segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Feliz Natal (o filme revisto)

Assisti a "Feliz Natal", longa de estréia de Selton Mello na direção, no I Festival Pauínia de Cinema, em julho de 2008. O clima era de festa, era a estréia no filme, com presença do próprio Selton Mello e um verdadeiro exército de pessoas da equipe, entre elenco, produtores e equipe técnica. O ambiente sem dúvida colaborou para que o filme não fosse visto de forma mais focada, de modo que resolvi revê-lo agora, quase seis meses depois, em uma sessão "comum" de cinema. O resultado é que "Feliz Natal" é, sem sombra de dúvida, um filme extremamente poderoso.

Não é um filme fácil. O tema é pesado e a direção, sim, é "exagerada" por parte de Selton Mello. Mas tudo isso é proposital: este é um filme de excessos, sobre uma época de excessos. Uma época que deveria ser de paz e de harmonia mas que, em alguns casos, acabam levando situações comuns ao limite. Picuinhas familiares, problemas entre pais e filhos, segredos escondidos, bebidas, drogas...tudo o que pode ser considerado "aceitável" durante o ano acaba se revelando um problema durante o estresse das festas de final de ano. Considere o caso de Caio (Leonardo Medeiros, perfeito), um homem que leva uma vida simples no interior, cuidando de um ferro velho, que decide enfrentar os próprios demônios e vai à cidade grande (um Rio de Janeiro quase irreconhecível) participar da ceia de natal da família. E que família. A mãe, Mércia (Darlene Glória, em interpretação no limite), é uma senhora viciada em remédios e bebida, que foi abandonada pelo marido Miguel (o grande Lúcio Mauro), que a trocou por uma garota com idade suficiente para ser sua neta. A cunhada Fabiana (Graziella Moretto), claramente não aguenta mais os escândalos da sogra nem o comodismo do marido Theo (Paulo Guarnieri). Caio é recebido na casa pelo sobrinho Bruno (o garoto Fabrício Reis, que rouba as cenas), com quem tem talvez o único diálogo completo do filme. A partir de sua entrada na festa de natal, ele é jogado em um turbilhão de recriminações veladas do irmão, olhares fuzilantes por parte do pai, um amor estranhamente físico da mãe e insinuações por parte da cunhada.

Tudo isso filmado por Selton Mello, com seu diretor de fotografia Lula Carvalho, com a câmera por vezes a centímetros do rosto dos atores, capturando cada olhar, cada respiração. O estilo pode saturar, mas há alguns planos magistrais. Leonardo Medeiros entra no banheiro, por exemplo, para lavar o rosto sulcado por lágrimas de desespero, quando a cunhada entra e fecha a porta. No plano, vemos apenas o rosto de Graziella Moretto, à direita, olhando para Caio, visto no reflexo sujo de um espelho cheio de texturas, no lado esquerdo. O que ela veio fazer ali? Veio trazer consolo? É um flerte? Caio não espera para descobrir e cruza a tela, saindo pela direita, invertendo o eixo; agora, o rosto de Moretto está à esquerda. Um pouco depois, há um longo plano seqüência que começa com um despedida entre Caio e sua mãe, que o empurra e o expulsa da casa. Ela então começa a descer as escadas da casa e a câmera vai atrás. Sem cortes, segue-se uma discussão entre Mércia e o marido; em seguida, Mércia vai até a sala e começa a atrapalhar a festa de natal, o que atrai a nora que, impaciente, praticamente a arrasta para fora da sala de volta à escadaria. O plano dura perto de dez minutos e envolve quatro situações/diálogos em seguida, sem cortes, no estilo documental de Lula Carvalho.

Mas não é pela técnica apenas que o filme é poderoso. A trama, complicada, fica realmente mais clara quando se revê o filme. O personagem de Leonardo Medeiros, Caio, está de volta à cidade não só para tentar se acertar com a família, mas para rever os amigos e enfrentar um trauma em seu passado: ele foi responsável por um grave acidente que causou a morte de uma moça. Acompanhamos sua visita a um cemitério em pleno dia de Natal (onde é recepcionado por um senhor bondoso que, irônico, diz que seu apelido é "Zé do Caixão"), para procurar o túmulo dela. Ele também visita o local do acidente e, em uma seqüência muito interessante, vemos o que realmente aconteceu. É a segunda de duas cenas em que a câmera sai do chão e, com o auxílio de uma grua, assiste tudo do alto.

Há uma cena de nudez de Graziella Moretto que, por causa de um protesto do companheiro e ator Pedro Cardoso, trouxe polêmica, mas a cena é simples, bela e nada gratuita. Fabiana, cansada dos problemas com a sogra e com o marido, está pensando em se separar. Sozinha, à noite, depois que todos já foram dormir, ela olha para o próprio corpo, nu, diante de um espelho, como que imaginando se ainda está em condições de tentar uma nova vida. O roteiro (de Selton Mello e Marcello Vindicatto) é implacável, e ainda reserva uma tragédia para o final. Quando vi o filme pela primeira vez, em Paulínia, achei o final exagerado e desnecessário. Estava enganado. É um final cruel, sem dúvida, mas, repito, condizente com o excesso presente em todo o filme.

"Feliz Natal" foi acusado de ser pretensioso e pesado demais. É pretensioso sim, mas por que não o seria? Selton Mello poderia facilmente ter feito uma comédia romântica, se aproveitado do próprio sucesso e trilhado o caminho mais fácil. Preferiu seguir por um caminho mais artístico e muito mais arriscado, mergulhando de cabeça no que há de pior no ser humano. Exagerado, sim, mas coerente. Ironicamente, o plano final é de uma paz e de uma simplicidade extremas. Por trás de uma cortina, vemos o retrato do que pode ser chamado de "felicidade".


quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Sete Vidas

"Deus criou o mundo em sete dias", diz Ben Thomas (Will Smith), "eu destrui o meu em sete segundos". Esta é uma das várias informações que o espectador recebe nos primeiros minutos de "Sete Vidas" (Seven Pounds, 2008), a mais nova colaboração entre o astro Will Smith e o diretor Gabriele Muchino. Os dois trabalharam juntos no bem sucedido "À Procura da Felicidade", e aqui retomam a parceria. O filme, deliberadamente lento, vai nos apresentando informações e situações que, perplexos, tentamos entender. Ben Thomas é visto em cenas aparentemente desconexas. Ele é cruel com um operador de telemarketing cego em uma cena para, em seguida, ser gentil e atencioso com uma senhora que está sendo maltratada em uma casa de repouso. Ele é visto como o diretor de uma empresa de engenharia aeronáutica, feliz, casado e bem sucedido, dirigindo um carro esporte. Em outra cena, ele se apresenta como um fiscal do imposto de renda. Ele encontra uma bela moça chamada Emily Posa (Rosario Dawson), que sofre de problemas cardíacos. Thomas diz que ela está passando por uma auditoria (o chamado "pente fino" do imposto de renda). Mas ele não age como um fiscal comum. Ele a visita no hospital, inconsciente; ele a segue pelos corredores; ele se oferece para levar o cachorro dela para passear. Por fim, ele lhe diz que ela terá uma "trégua" do imposto de renda por mais seis meses, livre de multa.

Quem é Ben Thomas, afinal? Algum tipo de "anjo" disfarçado? É alguém tentando simplesmente ajudar? Ele teria motivos ocultos? Há um ditado americano que diz que só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. Ben Thomas parece, em alguns momentos, a personificação de ambos. "Sete Vidas" faz parte daquele gênero de filme destinado a fazer o espectador se emocionar. Há um bocado de gente passando por dificuldades, doente ou realmente morrendo, como é o caso de Emily. Grande parte da força do filme está no elenco. Will Smith é o tipo de astro que, se nem sempre chega a ser um grande ator, sem dúvida tem um carisma imenso. E Rosário Dawson está muito bem no filme. Dona de um corpo invejável, ela geralmente aparece em outro tipo de papel. Neste filme ela parece realmente frágil, como se qualquer esforço pudesse fazer seu coração parar de bater. E quando ela, naturalmente, acaba por se apaixonar por Will Smith, há algo de genuíno na relação entre os dois (ela, interessada; ele, reservado e assustado).

Mas o filme não é livre de percalços. Os enigmas da trama, que no início a deixavam interessante, com o passar do tempo (que é longo) começam a se tornar um problema. Sim, o espectador já entendeu que Smith sofreu algum tipo de trauma no passado, por que demorar tanto para revelar o que está acontecendo? A trilha sonora new age (de Angelo Milli) é onipresente a ponto de ser cansativa (embora haja um momento muito interessante, em que o piano propositalmente toca as notas erradas, representando o problema cardíaco de Emily). E o final, francamente, não faz muito sentido. Sim, a "mensagem" pode ser edificante, mas os métodos, além de não serem muito verossíveis, chegam a ser moralmente questionáveis. Para complicar, como o filme é destinado ao público americano médio (que precisa de tudo mastigado), há ainda uns dez minutos além do final para que se tente explicar tudo nos mínimos detalhes. O final, se explica algumas coisas, deixa outras questões em aberto. Com o cuidado para não revelar muitos detalhes, mas a pergunta que fica é como seria possível a Ben Thomas organizar tudo daquela maneira? Saber a quem se destinaria realmente cada "presente"? Não haveria outras maneiras de se "fazer o bem"?

Assim, como mensagem, o filme tem pontos válidos. Mas não se pode raciocinar muito.


segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O Castelo de Cagliostro

Este é o primeiro longa-metragem dirigido por Hayao Miyazaki, o mestre japonês da animação. O DVD foi lançado no Brasil (coisa rara para um longa de Miyazaki) este ano pela Focus Filmes. Miyazaki se tornou mais conhecido no ocidente depois que ganhou o Oscar de Melhor Animação com "A viagem de Chihiro" (Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001), mas já era cultuado no Japão e mundo afora há anos. "Cagliostro" já mostra algumas características que seriam vistas depois em seus longas metragens no Estúdio Ghibli.

O roteiro acompanha um ladrão boa pinta chamado Lupin III (Lupin Terceiro, ou Lupin Neto) que salva a vida de uma princesa, apenas para vê-la ser seqüestrada novamente por vilões não identificados. Na fuga, a princesa deixa para trás um misterioso anel. Lupin e um companheiro de aventuras vão até o país de Cagliostro atrás da origem de umas notas falsificadas e para tentar salvar a princesa. A trama é complicada e envolve um conde falsário, uma espiã que pode ser tanto aliada quanto inimiga de Lupin, um personagem misterioso que parece um samurai e vários guardas com garras mortais. O personagem Arséne Lupin foi criado por Maurice Leblanc no início do século XX, sendo contemporâneo do Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle. O que um personagem francês do início do século XX está fazendo em um filme animado japonês feito em 1979?

A animação japonesa (e a cultura japonesa em geral, na verdade) tem a característica de se apropriar da cultura estrangeira, lhe dar uma roupagem nova, bem japonesa, e colocar de volta no mundo. É frequente a influência européia nas animações de Hayao Miyazaki; mesmo que, no fundo, elas permaneçam inequivocadamente japonesas. Em "Láputa, Castelo no Céu" (Tenkuu no Shiro Laputa, 1986), por exemplo, Miyazaki pegou "emprestada" a cidade flutuante de "Láputa", criada por Jonathan Swift em "As Viagens de Gulliver", para criar sua própria cidade aérea. O personagem principal de "O Castelo de Cagliostro", Lupin Terceiro, foi protagonista de duas séries animadas da televisão japonesa (a primeira co-dirigida pelo próprio Miyazaki em 1971) e um longa metragem. A influência de Miyazaki pode ser notada em vários momentos do filme. Seu amor por máquinas (principalmente máquinas voadoras) pode ser visto no helicóptero que o vilão usa para chegar ao castelo. As engrenagens do relógio da torre também lembram muito o estilo que Miyazaki usaria em "Láputa" ou "Naushika" ("Naushika do Vale do Vento" é a obra prima de Hayao Miyazaki, produzido em 1984). Há uma longa seqüência de perseguição entre estas engrenagens que é sem dúvida um feito para a animação da época, toda feita à mão e sem o uso de computadores. O DVD contém uma entrevista muito interessante com o diretor de animação do filme, Yasuo Ohtsuka. Ele conta que o filme foi produzido em apenas quatro meses e meio, com os animadores trabalhando dia e noite. Ele diz que hoje isso seria impossível, pois é tudo muito mais "fácil" e "rico". Ohtsuka diz que da "pobreza" se tira muito mais criatividade.

Hoje em dia, felizmente, é relativamente fácil encontrar os filmes de Hayao Miyazaki. A internet é boa fonte para os interessados (é possível inclusive baixar os filmes com legendas feitas por fãs). Tive contato com os filmes de Miyazaki nos anos 90, na biblioteca da Fundação Japão, em São Paulo, onde assistia avidamente às fitas VHS, sem legendas ou tradução. Oficialmente é possível adquirir os DVDs de "A Viagem de Chihiro", "O Castelo Animado" e este "O Castelo de Cagliostro". A Disney detém os direitos de distribuição mundial dos outros filmes do Estúdio Ghibli. Há quem diga que o estúdio americano não está muito interessado na divulgação destes filmes. Para quem não conhece o trabalho de Miyazaki ainda, "Cagliostro" (muito mais leve que Chihiro, por exemplo) pode ser uma boa porta de entrada.


Boas festas...

Ou o que se pode fazer com uma câmera digital...uma decoração de Natal e tempo sobrando...


domingo, 21 de dezembro de 2008

Na natureza selvagem

Em 1990, o jovem Christopher McCandless (Emile Hirsch), recém graduado, aluno brilhante e de família de classe média alta americana, resolveu abandonar tudo e partir. Ele doou os 24 mil dólares que tinha em seu fundo universitário para a caridade e trocou a chance de estudar direito em Harvard pelo vento das estradas. Não era uma simples aventura. Era mais um suicídio cultural. Ou, quem sabe, um renascimento.
O ator e diretor Sean Penn queria realizar este projeto há mais de dez anos, mas só em 2007 conseguiu a autorização dos pais do verdadeiro Christopher McCandless. "Into the Wild" já havia se tornado um livro escrito por John Krakauer, no qual Sean Penn se baseou para escrever e dirigir o roteiro do filme. Há algo de "messiânico" na aventura de McCandless, e a brilhante interpretação de Emile Hirsch reforça isso. Hirsch, que já interpretou jovens ricos americanos em filmes como "O Clube do Imperador" e "Um Show de Vizinha", tem neste filme um constante brilho no olhar e uma entrega total ao personagem conforme ele se aventura Estados Unidos adentro. Com uma vaga idéia de querer chegar ao Alasca, Christopher vai cruzando o país e fazendo trabalhos temporários, como em uma fazenda ou em lanchonetes fast food. Encontrando o Rio Colorado, no Arizona, ele vai em sentido contrário ao Alasca e desce, em um simples caiaque, até o México. Ao voltar para a cidade grande, não consegue ficar nem uma noite e parte novamente em sua jornada para o norte.
É um filme de grandes paisagens, quase um documentário da vida selvagem americana. Mas há lugar também para os personagens que o rapaz encontra pelo caminho. Como um casal de "hippies" interpretados por Catherine Keener e Brian Dierker, com quem ele estabelece uma relação de pais e filhos. Há a jovem e bela Tracy (Kristen Stewart), que se apaixona por ele mas não consegue impedi-lo de partir novamente para o norte. Há Wayne (Vince Vaughn, em ótima participação), trabalhador da fazenda com quem estabelece uma forte amizade. E o velho Ron (o veterano Hal Holbrook, indicado ao Oscar pelo papel), um velho conservador que se apega ao rapaz e o ajuda.
A viagem é contada a partir do seu ponto final, na paisagem gelada do Alasca. No meio do nada, Christopher encontra um estranho marco da civilização: um ônibus abandonado, que já havia servido de abrigo para alguém no passado. O rapaz toma posse do lugar e passa a viver da caça e pesca. Flashbacks nos contam sua história pregressa, antes de chegar até lá. O filme é muito bem dirigido por Sean Penn, que lhe dá um ar nostálgico que lembra muito os anos sessenta. Destaque também para as canções originais compostas por Eddie Vedder (do Pearl Jam), que complementam e auxiliam o roteiro. O final mostra que tudo na vida tem seu preço, mesmo a "liberdade absoluta" buscada por McCandless. E ele também acaba por descobrir que a felicidade só é real quando compartilhada.


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Rede de Mentiras

O que leva um diretor como Ridley Scott a fazer um filme como “Rede de mentiras”? Scott é um diretor eclético, tendo dirigido desde ficções científica cultuadas como o primeiro “Aliens” e o clássico “Blade Runner” até épicos como “Gladiador” e “1492”. Mas, de vez em quando, ele embarca em bobagens militares como “Falcão Negro em Perigo” ou este “Rede de Mentiras”. Não que o filme seja um desastre completo. Scott tem bom olho para enquadramentos e um grande senso estético, sendo sem dúvida competente no visual e na técnica cinematográficas. Mas “Rede de Mentiras”, além de ser um amontoado de clichês comuns a vários filmes de guerra e espionagem, tem também paralelos curiosos com outro filme de espionagem chamado “Jogos de Espiões”, dirigido pelo irmão mais novo (e menos talentoso) de Ridley, chamado Tony Scott (de “Top Gun, Ases Indomáveis”).

Em “Jogos de Espiões”, tínhamos um veterano da CIA (interpretado por Robert Redford) que era comandante e “mentor” de um jovem agente (interpretado por Brad Pitt), que era quem ia a campo realizar suas missões. Em “Rede de Mentiras”, também temos um veterano chamado Ed Hoffman (Russell Crowe, sempre camaleão, gordo e envelhecido para o papel) que, de seu posto nos Estados Unidos, supervisiona as operações de um jovem agente chamado Ferris (Leonardo DiCaprio) em missão no Iraque. Em “Jogos de Espiões” o personagem de Brad Pitt se envolvia com uma enfermeira que trabalhava com refugiados de guerra. Em “Rede de Mentiras”, DiCaprio se envolve com a enfermeira de um hospital em Amã, Jordânia, que lhe trata dos ferimentos após ter sido atacado por cães raivosos. A única diferença é que enquanto em “Jogos de Espiões” havia uma camaradagem e amizade entre o velho e o novo espião, em “Rede de Mentiras” há uma estranha relação de amor e ódio entre Ed Hoffman e Ferris. Os dois mantém contato telefônico (que maravilha de conexão têm seus celulares) entre os EUA e o Oriente Médio. Russell Crowe é geralmente visto como um “homem de família”, sempre levando os filhos à escola ou os acompanhando em atividades esportivas enquanto, pelo celular, comanda assassinatos e estratégias do outro lado do Globo. DiCaprio é o “herói” do filme mas, nesses tempos em que a popularidade dos EUA no mundo está em baixa, seu personagem é também um frio assassino e explorador de possíveis fontes de informação.

O filme, no entanto, não se sustenta. O espectador fica sentado por mais de duas horas vendo seqüência após seqüência espetacular de perseguições, explosões de bombas e imagens de satélite enquanto é jogado de um canto a outro do Oriente Médio. “Rede de Mentiras” fica melhor quando acalma um pouco em suas passagens na Jordânia. DiCaprio se aproxima de um líder chamado Hani (Mark Strong) que é possivelmente o melhor personagem do filme. Hani aceita fornecer ajuda da Jordânia à CIA, com uma condição: DiCaprio jamais pode mentir para ele. Claro que isso não vai acontecer. E há uma seqüência passada na casa da enfermeira Aisha (Golshifteh Farahani) que, por um momento, até traz alguma humanidade ao filme. Mas é tudo muito rápido. Logo estamos de volta às mesmas explosões e imagens tecnológicas de sempre. “Rede de Mentiras”, infelizmente, acaba se revelando um desperdício para os talentos de Crowe, DiCaprio e Ridley Scott.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Um Crime de Mestre (2007)

Filme mediano de suspense elevado a "algo mais" pela produção e elenco, "Um Crime de Mestre" é boa pedida em DVD. Dirigido por Gregory Hoblit e produzido pela New Line Cinema, "Fracture" (no título original) tem Anthony Hopkins como Ted Crawford, um homem extremamente inteligente e manipulador que descobre que está sendo traído pela esposa. Ele a espera chegar em casa, conversa educadamente com ela, fala sobre o caso e, sem mais delongas, lhe dá um tiro na cabeça. A polícia é chamada e o leva para a delegacia, onde ele assina uma confissão de tentativa de assassinato (a esposa, gravemente ferida, é internada em estado de coma e mantida viva por aparelhos).

Parece um caso simples para um jovem e ambicioso promotor chamado Willy Beachum (Ryan Gosling), que está de mudança marcada para um emprego muito melhor em uma empresa privada. Mas conforme a polícia investiga, ele percebe que não será tão fácil condenar Crowford. A arma encontrada no local do crime não combina com a balística. A confissão assinada na delegacia não pode ser aceita no tribunal depois que uma nova descoberta põe tudo a perder: o policial que prendeu Crowford teria tido um caso com a vítima, o que invalida a confissão. A arma do crime não é encontrada em parte alguma e o desprepado de Beachum, o promotor, por achar que o caso era tão fácil, podem acabar levando o réu a ser libertado.

Anthony Hopkins, claro, é a estrela do filme. Eternizado no papel do assassino em série Hannibal Lecter em "O Silêncio dos Inocentes", ele está à vontade novamente como um criminoso inteligente e educado. Mas não é apenas uma repetição de Lecter; reparem nos detalhes e nuances que Hopkins trás ao personagem nas suas cenas de tribunal, ou em suas conversas com Beachum. Também no elenco, em um papel secundário, está o ótimo David Strathairn (de Boa Noite, e Boa Sorte), como o chefe de Ryan Gosling (que faz o possível ao contracenar com atores como estes). A bela fotografia de Kramer Morgenthau dá ao filme tons dourados e um ar de cinema "noir" moderno. O roteiro, quando tudo se esclarece, não se sustenta. Mas o filme, enquanto se desenrola, faz um bom trabalho em deixar o espectador interessado na resolução do caso e em imaginar o que teria acontecido.



quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Queime depois de ler

"Onde os fracos não têm vez", filme anterior dos irmãos Coen, foi muito elogiado pela crítica e até levou o Oscar de Melhor Filme mas, é fato, não foi nenhum sucesso de público. O estilo lento e principalmente o final em aberto deixou muita gente confusa (ou brava mesmo) com os dois irmãos mais criativos do cinema americano. Pois bem, eles agora retornam com um filme cheio de astros e um estilo bem mais leve e acessível. O que não significa que "Queime depois de ler" seja um filme "convencional". Joel e Etan Coen são famosos por seu estilo meticuloso, ritmo lento e diálogos bem escritos. Tudo está presente na nova produção da dupla, mas em doses menores. Adiciona-se uma boa dose de humor negro e temos esta comédia de erros que satiriza os filmes de espionagem e a paranóia americana.

John Malkovich é Osbourne Cox, um analista da CIA que, no início do filme, está sendo dispensado do trabalho. Um superior lhe diz que ele tem um problema com a bebida. "Vocè é mórmon! Para você todos têm problemas com a bebida!", retruca Cox. Ressentido e muito, muito bravo, Cox vai para casa e conta à eposa que se demitiu, e que pretende escrever um livro de "memórias". A esposa é Katie (Tilda Swinton... quem senão os irmãos Coen para imaginar um casal como John Malkovich e Tilda Swinton?), que está tendo um caso com Harry Pfarrer (George Clooney, se divertindo). Harry é supostamente um policial (nunca o vemos trabalhando) que, em 20 anos de serviço, nunca disparou uma arma. Ele é casado com uma escritora de livros infantis. Recapitulando: Cox (Malkovich) é casado com Katie (Swinton), que tem um caso com Harry (George Clooney), que é casado com uma escritora.

Em uma academia de ginástica, a instrutora Linda Litzke (Frances McDormand), está passando pela crise da meia idade. Ela quer se "reinventar" passando por uma série de cirurgia plásticas caras (que seu plano de saúde não cobre); ela tabém está tentando encontrar um companheiro em anúncios da internet. Ela trabalha com Chad (Brad Pitt), um personal trainer hiperativo que, um dia, está todo animado em frente ao computador: o faxineiro encontrou no vestiário um CD que, supostamente, contém informações sigilosas da CIA. Chad descobre que o dono do CD é um analista chamado Osbourne Cox (lembram-se?), e sugere a Linda que eles tentem trocar o CD por dinheiro.

Com esses personagens e ingredientes os Coen vão construindo um filme que, de início, nem é assim tão cômico mas que, aos poucos, vai se tornando cada vez mais absurdo e engraçado. Clooney e Tilda Swinton, vale notar, interpretaram juntos no drama "Conduta de Risco" (Michael Clayton, 2007), pelo qual Swinton ganhou o Oscar. Brad Pitt está muito engraçado, interpretando um rapaz não muito esperto e que acha que está dando um grande golpe ao chantagear um espião da CIA. E o que dizer de John Malkovich?

"Queime depois de ler" não é nenhuma obra prima, e está distante das tragicomédias anteriores dos Coen como "Barton Fink" e o estupendo "Fargo". Mas ainda é um filme acima da média.