terça-feira, 29 de abril de 2014

Divergente

"Divergente" tem duas horas e vinte minutos de duração, tempo mais do que o suficiente para expor as premissas e desenvolvê-las. Então por que é que tudo tem que ser explicado à exaustão? Será que o público adolescente é assim tão incapaz de entender o que está se passando na tela sem que um narrador fique explicando tudo? Fora o fato de que o filme é baseado em mais uma franquia de livros juvenis, à exemplo de "Jogos Vorazes", o que torna estas explicações redundantes para a maioria da platéia.

Em um futuro não muito distante, Chicago foi devastada pela guerra e está separada do mundo exterior por um muro alto. A sociedade, para sobreviver, se dividiu em cinco facções, Erudição, Amizade, Abnegação, Audácia e Franqueza. Cada uma destas facções preza uma virtude e se dedica a uma atividade, como agricultura, judiciário, serviços sociais, defesa, etc. As crianças nascidas dentro de cada facção passam, aos 16 anos, por um teste que vai determinar se elas continuam na facção da família ou se mudam para outra (Grifinóia, Sonserina... opa, franquia errada). Beatrice Prior (Shailene Woodley, de "Os Descendentes") nasceu na Abnegação, mas seus olhos brilham quando ela vê os musculosos, vibrantes e alegres membros da Audácia correndo na rua. Sinceramente, é meio difícil imaginar qualquer adolescente que não gostaria de fazer parte da Audácia, levando uma vida de aventuras, ao invés de plantar batatas com o pessoal da Amizade. De qualquer forma, depois do teste os jovens ainda passam por uma cerimônia de Escolha, onde os escolhidos de cada facção vão lutar nos Jogos Vorazes...ou melhor...cada adolescente, independente do resultado do teste, escolhe a facção em que deseja passar o resto da vida. Mesmo em um mundo em que todas as pessoas que você conhece moram em uma única cidade e todos se beneficiariam de um contato maior, as leis deste mundo distópico ditam que os adolescentes fiquem privados da companhia da família e amigos para sempre, caso resolvam mudar de facção. (leia mais abaixo)



Beatrice, claro, é diferente dos outros, e seu teste mostra que ela é uma "Divergente", uma pessoa que não se encaixa perfeitamente em nenhuma das facções. Ou seja, ela é uma adolescente normal, mas neste mundo ser "divergente" pode ser um problema, já que os membros da Erudição vêem com maus olhos qualquer um que tenha um comportamento diferente. Ela escolhe a turma da Audácia, muda o nome para "Tris", e tem que lidar com os abusos do cruel líder da facção, Eric (Jai Courtney), e a atenção do misterioso e atraente "Quatro" (Theo James).

O filme é baseado na obra da escritora Veronica Roth e é o primeiro de uma nova série cinematográfica adolescente. A direção é de Neil Burger, que tem no currículo o interessante "O Ilusionista" (2006), mas que aqui se limita ao básico. "Divergente" tem um visual inventivo e efeitos especiais corretos. Os jovens atores, em especial Shailene Woodley, não fazem feio e têm algum carisma. A trilha sonora é tão genérica que os créditos dizem apenas que ela foi "supervisionada" por Hans Zimmer. O ritmo é desnecessariamente lento, resultado da necessidade do roteiro de explicar tudo dezenas de vezes. Kate Winslet faz uma participação especial (gravada em uma semana) em que ela se limita a andar pelo cenário com uma expressão fria e um sinal de "vilão" flutuando sobre a cabeça. Tudo resulta em um confronto final confuso e mal conduzido por Burger e equipe. Woodley tem uma boa cena de perda em que consegue expressar alguma emoção, mas logo tudo é engolido pela correria e explosões previsíveis. Como é uma obra em aberto, o final é genérico, com mais narrações e perguntas a serem respondidas nos próximos filmes, o que enfraquece ainda mais o roteiro. Onde é que estão os bons filmes com começo, meio e fim?

Câmera Escura

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Side by Side

Quando estava filmando "Zodíaco" com David Fincher, Robert Downey Jr. resolveu fazer um protesto. O fato do filme estar sendo captado em digital significava que não havia mais as pausas comuns em sets de filmagem para recarregar as câmeras com os rolos de filme, e Fincher fazia os atores trabalhar por 14 horas seguidas. Downey Jr. começou a urinar em potes de vidro e espalhar pelo set, para mostrar que ele precisava parar de vez em quando.

Esta é uma das boas histórias ouvidas no ótimo documentário "Side by Side" ("Lado a Lado", não lançado no Brasil), uma investigação feita pelo ator Keany Reeves sobre uma mudança de paradigma na produção cinematográfica, de película para digital. Por um século, filmes foram feitos usando a película cinematográfica de 35mm (ou, em algumas ocasiões, de 16mm ou 65mm), o que tinha vantagens e desvantagens. A película funciona através de um processo fotoquímico; a luz passa pelas lentes da câmera e impressionam uma tira de filme coberta com material sensível. O filme, depois de exposto, tem que ser revelado (em negativo) e impresso em uma cópia positiva, que era assistida pelo diretor e equipe apenas no dia seguinte às filmagens. A qualidade é excelente, mas o processo é caro e só o Diretor de Fotografia era responsável pela captação das imagens.

No digital a imagem é capturada por um chip eletrônico que, no início, tinha qualidade muito inferior à película cinematográfica, mas havia algumas vantagens; as câmeras digitais são menores, mais leves e portáteis que as pesadas câmera de cinema. Também é possível gravar tomadas com até quarenta minutos de duração (ao contrário dos dez minutos, no máximo, de uma câmera de cinema). Diretores como David Lynch e Danny Boyle contam como isso lhes deu enorme liberdade para lidar com os atores, que podiam interpretar longas cenas sem ter que ficar esperando que as câmeras de cinema fossem recarregadas. Já Christopher Nolan diz que os atores e a equipe não conseguem ficar concentrados por tanto tempo e precisam de uma pausa técnica de vez em quando.


Keanu Reeves explora esta mudança de película para digital não só na captação das imagens, mas também na edição e pós-produção. Até a década de 1990 os filmes eram montados manualmente; os editores trabalhavam diretamente com a película em grandes máquinas chamadas "moviolas". Martin Scorsese conta como as pontas dos dedos chegavam até a sangrar de tanto se cortar e colar pedaços de película com as mãos. Tudo mudou com a chegada de programas de edição como o Avid ou o Final Cut, que trabalham com uma versão digitalizada da película, que era escaneada e transferida para dentro do computador. Também os efeitos especiais, antes feitos com processos físicos caros e demorados, passaram a ser feitos digitalmente no computador. Com a captação das imagens feita em digital, todo este processo de digitalização da película não existe mais.

Scorsese levanta a questão de que, hoje, o espectador não sabe mais o que é "real" na tela. James Cameron, diretor de Avatar (que tem 3/4 das imagens criadas totalmente em computador) rebate dizendo que, no cinema, nunca se filmou a realidade. "O que é real?", pergunta ele a Keanu Reeves. "Há dezenas de pessoas em um set de filmagem, há um cara segurando o boom do microfone, há um técnico em cima da escada mostrando o traseiro. Nada disso é real". O surgimento de câmeras digitais especializadas em cinema, como a RED e a ARRI Alexa, aparentemente, enterraram de vez a película cinematográfica. "Eu tenho vontade de ligar para a película e dizer que conheci outra pessoa", diz Steven Soderbergh, que é um dos defensores do cinema digital. Há diretores como Steven Spielberg, Christopher Nolan, Zach Syder e Martin Scorsese, porém, que ainda trabalham com película, e vários filmes ainda são feitos em filme em Hollywood. Mas o fim da película é inevitável.

Tudo isso pode parecer técnico ou nerd demais para o espectador comum, mas o documentário levanta questões que interessam a todos. Esta mudança do analógico para digital não engloba só o cinema, mas praticamente tudo à nossa volta. Transações bancárias, divulgação de notícias, compartilhamento de música e várias outras coisas passaram por esta transformação e ainda não sabemos qual impacto isso terá no futuro. Um dos maiores problemas levantados por "Side by Side" é com relação à preservação desta enorme quantidade de material digital. Os filmes em película podem durar mais de um século. Qual a validade de um disco rígido de computador? O que vai acontecer com todos estes filmes digitais feitos nos últimos anos? Ou será que nada disso importa, e estamos vivendo em uma cultura descartável, que vai desaparecer em poucos anos? São questões importantes para entendermos o mundo de hoje.

Site oficial (o filme está disponível "on demand" apenas para os Estados Unidos, mas pode ser encontrado na internet)


domingo, 13 de abril de 2014

Capitão América 2 - O Soldado Invernal

Eis que o Capitão América, que teve um primeiro filme simpático e bastante tranquilo, retorna em uma aventura de ação de tirar o fôlego. Steve Rogers (Chris Evans), o soldado americano que ficou congelado desde a 2ª Guerra Mundial e é o protótipo do "bom moço", volta nesta continuação quase como um Jason Bourne vestido de vermelho, azul e branco. Rogers se tornou soldado durante a última guerra "justa" da Humanidade, a 2ª Guerra Mundial, em que derrotar os nazistas era sinônimo de integridade e luta pela liberdade. Já este segundo filme embarca de cabeça na mentalidade pós guerras do Iraque e atentado de 11 de setembro. Nada é preto e branco e os interesses militares dos americanos no mundo são bastante discutíveis.

A aventura abre com uma operação de resgate em que o Capitão América e um grupo de soldados especiais retomam o controle de um navio da agência SHIELD invadido por piratas. Rogers desce primeiro e, armado apenas com seu escudo inviolável e as habilidades de um ninja, neutraliza uma dúzia de piratas com golpes de artes marciais. Ele e os companheiros conseguem salvar os reféns, mas a Viúva Negra/Natasha Romanoff (Scarlett Johansson, que já interpretou o papel em "Homem de Ferro 2" e "Os Vingadores") quase põe tudo a perder durante uma operação de transferência de dados dos computadores do navio. O Capitão América tem uma grande discussão com o líder da SHIELD, Nick Fury (Samuel L. Jackson), sobre um plano fascista da agência de colocar em órbita grandes naves armadas que assassinariam qualquer pessoa considerada uma "possível ameaça" à Humanidade. "Antigamente a pena capital era aplicada somente depois do crime", diz o Capitão América. É então que tudo começa a acontecer muito rápido. Fury (em uma cena de ação espetacular) sofre um atentado e o Capitão América é considerado fugitivo depois de um "acontecimento" (que não vou revelar para não estregar a surpresa). O grande ator veterano Robert Redford (de "Até o fim") interpreta um conselheiro da SHIELD chamado Alexander Pierce, que tem um passado com Nick Fury e motivações discutíveis. (leia mais abaixo)



E o tal "Soldado Invernal"? Para quem tem o nome no título do filme, ele aparece bastante pouco. É um assassino profissional que usa uma máscara, tem um dos braços mecânicos e um passado que envolve o Capitão América. Para um filme supostamente infanto-juvenil, "Capitão América 2 - O Soldado Invernal" é bastante violento, com provavelmente a maior quantidade de mortes mostradas na tela de todos os filmes da Marvel. Há uma cena em que Robert Redford mata uma pessoa desarmada à queima roupa, e mesmo heroínas como a Viúva Negra tem uma quantidade de mortes impressionante. O grande problema do filme, a meu ver, é comum a todos os filmes de super heróis: quão vulnerável (ou invulnerável) é o herói? Steve Rogers é visto caindo de prédios altos, atravessando paredes e redomas de vidro e sobrevivendo a explosões. No entanto, em vários momentos os inimigos tentam matá-lo com armas comuns e até mesmo facas. Ele pode realmente morrer com uma simples facada ou tiro? A qualidade da maioria das cenas de ação e luta é bastante alta, o que é incomum nos filmes do gênero. Outro problema é a pergunta que não quer calar: onde estão os outros Vingadores enquanto tudo isso está acontecendo?

É o melhor filme da Marvel até o momento? É uma pergunta válida. É melhor que as continuações desnecessárias do "Homem de Ferro" e que qualquer filme de "Thor" e "Hulk". É menos divertido, no entanto, que "Os Vingadores". "Capitão América 2 - O Soldado Invernal" surpreende favoravelmente e termina com várias questões em aberto a serem resolvidas nos próximos filmes da franquia.

Câmera Escura

sábado, 12 de abril de 2014

House of Cards (1ª e 2ª Temporadas)

"House of Cards" é pioneira de várias formas. Foi a primeira série produzida pelo canal Netflix (provedor de conteúdo na internet que cresceu a ponto de desafiar gigantes como a HBO). Foi também pioneira na forma de exibição; tanto a primeira temporada (em 2013) quanto a segunda (em 2014) foram tornadas disponíveis na íntegra para os assinantes da Netflix. A decisão, ousada, veio da constatação de que a maioria dos fãs de seriados gosta de fazer "maratonas" de episódios das suas séries preferidas, ao invés de esperar pela próxima semana. A série foi também criada de forma nova, a partir da análise dos hábitos dos assinantes da Netflix. O canal descobriu que o público alvo gostava do diretor David Fincher (de "A Rede Social", "Zodíaco", "Se7en") e do ator Kevin Spacey ("Se7en", "Os Suspeitos", "Beleza Americana"), e assim nasceu "House of Cards". A série é baseada em uma produção britânica e em um livro de Michael Dobbs. Kevin Spacey, além de atuar, é um dos produtores; em entrevista a Jon Stewart ele disse que a Netflix gostou tando da ideia que sequer pediu a produção de um episódio piloto, encomendando logo 26 episódios a serem divididos em duas temporadas.

ATENÇÃO SPOILERS, esteja avisado.

A série acompanha a jornada do congressista Frank Underwood (Kevin Spacey), um político tão ambicioso quanto traiçoeiro. A primeira cena de Underwood já mostra seu modo de ser, quando ele mata com as próprias mãos um cachorro que está agonizando na rua após ter sido atropelado. O que pode parecer um gesto nobre, na verdade, só mostra o lado cruel e pragmático de Frank. É também um prenúncio dos crimes que Underwood irá cometer durante a série (embora, a bem da verdade, este lado assassino demore a aparecer).

Esqueça o idealismo e patriotismo de "The West Wing" (1999-2006), série de Aaron Sorkin que também mostrava os bastidores da Casa Branca e da política americana. Em "House of Cards" ninguém é inocente. Há uma multidão de personagens, todos competindo por um pedaço do poder de Washington. Frank Underwood, em uma das melhores sacadas da série, frequentemente quebra a "quarta parede" e fala diretamente com o espectador, explicando suas motivações e nos transformando em cúmplices. Depois de algum tempo, Spacey apenas lança olhares significativos para a câmera, como que querendo dizer: "Eu não disse?".

A jornalista Zoe Barnes (Kate Mara)
A primeira temporada (2013) trata, além das maquinações de Underwood para subir aos altos escalões de Washington, de outras duas tramas: uma segue a carreira da jovem e ambiciosa repórter Zoe Barnes (Kate Mara, irmã de Rooney Mara, que trabalhou com David Fincher em "A Rede Social" e em "Os homens que não amavam as mulheres"). Barnes começa como estagiária em um jornal tradicional de Washington mas, aos poucos,  consegue atrair a atenção de Frank Underwood, que lhe vaza informações conforme sua conveniência. Em troca (repito, não estamos no mundo nobre de "The West Wing"), Zoe Barnes começa um relacionamento sexual com Underwood, um homem casado e com o dobro da idade dela.

Outra trama segue os passos de Pete Russo (Corey Stoll), um deputado democrata alcoólatra que cai na teia de Frank Underwood ao ser parado pela polícia de Washington. Russo estava bêbado e acompanhado de uma prostituta, mas é solto por influência de Underwood apenas para se tornar mais um peão nos jogos de Frank. Um dos pontos altos da primeira temporada (atenção, SPOILERS) é o "suicídio" de Pete Russo, engendrado por Frank Underwood. Com a morte de Russo, o vice presidente renuncia para concorrer ao governo da Pensilvânia, deixando livre o caminho para que Underwood se torne o vice presidente dos Estados Unidos da América.

A segunda temporada (2014) começa com um dos melhores episódios de toda série. Tão bom, na verdade, que o resto da temporada acaba empalidecendo em comparação. É neste episódio que acontece a morte mais surpreendente e inesperada de "House of Cards", quando Frank Underwood elimina Zoe Barnes em uma estação de metrô. A personagem de Kate Mara era aparentemente tão importante para a trama que o espectador jamais imaginaria que ela seria descartada de forma tão rápida e chocante. O problem é que, como dito anteriormente, a força do episódio é tão grande que o resto da temporada, que culmina com a chegada de Underwood à presidência da república, perde um pouco do brilho. A segunda temporada é marcada por embates entre Underwood e o único homem capaz de ficar (temporariamente) em seu caminho, o bilionário Raymond Tusk (o ótimo Gerald McRaney). Há episódios um tanto maçantes sobre disputas comerciais, subsídios para empresas de energia e uma crise crescente com a China. O presidente Garret Walker (Michael Gill) se mostra extremamente incompetente em lidar com todos estes problemas e se torna presa fácil para o plano elaborado por Underwood. Tudo culmina com um pedido de impeachment e uma ótima cena final, em que Frank entra no Salão Oval da Casa Branca como o 46º presidente dos Estados Unidos (sem ter recebido um único voto). É uma cena forte e com uma mensagem assustadora, embora um tanto exagerada, sobre as fragilidades da democracia.

Claire Underwood (Robin Wright)

Dois grandes parênteses devem ser feitos para os personagens de Claire Underwood (Robin Wright), a esposa de Frank, e seu capataz, Doug Stamper (Michael Kelly). Claire, interpretada com enganadora fragilidade e frieza por Robin Wright, é o porto seguro por trás de Frank. Conforme a série progride ficamos sabendo que, em vários aspectos, ela é tão ou mais perigosa quanto o marido. Ela tem consciência dos casos extra-conjugais de Frank e uma trama importante envolve o caso dela com um fotógrafo famoso. Na segunda temporada, grande parte da trama é dedicada a um estupro que ela sofreu na juventude, com repercussões no presente.

Já Doug Stamper é como um cão de guarda de Frank, responsável por orquestrar os bastidores e, geralmente, lavar a roupa suja deixada pelo chefe. Alcoólatra como Pete Russo, Stamper é frio, quieto e eficiente. Seu único ponto fraco é Rachel Posner (Rachel Brosnahan), a prostituta que estava com Russo quando ele foi preso. Stamper se sente atraído pela moça, mas não necessariamente de forma sexual. Como ela tem informações que podem causar a queda de Underwood, seria mais fácil se ela "desaparecesse" convenientemente, assim como Russo e Barnes. Mas Stamper prefere protegê-la, ao mesmo tempo em que mantém um perigoso jogo de poder com ela. A interpretação de Michael Kelly é soberba e Stamper é um dos personagens mais interessantes da série.

Uma terceira temporada de "House of Cards" já foi anunciada pela Netflix, com estréia para 2015. Resta saber se os produtores e elenco vão conseguir manter o alto nível conseguido até aqui.



Câmera Escura

domingo, 6 de abril de 2014

Noé

Atenção, esta resenha contém SPOILERS. E se você acha estranho um aviso destes precedendo um texto sobre um filme bíblico, você tem razão, mas  isto só serve para mostrar o quanto o novo filme de Darren Aronofsky é...singular. Todo mundo conhece, em linhas gerais, a "trama" de Noé.  Desconsolado com a própria criação, Deus resolve matar todos os seus filhos em uma grande inundação que assolou a Terra do Velho Testamento. Apenas a família de Noé e um casal de cada animal do planeta seriam salvos pela construção de um gigantesco navio, ou Arca, que sobreviveria à tempestade. Após o dilúvio, Noé e família seriam responsáveis pelo repovoamento do planeta. Tudo muito bem.

Como contar esta história para espectadores de cinema do século 21? "Noé" poderia ter sido um filme bíblico tradicional, heterodoxo e (provavelmente), muito rentável financeiramente. Ao invés disso, os produtores resolveram ousar já na contratação do diretor Darren Aronofsky, que tem uma das carreiras mais estranhas de Hollywood. Ele começou com filmes independentes como "Pi" (1998), fez um pesado filme sobre drogas, "Réquiem para um Sonho" (2000), afundou nas bilheterias com "Fonte da Vida" (2006), realizou um "filme de luta" tradicional, "O Lutador" (2008) e alcançou Hollywood e o povão em "Cisne Negro" (2010).

Aronofsky tem um sentido visual apurado e "Noé", sem dúvida, é interessante de se ver. O planeta habitado por Noé (Russell Crowe, de "Os Miseráveis") e sua família existe em um tempo dão distante que o Universo ainda era novo, e estrelas podiam ser vistas durante o dia. Uma narração conta a história da queda do Homem após comer o "fruto proibido" no Jardim do Éden, seguida da expulsão do paraíso e o assassinato de Abel por Caim (filhos de Adão e Eva). Este então teria se separado da família e criado uma legião de seguidores frutos do pecado e da ambição. Como é que Caim conseguiu procriar sem que houvesse nenhuma outra mulher no planeta além da mãe, Eva, é algo que o filme (e a Bíblia), deixam de explicar. Mas esta é uma daquelas "falhas de roteiro" que já duram milênios e não sou eu que vou conseguir explicar. Mas Aronofsky parece querer fazer um filme "plausível", então a pergunta é válida. Noé sonha com o dilúvio e adivinha as intenções do "Criador" em destruir o planeta. Após consultar o avô, Matusalém (Anthony Hopkins, risivelmente parecido com o "Mestre dos Magos", da "Caverna do Dragão"), Noé começa a construção da Arca que salvaria os animais durante o "reboot" promovido pelo "Criador". (leia mais abaixo)


Há um detalhe que deixei para o final por ser, em minha opinião, a decisão criativa mais estranha (e errada) do filme. Noé é auxiliado tanto na construção da Arca quanto na sua proteção por criaturas chamadas de "Guardiões", que seriam anjos caídos na Terra e transformados em gigantes de pedra. Por mais fantasioso que o filme seja, fica difícil levá-lo a sério quando estes "Transformers de pedra" aparecem. Até a voz deles lembra os robôs dos (péssimos) filmes de Michael Bay. O que Aronofsky estava pensando? Ok, os "Guardiões" podem "explicar" como a Arca poderia ser construído; da mesma forma, quando os milhares de "filhos de Caim" (liderados por Ray Winstone) tentam invadir a Arca, os "Guardiões" têm a função de impedi-los. Tudo isso, no entanto, poderia ser explicado de outra forma, como o "poder de Deus", raios caindo do céu ou coisa parecida. Mas fica difícil segurar o riso ao ver "Samyasa" (até o nome parece de um robô japonês), um dos "Guardiões", pisando e despedaçando centenas de pobres coitados tentando chegar à Arca durante o dilúvio.

Há vários bons momentos (principalmente quando os "Guardiões" não estão visíveis), o elenco é sólido e Russell Crowe é imponente o suficiente para personificar um dos ancestrais míticos da Humanidade. As cenas que mostram os animais chegando à Arca são muito bem feitas (apesar do exagero nos efeitos digitais). E há uma maravilhosa sequência em que Russell Crowe conta aos filhos a história do "Genesis", ilustrada com visual deslumbrante, que merecia estar em um filme melhor.

Câmera Escura