segunda-feira, 31 de março de 2008

Philip Glass em 12 Partes


Philip Glass é o primeiro a admitir que sua música é “radical”. O compositor de trilhas como o experimental “Koyaanisqatsi” ou filmes mais acessíveis como “As Horas” completou 70 anos o ano passado, mas em momento algum aparenta a idade, seja fisicamente ou nas respostas que dá para a câmera. O documentário é “Glass: Retrato em 12 partes” (Glass: A Portrait of Philip in Twelve Parts), do australiano Scott Hicks, que assisti ontem no Festival Internacional de Documentários “É tudo verdade”, em São Paulo. Glass fez parte de um movimento cultural em Nova York nos anos 60, época da chamada “contra cultura” e que gerou uma revolução nas artes. Garoto prodígio, entrou na universidade aos 15 anos e, após se formar em três anos, foi parar na prestigiada escola Julliard, em Nova York, onde estudou música. Atraído pela música oriental, foi à Índia onde serviu de assistente para Ravi Shankar e transcreveu sua música para a notação ocidental. Shankar se tornaria mundialmente famoso depois, quando os Beatles também foram à Índia atrás de inspiração, e se tornou professor de George Harrison. Glass voltou à Nova York e enquanto trabalhava como motorista de táxi e encanador começou a compor material próprio. Formou então o “Philip Glass Ensemble”, um grupo de músicos com quem praticava suas composições e que, a princípio, fazia sucesso entre os jovens “chapados” que iam assistir suas apresentações. Glass circulava no grupo de artistas que incluía Allen Ginsberg, Chuck Close e Brian Wilson. Com Wilson veio a revolucionária ópera “Einstein on the Beach”, que mesmo atraindo multidões não lhe rendeu o suficiente para parar de dirigir táxis para sobreviver. Sua música não convencional, baseada em uma série de repetições incessantes, causava horror aos acadêmicos tradicionais e espantava parte do público mas, trabalhador incansável, Glass foi aos poucos conquistando seu espaço. Hoje Glass é dos mais renomados compositores do mundo, com uma vasta obra que contém trilhas para cinema e teatro, óperas, sinfonias, concertos e parcerias com roqueiros como David Bowie ou o grupo experimental brasileiro “Uakti”.






O documentário é dividido em doze partes e o diretor teve acesso à rotina do compositor por 18 meses, acompanhando-o em momentos tanto de trabalho quanto familiares. Com vários casamentos, Glass divide a vida com a jovem esposa atual e três filhos pequenos, com quem brinca antes de começar a trabalhar. Ele está trabalhando na Sinfonia nº 8, mas está com problemas: “Não sei em que movimento estou trabalhando...acho que esta sinfonia está ao contrário”. Ele toca algumas notas no piano e pergunta diretamente ao diretor do filme se ele entendeu a idéia. “Eu mesmo não entendo às vezes”, diz ele. “Freqüentemente só consigo entender do que se trata muito perto do final. É como uma pescaria... você coloca o anzol na água e fica esperando. De repente você sente um puxão. Mas isso só acontece se você estiver lá esperando”. Apesar da fama e da obra, Glass se revela extremamente acessível e pronto para dividir com a platéia seus segredos. “Tenho só um segredo”, diz ele, “que é acordar de manhã e trabalhar o dia todo”. De fato, no momento do documentário, Glass estava compondo a trilha de três filmes diferentes, além da sinfonia. Vemos entrevistas com Martin Scorsese, para quem compôs “Kundun”, o documentarista Errol Morris (Névoas da Guerra), Woody Allen (Cassandra´s Dream) e Godfrey Reggio, com quem fez a trilogia Koyaanisqatsi, Powaqqatsi e Naqoyqatsi. Várias vezes Glass está filosofando sobre algum assunto para a câmera quando pára e pergunta para o diretor “O que você acha disso, Scott? O que você faria nessa situação?”.


Vemos também o lado espiritual do compositor, que declara não seguir nenhuma religião específica. No entanto, sua vocação budista é grande. Glass é vegetariano, pratica meditação e ginástica com um taoísta e recebe orientação espiritual de um monge budista. É defensor das causas do Tibete e já se encontrou com o Dalai Lama (que riu abertamente de Glass quando este tentou cumprimentá-lo com o que achou ser uma frase tradicional tibetana). Se isso está servindo para o espírito de Glass ou não é discutível, mas certamente está ajudando sua forma física. É difícil acreditar que aquela pessoa já seja um “senhor” de 70 anos. Glass diz que pretende compor muita coisa ainda, então precisa se manter.


Sua música é classificada como “minimalista”, mas ele não gosta do rótulo. A melhor descrição seria música “repetitiva” mesmo, como em um mantra composto por algumas notas que vão se repetindo e repetindo formando uma textura sonora. O som pode soar estranho para quem não conhece, mas é preciso certa paciência para absorver a música de Glass. Recomendo o disco “Glassworks”, ou então “Passages”, grande parceria de Philip Glass com Ravi Shankar, para começar. Há também “The Photographer”, ou as trilhas para “Mishima”, “Truman Show” e “As Horas”. “Koyaanisqatsi” e “Powaqqatsi” se encontram em DVD por preços bastante acessíveis hoje em dia, e têm a vantagem de serem belos filmes inteiramente visuais, sem diálogos, para conhecer a música.
Glassworks, piano: Branca Parlic

domingo, 30 de março de 2008

Cada um com seu cinema (2007)


Ontem, após uma abortada idéia de ir a Sampa ver algo do “É tudo verdade” (ainda há tempo), acabei indo até o Cine Jaraguá em Campinas assistir “Cada um com seu cinema”. É uma coletânea de curtas de vários cineastas famosos produzidos em homenagem aos 60 anos do Festival de Cannes. São 33 curtas de três minutos cada. O tema é o próprio cinema, o assistir cinema, o pensar cinema, o sentir cinema. Imagina-se que tamanha fragmentação poderia resultar confusa, mas não é o que acontece. Um curta acaba complementando o outro de modo aparentemente aleatório, mas todos passam principalmente o sentimento de amor por esta arte. Cineastas como o brasileiro Walter Salles, Takeshi Kitano, Lars Von Trier, Roman Polanski, entre outros, usam seus três minutos à sua maneira.

Engraçado que, apesar de todos os curtas serem resultado de cineastas, a maioria se revela o trabalho de cinéfilos. Não há menção ao se fazer cinema, mas sim o prazer de se assistir cinema...e NO CINEMA. Uma certa nostalgia e a sensação, talvez, de que esta seja uma arte em extinção (e me refiro à ARTE de se assistir cinema) também permeiam as obras. Há outros pontos em comum; o tema da LUZ, principalmente a luz do projetor e seu contrário, a escuridão, rendem alguns roteiros semelhantes. A escuridão dá margem a comportamentos escondidos, como namorar e fazer amor, ou criminosos mesmo, como no curta em que um garoto tateia por entre as poltronas para roubar espectadores incautos. Andrei Konchalovski usa a luz do projetor e a compara com a luz que vem da porta que dá para a rua, enquanto uma senhora se delicia assistindo “Fellini 8½” e um casal faz amor apaixonadamente entre as fileiras escuras. A vida vem da tela ou da rua?

Pode-se sentir também o fetiche do cinema como algo físico, representado pela figura do projetor, do ato de se passar o filme por entre as engrenagens, se ligar a grande máquina e escutar o barulhinho de cinema. Em “O primeiro beijo”, de Gus Van Sant, o projecionista é um belo adolescente que acaba subindo à tela para beijar uma garota na praia. “Cinema ao ar livre”, de Raymond Depardon mostra uma “sala” que funciona na cobertura de um prédio, a imagem projetada vindo do outro lado da rua. Claude Lelouch conta a história do encontro dos próprios pais em “O cinema da esquina”, uma comovente auto biografia através dos tempos por meio do cinema. E assim por diante.

Há também espaço para o humor, por vezes vindo de fontes inesperadas. Eu esperava algo hermético e “cabeça” vindo de Lars Von Trier, mas seu “Ocupações”, a história de um chato que fica querendo contar sua vida para o vizinho de poltrona, é hilariante, e o final, confesso, já me passou pela cabeça em várias ocasiões. Roman Polanski também surpreende com o humor de “Cinema Erótico”, em que um casal assistindo ao clássico “Emmanuelle” fica incomodado com os gemidos de um espectador inconveniente. Walter Salles mostra um duelo entre dois repentistas em “5557 Milhas de Cannes”, em que um deles tenta convencer o outro de que já esteve em Cannes.

Filmes feitos por cinéfilos e para cinéfilos... daqueles para quem o ato de se ir ao cinema é tão ou mais importante do que o que se vai assistir na tela.

ps: a publicidade dizia que havia um curta dos irmãos Coen entre os filmes, mas não é verdade. É fato que eles participaram da idéia e, de acordo com a internet, também tinham um curta entre os selecionados, mas na cópia que assisti, infelizmente, eles não estavam presentes.

sábado, 29 de março de 2008

Os Camelos Também Choram


O velho senhor mongol, com roupa tradicional e o rosto marcado pela idade e pela experiência, olha para a câmera e começa a contar uma história. Ele fala que os camelos, quando foram criados por Deus, tinham chifres. Mas um dia um veado, invejoso, pediu os chifres emprestados para ir a uma festa e nunca mais voltou. É por isso que, até hoje, os camelos parecem estar sempre olhando para o horizonte, esperando o veado voltar.

É com essa lenda que começa “Os camelos também choram”, documentário de 2003. Ele foi rodado inteiramente no Deserto de Gobi, Mongólia, em meio a grandes planícies áridas, vento constante e temperatura que varia do quente de dia ao gélido à noite. Nesta paisagem desolada as pessoas vivem em tendas fortificadas que parecem pobres por fora, mas que escondem um lar confortável e ricamente decorado por dentro. E há os camelos (ou dromedários, com duas corcovas), altos, fortes, fiéis, que são usados para tudo pelos moradores. A família retratada no filme está às voltas com o nascimento de alguns filhotes, e particularmente preocupada com o parto difícil de uma fêmea. Ela grita de dor enquanto tenta parir o filhote, e dois dias se passam até que consegue. É um filhote albino e um pouco fraco, e sua mãe, talvez traumatizada pelo parto difícil, não quer nada com ele. A família fica preocupada com o filhote e tenta vários métodos para atrair a mãe para ele, sem resultado. Até que eles resolvem usar um ritual tradicional de chamar um músico da cidade que, com seu instrumento, conseguiria sensibilizar a fêmea e trazê-la para perto de seu filhote. Reza a lenda que, quando isso acontecesse, a fêmea choraria de emoção.

Tudo isso é mostrado de forma extremamente lenta e cuidadosa. Não há música nem narração, a não ser os sons produzidos pela família ou pelos animais. O filme concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2004, mas a indicação gerou certa polêmica. Confesso que, a princípio, tive certa dificuldade em aceitar o filme como documentário. Há fatos documentais extremamente interessantes como o modo de vida austero da família e a relação entre seus membros. A história do camelo e seu filhote é certamente tocante, mas a vida simples e tradicional desta família no meio do deserto na Mongólia também é. O fato é que os diretores, Luigi Falorni e Byambasuren Davaa, usaram do recurso de recriar várias seqüências para contar esta história que, a bem da verdade, soa mais como a lenda contada pelo senhor no início do filme do que como um fato real. Mas isso não importa; a cena da música é extremamente bem feita e emocionante. E é sempre interessante quando se pode ver o modo de vida de um povo que, para nós ocidentais cercados de tecnologia, parece de outra época ou outro mundo.

terça-feira, 25 de março de 2008

Onde os fracos não têm vez


O vencedor do Oscar de Melhor Filme deste ano foi “Onde os Fracos não Têm Vez” (“No country for old men”), escrito e dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen. O filme, de fato, é magnífico, mas não tem o “formato” de costume dos vencedores da Academia. Ele é lento e implacável, assim como seu vilão, vivido por um Javier Barden inspirado. Fica a mesma sensação desconfortável que se sente ao final de “Fargo” (1996), outra obra prima dos irmãos Coen, e há elementos parecidos (o dinheiro do crime, o policial comum confuso com a situação, etc). Todo o elenco está brilhante. Tommy Lee Jones faz um xerife velho, cansado e confuso com o tipo de crimes que vê à sua volta. São crimes sem sentido, gratuitos e violentos, frutos da sociedade moderna. O filme trata da inevitabilidade da morte. E a morte, aqui, tem a forma de um assassino com um cabelo esquisito, voz grossa e frases de efeito, que por vezes joga com a sorte para decidir o destino de suas vítimas. Javier Barden foi premiado como Melhor Ator pela Academia por sua brilhante interpretação.

Um filme acima de tudo silencioso, quase sem trilha sonora, composto por grandes paisagens e pequenos homens andando por elas. É a desconstrução do antigo “western” americano. É brilhante o modo como os Coen vão introduzindo os personagens e contando sua história através das imagens. A seqüência em que Llwelyn Moss (Josh Brolin, de “O Gângster”) descobre as vans dos traficantes abandonadas no deserto, cercadas de mortos, é perfeita. Vemos passo a passo o resultado do que deve ter sido um tremendo tiroteio e tentamos adivinhar o que o personagem vai fazer. Nem ele sabe, na verdade, e vamos descobrindo junto com ele.O final, em aberto, deixou muita gente confusa nas salas de cinema do mundo todo. Não é um final "comum". As coisas não se "resolvem" como normalmente. Como na vida, só há uma coisa que "resolve" tudo, que é a morte. Mas há lugar para a esperança em um sonho do policial vivido por Tommy Lee Jones; ele sonha com o pai, cavalgando enrolado em um cobertor, em meio à neve, carregando brasas para uma fogueira. Ele vai chegar lá um dia, naquele lugar quente e aconchegante, o pai esperando por ele. “Onde os fracos não têm fez” foi baseado no livro de Cormac McCarthy, e também venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

terça-feira, 18 de março de 2008

Adeus Arthur C. Clarke

Arthur Clarke estava com 90 anos. Nascido em Somerset, Inglaterra, em 1917, se tornaria um dos mais cultuados escritores de ficção científica, visionário e divulgador da ciência como um modo de ajudar a Humanidade. Seu trabalho mais famoso foi o roteiro (e o livro) que escreveu para o cineasta Stanley Kubrick chamado "2001, Uma Odisséia no Espaço" (leia minha interpretação para o filme aqui), mas, pessoalmente, creio que ele tenha escrito livros melhores. Este que aqui escreve passou boa parte da sua juventude (talvez mais do que o que seria "saudável") mergulhado nas palavras de Clarke e de seu "rival" Isaac Asimov.
Mais do que prever o futuro, Clarke criou e antecipou o futuro. Nos anos 50, quando o mundo ainda se recuperava da destruição causada pela II Guerra Mundial, Clarke usou de seu conhecimento científico e de sua vasta imaginação para visualizar uma rede de satélites que, girando sempre à mesma velocidade da rotação da Terra, serviriam como retransmissores de dados e de telefone. A área ao redor da Terra onde hoje ficam os satélites artificiais recebe o nome de "Cinturão Clarke". Seu livro de 1956, "A Cidade e as Estrelas", mostra uma sociedade que vive em um mundo cercado por coisas que, hoje, não parecem assim tão impossíveis: a juventude se diverte em jogos de realidade virtual, em que os jogadores podem assumir personagens e simular diversos mundos diferentes. Todo o conhecimento humano está a disposição a partir de um toque, e as pessoas podem "nascer de novo" a partir de corpos clonados. O livro foi escrito há 52 anos, mas já se podem reconhecer nele o video-game, a realidade virtual, a clonagem e a internet. "O Fim da Infância" (1965) já falava sobre a pílula anticoncepcional, o exame de paternidade a partir do DNA, a computação gráfica e os aviões particulares.
Mas nada disso importaria se, no fundo, Clarke não fosse capaz de conquistar o leitor com sua prosa imaginativa e seus personagens, geralmente sonhadores em busca de um mundo melhor. Alvin, de "A Cidade e as Estrelas", por exemplo, é um rapaz que nasce sem o medo que assola o resto dos seus semelhantes, o medo de espaços abertos e do que estaria fora da sua cidade natal, "Diaspar". Sua ânsia em conquistar novos horizontes tira a humanidade de seu comodismo tecnológico e abre espaço para novas conquistas.
Sua descrição dos mundos em que são passadas suas histórias são detalhadas e inspiradas, mesmo quando baseadas em dados puramente científicos. Sou capaz de jurar que já estive entre os grandes satélites de Júpiter (Io, Europa, Ganimedes e Calixto) pela maravilhosa descrição dada por Clarke em sua continuação para "2001", o livro "2010" (transformado em filme apenas razoável por Peter Hyans). Em "As Fontes do Paraíso" (1979), Clarke imagina um "elevador espacial" que seria composto por um gigantesco cabo que ligaria a Terra a um satélite artificial em órbita do planeta. Assim, para se ir ao espaço não seria mais necessário usar grandes e caros foguetes, bastando subir em um elevador que o levaria até a órbita terrestre.
Seu livro mais espetacular (e meu preferido) é "Encontro com Rama" (1973). Nele Clarke imaginou uma sonda alienígena em forma de um gigantesco cilindro que foi detectado entrando no Sistema Solar. Uma nave terrestre é enviada para investigar e descobre que o cilindro, de 40 quilômetros de extensão, é na verdade oco, e a tripulação resolve investigar. O mundo que Clarke criou dentro deste cilindro é fantasticamente imaginativo. A rotação do cilindro cria em seu interior uma gravidade artificial (assim como a água de um balde não cai quando você o gira depressa o suficiente). Há um "mar" de gelo dentro de uma fenda no interior do cilindro que, conforme "Rama" (como foi batizada a sonda) vai se aproximando do Sol e derrete, se transformando em água líquida. A água produz vapor e cria uma atmosfera respirável. Clarke cria assim um mundo artificial que pode viajar por milhares de anos para chegar a seu destino. Há boatos sobre um filme sobre "Rama" rondando Hollywood há quase uma década, mas nada de concreto ainda foi oficializado.
Clarke vinha batalhando há anos pelo uso pacífico do espaço e pelo final das guerras. Era também ferrenho opositor às religiões que causavam ignorância científica e fundamentalismo religioso. Nos últimos anos foi acometido por uma paralisia que o deixou em uma cadeira de rodas em sua casa em Colombo, Sri Lanka, para onde se mudou nos anos 60. Foi autor de dezenas de obras primas da ficção científica e de livros científicos, além de apresentador e criador de programas de televisão, foi consultor da NASA e serviu de inspiração para um sem número de invenções e novas idéias.
Mas uma das coisas mais impressionantes sobre Clarke era sua longevidade. Viveu por quase todo o século XX, viu nascer (e mesmo ajudou a criar) um sem número de maravilhas tecnológicas e continuou ativo depois de 8 décadas de vida. É com surpresa (e tristeza) que soube hoje de seu falecimento (e a ficha, na verdade, ainda não caiu). Ficam seus livros, suas idéias e seu legado.
Que sejamos inteligentes o suficiente para continuarmos sua história.

(ao lado: a "Star Child" imaginada por Clarke e Kubrick em "2001", o próximo estágio na evolução humana

quinta-feira, 13 de março de 2008

Juno


Juno era um dos filmes indicados ao Oscar que eu ainda não havia visto. O filme é muito bom e havia a suspeita de que, diante de tantos filmes "pesados" disputando, ele poderia até levar a estatueta. Não venceu (o prêmio foi, merecidamente, para "Onde os fracos não têm vez"), mas se beneficiou da publicidade extra e continua nas telas. O roteiro (da estreante que responde pelo nome de Diablo Cody, uma ex stripper) trata de uma garota de 16 anos que, apesar de senhora de si e bastante inteligente, engravidou na sua primeira e única transa com seu melhor amigo, Paul Bleeker (Michael Cera). Juno é interpretada pela ótima Ellen Page, de 20 anos, que conseguiu se transformar em uma adolescente de 16. A interpretação rendeu uma indicação ao Oscar e Page, de fato, carrega o filme nas costas (ou na barriga?).
O que poderia se transformar em um filme melodramático (ou em uma comédia burra) se revela um filme inteligente e gostoso de se ver. Ajuda o fato de que a família de Juno é o protótipo da família "liberal" americana. Assim, somos poupados de falsas lições de moral ou pais desesperados. Os dialogos entre Juno e sua melhor amiga com relação à gravidez demonstram a imaturidade da garota e o modo quase casual com que a situação é tratada. Juno chega a ir à uma instituição que pratica abortos em mães arrependidas, mas ela resolve que vai ter o filho e dá-lo a algum casal que queira adotar um bebê. Em um anúncio ela descobre um compositor de jingles cuja esposa (interpretada por Jennifer Gardner) está desesperada para ser mãe. O roteiro passa por várias situações que poderiam ter facilmente se tornado clichês, mas o filme inteligentemente os evita. O diretor, Jason Reitman, já havia feito a comédia de humor negro "Obrigado por fumar", e dirige o filme com leveza e tranquilidade.
O curioso a respeito de Juno e dos outros filmes candidatos ao Oscar este ano é que ele é divulgado como uma produção "independente", e a abertura em forma de desenho animado até reza pela cartilha do gênero, mas ele ousa muito menos do que os filmes dos grandes estúdios. "Onde os fracos não têm vez" e "Sangue Negro", apesar de produções caras e produzidos dentro do "sistema" hollywoodiano, são muito mais ousados e inovadores do que seu irmão mais novo. O resultado é que pouca gente viu os filmes dos irmãoes Coen e de Paul Thomas Anderson, mas Juno foi muito bem de bilheteria, obrigado.
E, de fato, é um bom filme. O elenco é simpático, os diálogos são bem escritos e a trilha sonora é envolvente. Provavelmente nunca uma história de gravidez adolescente foi tão tranqüila e bem sucedida, mas o filme é uma boa pedida.

quarta-feira, 12 de março de 2008

RAMBO?


Pois é, em que ano estamos mesmo? Deixe-me ver...é, já estamos em 2008, século XXI. Mas eu vou à locadora e vejo um filme novo da série "Duro de Matar". Outro dia mesmo Rocky Balboa estava nos cinemas. Indiana Jones (e a Busca pela Fonte da Juventude?) chega em maio (se não morrer no caminho)...em que ano estamos mesmo? É a volta dos anos 80! Mas peraí...eu passei pelos anos 80...o que significa que já estou com...deixa pra lá.

Confesso, assisti várias vezes ao Rambo ("programado para matar") e sua espetacular continuação ("A Missão") durante os anos 80, nos bons, velhos e surrados VHS. Rambo III (a ajuda ao Talibã perdido) já vi nos cinemas, sentado no chão do velho Cine Windsor, saudoso, no centro de Campinas. Nos tempos que Campinas só tinha um shopping (o Iguatemi) e duas salas de shopping, os "Serrador" I e II. Se eu gostava de Rambo? Claro que sim! O cara era macho, não ligava para nada nem ninguém e, quando ficava bravo, descarregava sua raiva com rajadas intermináveis de metralhadora, ou tiros certeiros de arco. Os vilões eram os saudosos vilões dos anos da Guerra Fria, vilões "de verdade", repulsivos, ignorantes, os "amarelos" vietcongs que Rambo destroçava na floresta, vencendo sozinho a guerra que custou a vida de 50 mil americanos (e 2 milhões de vietnamitas) nas décadas de 60 e 70.

Mas o tempo passa. A Guerra Fria terminou (sendo substituída por dezenas de guerras "quentes") e os heróis do cinema se tornaram mais existencialistas e filosóficos, como o NEO de "Matrix" que, mesmo em meio a rajadas de metralhadora, ainda tinha tempo de meditar sobre o sentido da vida. Mas eis que ressurge das cinzas Rambo, estimulado pelo retorno do seu meio-irmão Rocky Balboa que, confesso, foi um filme surpreendentemente bom. O pai dos dois, Sylvester Stallone, resolveu colocar a aposentadoria de lado e ganhar alguns trocados.

O que dizer de Rambo IV? Em uma palavra? Lixo. Em duas? Muito lixo. Mas não é tão simples. O retorno de Rambo sinaliza outras coisas no ar. Ícone da Guerra Fria e dos anos de Ronald Reagan, Rambo provavelmente se sentiu à vontade para voltar inspirado em George W. Bush, o "war president". E enquanto Rocky voltou tranqüilo, bem de vida mas saudoso da esposa e da fama da juventude, Rambo voltou simplesmente para fazer o que ele sabe fazer melhor: matar. O "roteiro" não passa de uma simples sinopse: grupo de missionários em missão de paz na Birmânia é seqüestrado pelo sanguinário exército local e Rambo, acompanhado por mercenários, vai resgatá-los. E é isso. O filme é tão vazio quanto curto...há quase dez minutos de créditos finais para cumprir os 90 minutos necessários para classificar Rambo como um longa metragem.

Confesso que achei que Stallone tentaria redimir o personagem, que neste filme acreditaria que nem tudo na vida se resolve na porrada, mas é exatamente o contrário. Rambo não mata apenas alguém. Ele decepa braços, cabeças, entranhas...tudo mostrado graficamente na tela como nunca antes. Há quem diga que o filme é "realista" por esta exibição de carne, mas o filme está mais para um filme "B" de terror na quantidade de sangue esguichando e membros saltando. Pode-se dizer que, talvez, Stallone tenha querido se manter "fiel" ao personagem, mas o que conseguiu foi mostrar uma suposta pessoa que não mudou absolutamente nada em 30 anos de "vida cinematográfica". E o filme nem pode ser desfrutado como uma boa aventura escapista, como nos filmes originais. É desprovido de interesse, curto e vazio como o cérebro do seu personagem.

terça-feira, 11 de março de 2008

Sicko (SOS Saúde)

Domingo fui ver o novo documentário do Michael Moore, "Sicko". Não sou muito fã do estilo espalhafatoso de Moore e da vontade dele de aparecer, mas é fato que, com esse método, ele levanta questões interessantes. O documentário trata do sistema de planos de saúde nos Estados Unidos, comparado com outros países como França, Canadá e Inglaterra. Se ele viesse ao Brasil talvez ele visse que as coisas por aqui também não são grande coisa.

Moore colocou uma mensagem em seu site pedindo que as pessoas enviassem suas histórias sobre os planos de saúde, e em alguns dias tinha milhares de respostas em sua caixa postal. O filme mostra algumas delas. Um americano, por exemplo, perdeu as pontas dos dedos médio e anelar em um acidente. Sua primeira reação foi imaginar quanto iria custar reconstruir os dedos. Ao chegar ao hospital, apresentaram-lhe duas opções: 60 mil dólares pelo dedo médio e 12 mil dólares pelo anelar. Ele preferiu o mais barato. Em comparação, um canadense que perdeu todos os dedos da mão não teve que pagar nada por 24 horas de cirurgia reconstrutiva, pois o país tem um sistema público de saúde. Na França, Moore faz uma "mesa redonda" em um restaurante com americanos que estão morando por lá e fica espantado com as histórias de bom atendimento e prestação de serviços narrados por eles. Na Inglaterra ele provoca risadas dos pacientes quando faz a pergunta: "quanto você teve que pagar por este serviço?".

Mas Moore, como sempre, tem seus exageros. Usando depoimentos de soldados americanos que servem na base de Guantanamo, Cuba, ele alega que os supostos terroristas presos têm um atendimento hospitalar melhor do que o do americano médio. É até possível, mas diante das acusações de torturas e maus tratos causados aos prisioneiros, a tese é discutível. De qualquer forma, Michael Moore aluga alguns barcos e parte em direção à Cuba, levando consigo dezenas de pacientes americanos que não conseguem pagar por seus remédios. Claro que Moore está apenas fazendo um show para a câmera, mas não deixa de ser engraçado vê-lo chegando de lancha perto da base americana e, com um megafone na mão, pedir por atendimento médico. Ele não é atendido. Uma vez em Havana, ele e seus pacientes vão até um hospital socialista onde são atendidos prontamente e descobrem que os remédios custam uma pequena parcela do que teriam que pagar nos Estados Unidos. Há uma sequência extremamente manipuladora e suspeita que mostra uma homenagem feita pelos bombeiros cubanos aos voluntários que ajudaram no resgate de vítimas do 11 de setembro. A cena é emocionante, sim, mas parece feita apenas para tirar lágrimas do americano médio.


O documentário funciona melhor quando se atém aos fatos e trata dos planos de saúde americanos. Moore mostra como, mesmo tendo um plano, as chances de um americano ter alguma doença coberta por ele é pequena. Os planos pagam bônus para os médicos que recusarem o maior número de tratamentos. Há uma imagem chocante que mostra uma ex- funcionária de um plano de saúde fazendo um "mea culpa" diante de um tribunal, confessando que, ao negar tratamento médico, ela foi responsável pela morte de vários pacientes. Moore também dá uma "cutucada" na ex-primeira dama e atual candidata ao governo americano, Hillary Clinton. Quando primeira dama, ela era a favor de um sistema de saúde universal que atendesse a todos os americanos. Pressionada pela indústria farmacêutica, aos poucos ela foi mudando de lado.


O filme é bem feito, bem editado e a narração de Moore é muito bem humorada. Ele está mais discreto do que costumava ser mas, mesmo carregando alguns "vícios" antigos, vale a pena assistir.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Testando blog

Olá, pessoal, meu objetivo com este blog é agilizar meu site de cinema, o Câmera Escura. Pretendo publicar aqui minhas opiniões sobre os filmes que eu vejo, comentários sobre cinema em geral...e tudo mais que eu tiver vontade, hehe.

Bjos e abraços.