sábado, 25 de junho de 2011

Homens e Deuses

O que faz alguém abandonar tudo e entregar a vida a um deus? E de que isso vale se, em um momento de perigo pessoal, a pessoa virar as costas e fugir? Este é o dilema apresentado por este filme sóbrio e, ao mesmo tempo, delicado, de Xavier Beauvois. Em 1996, um grupo de monges vive na Argélia, antiga colônia francesa, em uma região muçulmana bastante pobre. O mosteiro, mesmo sendo católico, é um ponto de referência para a população local, que se utiliza dos cuidados médicos ministrados pelo monge Luc (Michael Lonsdale) ou dos conselhos do monge Christian (Lambert Wilson). Apenas oito monges vivem no Mosteiro Atlas, levando uma vida de orações e trabalhos simples. O filme mostra, pacientemente, como eles passam o dia limpando, rezando, arando a terra, colhendo mel de abelhas etc. A integração com a comunidade local é pacífica, e catolicismo e islamismo convivem harmoniosamente.

Um dia, porém, rebeldes radicais islâmicos matam imigrantes croatas e o terror se espalha pela região. A paz do mosteiro é quebrada abruptamente e os monges, acostumados a uma vida calma e tranquila, começam a questionar suas escolhas. O monge Christian, líder natural do grupo, se recusa a aceitar proteção militar do exército, o que causa polêmica entre seus colegas. Apesar da vida dedicada a Deus, eles são seres humanos e é natural que sintam medo de morrer. Deveriam permanecer no mosteiro ou fugir? Deveriam voltar para a França? Estas questões são debatidas democraticamente pelos monges ao redor de uma mesa. O elenco é tão bom que, aos poucos, o espectador começa a conhecer cada um deles. Lambert Wilson está impecável como o idealista Christian, apegado a suas crenças mas, ao mesmo tempo, aberto ao islamismo a ponto de citar o Alcorão a um líder terrorista quando, na noite de Natal, seu grupo invade o mosteiro. Michael Lonsdale também está bem como o velho médico que atende a todos, mesmo um rebelde islâmico ferido. Há também o monge Amédée (Jacques Herlin), o mais velho do grupo, que cativou o público com sua doçura.

Há duas cenas especiais: em uma, o monge Luc traz duas garrafas de vinho tinto e uma fita cassete com "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovski, e emociona a todos em uma noite fria. Em outra cena, o monge Christian tenta abafar o estrondo de um helicóptero militar com seu canto gregoriano. O final, embora esperado, é trágico, mas é o que torna a vida dos monges ainda mais importante. Christian deveria ter partido com seu grupo e deixado a comunidade para trás? A quem ele deveria ter escutado, às autoridades argelinas que queriam que abandonasse o mosteiro ou aos líderes do vilarejo, que lhe pediram para ficar? Ao entregar a vida a Deus, ele já não havia feito sua escolha, ou havia alternativas? São questões que ficam após a sessão terminar.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Carros 2

O estúdio de animação Pixar sempre se manteve acima da concorrência nos quesitos técnica e roteiro. Seus filmes animados conquistaram o público de tal forma que se tornaram clássicos instantâneos, tomando a frente da indústria de animação e superando até os tradicionais estúdios Disney, com quem se fundiram e tomaram o controle criativo. Pois bem, eis que um de seus fundadores e principais nomes, John Lasseter, lança agora um filme puramente caça-níqueis, na linha daquelas continuações de segunda classe que a Disney fazia de seus clássicos e lançava direto para o DVD.

"Carros 2" é uma decepção em vários níveis, a não ser no técnico, claro. O trabalho de animação é impecável e o design continua criativo. O primeiro filme, lançado em 2006, era curioso na forma como adaptava não só o mudo dos seres humanos para os personagens de quatro rodas, mas também a própria natureza. As largas paisagens do oeste americano tinham a forma aerodinâmica de grandes Cadillacs, por exemplo, e isto se repete na continuação.

Mesmo não sendo dos melhores filmes da Pixar, o roteiro nostálgico pregava valores como a revalorização das pequenas cidades e uma desaceleração geral do modo de vida. Era uma fantasia fechada e que não precisava de continuações. Na falta de uma boa idéia para "Carros 2", Lasseter simplesmente pegou uma fórmula muito usada (os filmes de espionagem) e arbitrariamente a aplicou aos personagens de "Carros". Poderia ter feito a mesma coisa (com os mesmos resultados ruins) com os brinquedos de "Toy Story", talvez. Quem sabe a coisa funcionasse melhor com os heróis de "Os Incríveis"? Fica clara, infelizmente, a intenção de ganhar dinheiro nas férias da criançada e vender brinquedos.

Sim, as crianças pequenas, principalmente os garotos, vão gostar de ver Relâmpago MacQueen e o guincho Mate se aventurando por países como Japão, Itália, França e Inglaterra em um campeonato mundial de corridas. Um milionário diz ter criado um combustível totalmente orgânico e organizou esta disputa para provar que a era do petróleo terminou. Só que um cientista alemão quer estragar estes planos e criou uma arma que destrói os carros que estiverem usando este combustível. Um agente secreto britânico, Finn McMíssil (voz de Michael Caine, no original) e a sexy Holly Caixadebrita acabam contando com a ajuda de Mate para desvendarem o mistério. Assim, o capiria desastrado Mate acaba tomando o papel de protagonista de "Carros 2", deixando Relâmpago como mero coadjuvante. O roteiro capenga apela para cenas de corrida (narradas por Luciano do Valle, na versão dublada) ou de ação, com todos os tiros e explosões que se esperam de um filme de James Bond. Ou seja, exatamente o contrário de tudo que se plantou no primeiro "Carros". Bola fora da Pixar.


domingo, 19 de junho de 2011

Turnê

Mathieu Amalric se estabeleceu como um ator de fama mundial após estrelar filmes como "Munique" (2005), "O Escafandro e a Borboleta" (2007), e "007 - Quantum of Solace". Seu rosto quase sempre serviu para interpretar personagens escusos ou vilões, e não é muito diferente neste filme escrito e dirigido por ele, "Turnê", pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, em 2010.

Joachim Zand (Amalric) não é um vilão, mas um decadente diretor que, um dia, já teve fama e sucesso. "Turnê" começa com seu retorno dos Estados Unidos, onde foi tentar a vida. Ele está acompanhado por um grupo bizarro de mulheres de meia idade que, também decadentes, são as estrelas de um show "burlesco" de dança, canto e striptease. Amalric, como diretor, adota um estilo documental de filmar o dia-a-dia destas pessoas, e o roteiro não é nada didático. A relação de Zand com "suas garotas" é de amor e ódio. Em um momento estão todos rindo e fumando juntos, nos bastidores, acompanhando a apresentação de uma delas no palco; em outro, as garotas jogam na cara dele que o show é delas e que ele não deve interferir. Há também uma cobrança constante sobre um prometido show em Paris que, aparentemente, Zand não vai conseguir produzir. Enquanto isso, a trupe perambula por cidades pequenas, se apresentando em teatros ou discotecas de segunda classe. Os shows (concebidos pelas próprias atrizes, segundo os créditos finais) variam do bizarro ao artístico. Há uma performance bastante boa de "Dream On", do Aerosmith, tocada ao piano. Há uma apresentação surpreendente em que um grande balão de festa é usado de forma criativa. Há vários tipos de striptease parcial. Tudo isso é filmado pelo diretor de fotografia de Amalric, Christophe Beaucarne, em cores fortes, geralmente do ponto de vista dos bastidores.

Há momentos muito interessantes, como quando Amalric parte para Paris em busca de um teatro. Ele para em um posto de gasolina e tem uma cena muito boa com uma operadora do caixa, que lhe pergunta onde está indo. "Vou buscar meus filhos", ele diz. A surpresa é que ele não está mentindo. Sem muitas explicações, Zand pega dois garotos em uma lanchonete e os arrasta junto com a turnê. Uma das suas "garotas", Mimi (Miranda Colclasure), é uma loira que está acima do peso e tem o corpo cheio de tatuagens. Aos poucos, um clima de romance (e ódio) começa a surgir entre ela e Joachim Zand, provavelmente causado pelo aparecimento dos garotos.

É um filme bastante melancólico e, a bem da verdade, um pouco indigesto para espectadores com pouca paciência. O roteiro é apenas um fio tênue que se arrasta de cena a cena, show a show, cidade a cidade. O final é, ao mesmo tempo, melancólico e fantasioso. Amalric se mostra um diretor sensível e aberto a improvisos. Suas garotas são um retrato triste de decadência misturada com a alegria de um grupo de turistas perambulando pela França. The show must go on.


sábado, 18 de junho de 2011

Meia-noite em Paris

Woody Allen volta em um dos seus filmes mais belos e nostálgicos. Após filmar em Londres e Barcelona, Allen agora pinta Paris com uma fotografia dourada que, no início do filme, até faz uma homenagem com a cidade; por vários minutos, vê-se os pontos turísticos de Paris em toda a sua glória. É, ao mesmo tempo, um clichê e uma novidade; onde estão os famosos créditos brancos sobre fundo preto, costumeiros de Allen? Eles surgem, rápidos, após as imagens da cidade, e o filme se inicia.

A princípio, é a típica trama de Woody Allen. Owen Wilson (imitando Allen) é Gil Pender, um roteirista de cinema que é bem sucedido, mas está infeliz com os filmes superficiais que escreve. Ele se encontra em Paris com a noiva mimada e mandona, Inez (Rachel McAdams) e os sogros autoritários. Estão na cidade a negócios do pai de Inez, mas Gil quer se inspirar para terminar seu livro. Paris é a mítica cidade para onde os artistas iam para criar, e Gil que seguir os passos de Ernest Hemingway, entre tantos outros. A noiva mal presta atenção a ele e os sogros o acham um lunático. Para piorar, eles encontram um amigo de Inez, Paul (Michael Sheen) que é especialista em todos os assuntos possíveis, de vinho tinto a arte impressionista. Gil, o típico anti-herói "Alleniano", sente-se diminuído.

É então que a "mágica" acontece. Uma noite, perdido pelas ruas de Paris, Gil escuta o relógio dar doze badaladas e um carro antigo para na rua. Ele entra e, de repente, vai parar nos anos 20, que considera a "era dourada" de Paris. Começa então uma série de situações engraçadas e surpreendentes. Em uma festa, Gil encontra Scott e Zelda Fitzgerald. Ao piano, Cole Porter canta uma de suas obras primas. Em uma mesa de bar está Ernest Hemingway (Corey Stoll), que se recusa a ler o livro de Gil: "Se for ruim, vou odiar sua mediocridade. Se for bom, vou odiar minha inveja", diz Hemingway, que leva o manuscrito para Gertrude Stein (sim, Kathy Bates). Na casa de Stein, Gil conhece um pintor chamado Pablo Picasso, que está com sua nova amante, Adriana (a bela Marion Cotillard). Gil, é claro, se apaixona instantaneamente pela garota.

O roteiro de Allen mistura sequências passadas nos anos 20, noturnas, com outras contemporâneas, em que Gil tem que lidar com o estresse da noiva e a desconfiança dos sogros. Aos poucos, porém, sua autoconfiança cresce e ele passa a enfrentar o pedantismo do "sabe tudo" Paul e a conversa conservadora do sogro, republicano tradicional (que odeia a França). Claro que o noivado de Gil e Inez está com os dias contados, mas como resolver o problema de estar apaixonado por uma mulher dos anos 20? Há uma sequência ótima em que Gil tem uma conversa sobre o assunto com ninguém menos que Salvador Dalí (Adrien Brody, ótimo), Luiz Buñuel (Adrien de Van) e Man Ray (Tom Cordier) que, surrealistas, acham tudo muito normal.

A direção de fotografia, excelente, é do iraniano Darius Khondji, que já trabalhou com David Fincher em "Se7en" (1995) e "Quarto do Pânico" (2002). Há alguns planos muito bem feitos em "Meia-noite em Paris", como quando Gil, Inez, Paul e a esposa visitam o palácio de Versalhes, feito em plano-sequência. O roteiro, apesar de nostálgico, é paradoxalmente atual em mostrar que, em todas as eras, há pessoas que acham que o passado é melhor. Os anos 20 podem ter sido fantásticos mas, é de se pensar, não havia filmes de Woody Allen.


sábado, 11 de junho de 2011

Potiche: Esposa Troféu

É um privilégio estar em um cinema e ver, nos créditos, os nomes de Catherine Deneuve e Gérard Depardieu. Ícones do cinema francês, já estrelaram oito filmes juntos, sendo que o primeiro foi "O Último Metrô" (1980), de François Truffaut. Os dois estão em "Potiche: Esposa Troféu", do talentoso diretor François Ozon (de "O Refúgio"). O filme faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês, em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.

Deneuve é Suzanne Pujol, fiel dona de casa e esposa exemplar de Robert Pujol (Fabrice Luchini), um homem machista que a trata da mesma forma que os 300 empregados da empresa de guarda-chuvas que comanda: mal. Robert é daqueles homens "à moda antiga" que acha que ser um bom marido é manter a esposa em uma casa grande e cheia de eletrodomésticos, enquanto frequenta o prostíbulo na cidade e tem um caso com a secretária. Suzanne também é um retrato do seu tempo, a esposa que cozinha, lava, passa e faz vista grossa às infidelidades do marido (e, secretamente, não é tão fiel assim). Eles têm dois filhos; Joelle (Judith Godrèche) é a queridinha do papai e tão reacionária quanto ele. Ela desfila com um cigarro na mão e um penteado ao estilo de Farrah Fawcett, de "As Panteras", dizendo que vai se divorciar do marido que está sempre viajando. Já Laurent (Jérémie Renier) se interessa por arte e diz que não gosta de política, embora tenha tendências para a esquerda.

Uma greve na fábrica de guarda-chuvas provoca um ataque de fúria em Robert Pujol que, se recusando a negociar com os empregados, é sequestrado e preso no escritório. Cabe a Suzanne pedir ajuda ao comunista Maurice Babin (Gérard Depardieu), e quando os dois se encontram fica claro que alguma coisa aconteceu no passado deles. Em flashbacks coloridos e teatrais, Ozon mostra como os dois tiveram um caso tórrido em uma tarde, há muitos anos. Os diálogos são muito engraçados; o roteiro, do próprio Ozon, é baseado na peça de Pierre Barillet e Jean-Pierre Gredy e, além de bem humorado, é uma sátira ao modo de vida e às mudanças sociais e políticas que sacudiram o mundo nas décadas finais do século XX. Com Robert liberto e enviado em uma viagem de recuperação de três meses, Suzanne Pujol toma o comando da empresa e, negociando com os empregados, recupera as finanças, emprega os filhos e dá vida nova ao negócio de guarda-chuvas. Ao mesmo tempo, Suzanne deixa de ser uma "esposa troféu" e se descobre como mulher.

Aos 67 anos, Catherine Deneuve continua bela e ótima atriz. Observe com que elegância ela cruza a tela e como suas expressões revelam, sutilmente, as nuances de sua personagem. Depardieu, igualmente, continua um tremendo ator e todas as suas cenas com Deneuve valem o filme. Há uma ótima sequencia em que os dois vão a uma boate típica dos anos 70, com bolas de espelho girando e luzes coloridas no chão, e fazem um número de dança que é ao mesmo tempo engraçado e nostálgico. O filme explora com humor as mudanças de papel entre os sexos, com as mulheres saindo de casa e começando a trabalhar. Há uma cena que mostra depoimentos reais da época, na televisão, de homens e mulheres falando sobre o trabalho feminino. O trabalho de recriação de época é muito bom, principalmente o figurino e a fotografia, que emula os filmes dos anos 70. Em algum lugar, sem dúvida, Truffaut deve estar sorrindo. Visto como cortesia no Topázio Cinemas de Campinas.




Copacabana

A julgar pelos filmes vistos hoje no Festival Varilux de Cinema Francês ("Um gato em Paris", "Uma Doce Mentira" e "Potiche: Esposa Troféu", além deste), o relacionamento entre mães e filhas anda mal na França. Isabelle Huppert é Babou, uma mulher que vive de forma "livre", mas é tão irresponsável que está sempre desempregada, sem dinheiro e, ultimamente, sem o respeito da filha Esmeralda (Lolita Chammah). O relacionamento entre as duas está tão ruim que Esmeralda diz à mãe que não quer que ela vá ao seu casamento, pois não quer passar vergonha.

Querendo mudar sua imagen diante da filha, Babou aceita um trabalho como vendedora de imóveis na cidade de Oostende, na Bélgica. Sempre exagerando na maquiagem e nas roupas e desbocada, Babou não é muito querida pelos outros vendedores com quem divide um apartamento mas, surpreendentemente, ela consegue atrair mais clientes que os outros; aos poucos, ganha a confiança de Lydie (Aure Atika, de "Mademoiselle Chambom"), sua encarregada. Também arruma rapidamente um amante (que se sente como um objeto sexual) e, por identificação, começa a ajudar um casal de moradores de rua.

Escrito e dirigido por Marc Fitoussi, o filme depende completamente da interpretação magistral de Isabelle Huppert. Interpretada de forma errada, Babou poderia facilmente cair em uma caricatura de mulher engraçada e decadente; Huppert faz da personagem (que, sim, é exagerada) uma mulher viva e cheia de defeitos, mas que fica realmente sentida por ter decepcionado a única filha. No fundo, ela não tem mau coração e tenta ajudar as companheiras de trabalho, mesmo sendo suas competidoras. O título vem da vontade de Babou, que já viajou por vários países da Europa, de um dia vir para o Brasil, mais especificamente (e tipicamente) para o Rio de Janeiro. A trilha sonora, aliás, é toda composta por samba e bossa-nova. "Copacabana" é um filme engraçado e vibrante, que deve ser visto pela interpretação de Huppert (que demonstra sua versatilidade quando comparada, por exemplo, com sua personagem fria e dura de "Minha Terra: África"). Visto como cortesia no Topázio Cinemas, em Campinas.


Um Gato em Paris

Boa surpresa esta animação francesa em cartaz no Festival Varilux de Cinema Francês, no Topázio Cinemas. O desenho dos diretores Alain Gagnol e Jean Loup Felicioli é estilizado e bonito, com figuras arredondadas e cores que parecem feitas com lápis de cor ou giz de cera. Há várias cenas noturnas e Paris é mostrada com muitas luzes, mas não da forma realista como, digamos, a Pixar a pintou em Ratatouille, mas como uma pintura vista por uma criança.

Zoe é uma menina que perdeu o pai durante uma ação policial. Ele foi morto pelo cruel bandido Vítor Costa, que está obsecado em roubar uma estátua famosa que vai passar pela cidade. A mãe de Zoe, Jeanne, também é policial e não tem tempo para a filha. Jeanne quer capturar Costa a qualquer preço e passa horas na delegacia, deixando a pequena Zoe com uma babá muito suspeita. Em meio a tudo isso há dois personagens que passam a noite perambulando pelos tetos de Paris, o gato Dino e o ladrão Nico, personagem que lembra aqueles ladrões "românticos" do cinema, que roubam mais pelo desafio do que para fazer mal a alguém. Há um toque de "Ladrão de Casaca", de Alfred Hitchcock, nas cenas noturnas em que as silhuetas de Nico e Dino pulam de telhado em telhado, fazendo roubos ousados. A trama se passa em apenas uma noite, com várias reviravoltas e cenas de perseguição muito bem feitas. Nico, apesar de ladrão, é bom rapaz e ajuda a salvar Zoe quando ela é sequestrada pelos capangas de Vitor Costa. Há uma cena muito boa, passada na completa escuridão, em que os personagens são apenas delineados em branco sobre o fundo preto. É bom ver uma animação que não abusa de efeitos tridimensionais feitos em computação gráfica.

A Torre Eiffel, claro, está presente no cenário, mas o clímax da história é passado no topo da Catedral de Notre Dame, em estilo de filme noir, com o embate final entre Nico e o gângster. Apesar da trama policial, a animação é apropriada para crianças que, certamente, vão se divertir com as cenas de ação e com o humor fino dos personagens, principalmente Nico e o gato Dino. Visto como cortesia no Topázio Cinemas, em Campinas.


Uma Doce Mentira

Audrey Tautou (a eterna Amélie Poulain) estrela esta divertida comédia de erros do diretor francês (de origem tunisiana) Pierre Salvadori. O filme está em cartaz no "Festival Varilux de Cinema Francês", no Topázio Cinemas, em Campinas (e em outras 22 cidades brasileiras) até o dia 16 de junho.

Tautou é Émilie, uma cabeleireira cuja mãe, Maddy (Nathalie Baye) está com depressão. Maddy ainda acredita que o ex-marido, um artista de quem está separada há quatro anos, vai voltar para ela. No salão de beleza trabalha Jean (Sami Bouajila), funcionário da manutenção que está apaixonado por Émilie. Um dia ele escreve uma carta de amor anônima e a envia para Émilie, que não lhe dá importância; só que ela decide enviá-la para a própria mãe, em uma tentativa de aumentar sua auto-estima. O plano funciona, só que as consequências vão além do que Émilie esperava. Um mal entendido faz com que a mãe acredite que Jean está apaixonado por ela, mas é muito tímido para demonstrar. Esta trama já foi explorada diversas vezes e, de fato, não há muita originalidade no roteiro de "Uma Doce Mentira" (escrito pelo diretor e por Benóit Graffin), o que não significa que o filme seja ruim. Pelo contrário, é dirigido com muita leveza por Salvadori e é bem interpretado pelo elenco. Tautou, é verdade, explora muito seu lado "gracinha", conquistando a platéia com seus grandes olhos e expressões divertidas. Bouajila está muito bem e há uma cena hilariante em que Émilie descobre que seu "eletricista" é muito mais do que aparenta.

Mas quem esbanja talento e energia neste triângulo amoroso é Nathalie Baye, misturando cenas de depressão com outras em que assume seu lado mais ousado, quando acredita estar apaixonada pelo pobre eletricista. "Uma Doce Mentira" é diversão tranquila que poderia ser mais curto. A fotografia de Gilles Henry é luminosa e explora a região enrolarada em que é passado o filme. Há uma bela cena, no início, em que Jean observa Émilie por trás de uma porta com vários vidros coloridos, e o espectador a vê banhada em diversas cores, múltipla como sua personalidade. Filme visto como cortesia no Topázio Cinemas de Campinas.


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Kung Fu Panda 2

"Kunf Fu Panda 2" é um avanço considerável em relação ao primeiro filme, tanto tecnicamente quanto em roteiro. Sim, é um filme infantil do século 21, o que significa inevitáveis piadas escatológicas. Neste episódio descobrimos as origens de Po, o urso panda que se tornou mestre de kung fu e que pensava ser filho de um ganso (que surpresa, ele não é).

O malvado mestre Shen, um pavão com penas afiadas, descobriu que a pólvora pode ser usada não só para fazer fogos de artifício e criou armas de guerra que, aparentemente, podem acabar com o Kung Fu. Só há um problema; uma cabra, prevendo o futuro, disse que Shen seria destruído por uma criatura preta e branca. Em uma clara referência bíblica, Shen envia seus lobos para matar todos os ursos pandas do reino, o que força a mãe de Po a colocá-lo em uma cesta, que vai parar em um rio e, finalmente, no restaurante do Ganso. Qualquer semelhança com Moisés não é mera coincidência. Estas cenas são visualizadas em belas animações que simulam o 2D tradicional, contrastando bem com a rica animação tridimensional com que é feito o filme.

Há muita "filosofia de biscoito da sorte", dita principalmente pelo mestre Shifu (voz original de Dustin Hoffman), que ensina a Po que ele deve encontrar sua "paz interior". A animação em computação gráfica chegou a um nível de refinamento que nos faz esquecer que estamos vendo um conjunto de "pixels" se movendo na tela e, lição que a Pixar vem dando há muito tempo, o cuidado com o roteiro ajuda muito a envolver o público. Po e seus amigos (uma tigreza, um louva-deus, uma garça, um macaco e uma cobra, todos mestres em seus estilos de Kung Fu, claro) vão até Gongmen City tentar libertar a cidade das garras (ou penas) de Shen, impedir seus planos de dominar a China e, de quebra, restaurar a honra do Kung Fu.

O roteiro tem humor na dose certa, bons personagens e cenas de ação e luta que certamente farão a alegria da criançada. Os adultos podem aproveitar o visual requintado e algumas boas piadas. A produção é da Dreamworks Animation, com direção de Jennifer Yuh Nelson.


sábado, 4 de junho de 2011

X-Men: Primeira Classe

A série de filmes "X-Men" começou em 2000 em filme dirigido por Bryan Singer. A produção já mostrava que os estúdios Marvel estavam falando sério ao transpor o universo de mutantes dos quadrinhos para o cinema. O elenco, em especial, chamava a atenção. Patrick Stewart (que já havia sido o capitão Jean-Luc Piccard na série Star Trek: A Nova Geração) interpretava o mentor dos mutantes "do bem", Charles Xavier, e Ian McKellen era Magneto, o chefe dos mutantes "do mal". Hugh Jackman era o carismático Wolverine e atores e atrizes como Famke Janssem, Halle Berry, James Marsden, Brian Cox, entre outros, completavam o time. "X-Men 2" (2003) era melhor que o primeiro e avançava na metáfora de racismo e homofobia que os mutantes claramente representavam. A série ainda contou com "X-Men 3" (dirigido por Brett Ratner), que era mais do mesmo, e com um filme feito sobre Wolverine (2009), que era particularmente ruim.

"X-Men: Primeira Classe" embarca na nova fórmula descoberta por Hollywood para explorar suas "franquias", as "prequels". Ao contrário de uma "sequel" (continuação), a "prequel" é um filme que mostra eventos anteriores às histórias originais. Pelo lado bom, é uma forma de mostrar a origem dos personagens e, quando bem feito, de melhor aprofundá-los. Pelo lado ruim (como foi o caso de "Wolverine"), pode ser apenas um caça-níqueis que se aproveita dos filmes originais para se promover, além de um elenco novo, e mais barato, para o estúdio explorar. "Primeira Classe" está em um estágio intermediário entre estas duas possibilidades. Apesar de se propor a mostrar a origem dos "X-Men" como um todo, o filme está claramente focado no personagem de Erik Lehnsherr, o Magneto, interpretado pelo alemão Michael Fassbender. Sua história é contada desde 1943, quando Erik era um garoto judeu que é separado da mãe pelos nazistas. A cena, aliás, já havia sido mostrada em flashbacks dos filmes anteriores, mas a situação é estendida. O pequeno Erik, quando está com raiva, mostra ser capaz de atrair e mover objetos de metal, o que atrai a atenção de Sebastian Shaw, um nazista interpretado por Kevin Bacon. A cena em que Shaw mata a mãe de Erik retrata bem os problemas de "Primeira Classe". A boa carga emocional é atrapalhada por erros ridículos (a fúria de Erik destrói todo um laboratório, mas não quebra paredes de vidro, por exemplo). Esta combinação de seriedade com amadorismo permeia todo o filme (dirigido por Matthew Vaughn, de "Kick-Ass").

Da II Guerra Mundial, a trama pula para os anos 60 e para a "Crise dos Mísseis" entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos. Shaw, que se tornou um vilão mais ao estilo de James Bond, quer destruir todos os humanos "normais" em uma guerra nuclear entre as duas superpotências. Charles Xavier (o bom James McAvoy) é um estudioso de genética da Universidade de Oxford que é contratado pela CIA para combater os comunistas e, de quebra, encontrar e recrutar a nova raça de mutantes que está surgindo no planeta. "Primeira Classe" é muito bom quando foca na relação complicada entre Xavier e Magneto. Os dois têm inteligência acima da média e vários pontos em comum, mas são separados pela grande mágoa e sede de vingança carregadas por Erik. O filme é ruim, quase patético, no recrutamento e seleção dos outros mutantes, todos jovens, e na infeliz composição do vilão criado por Kevin Bacon; Sebastian Shaw (que, com o auxílio de outro mutante poderia ir de um ponto a outro do planeta) passa grande parte do filme navegando em um submarino que, vale repetir, parece vir diretamente de um filme de James Bond, com grandes salas decoradas e garotas mutantes em trajes mínimos. A "vida real", representada pela Crise dos Mísseis, Cuba, o Presidente Kennedy, etc, é misturada com a trama dos mutantes com resultados que variam, novamente, do ótimo ao patético, culminando com uma batalha final espetacular e absurda (que conta com a presença do ator Michael Ironside em uma ponta).

"X-Men: Primeira Classe", apesar de interessante, é bastante irregular. As inevitáveis continuações, talvez, acertem o passo.