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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Duna: Parte 2 (Dune: Part 2, 2024)

 
Duna: Parte 2 (Dune: Part 2, 2024). Dir: Denis Villeneuve. Três anos depois da primeira parte, chega aos cinemas a continuação do épico de Denis Villeneuve, Duna. O primeiro filme, apesar de muito bom, tinha o problema de parar no meio da trama. Este começa praticamente na cena seguinte do filme anterior e imagino o dia em que vai ser possível assistir tudo, de uma vez, em um filmão de mais de quatro horas.

O roteiro traz algumas adaptações e mudanças na trama do livro que são interessantes. Stilgar (Javier Bardem), é mostrado como um fanático religioso, diferentemente do livro. Chani (Zendaya), ao contrário, é vista como uma pessoa cética que acha que profecias servem apenas para prender seu povo. Esses temas, presentes nos livros de Frank Herbert, são colocados mais em evidência no roteiro de Villeneuve e Jon Spaihts. Paul Atreides (Timothée Chalamet) não acredita que ele seja o "Lisan al Gaib", o profeta que o povo Fremen acredita que veio para salvá-los. Já Lady Jessica (Rebeca Ferguson), sua mãe, acha que ele deve abraçar as profecias para ganhar mais poder.

Todos estes temas, fanatismo, misticismo, dependência química e expansão da mente convivem em um cenário de ficção-científica, com suas naves espaciais, lasers, explosões e batalhas épicas entre casas rivais do Império. O estilo grandioso de Villeneuve, acompanhado pela música de Hans Zimmer e incríveis efeitos especiais, por vezes, beiram o exagero. Uma vez que se "abrace" o estilo, no entanto, o resultado é impressionante. Eu, que já li o livro original várias vezes, fico impressionado como a visão de Villeneuve é parecida com o que eu havia imaginado. Já foi anunciado que um terceiro filme, baseado em "O Messias de Duna" (o segundo livro), será feito por Villeneuve e equipe (o que explica porque Anya Taylor-Joy aparece só por alguns segundos neste filme... sua personagem será explorado no próximo capítulo).

O resto do elenco conta com Josh Brolin, Austin Butler, Léa Seydoux, Charlote Rampling, Florence Pugh, entre outros. O grande Christopher Walken, que eu adoro, infelizmente foi uma escolha errada para encarnar o Imperador. Walken é ótimo, mas está fora de lugar aqui. Não sei como estes filmes são encarados por quem não leu os livros (estou curioso), mas achei um épico grandioso. Nos cinemas.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023)

 
Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023). Dir: Jonathan Glazer. Cinema, disse Martin Scorsese, é decidir o que está ou não dentro do frame. Às vezes, porém, o que não está também é importante. Neste filme de Jonathan Glazer a câmera faz o possível para olhar para o outro lado. Talvez seja a atitude de muitos alemães durante a 2ª Guerra Mundial?

A família de Rudolf Höss (Christian Friedel) vive em uma bela casa. Há uma piscina, um jardim florido, uma horta. A esposa, Hedwig (Sandra Hüller, a ótima atriz de "Anatomia de uma Queda"), tenta manter tudo limpo e organizado. As crianças brincam no jardim ou nadam em um rio próximo. Rudolf Höss é comandante do campo de concentração de Auschwitz, cujos muros fazem divisa com sua casa. De vez em quando, oficiais nazistas entram para discutir a construção de novos fornos ou outras questões logísticas. Höss descobre que vai ser transferido e fica preocupado com a reação da esposa. À noite, o clarão das chaminés ilumina os quartos.

Se não fosse um filme sobre o Holocausto, poderia ser o retrato de uma família comum. O pai, tentando fazer seu trabalho direito mas, também, atento à família (ele lê contos de fadas para as filhas todas as noites). A mãe, cuidando da casa e preocupada com a educação dos filhos. O cachorro tentando pegar a comida da mesa. Os empregados (judeus), limpando a casa e escutando broncas da patroa. Quanto mais comum, mais arrepiante. Glazer mantém a câmera quase sempre estática, o que aumenta a angústia. A imagem clara e límpida (direção de fotografia de Lukasz Zal), parece curiosamente atual; o filme não tem aquele "ar" de velho, da 2ª Guerra, o que deixa o filme ainda mais assustador. Só a trilha de Mica Levi, bastante estranha, tenta nos mostrar que algo está muito errado. "Zona de Interesse" está indicado aos Oscar de melhor filme, direção, roteiro adaptado, som e melhor filme internacional. Muito bom. Nos cinemas.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

American Fiction (2023)

American Fiction (2023). Dir: Cord Jefferson. Ótima sátira, com doses de drama, a respeito de um escritor negro de Los Angeles chamado Monk (Jeffrey Wright). Monk é um escritor que não vende muito. "Seus livros não são 'negros' o suficiente", diz seu editor. "Eu sou negro, então meu livro é um 'livro negro'", ele retruca. Aparentemente, não é assim que o mercado vê. Uma escritora jovem, Sintara (Issa Rae), está fazendo sucesso com um livro, que, na opinião de Monk, está cheio de estereótipos do que os brancos imaginam ser a "luta negra". Em uma brincadeira, ele resolve então escrever um "livro negro" para satisfazer o mercado, cheio de clichês e gramática errada. Para sua surpresa, o livro se torna um sucesso.
Há um lado dramático que mostra a família de Monk, composta por uma irmã médica (Tracee Ellis Ross) e um irmão cirurgião plástico (Sterling K. Brown). Eles têm recursos, moram em Boston e têm uma casa na praia. Monk se vê cuidando da mãe com Alzheimer e tendo que lidar com a família, da qual se distanciou. Há também espaço para um romance com Coraline (Erika Alexander), uma vizinha. O filme mostra o contraste entre essa família negra de classe média alta, lidando com seus problemas, e os negros retratados pela mídia, geralmente como criminosos ou vítimas a serem salvas pelos brancos.
A mistura entre drama e sátira nem sempre funciona. Há algumas questões levantadas pelo roteiro que poderiam ser melhor trabalhadas (a escritora negra jovem, por exemplo, porque ela escreveu aquele livro? Foi só pelo dinheiro?), e o final, bastante satírico, deixa algumas pontas soltas. "American Fiction" está indicado a vários Oscars importantes, como melhor filme, ator (Jeffrey Wright), ator coadjuvante (Sterling K. Brown), trilha sonora (Laura Karpman) e roteiro adaptado (Cord Jefferson). A produção é da Amazon, mas ele ainda não está disponível no streaming.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Sly (2023)

Sly (2023). Dir: Thom Zimny. Netflix. Documentário estranhamente melancólico sobre a vida e carreira de Sylvester Stallone. Conhecido por personagens "musculosos" como Rocky e Rambo, pouca gente sabe que Stallone é, antes de tudo, um roteirista. É, também, produtor e diretor. Cansado de ser rejeitado pelos estúdios nos anos 1970, Stallone escreveu "Rocky" e se recusou a vender o roteiro a não ser que ele próprio interpretasse o personagem principal. "Rocky" ganharia o Oscar de Melhor Filme e Stallone seria indicado tanto como roteirista quanto por ator.
É uma história fascinante e, aos trancos e barrancos, Stallone conseguiu se manter no topo de Hollywood por décadas. Por que, então, este documentário acaba decepcionando? O próprio Stallone conta sua história em uma série de entrevistas, grande parte delas dadas dentro de uma de suas mansões, cercado por figuras dele mesmo. Bustos e estátuas de Rocky, Rambo e outros personagens cercam o ator; nas estantes, roteiros dos seus filmes. Nas paredes, quadros dele mesmo. Achei carregado demais. Há momentos intimistas, principalmente quando ele fala da relação complicada com o pai, um homem competitivo e violento. A morte do filho, Sage Stallone, no entanto, passa meio batida e sem muitas explicações. Há poucos depoimentos de outras pessoas (Quentin Tarantino, Talia Shire e Schwarzenegger os maiores destaques).
Há diversos trechos de seus filmes (principalmente Rocky e Rambo) mas, por questões de direitos autorais, as icônicas trilhas sonoras não são usadas. Faltou um olhar mais crítico sobre o papel de Stallone na cultura pop do cinema dos anos 1980. Há, porém, diversos bons momentos, principalmente nas cenas de bastidores das filmagens de Rocky (que tinha orçamento bastante modesto) e na ligação biográfica entre a vida de Stallone e seus personagens. Pessoalmente, achei mais interessante a minissérie recente sobre Schwarzenegger. Tá na Netflix.

domingo, 22 de outubro de 2023

Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, 2023)

Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, 2023). Dir: Martin Scorsese. Um filme novo de Scorsese nos cinemas é um evento que deve ser visto em uma sala de cinema. Não pude fazer isso com seu último trabalho, "O Irlandês", que saiu na Netflix, e a diferença é considerável. "Assassinos da Lua das Flores" mostra um Scorsese maduro, ainda tentando coisas diferentes aos 80 anos de idade. A diferença aqui é o ponto de vista feminino, na forma de uma índia da tribo Osage chamada Mollie (Lily Gladstone). Sim, Robert De Niro está lá (excelente). DiCaprio está lá. Assassinatos, violência, gângsters... ingredientes de um filme "normal" de Scorsese, mas talvez com um toque extra de crueldade e tristeza.

A trama se passa nos anos 1920 em Oklahoma, EUA. Leonardo DiCaprio é Ernest, um soldado voltando da Primeira Guerra Mundial para trabalhar para o tio, Willian Hale (De Niro). Os índios da nação Osage ficaram ricos quando petróleo foi descoberto em suas terras. Aparentemente, eles vivem bem, têm casas enormes, carros, joias; mas uma das qualidades deste filme de Scorsese é como ele mostra, bem lentamente, que as aparências enganam. Não é segredo que este é um filme (bem) longo, são quase três horas e meia de duração. A editora habitual de Scorsese, Thelma Schoonmaker, faz um belo trabalho em apresentar os personagens e manter as tramas compreensíveis ao longo de vários anos (e longos minutos de filme), mas é discutível se qualquer filme precisa ter três horas e meia de duração, mas essa é outra questão.
Como disse, creio que o que chama atenção nesta obra é o modo como Scorsese apresenta o "mal". Sem entrar no terreno de spoilers, o filme é excelente em apresentar eventos que, mais tarde, descobrimos serem terríveis, mas que aparentam ser inocentes no começo. O mais desconcertante é o caso de amor entre o personagem de DiCaprio e Millie, cheio de camadas e nuances. Ela, forte, decidida, dona do nariz, mas humana. Ele, fraco, indeciso, aparentemente apaixonado por ela mas incapaz de ir contra um sistema que a vê como algo descartável.
O roteiro, inicialmente, daria ênfase aos agentes federais que vêm para a cidade investigar a morte de vários índios Osage. DiCaprio interpretaria um deles, em um papel mais heroico. Ele e Scorsese acabaram mudando o foco para o ponto de vista das vítimas e o filme ganhou muito com isso. É um trabalho de fôlego que vai colocar lenha na fogueira das premiações do ano que vem, que pareciam estar definidas entre a "Barbie" de Greta Gerwig e o "Oppenheimer" de Nolan.
Com relação à duração do filme, temos que levar em conta que ele foi coproduzido pela Apple para seu canal de streaming. O mesmo aconteceu com "O Irlandês' e a Netflix. Coincidência ou não, são dois filmes com três horas e meia de duração, o que leva a crer que foram editados mais com os serviços de streaming na cabeça do que as salas de cinema. Ridley Scott vai lançar seu "Napoleão" com duas durações, uma mais curta nos cinemas e outra mais longa no streaming. Seria uma nova tendência? É esperar para ver.

O Som da Liberdade (Sound of Freedom, 2023)

O Som da Liberdade (Sound of Freedom, 2023). Dir: Alejandro Monteverde. O filme vem cercado de tantas polêmicas que fica difícil julgá-lo por seus próprios méritos (ou falta deles). Produção de baixo orçamento, financiado por uma penca de produtores executivos (um deles é Mel Gibson) e por milhares de apoiadores (que estão nos créditos finais), "Som da Liberdade" surpreendeu ao bater pesos pesados de Hollywood nas bilheterias americanas, rendendo mais de 200 milhões de dólares (para um orçamento de menos de 15 milhões).

A trama tenta te pegar pela emoção. O assunto, pesado, é o tráfico sexual de crianças, e Jim Caviezel (que interpretou Jesus em pessoa no "Paixão de Cristo" de Gibson) é um agente americano que pede demissão para tentar resgatar crianças na Colômbia. O ritmo é bem lento e o roteiro é cheio de monólogos falando o óbvio ("traficar crianças é ruim"). Caviezel, com seu cabelo loiro e olhos claros, está quase sempre quieto, à beira das lágrimas. Sua esposa é interpretada por Mira Sorvino, que mal fala dez frases o filme todo, a típica esposa fiel e silenciosa do herói americano.

Como filme, "Som da Liberdade" é um thriller lento e não muito inspirado. Há algumas boas cenas interpretadas por Bill Camp (sempre bom coadjuvante) e o garoto que interpreta uma das crianças raptadas (Lucás Ávila) é bastante bom. De resto, é bem quadradinho. Há uma cena de resgate bem difícil de acreditar e tão rápida que parece que ficou faltando alguma coisa na edição. A "polêmica" ficou por conta das manifestações políticas de Jim Caviezel e pela associação com teorias da conspiração que inflamaram a briga esquerda x direita nos EUA (e no resto do mundo). Como cinema, é filme para passar no Supercine.

Retratos Fantasmas (2023)

Retratos Fantasmas (2023). Dir: Kleber Mendonça Filho. Filme bonito demais sobre memórias, mudança, cidades e cinema (não necessariamente nesta ordem). De forma extremamente pessoal, Kleber Mondonça fala sobre o apartamento da família no Recife, que a mãe historiadora reformou e transformou em um lar depois da separação do marido. Foi lá que Kleber fez os primeiros curtas metragens, em diversos formatos, VHS, Super-8; anos depois, o primeiro longa, o premiado "O Som ao Redor", também foi rodado no mesmo apartamento. É curiosa a justaposição de imagens em qualidade baixa, "amadoras", se misturando à imagem profissional do cinema. A revisão dessas horas de imagens mostram outra coisa, a verticalização dos prédios ao redor, o surgimento de grades e cercas de arame farpado. Entre as memórias de Kleber, o som do cachorro do vizinho, que já havia morrido, se mistura a uma foto de um "fantasma" que ele tirou na sala de casa.


A segunda metade se dedica ao centro do Recife e suas grandes salas de cinema; os dois já viram dias de opulência e efervescência cultural. Hoje, os grandes palácios dão lugar a igrejas evangélicas, lojas de departamentos e shoppings. Kleber usa de um rico acervo pessoal de imagens que fez de salas como Art Palácio, Veneza ou São Luiz. Há um personagem muito interessante, o "Seu" Alexandre, projecionista do Art Palácio, que foi entrevistado pelo diretor durante as semanas que antecederam o fechamento do cinema. "É como visitar um navio que vai ser afundado", comenta Kleber, enquanto mostra os bastidores da grande sala, construída por investidores alemães que pretendiam, nos anos 1930 e 1940, difundir ideias nazistas no Brasil.

A terceira parte fala sobre a relação entre as salas de cinema e os templos. Curioso que o São Luiz, a magnífica sala de cinema que ainda existe no Recife, foi construído no lugar de uma igreja do século 19; nas últimas décadas, o que se vê é o crescimento das igrejas evangélicas, que compraram os velhos cinemas e mudaram o foco da adoração, por assim dizer.

O filme me despertou muitas memórias dos tempos dos cinemas de rua que frequentava na juventude, como o Cine Windsor, Regente ou Jequitibá em Campinas, por exemplo. Sobre matar aulas para ver "Império do Sol" no Regente, ou sair com as pernas bambas do Cine Astor, em São Paulo, depois de uma sessão de "Fargo", dos irmãos Coen. Cinemas de rua, ao contrário das salas de shopping, tinham identidade e personalidades próprias. A gente ficava dentro do cinema quando terminava a sessão e via o filme novamente, se assim quisesse. Fazia amizade com o projecionista e visitava a cabine de projeção. Na Paulista ou no centrão de São Paulo, era comum sair de uma sessão, andar uns metros e entrar em outra sala, para conferir o novo Tarantino ("Pulp Fiction" no Cine Comodoro, por exemplo) ou Scorsese ("Os Bons Companheiros" em uma sala no centro, em Jundiaí). Assistir a "Cinema Paradiso" em diversas salas e prometer nunca vê-lo na TV.

"Retratos Fantasmas" é mais do que um documentário sobre salas de cinema. É sobre a relação orgânica entre salas de cinema e suas plateias. Sobre o entorno dos cinemas; sobre como as grandes "majors" americanas tinham escritórios ao lado do consulado americano, no centro do Recife, onde hoje está tudo abandonado. Ao final, Kleber faz um bem humorado (e bizarro) passeio de Uber pelas ruas da cidade. Pela janela, vê passar, iluminadas e brilhantes, farmácia atrás de farmácia. Visto no Kinoplex do Shopping Parque Dom Pedro, em Campinas.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Oppenheimer (2023)

Oppenheimer (2023). Dir: Christopher Nolan. Depois de meses de uma das campanhas publicitárias mais massivas (e estranhas) de todos os tempos, chega finalmente aos cinemas o mais novo filme de Christopher Nolan. Juro que tentei ver na estreia, mas fui afogado por um mar de pessoas usando rosa.

"Oppenheimer" é um filme de Christopher Nolan, o que já carrega algumas coisas: é longo (são três horas de duração), é pesado e teatral (as paredes literalmente tremem quando Oppenheimer está nervoso), os personagens não param de falar (até em uma cena de sexo Oppenheimer está lendo um livro em sânscrito), a trilha sonora é constante e opressora (surpresa, não é de Hans Zimmer, mas o compositor Ludwig Göransson está fazendo uma imitação perfeita), e o visual é incrível (o filme foi feito em película Kodak, em IMAX 70mm, pelo diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema).

Isto posto, "Oppenheimer" é um grande filme. Cillian Murphy está excelente como um cientista brilhante com uma vida pessoal conturbada. J. Robert Oppenheimer foi um dos primeiros físicos a descrever um buraco negro, mas também sabia ler Karl Marx no original, aprendeu holandês em seis meses e lia em sânscrito. Também flertou com o Partido Comunista Americano (embora nunca tenha se filiado) e mandava dinheiro para os refugiados da Guerra Civil Espanhola; ao mesmo tempo, ajudou a criar uma arma de destruição em massa que matou perto de 200 mil pessoas.

O filme de Nolan conta a vida e "obra" de Oppenheimer partindo de dois julgamentos (ou melhor, "audiências"); em uma, o próprio Oppenheimer tem sua credibilidade posta em cheque em uma audiência que pretende revogar suas credenciais. Em outra, no Senado americano, o personagem de Robert Downey Jr., Lewis Strauss, tenta confirmar sua indicação a um alto posto no governo. Nolan, como de costume, não conta as histórias de forma linear e alterna várias linhas de tempo misturando preto e branco e colorido. Em uma decisão ousada, Nolan não coloca datas na tela e cabe ao espectador usar sua bagagem cultural para entender em que fase da História (com H maiúsculo) estamos. Às vezes fica bem confuso.

Até a explosão da primeira bomba atômica no teste de Trinity, no Novo México, diria que o filme é brilhante. Nolan consegue mostrar o processo de recrutamento dos cientistas para o Projeto Manhattan, a construção da base secreta em Los Alamos, a vida pessoal complicada de Oppenheimer, entre vários outros assuntos, de forma muito bem montada. A cena do primeiro teste nuclear, a propósito, é ótima (e você tem que ver este filme em uma tela IMAX gigante, com o som fazendo a cadeira tremer). O filme perde bastante o ritmo em sua hora final. Nolan exagera em seus maneirismos e fica difícil entender o que seu personagem está pensando quando o cenário está literalmente tremendo, a música está estridente e uma luz brilhante cega tudo por vários segundos (e não estou falando do teste nuclear, mas um simples interrogatório na tal audiência). É aposta certa que o filme vai render várias indicações ao Oscar. Resta saber se a bomba atômica, para Nolan, não vai se chamar Barbie. 

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1 (Mission: Impossible - Dead Reckoning Part One, 2023)

Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1 (Mission: Impossible - Dead Reckoning Part One, 2023). Dir: Christopher McQuarrie. Antes de falar no Missão: Impossível, uma história; fui ao shopping tranquilo, achando sinceramente que chegaria lá e encontraria ingresso para assistir "Oppenheimer" no IMAX. Afinal, há algumas semanas fiz exatamente isso para ver "Indiana Jones" na estreia, sem filas e com cinema com meia lotação. Só que não; um MAR de garotas (e garotos... e gente não tão jovem assim) vestindo rosa tomava o shopping e o saguão do cinema. Uma "Barbie-mania" impressionante. Pior... quem não conseguiu ingresso para Barbie comprou para ver Oppenheimer e...fiquei sem entrar. Então...

O novo "Missão: Impossível" (que nem sei em que número está) é deliciosamente bom. Tom Cruise e sua trupe estão ótimos e o filme, como produto, é extremamente bem feito. A câmera de Christopher McQuarrie está sempre em movimento, mas você nunca perde a geografia das cenas ou o enquadramento dos personagens. A trama, claro, é absurda. Tem algo a ver com uma chave, que se divide em duas partes, que serve para controlar uma "Entidade". Não estamos falando de nada espiritual, mas do mais novo bicho papão da sociedade, a Inteligência Artificial. Em tempos de ChatGPT e Dall-E, o roteiro do novo M:I me pareceu bem atual, apesar de saber que o filme ficou em produção por anos.

O elenco habitual composto por Cruise, Simon Pegg e Ving Rhames é acompanhado por alguns que já vimos antes, como Rebecca Ferguson e Vanessa Kirby, e rostos novos, como Hayley Atwell e Shea Whigham. O Ethan Hunt de Cruise se tornou o novo 007 nos últimos anos e, pessoalmente, acho bem mais divertido. Há grandes cenas de perseguição e correria pelas ruas de Roma, os canais de Veneza, um aeroporto de Abu Dhabi e nas areias do deserto. Achei curioso como todas elas funcionam muito melhor do que nas cenas do recente "Indiana Jones". Cruise traz um humor bem vindo a estas cenas, principalmente contracenando com Hayley Atwell. E, sim, há a já famosa (e muito marketeada) sequência do salto com moto de um penhasco, em que Cruise realmente teria se lançado em queda livre de um pico dos Alpes. A cena é boa mas, sinceramente, achei bem mais interessante (e agonizante) uma sequência em que Cruise e Atwell tentam escalar os vagões de um trem caindo.

O curioso desses filmes é que, ao contrário de James Bond, é tudo bem assexuado. Há um bocado de mulheres bonitas soltando faíscas ao lado de Cruise, como Ferguson, Atwell, Kirby ou a canadense Pom Klementieff (que parece personagem de anime), mas o máximo que acontece é uns abraços e apertos de mão. Ethan Hunt já foi casado na série e a esposa (ou ex, não lembro mais) é mantida longe pela segurança dela, mas é curioso como, nos filmes recentes, ninguém mais transa (como diz um amigo meu). Ah, sim, este filme é só a primeira de duas partes; Cruise recentemente declarou que, assim como Harrison Ford, quer fazer filmes até os 80 anos, então é de se esperar que Missão: Impossível não vá embora tão cedo. Visto no cinema (cercado por fãs de Barbie). 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Império da Luz (Empire of Light, 2022)

Império da Luz (Empire of Light, 2022). Dir: Sam Mendes. Star+. Superficialmente, "Império da Luz" é um filme belíssimo. Passado, em grande parte, em um luxuoso cinema, a direção de arte de Mark Tildesley e a fotografia de Roger Deakins transformam cada plano em uma pintura. Tudo isso embalado por uma bela trilha de Trent Reznor e Atticus Ross. A grande Olivia Colman encabeça um elenco que ainda conta com Colin Firth e Toby Jones, entre outros. Tudo é ricamente mostrado, interpretado e bonito de se ver.

No entanto, nem tudo funciona direito. O roteiro de Sam Mendes atira para todos os lados. O filme lida com vários assuntos relevantes como saúde mental, racismo e feminismo. No meio destes assuntos pesados, tenta também encaixar uma "carta de amor ao cinema" aos moldes de "Cinema Paradiso" (Giuseppe Tornatore, 1981) ou, talvez, "A Rosa Púrpura do Cairo" (Woody Allen, 1985). O resultado, no entanto, soa artificial. Colman interpreta Hillary, a gerente de um cinema em uma cidade costeira da Inglaterra. Ela é solitária, toma ansiolíticos e tem um "relacionamento" com o dono do cinema (Colin Firth), que mais parece uma série de abusos sexuais.

Um dia começa a trabalhar no cinema um rapaz negro e bonito chamado Stephan (Micheal Ward). Hillary se apaixona pelo moço, que corresponde, mas fica difícil entender a relação entre os dois. É amor? Carência? Há uma cena (até bonita) envolvendo um pombo com a asa quebrada que carrega demais no simbolismo. O fato de Stephan ser negro rende algumas cenas de racismo, mas o filme não perde o tom de um belo cartão postal nem em uma cena que deveria ser violenta. Há subtramas que não vão a lugar algum (como uma ex-namorada de Stephan que aparece e desaparece sem efeito nenhum). Há alguma cenas melodramáticas quando Hillary para de tomar os remédios.

No meio de tudo isso ainda há o "amor pelo cinema", em sequências perdidas como uma premiere de "Carruagens de Fogo" (Hugh Hudson, 1981) ou quando Hillary assiste, sozinha, a "Muito Além do Jardim" (Hal Ashby, 1979). Enfim, um filme tecnicamente belíssimo mas, ao contrário da fotografia do mestre Roger Deakins, bastante sem foco. Disponível na Star+.

domingo, 12 de março de 2023

Entre mulheres (Women Talking, 2022)

Entre mulheres (Women Talking, 2022). Dir: Sarah Polley. O título original, "mulheres falando", pode parecer simples ou trivial. No contexto do filme, no entanto, significa muita coisa. "Entre mulheres" é um dos dez indicados a Melhor Filme no Oscar que acontece esta noite. Curiosamente, ele está indicado apenas a mais uma categoria, roteiro adaptado, da diretora canadense Sarah Polley (que adaptou o livro de 2018 escrito por Miriam Toews). Há duas formas de se ver este filme, como algo baseado em uma história real ocorrida na Bolívia em 2010 (como, de fato, foi), ou como uma alegoria para algo bem mais amplo. A trama: um grupo de mulheres mora em uma colônia religiosa à moda antiga; separadas do mundo, elas não têm acesso à educação, ao voto, a ter ideias próprias. Para piorar, elas são frequentemente assaltadas sexualmente pelos homens da colônia, que lhes dizem que é o ato de "fantasmas", de "Satanás", ou da imaginação fértil das moças. Um dia, porém, um dos homens é pego em flagrante. As mulheres, então, resolvem debater sobre o que devem fazer; há três opções: fazer nada, ficar e lutar ou deixar a colônia. O filme de uma hora e quarenta minutos mostra esta conversa.

Poderia ser tudo bastante teatral (e, em momentos, realmente é), mas a direção de Polley e a interpretação do elenco tornam o filme uma experiência fascinante e tensa. E que elenco; Claire Foy, Rooney Mara, Jessie Buckley, Frances McDormand, entre outras, estão excelentes (nenhuma delas foi indicada ao Oscar, lamentavelmente). Apenas um homem tem um papel de destaque, August, interpretado por Ben Whishaw, que é o professor dos meninos da colônia. Os homens, no entanto, estão na pauta por todo o filme. Os homens ou a própria masculinidade. São simplesmente inimigos a serem derrotados? Monstros? Vítimas de um sistema que pune tanto homens quanto mulheres? Possíveis parceiros? O que as mulheres devem fazer? Deixar para lá? Lutar? Fugir? Curioso como a religião também é tratara no filme. As mulheres se refugiam em uma fé que as conforta, mas será que também não as oprime?

Não é um filme fácil, mas vale bastante pelas questões levantadas e pelas belas interpretações. Destaque também para a trilha sonora da islandesa Hildur Guðnadóttir (que ganhou o Oscar por "Coringa" em 2019). Nos cinemas.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Os Fabelmans (The Fabelmans, 2022)

 
Os Fabelmans (The Fabelmans, 2022). Dir: Steven Spielberg. Por muitos anos, o diretor Steven Spielberg foi considerado um cineasta puramente técnico, alguém focado só em efeitos especiais e em grandes bilheterias. Com o tempo, porém, percebeu-se que por trás de filmes como "E.T. - O Extraterrestre", "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" se escondia alguém contando a própria história. A história de um garoto judeu em uma família dividida pela traição e pelo divórcio.


Após anos "se escondendo" atrás de metáforas, Spielberg resolveu contar sua vida de forma mais direta; o estopim foi a pandemia, quando o diretor se viu preso em casa. Ele e o co-roteirista Tony Kushner escreveram o filme em uma série de sessões de conversas pelo "Zoom". O resultado é extremamente pessoal, claro, e mais franco do que eu imaginava. Como alguém que não só assistiu aos seus filmes como leu todas as entrevistas e biografias que conseguiu encontrar, o filme também foi estranhamente familiar para mim.

A versão de Spielberg em "Os Fabelmans" é um rapaz chamado Sam (Mateo Zoryan, quando criança, e Gabriel LaBelle quando adolescente). Sam foi levado pelos pais para assistir ao filme "O Maior Espetáculo da Terra" (1952), de Cecil B. de Mille, quando pequeno, e ficou obcecado por uma cena em que um trem atropela um carro. O garoto tentou reproduzir a cena diversas vezes, em casa, com um trem de brinquedo, para desespero do pai (Paul Dano). A mãe (Michelle Williams, ótima) então deu ao garoto uma câmera amadora de 8mm, com a qual ele recriou a cena vista no cinema. Este foi o início de uma vida dedicada a criar e reproduzir (e manipular) imagens. Com o passar dos anos, o jovem Sammy estaria sempre com uma câmera na mão, fazendo filmes amadores de guerra, westerns e ficção científica com as irmãs ou com colegas da escola e escoteiros.

O filme, porém, não é somente sobre o surgimento de um cineasta, mas o modo como ele interpretava a vida por detrás das lentes. O pai era um homem extremamente técnico, um dos primeiros especialistas em computadores; o trabalho o obrigava a mudar frequentemente de cidade em cidade com a família. A mãe era pianista clássica, uma pessoa sensível e volúvel. Havia outra pessoa nessa dinâmica, um amigo pessoal do pai chamado Bennie (Seth Rogen, surpreendente), que se tornou um "amigo" especial da mãe. Esse triângulo amoroso era visto, mas inicialmente não percebido, por Sammy e pelas irmãs.

Spielberg lentamente introduz o conceito da traição através de imagens que acontecem às margens da ação principal. De forma genial, ele também mostra como Sammy só se dá conta do que está acontecendo ao editar um filme caseiro de uma viagem em família (mais o "amigo" Bennie). É bem típico de Spielberg que a cena não tenha diálogos, só imagens do jovem olhando, assustado, para os trechos de filme Super8 que ele está editando.

Curioso como, apesar da infidelidade ter partido da mãe, Spielberg tenha culpado o pai em seus filmes. Em "ET", é o pai que "está no México com a Sally"; em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", é o pai que abandona a família e parte para o espaço com os aliens. Separações apareceriam também em trechos de "Império do Sol", "Inteligência Artificial", "Guerra dos Mundos", "Prenda-me se for capaz", entre vários outros filmes da carreira do diretor. Em "Os Fabelmans", o jovem Sammy resolve esconder a traição da mãe tirando fora os trechos comprometedores do filme caseiro que mostra à família (assim como ele faria, depois, em sua carreira).

É um filme e tanto, um prato cheio para cinéfilos (há uma ótima cena que mostra o diretor John Ford) e fãs de Spielberg. O último plano é genial. Nos cinemas.

Aftersun (2022)

Aftersun (2022). Dir: Charlotte Wells. "Aftersun" é uma pequena joia de um filme. Passado em um hotel à beira-mar na Turquia, a trama acompanha alguns dias de férias de um pai e sua filha. Ele é Calum (Paul Mescal) e ela é Sophie (Frankie Corio, uma extraordinária atriz de 12 anos). Não sabemos muito da história dos dois... apenas que são pai e filha e o pai não mora com a mãe da garota. Os dois alternam cenas de extrema proximidade com outras em que há "algo" errado entre eles; há uma sensação estranha de que alguma ameaça pairando no ar, mas você nunca sabe exatamente porquê. Quem é pai vai reconhecer o sentimento de medo de que alguma coisa vai acontecer com os filhos, e vice versa. O filme brinca com essa sensação em várias cenas, como uma vez que o pai faz um mergulho no mar e não o vemos surgir de volta à superfície. Em outro momento, ele passa atrás de um ônibus e escutamos uma buzina. A garota entra na piscina, sozinha, e achamos que ela está em perigo. Interessante como o filme "brinca" com a plateia. Como já vimos muitos filmes antes, achamos que alguma coisa TEM que acontecer; na vida, geralmente, nada acontece, mas quem nunca ficou apreensivo sem motivo? (não vou dar SPOILER sobre se, ou quando, algo acontece, mas a sensação está sempre presente).

Outro tema recorrente é o da memória. Imagens em vídeo, de uma câmera que os dois usam, frequentemente aparecem na tela. São ângulos diferentes ou conversas entre os dois gravadas em estilo amador, e o pai revê várias cenas da filha quando esta está dormindo, como que tentando passar ainda mais tempo com ela. A garota, pré-adolescente, observa à distância a interação entre rapazes e moças mais velhas, flertando, bebendo, se beijando. A atriz que faz a garota é tão boa que vemos as dúvidas, confusões e expectativas que passam pela cabeça dela. Paul Mescal também está muito bem como um pai separado, claramente tentando compensar a falta com a viagem com a filha, se desculpando o tempo todo, gastando além do que pode e tentando preencher o espaço entre os dois. Fica a sensação de que tudo tem um fim (o que é verdade), tudo passa, e pai e filha tentam aproveitar ao máximo o tempo que têm juntos. Belíssimo. Disponível nos cinemas ou no Mubi (serviço de streaming)

sábado, 8 de outubro de 2022

A Queda (Fall, 2022)

A Queda (Fall, 2022). Dir: Scott Mann. Bom filme de suspense com uma premissa simples. Depois de perder o marido em uma escalada, Becky (Grace Caroline Currey) decide subir em uma das torres de comunicação mais altas do mundo. A torre tem 600 metros de altura, fica no meio do deserto e está abandonada há anos. Becky é acompanhada pela melhor amiga, Hunter (Virginia Gardner), uma Youtuber em busca de adrenalina que fica gravando a aventura com seu celular.


A trama vira um filme de sobrevivência de roer as unhas quando as duas amigas se veem presas no alto da torre, sem conseguir descer, sem comida e com pouca água. É claramente um filme de baixo orçamento, mas bem filmado e com várias sequências de efeitos especiais invisíveis. As duas atrizes são fraquinhas e o único conhecido do elenco é Jeffrey Dean Morgan (de The Walking Dead), que aparece rapidinho como o pai de Becky.

Mas este não é um filme de interpretações. É um bom exercício de suspense bem conduzido pela direção, fotografia e edição. O roteiro arruma novos modos de complicar a vida das garotas, seja por problemas com o sinal do celular, tempestades ou abutres que rondam o topo da torre. Simples e eficaz. Nos cinemas.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Blonde (2022)

 
Blonde (2022). Dir: Andrew Dominik. Netflix. Curioso que 2022 tenha visto o lançamento das cinebiografias de dois ícones da cultura pop americana: Elvis Presley e Marilyn Monroe. São filmes bastante diferentes e bastante iguais; os dois são bem longos, quase três horas de duração. São também muito estilizados... e bastante exagerados.

"Blonde" é baseado em um livro de Joyce Carol Oates que é descrito como uma "biografia de ficção". Ou seja, não se deve ler o livro (ou ver o filme) esperando uma reportagem jornalística. O que se vê nas telas é uma história baseada, em linhas gerais, na vida e morte de Marilyn Monroe, mas não se apegue a detalhes. É um filme visualmente belo e extremamente difícil. Andrew Dominik, o diretor, fez o belíssimo "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford", com Brad Pitt, que tinha uma das mais belas fotografias do cinema. "Blonde" é igualmente belíssimo; o diretor usa e abusa de janelas com proporção diferente (tela cheia, tela quadrada, cinemascope, etc) e diversos tipos de cores e texturas. A produção também recriou fielmente enquadramentos de ensaios fotográficos, penteados e figurinos icônicos de Monroe, uma das mulheres mais fotografadas da história, e você é transportado para os anos 1930, durante a infância de Norma Jeane, e depois para os 1950 e 1960.

O problema é que o filme pega (bastante) pesado com a vida e morte de Norma Jeane/Marilyn Monroe. Ana de Armas está excelente no papel e magnética na tela (vem aí uma provável indicação ao Oscar). Só que garota é mostrada como se fosse um "pedaço de carne" (o termo é até usado no roteiro). O filme começa com Norma criança, (mal) criada por uma mãe solteira abusiva, e não lhe dá trégua por quase três horas de duração; acompanhamos estupros, casamentos abusivos, divórcios, abortos e todo tipo de humilhação. Tudo isso acompanhado por uma trilha sonora viajante de Nick Cave e Warren Ellis. É massacrante.

Confesso que precisei de duas sessões para ver o filme inteiro. Voltando à comparação com "Elvis", ao menos naquele filme dá para curtir as músicas do "rei" e ver algumas recriações de shows, etc. Em "Blonde" são pouquíssimas as sequências em que o espectador tem um "respiro" (há algumas passagens idílicas de Marilyn com o dramaturgo Arthur Miller, interpretado por Adrien Brody, mas logo o preto-e-branco retorna e, com ele, a depressão, as drogas, os surtos, etc).

E, sim, há uma parte do filme dedicada ao suposto "romance" entre Marilyn e John Kennedy, mas é a sequência mais bizarra deste filme, o que é dizer muito (e quando a edição comparou a ereção do presidente com imagens de foguetes na TV eu joguei a toalha). Difícil, veja por sua conta e risco. Tá na Netflix. 

Lou (2022)

 
Lou (2022). Dir: Anna Foerster. Netflix. Em um (raro) bom filme de suspense e ação produzido pela Netflix. Allison Janney (The West Wing, Eu Tônia) é uma ex agente da CIA que está escondida em uma ilha isolada na costa dos EUA (embora, vamos combinar, se ela está se escondendo, está fazendo um péssimo trabalho; todos na cidadezinha próxima a conhecem pelo nome). Estamos nos anos 1980, como mostram imagens do presidente Reagan na TV e pela trilha sonora composta por sucessos como "Africa", do Toto.

Uma vizinha, Hannah (Jurnee Smollett), tem a filha pequena sequestrada por um homem misterioso, Phillip (Logan Marshall-Green, que é um CLONE de Tom Hardy) e é então que Lou se revela como uma especialista em armas e em seguir rastros em uma floresta encharcada. Lou e Hannah partem em busca da menina debaixo de uma tempestade e, no caminho, as peças do quebra cabeça vão se juntando para revelar quem é quem, de verdade.

Janney, que geralmente interpreta personagens cômicas ou sarcásticas, está bem em um filme de ação. Ela carrega marcas físicas e psicológicas no corpo das coisas que teve que fazer em décadas na CIA. Hannah também carrega marcas pelo corpo, resultado de um relacionamento tóxico. É um filme de ação de um ponto de vista feminino, o que inclui discussões sobre maternidade e relacionamentos abusivos. Tá na Netflix. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Late Night (2019)

Late Night (2019). Dir: Nisha Ganatra. Netflix. Comédia leve que mais parece o piloto de alguma série não produzida pela Netflix. Ela é escrita, produzida e interpretada pela comediante Mindy Kaling, que criou e escreveu várias séries de TV e faz aqui sua estreia em longa metragens. Ela interpreta Molly, uma mulher que trabalhava em uma empresa química mas acaba contratada como roteirista de um "talk show" em Nova York (nada muito realista). O programa está no ar há muitos anos e é comandado por Katherine Newbury (a grande Emma Thompson), mas os números do ibope não estão bons. Os executivos da emissora querem trocá-la por um comediante jovem e com um humor mais "moderno". Claro que a roteirista novata (apesar de fazer uma coisa errada atrás da outra) vai ser a salvação da apresentadora veterana.

Como disse, é um filme bem leve. Há referências a temas sérios como sexismo no local de trabalho, a superficialidade da mídia e outros assuntos relevantes, mas o roteiro nunca vai muito a fundo em nenhum deles. As cenas de stand-up também não são muito engraçadas, o que é um problema em um filme sobre comediantes. Emma Thompson está competente, como sempre; sua personagem uma hora é um monstro como a Meryl Streep de "O Diabo Veste Prada" (clara influência aqui), para em seguida agir como uma pessoa humana e compreensiva. Vale como comédia leve. Tá na Netflix.

sábado, 17 de setembro de 2022

Boa noite, mamãe! (Goodnight Mommy, 2022)

Boa noite, mamãe! (Goodnight Mommy, 2022). Dir: Matt Sobel. Amazon Prime Video. Filme de suspense que é a versão americana de uma produção austríaca de 2014 (que eu não vi). Não posso comparar esta versão com a original, mas este filme estrelado por Naomi Watts é apenas razoável.

Dois garotos gêmeos, Elias e Lukas (Cameron Crovetti e Nicholas Crovetti) são levados pelo pai até uma casa de campo isolada (daquele tipo que só existe em filmes de terror). Lá eles se encontram com a mãe (Naomi Watss), que não viam há algum tempo. A mãe está com a cabeça coberta por bandagens; só os olhos, nariz e a boca podem ser vistos. Há um clima tenso entre a mãe e os garotos; ela estabelece regras (não brincar em um celeiro próximo, manter as janelas fechadas) e é fria com Elias quando este lhe dá um desenho que fez. Os garotos, por sua vez, começam a achar que aquela mulher, com o rosto coberto, talvez não seja realmente a mãe deles.

Como disse, não vi o filme original, mas algo me diz que a versão europeia é mais interessante. O clima inicial de suspense acaba substituído por uma série de situações bizarras em que não sabemos o que é real ou imaginação das crianças. A trama esconde um segredo que, sinceramente, não é muito difícil de descobrir. Naomi Watss, que andava meio subida das telas, passa grande parte do filme com o rosto coberto. Não é um filme ruim, mas também não é grande coisa (fiquei com vontade de ver o original). Disponível na Amazon Prime Video.

sábado, 20 de agosto de 2022

Ameaça Profunda (Underwater, 2020)

 
Ameaça Profunda (Underwater, 2020). Dir: William Eubank. Star+. Ficção científica B que é uma mistura de "O Segredo do Abismo" com "Alien". É daquele tipo de filme que usa os créditos iniciais para explicar a premissa com vários trechos de reportagens; ficamos sabendo que "estranhas criaturas" foram vistas nas "Fossas Marianas", o lugar mais profundo do planeta. Um ótimo lugar para se instalar uma estação submarina e uma broca de mineração, certo? Dez quilômetros debaixo d´água? O filme parte logo para a ação e uma Kristen Stewart de cabelo curtinho e pouca roupa está correndo desesperada na estação submarina. A estação é (aparentemente) atingida por um terremoto e os poucos sobreviventes tem que tentar ir de um ponto X a um ponto Y, sob a pressão de 10 km de água sobre suas cabeças, para tentar chegar à superfície.


Além de Kristen Stewart, o filme ainda tem Vincent Cassel como o "capitão" da estação submarina. Os outros personagens podem ser descritos como "a garota assustada", "o maluco", "o personagem negro que vai ser o primeiro a morrer", etc. É bastante difícil ver o que está acontecendo por grande parte do filme porque os efeitos são ruinzinhos e eles usam a desculpa do fundo do mar para deixar tudo bem escuro. Há um lado "terror" na forma de seres estranhos que foram acordados pela intervenção humana no fundo do Oceano (insira mensagem ecológica aqui) e atacam de tanto em tanto tempo. Ao menos é rapidinho, tem uma hora e meia e até que o monstrão final (claramente inspirado no Cthulhu de Lovecraft) é razoavelmente bem feito. Chamem a Ripley. Disponível no Star+.

domingo, 14 de agosto de 2022

A Fera (Beast, 2022)

 

A Fera (Beast, 2022). Dir: Baltasar Kormákur. Premissa simples e realização eficiente fazem deste filme uma boa pedida nos cinemas. Idris Elba é um viúvo que vai visitar a vila onde nasceu a esposa, na África, com as duas filhas adolescentes. Eles saem para passear em uma reserva de leões, com um amigo da família interpretado pelo sul-africano Sharlto Copley. O filme é feito com uma série de belos planos-sequência que nos coloca dentro da paisagem e um deles é incrível: vemos Copley saindo do jipe, caminhando pelo campo aberto e indo ao encontro de vários leões adultos, enormes, que o abraçam e brincam com ele em um take contínuo que não sei como foi feito (são leões de verdade?). Todo este início, imagino, serve para aplacar a possível fúria de defensores de animais, mostrando que os leões podem ser animais "dóceis" e sociáveis, em contraste com o que vem a seguir.


O que se segue é o típico filme de caça/caçador. Idris Elba, Copley e família são emboscados por um leão raivoso que havia devorado uma vila inteira e não está satisfeito. Seu comportamento não é comum, diz o especialista interpretado por Copley; o caso é que os humanos são presas quase indefesas diante de uma fera raivosa. O diretor/roteirista Baltasar Kormákur consegue criar cenas eficientes de suspense e os efeitos especiais são muito bem feitos ao retratar o leão. Há um bocado de cenas escuras (truque típico para esconder defeitos) mas há uma cena entre o leão e Idris Elba, em plena luz do dia, que é de tirar o fôlego. É um filme de sustos, que lembra vários outros do gênero (a cena do ataque do tiranossauro ao jipe, em Jurassic Park, é lembrada várias vezes), mas bem feito e bom de ver.

O filme está nos cinemas e abro aqui um parêntese: eu tinha um convite, então não paguei, e meu filho pagou meia (18 reais), mas fico pensando em como o modelo de negócios do cinema está insustentável. Um casal que pagasse duas entradas inteiras teria que desembolsar 72 reais para ver este filme. Sinceramente, eu não pagaria. Tanto que a sala, em pleno sábado no fim de semana de estreia, tinha só quatro pessoas na plateia (contanto eu e meu filho). Complicado.