sábado, 29 de janeiro de 2011

Minhas mães e meu pai

Nic e Jules são um casal há vinte anos. Têm um casal de filhos, Joni e Laser (sim, como em "raio laser") e a garota está de partida para a faculdade. Esta seria uma família comum em um filme comum se não fosse pelo fato de que Nic e Jules são duas mulheres, interpretadas por Annette Bening e Julianne Moore. As duas ficaram grávidas do mesmo doador de esperma, e o filho mais novo, Laser (Josh Hutcherson), pede à irmã Joni (Mia Wasikowska) que ligue para a clínica de fertilidade para descobrir a identidade do pai. Ele é Paul (Mark Ruffalo), um solteirão que tem uma plantação de alimentos orgânicos, um restaurante e uma vida aparentemente tranquila.

Dirigido por Lisa Cholodenko, é um filme curioso, que quer ser ao mesmo tempo progressista e tradicional. A família, se não fosse pelo fato de ser lésbica, é o típico sonho americano. Nic (Bening) é uma médica bem sucedida que sustenta a casa. Ela é durona, perfeccionista e controladora. Jules (Moore) é mais submissa e ainda não descobriu o que fazer da vida; no momento ela quer ser paisagista. Joni é uma aluna exemplar que tem uma amiga que vê sexo em tudo e um melhor amigo por quem é atraída. Laser é o típico garoto sem rumo, que anda de skate com um amigo que, em breve, vai acabar parando na prisão. A vida de todos muda quando Joni e Laser finalmente conhecem o "pai", Paul. Ele é tudo que Nic não é; é divertido, livre, pilota uma motocicleta. Nic, claro, sente sua posição de "pai' da família ameaçada, o que a torna ainda mais repressora. É perfeitamente possível imaginar o mesmo filme tendo um homem no lugar de Annette Bening, mas provavelmente "Minhas mães e meu pai" não atrairia muita atenção.

Para complicar ainda mais a situação, Paul contrata Jules para fazer o paisagismo de sua casa e os dois começam a passar bastante tempo juntos. Jules gosta da atenção de Paul e, lésbica ou não, logo os dois acabam parando na cama. "Minhas mães e meu pai" ganhou como Melhor Filme (musical ou comédia) e Melhor Atriz (musical ou comédia) para Annette Bening no último Globo de Ouro e está entre os dez indicados a melhor filme no Oscar. Annette Bening está realmente muito bem, mas a indicação a melhor filme é um exagero (o filme é outro a se beneficiar do fato do Oscar indicar dez filmes desde o ano passado, ao contrário de cinco). Como já foi dito, ele é curiosamente tradicional e quadrado, chegando a terminar com um discurso sobre as dificuldades e virtudes do casamento. Mark Ruffalo (indicado ao Oscar de ator coadjuvante) repete o par vivido com Julianne Moore em "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles. Paul, seu personagem, merecia um destaque melhor ao final do filme, que é mais dramático do que o trailer abaixo tenta passar.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

127 Horas

Aron Ralston (James Franco) é um aventureiro. Em um final de semana de março de 2003, ele partiu para uma região de canyons, no estado de Utah, sem avisar ninguém. Ao pisar em uma rocha que julgara ser firme, ela rolou e jogou Ralston no fundo de uma fenda, prendendo seu braço direito firmemente à parede. Aron tenta empurrar a pedra com toda a sua força, e nada. O que fazer? Ele está a quilômetros de qualquer cidade, fora da rota normal dos turistas e, o que é pior, ninguém sabe que ele está lá.

Danny Boyle, vencedor do Oscar por "Quem quer ser um milionário?" (2008) é o responsável pela versão cinematográfica desta aventura real vivida por Aron Ralston. Boyle e James Franco conseguem um feito e tanto, que é criar suspense e interesse em um filme que se passa quase o tempo todo dentro de um buraco. Por isso mesmo, o início de "127 horas" é bastante agitado, com um visual até exagerado e publicitário demais em que Boyle usa telas divididas e música muito alta para nos apresentar Ralston. O rapaz mora sozinho, está sempre com fones de ouvido e uma atitude hiperativa. Ao levar um tombo espetacular com sua bicicleta, ele não só dá risada como ainda tira uma foto de si mesmo com uma câmera digital. No caminho para o canyon ele encontra duas adolescentes perdidas e as leva para uma aventura em uma incrível lagoa escondida no fundo das rochas. O letreiro com o título só aparece depois de 15 minutos de filme, quando Aron percebe que está realmente preso no fundo da fenda.

Interessante como o filme mostra como o ser humano é frágil diante da natureza. Ainda assim, Aron tenta uma saída racional para seu problema. Com a mão livre, explora o conteúdo da sua mochila que, felizmente, tem uma garrafa de água e algumas barras de cereal. Ao menos ele não morreria de fome tão cedo. Ou será que os mantimentos só prolongariam o inevitável? Com um canivete ele tenta escavar um buraco para soltar seu braço, mas a rocha é sólida. As horas, e depois os dias, vão passando e o desespero só cresce. James Franco foi indicado ao Oscar por sua interpretação, que é bastante convincente. O diretor mantém o interesse do espectador mostrando flashbacks na forma de lembranças e sonhos de Aron, que pensa em sua família e sua primeira namorada. Interessante também a forma como a tecnologia moderna, se não consegue soltar Aron, ao menos lhe dá conforto; em vários momentos Aron faz declarações (ou fala consigo mesmo) para sua pequena câmera de vídeo, que carregava na bicicleta. É através do vídeo que ele se despede dos pais e lhes pede perdão. Há uma cena muito boa em que ele faz uma auto-entrevista, em que chega à conclusão que foi seu egoísmo que o colocou naquela situação.

Não vou falar sobre o final do filme, mas "127 Horas" levanta a questão de qual o limite para a sobrevivência? O que um ser vivo faz quando não tem nenhuma saída? Aron Ralston descobriu seu limite, e o espectador com ele. O filme está indicado ao Oscar de Melhor Filme, Ator (James Franco), Roteiro Adaptado, Edição, Trilha Sonora (A.R. Rahman) e Canção.


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Vencedor

Filmes de boxe seguem uma fórmula. É a clássica história do derrotado que tem que lugar contra seus problemas pessoais, sua família, seu físico e, no final, contra um oponente de carne e osso. É terreno fértil para o drama e para os clichês. O que, então, faz de "O Vencedor" um filme a ser visto? Em primeiro lugar, o elenco, em especial o britânico Christian Bale, famoso por se entregar de corpo e alma aos pergonagens que interpreta. Bale ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante em Drama neste ano e pode repetir o feito no Oscar, ao qual foi indicado. Ele interpreta Dicky Eklund, um viciado em crack que é uma lenda na pequena cidade em que vive por sua carreira como boxeador. Ele chegou a derrubar o lendário Sugar Ray Leonard, embora alguns digam que Leonard teria tropeçado.

Dicky e sua mãe Alice (Melissa Leo, também premiada com o Globo de Ouro e indicada ao Oscar) vivem agora de agenciar Micky (Mark Wahlberg), o meio irmão mais novo de Dicky, em lutas de boxe. Micky é bom, mas a mãe e o irmão estão mais preocupados com eles mesmos do que com a carreira dele. Após uma luta especialmente violenta, em que Micky é surrado por um oponente dez quilos mais pesado, ele começa a pensar em tomar as rédeas de sua vida. Ele conta com o apoio da namorada Charlene (Amy Adams, indicada ao Oscar), uma garçonete. A direção de "O Vencedor" é de David O. Russell, diretor do bom "Três Reis" (1999) e do esquisito "Huckabees, A Vida é uma Comédia" (2004). Russell estava parado desde esta última produção e volta em grande forma, ganhando inclusive uma indicação ao Oscar. O passo do filme desenvolve bem os personagens, principalmente a complicada família de Micky. A casa está sempre cheia e agitada por suas sete irmãs, todas falando ao mesmo tempo e, aparentemente, vivendo do pouco que Micky ganha para apanhar nos ringues.

Christian Bale, apesar da posição "coadjuvante", carrega o filme nas costas. O ator está mais magro e com os tiques e maneirismos comuns aos viciados em drogas. Seu personagem é sempre o centro das atenções, onde quer que ele vá, mesmo ficando claro que ele não passa de um fracassado. Uma equipe de televisão o segue por toda parte supostamente para gravar sua volta aos ringues quando, na verdade, está fazendo um documentário sobre viciados em crack.

Mark Wahlberg, um dos produtores do filme, é bom ator. Seu personagem cresce gradualmente em importância e, apoiado por Charlene, consegue a inédita chance de disputar o titulo mundial. Todo mundo sabe como o filme vai terminar, mas isso não importa. "O Vencedor" foi um dos dez indicados a Melhor Filme no Oscar é um bom exemplo de como um roteiro pode retrabalhar os clichês de um gênero e fazer um bom espetáculo.


Indicados ao Oscar

Os indicados ao Oscar foram anunciados hoje em Los Angeles. Veja a lista a seguir e faça suas apostas.

Melhor filme
Cisne Negro (texto)
O Vencedor (texto)
A Origem (texto)
O Discurso do Rei (texto)
A Rede Social (texto)
Minhas Mães e meu Pai (texto)
Toy Story 3 (texto)
127 Horas (texto)
Bravura Indômita (texto)
Inverno da Alma (texto)

Melhor diretor
Darren Aronovsky - Cisne Negro
David Fincher - A Rede Social
Tom Hooper - O Discurso do Rei
David O. Russell - O Vencedor
Joel e Ethan Coen - Bravura Indômita

Melhor ator
Jesse Eisenberg - A Rede Social
Colin Firth - O Discurso do Rei
James Franco - 127 Horas
Jeff Bridges - Bravura Indômita
Javier Bardem - Biutiful

Melhor atriz
Nicole Kidman - Reencontrando a Felicidade
Jennifer Lawrence - Inverno da Alma
Natalie Portman - Cisne Negro
Michelle Williams - Blue Valentine
Annette Bening - Minhas Mães e meu Pai

Melhor roteiro original
Minhas Mães e meu Pai
A Origem
O Discurso do Rei
O Vencedor
Another Year

Melhor roteiro adaptado
A Rede Social
127 Horas
Toy Story 3
Bravura Indômita
Inverno da Alma

Melhor ator coadjuvante
Christian Bale - O Vencedor
Jeremy Renner - Atração Perigosa
Geoffrey Rush - O Discurso do Rei
John Hawkes - Inverno da Alma
Mark Ruffalo - Minhas Mães e meu Pai

Melhor atriz coadjuvante
Amy Adams - O Vencedor
Helena Bonham Carter - O Discurso do Rei
Jacki Weaver - Animal Kingdom
Melissa Leo - O Vencedor
Hailee Steinfeld - Bravura Indômita

Melhor longa metragem de animação
Como Treinar o Seu Dragão (texto)
O Mágico (texto)
Toy Story 3 (texto)

Melhor filme em lingua estrangeira
Biutiful
Fora-da-Lei
Dente Canino
Incendies
Em um Mundo Melhor

Melhor direção de arte
Alice no País das Maravilhas
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte I (texto)
A Origem (texto)
O Discurso do Rei (texto)
Bravura Indômita (texto)

Melhor documentário
Lixo Extraordinário
Exit Through the Gift Shop
Trabalho Interno
Gasland
Restrepo

Melhor trilha sonora
Alexandre Desplat - O Discurso do Rei
John Powell - Como Treinar o seu Dragão
A.R. Rahman - 127 Horas
Trent Reznor e Atticus Ross - A Rede Social
Hans Zimmer - A Origem

Melhor edição
127 Horas
Cisne Negro
A Rede Social
O Discurso do Rei
O Vencedor

Melhor fotografia
A Origem
Cisne Negro
A Rede Social
O Discurso do Rei
Bravura Indômita

Melhor figurino
O Discurso do Rei
Bravura Indômita
Alice no País das Maravilhas
I am Love
The Tempest

Melhor canção original
"Coming Home", de Country Strong
"I See the Light", de Enrolados
"If I Rise", de 127 Horas
"We Belong Together", de Toy Story 3

Melhor mixagem de som
Salt
A Origem
O Discurso do Rei
Bravura Indômita
A Rede Social

Melhor edição de som
Toy Story 3
Tron - O Legado
A Origem
Bravura Indômita
Incontrolável

Melhor maquiagem
O Lobisomem
Caminho da Liberdade
Minha Versão para o Amor

Melhores efeitos visuais
Além da Vida
A Origem
Homem de Ferro 2
Alice no País das Maravilhas
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1

Melhor curta-metragem
The Confession
The Crush
God of Love
Na Wewe
Wish 143

Melhor documentário em curta-metragem
Poster Girl
Strangers no More
Killing in the Name
Sun Come Up
The Warriors of Qiugang

Melhor curta-metragem de animação
Day & Night
Let's Pollute
The Lost Thing
The Gruffalo
Madagascar, Carnet de Voyage

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Discurso do Rei

Histórias de superação quase sempre dão bons filmes. E que extraordinária história é contada em "O Discurso do Rei", dirigido por Tom Hooper e produzido pelos antigos donos da Miramax, os irmãos Bob e Harvey Weinstein.

São os anos 30, na Inglaterra. O Duke de York, Albert (Colin Firth), tem um problema que o acompanhou a vida inteira: ele é gago. No início do filme, ele tenta, sem sucesso, fazer um discurso em um evento esportivo. Ele não é o primeiro na linha de sucessão do rei George V (Michael Ganbom) mas, como príncipe, sua gagueira é um problema nestas ocasiões públicas. Após vários médicos falharem em curá-lo, sua esposa Elizabeth (Helena Bonhan Carter) encontra Lionel Logue (Geoffery Rush), um terapeuta australiano com um método particular de corrigir defeitos de fala. Para Lionel, o problema não é apenas físico, mas emocional. Mas como conseguir uma relação pessoal com um príncipe da Inglaterra?

Geoffrey Rush (um dos produtores do filme) interpreta Lionel como um homem extremamente seguro de si e que se torna o único "homem comum" a tratar o Duque de York de igual para igual. Ele insiste em chamá-lo de "Bertie" (diminutivo de Albert) e exige ser chamado pelo primeiro nome. Colin Firth, também excelente, interpreta um homem que foi a vida toda colocado para baixo pelo pai George e pelo irmão mais velho, David (Guy Pearce), que caçoava de seu defeito de fala. Aos poucos, Lionel consegue revelar os medos interiores do príncipe e mostrar que ele, na verdade, pode estar destinado a se tornar o futuro rei da Inglaterra. Ele não é o único a pensar assim. Após a morte de George V, David foi coroado com o rei Eduardo VIII, mas sua insistência em se casar com uma mulher divorciada causa desconforto na corte e na política britânica. Além disso, na Alemanha, Hitler está se revelando uma ameaça a toda Europa, e David não parece capaz de lidar com isso. O Duke de York, assim, acaba subindo ao trono como o rei George VI, às portas do início da II Guerra Mundial.

Todos estes nomes e fatos podem parecer confusos, mas o roteiro de David Seidler deixa tudo muito claro. O foco está na relação pessoal entre o terapeuta e seu paciente nobre que, de repente, tem que fazer seu primeiro pronunciamento à nação: a declaração de guerra à Alemanha nazista. Tecnicamente impecável, "O Discurso do Rei" tem bela fotografia de Danny Coen, que usa o foco para destacar seletivamente partes da imagem. A trilha original é de Alexander Desplat, mas se faz também bom uso de músicas clássicas de Mozart e Beethoven. O roteiro abre espaço para mostrar o relacionamento de Lionel com a esposa e os filhos, assim como os bastidores da família real britânica. Mas é nos diálogos (às vezes duelos verbais) entre Geoffrey Rush e Colin Firth que o filme tem seus melhores momentos.

"O Discurso do Rei" venceu (em 22 de janeiro) o Producer´s Guild Award; nos últimos três anos, o vencedor deste prêmio também levou o Oscar de Melhor Filme. Colin Firth ganhou o Globo de Ouro como melhor ator em drama. O filme se torna, assim, o principal concorrente de "A Rede Social" no próximo dia 27 de fevereiro, dia da entrega do Oscar.

Atualização: "O Discurso do Rei" foi o recordista de indicações ao Oscar deste ano, concorrendo a Melhor Filme, Diretor (Tom Hooper), Roteiro Original (David Seidler), Ator (Colin Firth), Atriz Coadjuvante (Helena Bonhan Carter), Ator Coadjuvante (Geoffrey Rush), Direção de Arte, Fotografia (Danny Coen), Figurino, Edição (Montagem), Trilha Sonora (Alexander Desplat) e Mixagem de Som.


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Um Homem Misterioso

George Clooney é um astro tão grande que pode se dar ao luxo de, de vez em quando, fazer um tipo de filme diferente. "Um Homem Misterioso" ("The American", no título original) começa com três mortes em menos de cinco minutos; uma delas é bastante surpreendente. Clooney é Jack, um americano que escapa de uma tentativa de assassinato na Suécia e foge para Roma, Itália. Lá ele liga para um homem chamado Pavel (Johan Leysen), que lhe dá as chaves de um carro e o manda para um pequeno vilarejo nas montanhas. Precavido (ou paranóico?) Jack se instala no vilarejo vizinho ao ordenado, e espera. Espera pelo que? Não sabemos. Jack passa seus dias fingindo ser um fotógrafo e tentando não chamar a atenção, mas não é bem sucedido. O padre local, Benedetto (Paolo Bonacelli) percebe que Jack é um homem em conflito, uma bomba relógio a ponto de estourar.

É então que Jack conhece Mathilde (Thekla Reuten), que tem uma encomenda para ele: uma arma. Com infinita paciência e atenção aos detalhes, é na fabricação de tal arma que Jack se revela um artista. Com equipe toda européia e dirigido pelo holandês Anton Corbijn (de "Control" e vários videoclips de bandas como U2), "Um Homem Misterioso" é um thriller despreocupado em criar cenas de ação desnecessárias. O filme é bastante lento e marcado por poucos diálogos. A rididez espartana de Jack se dissolve quando está fabricando a arma, lendo sobre borboletas ou quando está com Clara (Violante Placido), uma prostituta com quem fica envolvido. Há uma homenagem a Sergio Leone em uma cena em que "Era uma vez no Oeste" (1968) está passando na televisão, e a referência não é em vão. Há algo do diretor italiano nos longos planos abertos e no silêncio do personagem principal. É até possível imaginar Clint Eastwood fazendo o papel de Jack uns anos atrás. Clooney está muito bem em um papel atípico; Jack é um homem que pouco fala e muito menos sorri.

É na relação com as mulheres que está seu lado mais humano e, nesta profissão, o mais perigoso. Ao mesmo tempo em que percebe que está apaixonado por Clara, sente-se ameaçado pela frieza calculista da assassina Mathilde e vê possíveis ameaças em todo lugar. A relação com a prostituta também revela algo sobre ele mesmo, alguém pago para fazer algo eticamente imoral. Haverá saída para eles? Ou, como lhe diz o Padre Benedetto, a saída está no amor? Jack, com certa razão, acha que talvez seja tarde demais.


domingo, 16 de janeiro de 2011

Vencedores do Globo de Ouro 2011

Vou atualizar ao vivo os vencedores. Quem quiser pode acompanhar por aqui.

Melhor Ator Coadjuvante (cinema)
Christian Bale ("O Vencedor")

Melhor Atriz (Drama TV)
Katey Sagal (“Sons of Anarchy”)

Melhor Minissérie ou Filme para a TV
“Carlos”

Melhor Ator Coadjuvante TV
Chris Colfer (“Glee”)

Melhor Ator (Drama TV)
Steve Buscemi (“Boardwalk Empire”)

Melhor Série (Drama TV)
“Boardwalk Empire”

Melhor Canção Original
“You Haven”t Seen the Last of Me” (“Burlesque”)

Melhor Trilha Sonora Original
Trent Reznor e Atticus Ross (“A Rede Social”)

Melhor Animação
“Toy Story 3”

Melhor Atriz (Comédia ou Musical)
Annette Bening (“Minhas Mães e Meu Pai”)

Melhor Ator em Minissérie ou Filme para a TV
Al Pacino (“You Don´t Know Jack”)

Melhor Atriz em Minissérie ou Filme para a TV
Claire Danes (“Temple Grandin”)

Melhor Roteiro (cinema)
“A Rede Social” - Aaron Sorkin

Melhor Atriz Coadjuvante (série TV)
Jane Lynch (“Glee”)

Melhor Filme em Língua Estrangeira
“In a Better World” (Dinamarca)

Melhor Atriz (Comédia ou Musical TV)
Laura Linney (“The Big C”)

Melhor Ator (Comédia ou Musical TV)
Jim Parsons (“The Big Bang Theory”)

Melhor Atriz Coadjuvante (cinema)
Melissa Leo (“O Vencedor”)

Prêmio especial Cecil B. DeMille
Robert De Niro

Melhor Diretor (cinema)
David Fincher (“A Rede Social”)

Melhor Série (Comédia ou Musical)
“Glee”

Melhor Ator (Comédia ou Musical TV)
Paul Giamatti (“Minha Versão para o Amor”)

Melhor Atriz (Drama TV)
Natalie Portman (“Cisne Negro”)

Melhor Filme (Comédia ou Musical Cinema)
“Minhas Mães e Meu Pai”

Melhor Ator (Drama)
Colin Firth (“O Discurso do Rei”)

Melhor Filme (Drama Cinema)
"A Rede Social"

Globo de Ouro 2011 (indicados)

Os indicados do cinema

Melhor Filme (Drama)
“Cisne Negro”
“O Vencedor”
“A Origem”
“O Discurso do Rei”
“A Rede Social”

Melhor Atriz (Drama)
Halle Berry, (“Frankie and Alice”)
Nicole Kidman (“Rabbit Hole”)
Jennifer Lawrence (“Inverno da Alma”)
Natalie Portman (“Cisne Negro”)
Michelle Williams (“Blue Valentine”)

Melhor Ator (Drama)
Jesse Eisenberg (“A Rede Social”)
Colin Firth (“O Discurso do Rei”)
James Franco (“127 Horas”)
Ryan Gosling (“Blue Valentine”)
Mark Wahlberg (“O Vencedor”)

Melhor Filme (Comédia ou Musical)
“Alice no País das Maravilhas”
“Burlesque”
“Minhas Mães e Meu Pai”
“Red – Aposentados e Perigosos”
“O Turista”

Melhor Atriz (Comédia ou Musical)
Annette Bening (“Minhas Mães e Meu Pai”)
Anne Hathaway (“O Amor e Outras Drogas”)
Angelina Jolie (“O Turista”)
Julianne Moore (“Minhas Mães e Meu Pai”)
Emma Stone (“A Mentira”)

Melhor Ator (Comédia ou Musical)
Johnny Depp (“Alice no País das Maravilhas”)
Johnny Depp (“O Turista”)
Paul Giamatti (“Minha Versão para o Amor”)
Jake Gyllenhaal (“O Amor e Outras Drogas”)
Kevin Spacey (“Casino Jack”)

Melhor Animação
“Despicable Me” (“Meu Malvado Favorito”)
“How To Train Your Dragon” (“Como Treinar o seu Dragão”)
“The Illusionist”
“Tangled” (“Enrolados”)
“Toy Story 3”

Melhor Filme em Língua Estrangeira
“Biutiful” (México/Espanha)
“The Concert” (França)
“The Edge” (Rússia)
“I Am Love” (Itália)
“In a Better World” (Dinamarca)

Melhor Atriz Coadjuvante
Amy Adams (“O Vencedor”)
Helena Bonham Carter (“O Discurso do Rei”)
Mila Kunis (“Cisne Negro”)
Melissa Leo (“O Vencedor”)
Jacki Weaver (“Reino Animal”)

Melhor Ator Coadjuvante
Christian Bale (“O Vencedor”)
Michael Douglas (“Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme”)
Andrew Garfield (“A Rede Social”)
Jeremy Renner (“Atração Perigosa”)
Geoffrey Rush (“O Discurso do Rei”)

Melhor Diretor
Darren Aronofsky (“Cisne Negro”)
David Fincher (“A Rede Social”)
Tom Hooper (“O Discurso do Rei”)
Christopher Nolan (“A Origem”)
David O. Russell (“O Vencedor”)

Melhor Roteiro
“127 Horas”
“Minhas Mães e Meu Pai”
“A Origem”
“O Discurso do Rei”
“A Rede Social”

Melhor Trilha Sonora Original
Alexandre Desplat (“O Discurso do Rei”)
Danny Elfman (“Alice no País das Maravilhas”)
A.R. Rahman (“127 Horas”)
Trent Reznor e Atticus Ross (“The Social Network”)
Hans Zimmer (“A Origem”)

Melhor Canção Original
“Bound to You” (“Burlesque”)
“Coming Home” (“Country Song”)
“I See the Light” (“Enrolados”)
“There”s a Place for Us” (As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada”)
“You Haven”t Seen the Last of Me” (“Burlesque”)

Os indicados da TV

Melhor Série (Drama)
“Boardwalk Empire”
“Dexter”
“The Good Wife”
“Mad Men”
“The Walking Dead”

Melhor Atriz (Drama)
Julianna Margulies (“The Good Wife”)
Elisabeth Moss (“Mad Men”)
Piper Perabo (“Covert Affairs”)
Katey Sagal (“Sons of Anarchy”)
Kyra Sedgwick (“The Closer”)

Melhor Ator (Drama)
Steve Buscemi (“Boardwalk Empire”)
Bryan Cranston (“Breaking Bad”)
Michael C. Hall (“Dexter”)
Jon Hamm (“Mad Men”)
Hugh Laurie (“House”)

Melhor Série (Comédia ou Musical)
“30 Rock”
“The Big Bang Theory”
“The Big C”
“Glee”
“Modern Family”
“Nurse Jackie”

Melhor Atriz (Comédia ou Musical)
Toni Collette (“United States of Tara”)
Edie Falco (“Nurse Jackie”)
Tina Fey (“30 Rock”)
Laura Linney (“The Big C”)
Lea Michele (“Glee”)

Melhor Ator (Comédia ou Musical)
Alec Baldwin “(30 Rock”)
Steve Carell (“The Office”)
Thomas Jane (“Hung”)
Matthew Morrison (“Glee”)
Jim Parsons (“The Big Bang Theory”)

Melhor Minissérie ou Filme para a TV
“Carlos”
“The Pacific”
“Pillars of the Earth”
“Temple Grandin”
“You Don’t Know Jack”

Melhor Atriz em Minissérie ou Filme para a TV
Hayley Atwell (“Pillars of the Earth”)
Claire Danes (“Temple Grandin”)
Judi Dench (“Return to Cranford”)
Romola Garai (“Emma”)
Jennifer Love Hewitt (The Client List”)

Melhor Ator em Minissérie ou Filme para a TV
Idris Elba (“Luther”)
Ian McShane (“Pillars of the Earth”)
Al Pacino (“You Don´t Know Jack”)
Dennis Quaid (“The Special Relationship”)
Edgar Ramírez (“Carlos”)

Melhor Atriz Coadjuvante
Hope Davis (The Special Relationship”)
Jane Lynch (“Glee”)
Kelly MacDonald (“Boardwalk Empire”)
Julia Stiles (“Dexter”)
Sofía Vergara (“Modern Family”)

Melhor Ator Coadjuvante
Scott Caan (Hawaii Five-O”)
Chris Colfer (“Glee”)
Chris Noth (“The Good Wife”)
Eric Stonestreet (“Modern Family”)
David Strathairn (“Temple Grandin”)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Desenrola

Obs: O texto abaixo foi escrito quando da exibição de "Desenrola" no Festival Paulínia de Cinema, em julho de 2010.

"Desenrola" de Rosana Svartman, é uma boa surpresa. No início se tem a impressão de que vamos ver um capítulo longo de Malhação; há uma escola de classe média no Rio de Janeiro, adolescentes "irados", trilha sonora ensurdecedora, atores e atrizes "globais", como Cláudia Ohana, e a participação de Pedro Bial como o professor de matemática não prometiam muito. Aos poucos, porém, a história da jovem Priscilla (Olívia Torres, uma graça) e seus colegas vão conquistando o público. Os dramas adolescentes apresentados são os de sempre; paqueras, ciúmes, foras e a eterna preocupação com a "primeira vez". Mas estes temas são apresentados de forma natural e engraçada. Priscilla é apaixonada por Rafa (Kayky Brito), o "gostosão" da praia, mas ela põe tudo a perder com ele ao revelar que é virgem. Isso lhe dá a idéia para um trabalho de estatística que seu grupo tem que fazer para o colégio. Quantas garotas ainda seriam virgens na escola? A pesquisa acaba gerando vários boatos sobre Priscilla, inclusive um video em que um garoto, Boca (Lucas Salles), diz que ela "faz de tudo", acaba indo para o youtube. No início ela fica brava mas, depois do fora que levou de Rafa, quem sabe a fama de "galinha" não seja uma boa?

O roteiro, da própria diretora com Juliana Lins, é divertido e o filme acerta ao retratar os jovens de hoje com os mesmos dramas universais que seus pais passaram no "século passado". Há boas referências a coisas "antigas" como fitas K7 e Walkman, além de músicas tema dos anos 80, como "Don´t you forget about me", do Simple Minds. Sim, o filme é extremamente "global", comercial e, como já disse, chega perigosamente perto de ser um capítulo de Malhação em diversos momentos, mas a direção, roteiro e elenco conseguem se elevar acima disso, e "Desenrola" acaba resultando em um filme gostoso de assistir.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cisne Negro

Nina (Natalie Portman) é uma boa moça. Ela mora com a mãe amorosa (Barbara Hershey) e dorme em um quarto que ainda parece o de uma menina, com bichos de estimação e caixinhas de música. Ela é uma bailarina dedicada que através de muito esforço chegou onde queria, ao papel principal de um dos balés mais famosos da música, "O Lago dos Cisnes".

Nina (Natalie Portman) é uma moça problemática. Aos 28 anos, ainda mora com a mãe superprotetora, que trata a filha como se fosse uma criança. Os anos de dedicação e obsessão com o balé estão cobrando seu preço e Nina tem pesadelos constantes, vomita o pouco que come e tem marcas estranhas pelo corpo, como arranhões e sangramentos inexplicados. O papel principal em "O Lago dos Cisnes" a está enlouquecendo; o diretor do balé (Vincent Cassel) quer que ela faça igualmente bem o Cisne Branco e o Cisne Negro, lados opostos em comportamento, modo de agir e personalidade. Qual das duas Ninas é a real?

O novo filme de Darren Aronofsky (de "Requiem para um Sonho" e "O Lutador") é uma viagem alucinógena ao mundo competitivo e perfeccionista da dança. O balé clássico, com suas sapatilhas apertadas e horas exaustivas de ensaios e treinamentos, envolve também muito ego e os sonhos e a sensibilidade de mulheres que ainda tem o corpo (e talvez a mente) de uma criança. Aronofsky aproxima a câmera dos dançarinos e nos leva para dentro de ensaios e apresentações. Não só isso, ele nos leva para dentro da mente conturbada de Nina, que não sabe mais se pode confiar nos próprios olhos. Para complicar, a chegada de uma nova e sensual bailarina, Lily (Mila Kunis), afeta ainda mais Nina; ela sente atração ou repulsa? O trabalho de maquiagem e iluminação iludem o espectador fazendo com que Nina e Lily se confundam em cena, como reflexos em um espelho distorcido. Lily parece mais do que interessada em Nina, e algumas cenas entre Natalie Portman e Mila Kunis causaram alvoroço no público americano, mas diria que elas são mais bizarras do que sexy. Estaria Lily planejando tomar o papel de Nina no balé? Ou, como diz o diretor a Nina, seu maior obstáculo é ela mesma?

Tecnicamente falando, atente para o ótimo uso de espelhos e de falsos espelhos criados pela fotografia do filme. A câmera é literalmente invisível em alguns planos em que, pela lógica, ela deveria estar sendo refletida no espelho mostrado em cena, mas engenhosos truques óticos (usando dublês e um cenário maior do que o real) enganam os olhos. Inteligente também o uso dos reflexos para representar idéias e sensações. Quando Nina está no metrô, por exemplo, seu reflexo no vidro está sempre com um fundo sombrio atrás, mostrando sua insegurança. Há uma ótima cena em que vemos Nina, jovem e esguia, em primeiro plano, e o reflexo de uma velha bailarina em segundo plano, como que representando a inevitável decadência do corpo humano.

Pelo lado humano, "Cisne Negro" pode ser descrito como a história triste e trágica de uma garota dominada pela mãe e presa em uma cela sem grades. Curiosamente, é o mesmo tema encontrado no infantil "Enrolados", também lançado em 2010. Assim como a estranha relação espelhada entre Nina e Lily, o visual de Natalie Portman e Barbara Hershey também é semelhante. A relação aparentemente amorosa entre mãe e filha, na verdade, mascara uma simbiose doentia entre as duas. A mãe não quer que a filha cresça, e as tentativas de rebelião de Nina acabam se refletindo em seu próprio corpo, com feridas que surgem não se sabe de onde. São auto infligidas? São apenas ilusões? Natalie Portman está excelente e sua interpretação é aposta certa no próximo Oscar.

Certas sequências (e grande parte do final), a bem da verdade, não podem ser explicadas racionalmente. Mas Aronofsky envolve o espectador em uma espiral descendente em que, assim como a personagem principal, não sabemos se podemos ou não confiar em nossos sentidos, e muito menos na razão. "O Lago dos Cisnes" é uma das composições mais trágicas do grande compositor russo Tchaikovsky, e o tema principal é dos mais belos, e tristes, da sua obra. Ele é aproveitado pelo compositor da trilha, Clint Mansell (habitual colaborador de Aronofsky) durante a estonteante sequência final. Aronofsky não é um diretor habituado a sutilezas e, assim como a música de Tchaikovsky, "Cisne Negro" é por vezes exagerado, mas é forte, sublime e trágico.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Além da Vida

Não foi só no Brasil que o espiritismo atraiu a atenção dos cineastas ultimamente. Depois que filmes nacionais como "Chico Xavier", "Nosso Lar" e "As Cartas Psicografadas por Chico Xavier" foram exibidos por aqui, chega agora aos cinemas "Além da Vida", com Matt Damon e direção de Clint Eastwood. A questão do que po de haver depois da morte sempre afligiu o ser humano. Shakespeare já falava, em Hamlet, sobre a "terra desconhecida, de onde ninguém jamais voltou". Clint Eastwood trata do tema do ponto de vista dos sobreviventes, que tem que suportar a perda de alguém e que, às vezes, querem tentar "fazer contato" com os que partiram.

Matt Damon é George Lonegan, um homem comum que, depois de quase morrer em uma cirurgia delicada quando criança, recebeu um "dom". Ao tocar em uma pessoa, ele pode, aparentemente, entrar em contato com os entes queridos dela que morreram. George não vê sua habilidade como um dom, mas como uma maldição, pois impede que ele tenha qualquer tipo de relacionamento normal com alguém. Eastwood e Damon fazem um bom trabalho ao mostrar como George evita o contato físico com todos à sua volta. Uma das situações mais complicadas (e doces) do filme é seu "relacionamento" com Melanie (Bryce Dallas Howard). Os dois fazem um curso de culinária e as cenas entre eles são conduzidas por Eastwood com muita elegância. Melanie, frágil e carente, sente-se atraída por George, mas como retratar um romance em que o casal não pode se tocar, e tornar as cenas interessantes? Novamente, é com muita sensibilidade que Eastwood resolve a situação, em uma cena da aula de culinária que envolve o uso de vendas e a degustação de alguns temperos.

Há outras duas tramas que correm paralelas à de George. Na França, uma jornalista chamada Marie LeLay (a bela Cécile de France, de "Um segredo em família") volta mudada de uma viagem à Tailândia. Em uma cena espetacular logo no início do filme, Marie quase morre afogada por um tsunami que destrói tudo por onde passa. Na verdade, talvez ela tenha realmente morrido e visto, por alguns segundos, o "outro lado", a conhecida imagem da luz branca e sensação de paz descrita por milhares de pessoas. Marie pede afastamento do trabalho e começa a escrever um livro sobre o assunto.

Em Londres, um garoto chamado Marcus (Frankie McLaren) sofre com a perda do irmão gêmeo em um acidente. Para piorar, a mãe é viciada em drogas e é levada para uma clínica de recuperação. Sentindo muita falta do irmão, Marcus começa a investigar a vida após a morte, chegando a consultar vários tipos de "videntes", muitos deles charlatões.

O roteiro de Peter Morgan não toma partido, o que por vezes deixa o filme superficial. A direção de Eastwood e a qualidade das interpretações, porém, superam alguns tropeços da trama, que quase cai no sensacionalismo quando Marie discursa sobre uma "conspiração" para silenciar os que acreditam na vida após a morte. A trilha sonora, do próprio Eastwood, é um pouco melodramática. Um dos temas, aliás, é praticamente uma cópia do segundo movimento do Concerto número 2 para Piano e Orquestra de Rachmaninov. Em um filme sobre a vida após a morte, Eastwood, acertadamente, está mais interessado nos vivos e faz um tipo de cinema raro hoje em dia (da sala ao lado se podia escutar o barulho de tiros e explosões comuns aos cineplexes), com tempo para o desenvolvimento das tramas e respeito pelos personagens.


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um lugar qualquer

O novo filme de Sofia Coppola, apesar de muito bom, sofre pela semelhança com outro da diretora, o ótimo "Encontros e Desencontros" (2003), que tinha basicamente a mesma premissa. Bob Harris (Bill Murray), era um ator famoso, mas decadente, que ia para Tóquio gravar uma série de comerciais de bebida. Entre as gravações, o filme era sobre suas andanças pelo grande (e estéril) hotel onde estava hospedado e sua amizade/amor com uma garota mais jovem, Charlotte (Scarlett Johansson), também "perdida" na cidade. O charme do filme estava nos longos silêncios e na sensação de vazio dos dois personagens diante de uma cultura que eles não entendiam e não faziam parte. E, claro, na atração amorosa que se instala entre os dois.

"Um lugar qualquer" (Somewhere) também trata de um astro de cinema, o jovem Johnny Marco (Stephen Dorff), vagando em vazio existencial pelos corredores do hotel Chateau Marmont, em Hollywood. Ele é bem sucedido naquele tipo de filme de ação em que não tem muito o que fazer a não ser correr, saltar e ser bonito, mas está no limbo. Sua vida se resume a beber muito, consumir drogas e ter sexo casual com fãs e prostitutas. De vez em quando, pede o serviço de duas "dançarinas de pole dance", gêmeas, que se apresentam em elaboradas coreografias em seu quarto. Em uma delas, ele dorme no meio da apresentação.

E há Cleo (Elle Fanning), sua filha de 11 anos, com quem ele passa alguns dias da semana. A cena em que Cleo é apresentada é um primor de Sofia Coppola. Após uma apresentação das gêmeas dançarinas, ambas loiras, jovens e lindas, há um corte que sai de uma delas e vai para uma mão feminina, que assina o gesso do braço quebrado de Johnny Marco. Ele abre os olhos e tanto ele quanto o público vê Cleo pela primeira vez, também jovem, loira e linda. É como se ela fosse apenas mais uma etapa nos compromissos sem importância que ele tem que cumprir durante o dia. Só que a mãe de Cleo deixa uma mensagem para Marco dizendo que precisa "dar um tempo" e desaparece por uns dias, deixando a garota com ele. Ao contrário do que se poderia esperar, este não é um filme clichê de pai descobrindo o valor dos filhos. Aos poucos, sim, Johnny Marco vai se sentindo mais próximo da filha mas, ao mesmo tempo, sente-se cada vez mais vazio. Os dois passam o dia jogando videogame ou tomando sol à beira da piscina. Elle Fanning é uma graça e dá a Cleo uma imagem de garota que sabe do status de celebridade do pai, mas não é muito afetada por isso. Há várias sequências em que a vemos simplesmente cozinhando ou criando pratos para o jantar, como alguém que está acostumada a se virar sozinha. Pai e filha partem para a Itália em uma viagem promocional do novo filme de Marco, mas não vemos nada do país, continuamos no ambiente artificial dos hotéis de luxo.

Em vários aspectos, é um filme mais cruel do que "Encontros e Desencontros". Não há o exotismo do Japão, por exemplo, para aliviar o vazio existencial dos personagens. E tanto Bill Murray quanto Scarlett Johansson passavam a sensação de pessoas apenas temporariamente perdidas, a ponto de mudar de situação. Já Johnny Marco (como o próprio chega à conclusão em determinado ponto do filme) sente-se como um "nada". Ele tem dinheiro e fama, mas não sabe o que fazer com eles. A vida é uma sucessão de brincadeiras sem sentido e acompanhantes de luxo. A convivência com Cleo pode dar aos dois uma nova chance, mas mesmo o final é falsamente otimista. O que Johnny Marco vai fazer em seguida? O filme estréia no Brasil dia 28 de janeiro.


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Enrolados

A produção de "Enrolados" passou por muitos problemas. Originalmente chamado de "Rapunzel", a produção da Disney era para ser um desenho animado tradicional, feito à mão e seguindo a longa tradição do estúdio. Mas os tempos mudaram, os animados em computação gráfica se tornaram a norma e uma concorrente, a Pixar, havia tomado o posto de principal estúdio de animação do mundo.

Disney e Pixar se fundiram, executivos mudaram de posição na empresa e John Lasseter, o gênio criativo por trás de "Toy Story" e outros sucessos se tornou produtor executivo de "Rapunzel", que depois de muitas mudanças passou a se chamar "Enrolados". O filme foi feito em computação gráfica e, seguindo outra tendência, em 3D. O resultado, surpreendentemente, é excelente. "Enrolados" pode ser considerado um marco na fusão das novas tecnologias com o traço tradicional do desenho animado da Disney. Não só isso; o coração do filme está em algo que a Pixar, com toda sua tecnologia, sempre prezou muito: o roteiro.

Seguindo a tradição das princesas da Disney como Cinderela, A Bela Adormecida e a Pequena Sereia, "Enrolados" conta a história de Rapunzel, uma princesa com cabelos mágicos que têm o poder de manter as pessoas jovens e de curar feridas. Ainda quando bebê, ela é sequestrada por uma bruxa chamada Gothel, que se torna sua mãe. Superprotetora, Gothel coloca Rapunzel em uma alta torre em um local secreto da floresta, onde a garota passa todos os dias de sua vida. Ela tem curiosidade sobre o mundo lá fora, claro, mas as histórias de terror que sua mãe lhe diz faz com que ela também tenha muito medo de sair da sua prisão sem grades. Uma vez por ano, em seu aniversário, o palácio solta balões iluminados no céu, na esperança de que a princesa ache o caminho de volta para casa. A cena em que a garota, aos 18 anos, pede de presente para a mãe que a deixe sair da torre valeria teses de psicologia sobre o poder da influência dos pais sobre a liberdade dos filhos. Gothel aterroriza e ridiculariza a menina de tal forma que Rapunzel, apesar de ainda querer fugir, se sente segura e protegida na alta torre da floresta. Até que um dia um ladrão chamado Flynn Ryder, fugindo dos guardas do palácio, acaba chegando até a torre, e no momento que Rapunzel olha para ele sabe que tudo mudou em sua vida.

Além do ótimo roteiro, a técnica de "Enrolados" é impressionante. A influência e know how da Pixar se fazem sentir em cada plano; os cenários são ricos em detalhes e os personagens não se movimentam como bonecos de computador. O 3D é muito bem usado e não é somente um chamariz de bilheteria. A trilha sonora tem músicas de Alan Menken, um dos responsáveis pelo ressurgimento da Disney no mundo da animação em "A Pequena Sereia" (1989) e vencedor de oito Oscars em filmes como "A Bela e a Fera", "Aladinn" e "Pocahontas". O filme tem cenas ótimas, como a passada dentro de uma taverna escura, cheia de bandidos (que acabam se revelando sensíveis e de bom coração) ou a primeira vez que Rapunzel sai da torre, alternando momentos de extrema alegria com outros de depressão e culpa. Há também um personagem coadjuvante, um camaleão que faz companhia a Rapunzel na torre, que rende boas gargalhadas. Mas a melhor cena, para entrar para a história da Disney, é o momento em que Flynn e Rapunzel, em um barco, acompanham o lançamento dos balões iluminados ao céu.

Clássico instantâneo.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Contos da Era Dourada

Longa metragem composto por seis episódios, este filme da Romênia foi escrito pelo mesmo diretor do ótimo "4 meses, 3 semanas e 2 dias", Cristian Mungiu. Enquanto este último tinha uma trama pesada (as negociações de duas mulheres com um salafrário para fazer um aborto ilegal), estes contos são leves, tendendo para a comédia irônica.

Assim como "4 meses, 3 semanas e 2 dias", os curtas se passam durante a ditadura de Nicolau Ceausescu, que governou a Romênia comunista de 1965 até 1989, quando foi derrubado e morto por uma revolta armada. Os episódios foram todos escritos por Mungiu e dirigidos por Hanö Hofer, Rasvan Marculescu, Constantin Popescu, Iona Uricaru e o próprio Cristian Mungiu. As tramas são uma série de "lendas urbanas" sobre como o povo romeno lidava com os problemas gerados pela burocracia do governo comunista.

Em "Vendedores de Ar", um rapaz e uma moça (Diana Cavaliotti e Radu Iacoban) se fazem passar por funcionários do "Ministério da Química" e aplicam golpes em idosos que ficam sozinhos em seus apartamentos. Eles dizem que vieram buscar uma amostra da água (ou do próprio ar) do apartamento porque houve reclamações sobre a má qualidade destes. O objetivo dos dois, na verdade, é recolher garrafas de vidro vazias e vendê-las. Segundo o episódio, no final do governo comunista era possível até comprar um carro velho vendendo garrafas.

O episódio "Chofer de Galinhas" trata de um motorista de caminhão, Grigore (Vlad Ivanov) que está com problemas no casamento. Quase todos os dias ele tem que transportar galinhas até uma cidade portuária, mas ele sempre para em um restaurante gerenciado por uma bela mulher solitária. Os dois começam um esquema de vender os ovos postos pelas galinhas para o povo da vizinhança. Como em todos os episódios, a presença da polícia do Estado se faz sentir, e Grigore acaba descobrindo, da pior forma, quem lhe é realmente fiel.

"Visita Oficial" é o episódio mais engraçado do longa. O povo de uma comuna está agitado por causa de uma visita dos membros do Partido no dia seguinte. Todos estão pintando faixas vermelhas com frases patrióticas, tapando buracos nas ruas ou trazendo os animais do campo para serem expostos na estrada. Um modesto parque de diversões também está instalado na comuna para uma festa local, e um dos aparelhos do parque vai ter papel importante na trama, além de arrancar da platéia as únicas gargalhadas de todo filme.

A burocracia do Partido Comunista é mostrada de forma mais evidente em "O Fotógrafo Oficial". Durante a visita de um "representante do capitalismo" à Romênia, os fotógrafos do jornal oficial são obrigados a seguir diretrizes que dizem que Nicoláu Ceausescu tem sempre que parecer mais alto que os outros na foto. Em uma época em que o Photoshop ainda não existia, retoques tinham que ser feitos, à mão, através de truques óticos. Um problema ideológico acontece quanto, em uma foto, o ditador romeno parece mais baixo que um político francês, que está usando um chapéu. O que fazer? Tirar o chapéu do francês ou colocar um em Ceausescu? Para que a foto seja adulterada e os jornais sejam impressos a tempo, o Partido até atrasa o horário dos trens. Só que um detalhe esquecido na foto adulterada pode custar o emprego (e a liberdade) do fotógrafo oficial do jornal.

"O Ativista" é o episódio tecnicamente mais bem feito, mas é dos menos inspirados. Fugindo do estilo "câmera na mão" e documental dos outros episódios, este tem movimentos de câmera bem feitos e trilha sonora mais evidente. A trama conta a história de um ativista que vai para uma pequena aldeia para cumprir a promessa do Partido de erradicar com o analfabetismo. A intenção pode ser boa, mas ele vai enfrentar barreiras culturais e um pastor que se recusa a ir à escola.

No episódio "O Policial Ganancioso", um porco vivo é contrabandeado para dentro do apartamento do personagem título, que tem que imaginar um meio de matá-lo para o Natal. Como matar um porco, em um apartamento, sem atrair a atenção de toda a vizinhança? É o filho do policial que tem a idéia de usar o gás da cozinha para matar a "fera".

Os episódios são interessantes pricipalmente por mostrar uma cultura que, assim como a brasileira, está acostumada a dar seus "jeitinhos" para sobreviver. Há uma leveza intencional nas histórias que acaba sendo o ponto fraco do longa como um todo. A ingenuidade por vezes soa forçada e os episódios carecem de um final mais impactante. Com 155 minutos de duração, é também bastante longo. Mas alguns episódios são realmente interessantes, ao mostrar a solidão do motorista de caminhão, a burocracia na visita oficial, a censura aos fotógrafos do jornal e a história bizarra do porco de Natal. "Contos da Era Dourada" está em cartaz no Topázio Cinemas.