de Andrew em ser o "número um" e a determinação do professor Fletcher em destruí-lo por puro prazer. J.K. Simmons está excelente. Ele comanda cada cena com um olhar penetrante e um modo de se portar que mostra um homem controlado em cada movimento das mãos, cada virada de página da partitura.

(ATENÇÃO SPOILERS)

O final, apesar de emocionante e o ápice musical do filme, é um pouco contraditório. Ou, talvez, irônico. Fletcher, apesar de todos os seus métodos de tortura física e emocional (ou por causa deles) acaba conseguindo fazer com que Andrew atinja a perfeição. O duelo entre os dois por toda a sequência final é brilhantemente orquestrado pela direção de Chazelle e pela edição de Tom Cross. Inimigos declarados, professor e aluno acabam experimentando uma conexão quase cósmica através da música. Valeu a pena? É discutível. Se há algo que possa ser criticado quanto a "Whiplash" (sem dúvida um dos melhores filmes do ano) é sobre o quão pouco o filme parece gostar de música. Fletcher e Andrew não aparentam gostar do que fazem. A música, ao invés de arte, acaba parecendo mais uma daquelas competições de longa distância. O filme poderia ter sido sobre um professor de atletismo e um rapaz obcecado em atravessar o deserto do Saara a pé. Ao som de Duke Ellington, claro, fica melhor ainda.

ps: "Whiplash" foi indicado a cinco prêmios BAFTA (o "Oscar" britânico), e J.K. Simmons (também indicado a um Globo de Ouro) é grande candidato a uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante.

João Solimeo

sábado, 14 de julho de 2012

Na Estrada

"On the road" foi lançado por Jack Kerouc em 1957, anos depois que seus manuscritos originais, datilografados nervosamente sobre rolos compridos de papel, foram escritos. O livro descrevia as aventuras de Kerouac e seu amigo Neal Cassady pelas estradas dos Estados Unidos. Era o final dos anos 40, o país vivia a euforia do pós-guerra e uma legião de jovens encontrava-se sem rumo. O jazz antecipava a revolução que seria incorporada pelo rock ´n roll e as drogas eram experimentadas em doses crescentes. A saga real de Kerouac e Cassady foi compartilhada com nomes como do poeta Allen Ginsberg e William S. Burroughs, mas todos tiveram seus nomes trocados por exigência das editoras.

O livro se tornou um marco da chamada "geração beat" e conquistou milhares de seguidores, imitadores e influenciou o movimento hippie dos anos 1960, assim como bandas de rock como "The Doors", nas letras de Jim Morrison. Francis Ford Coppola comprou os direitos para uma adaptação cinematográfica nos anos 80, mas só agora o filme foi feito, sob direção do brasileiro Walter Salles, que construiu uma carreira à base de "filmes de estrada" como "Central do Brasil" (1998) e, principalmente, "Diários de Motocicleta" (2004). Salles enfrentou uma tarefa inglória. Como agradar aos fãs de uma obra incensada por quase meio século? Exibido no último Festival de Cannes, "Na Estrada" foi em geral mal recebido pela crítica, com muitos torcendo o nariz para a visão de Salles das aventuras de Kerouac. Visto como cinema, colocando de lado toda a carga extra-filme que a história carrega, "Na Estrada" é uma obra tremendamente bem feita e ambiciosa. E o livro, sim, está na tela, em roteiro adaptado por Jose Rivera. Sal Paradise (o britânico Sam Riley, que foi Ian Curtis em "Control") é um aspirante a escritor que conhece o poético e hiperativo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, de "Tron - O Legado") na Nova York dos anos 1940. Moriarty inspira Paradise a por o pé na estrada e partir para o mítico Oeste americano, vivendo a vida no limite. Há cenas bastante parecidas com o livro de Kerouac, como a que mostra Moriarty estacionando carros em alta velocidade em seu emprego de manobrista, e a edição de François Gédigier (que montou "Dançando no Escuro", de von Trier) tenta emular a técnica do fluxo de consciência usada por Kerouac.

Kristen Stewart, bem longe de suas interpretações insípidas da saga "Crepúsculo", é a jovem musa de Moriarty (e Paradise), Marylou. Ela é uma das forças inspiradoras que movem o insaciável Dean Estados Unidos afora, para Denver, São Francisco e dezenas de outros lugares pelo caminho. A outra mulher na vida de Moriarty é Camille (Kirsten Dunst), com quem tem uma filha e constantes brigas. A direção de fotografia de Eric Gautier (que havia trabalhado com Salles em "Diários de Motocicleta") é ótima, e a reconstituição de época de "Na Estrada" é uma verdadeira máquina do tempo, transportando o espectador para bares de jazz esfumaçados, rodovias cheias de carros antigos, paradas e ônibus, estações de trem e campos de algodão dos anos 1940. O design sonoro também é inspirado; o som duro da terra caindo sobre o túmulo do pai de Sal Paradise, as gotas de água batendo no pára-brisas do veloz Hudson com o qual eles cruzam o país, a respiração febril de Paradise, doente, no México.

O filme é um pouco arrastado para um público acostumado a blockbusters. E Salles talvez tenha posto muita ênfase à parte sexual da aventura, embora se possa imaginar, no livro, que grande parte do tempo de Paradise foi, de fato, passado escutando os gemidos de alguma parceira de Moriarty. Tanto Kristen Stewart quando a brasileira Alice Braga aparecem nuas e em cenas de sexo "ousadas" para o padrão do cinema atual. O elenco ainda conta com algumas participações especiais, a melhor delas feita por Viggo Mortensen como Old Bull Lee (na verdade, William S. Burroughs), em uma sequência passada no Sul americano. A mais bizarra é protagonizada por Steve Buscemi, que Salles declarou, em entrevista, ter escalado pois "não existe filme independente sem Steve Buscemi".

Se "Na Estrada" faz jus à geração beat, à contracultura, aos anos 1960 e todo esse caldeirão cultural é discutível (e, provavelmente, impossível para um único filme); mas é bom cinema, com interpretações competentes e parte técnica impecável. Visto no Kinoplex Campinas.



sábado, 18 de junho de 2011

Meia-noite em Paris

Woody Allen volta em um dos seus filmes mais belos e nostálgicos. Após filmar em Londres e Barcelona, Allen agora pinta Paris com uma fotografia dourada que, no início do filme, até faz uma homenagem com a cidade; por vários minutos, vê-se os pontos turísticos de Paris em toda a sua glória. É, ao mesmo tempo, um clichê e uma novidade; onde estão os famosos créditos brancos sobre fundo preto, costumeiros de Allen? Eles surgem, rápidos, após as imagens da cidade, e o filme se inicia.

A princípio, é a típica trama de Woody Allen. Owen Wilson (imitando Allen) é Gil Pender, um roteirista de cinema que é bem sucedido, mas está infeliz com os filmes superficiais que escreve. Ele se encontra em Paris com a noiva mimada e mandona, Inez (Rachel McAdams) e os sogros autoritários. Estão na cidade a negócios do pai de Inez, mas Gil quer se inspirar para terminar seu livro. Paris é a mítica cidade para onde os artistas iam para criar, e Gil que seguir os passos de Ernest Hemingway, entre tantos outros. A noiva mal presta atenção a ele e os sogros o acham um lunático. Para piorar, eles encontram um amigo de Inez, Paul (Michael Sheen) que é especialista em todos os assuntos possíveis, de vinho tinto a arte impressionista. Gil, o típico anti-herói "Alleniano", sente-se diminuído.

É então que a "mágica" acontece. Uma noite, perdido pelas ruas de Paris, Gil escuta o relógio dar doze badaladas e um carro antigo para na rua. Ele entra e, de repente, vai parar nos anos 20, que considera a "era dourada" de Paris. Começa então uma série de situações engraçadas e surpreendentes. Em uma festa, Gil encontra Scott e Zelda Fitzgerald. Ao piano, Cole Porter canta uma de suas obras primas. Em uma mesa de bar está Ernest Hemingway (Corey Stoll), que se recusa a ler o livro de Gil: "Se for ruim, vou odiar sua mediocridade. Se for bom, vou odiar minha inveja", diz Hemingway, que leva o manuscrito para Gertrude Stein (sim, Kathy Bates). Na casa de Stein, Gil conhece um pintor chamado Pablo Picasso, que está com sua nova amante, Adriana (a bela Marion Cotillard). Gil, é claro, se apaixona instantaneamente pela garota.

O roteiro de Allen mistura sequências passadas nos anos 20, noturnas, com outras contemporâneas, em que Gil tem que lidar com o estresse da noiva e a desconfiança dos sogros. Aos poucos, porém, sua autoconfiança cresce e ele passa a enfrentar o pedantismo do "sabe tudo" Paul e a conversa conservadora do sogro, republicano tradicional (que odeia a França). Claro que o noivado de Gil e Inez está com os dias contados, mas como resolver o problema de estar apaixonado por uma mulher dos anos 20? Há uma sequência ótima em que Gil tem uma conversa sobre o assunto com ninguém menos que Salvador Dalí (Adrien Brody, ótimo), Luiz Buñuel (Adrien de Van) e Man Ray (Tom Cordier) que, surrealistas, acham tudo muito normal.

A direção de fotografia, excelente, é do iraniano Darius Khondji, que já trabalhou com David Fincher em "Se7en" (1995) e "Quarto do Pânico" (2002). Há alguns planos muito bem feitos em "Meia-noite em Paris", como quando Gil, Inez, Paul e a esposa visitam o palácio de Versalhes, feito em plano-sequência. O roteiro, apesar de nostálgico, é paradoxalmente atual em mostrar que, em todas as eras, há pessoas que acham que o passado é melhor. Os anos 20 podem ter sido fantásticos mas, é de se pensar, não havia filmes de Woody Allen.