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quarta-feira, 19 de maio de 2021

Oxigênio (Oxygene, 2021)

Oxigênio (Oxygene, 2021). Dir: Alexandre Aja. Netflix. Filme de suspense francês que lembra muito outro em que Ryan Reynolds acordava dentro de um caixão, "Enterrado Vivo" (2010). Este é mais tecnológico. Uma mulher (Mélanie Laurent) desperta dentro de uma câmara, toda coberta por um tecido térmico e com vários eletrodos e agulhas espetadas pelo corpo. Após os primeiros minutos de desespero, ela consegue se soltar e começa a explorar o lugar em que está. Ela não se lembra do próprio nome, nem como foi parar ali. Um computador chamado M.I.L.O. (voz do grande ator francês Mathieu Amalric) começa a falar com ela. O medidor de oxigênio marca 35%, pouco mais de uma hora até acabar.

Onde ela está? Ela tem vagas memórias de um hospital, pessoas com máscaras, enfermeiros. Ela estaria em uma câmara criogênica? Em tratamento médico? Enterrada viva? Laurent passa quase todo o filme com a lente da câmera próxima ao rosto e interpreta muito bem um papel ingrato, em que tem que atuar dentro de um espaço fechado. A não ser por flashbacks e memórias, ela é a única pessoa que vemos o filme todo. Escutamos a voz de outros personagens em ligações telefônicas que o computador consegue fazer. M.I.L.O., aliás, parece ter a resposta para todas perguntas; o problema é que ele só responde o que é perguntado, e cabe à personagem de Laurent fazer as perguntas certas, se quiser sair dessa com vida. A trama fica um tanto fantástica conforme o filme avança e o roteiro tenta explicar demais as coisas, mas a competência técnica e a interpretação de Mélanie Laurent mantém o interesse. Tá na Netflix.
 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O Grande Hotel Budapeste

"O Grande Hotel Budapeste" é como uma daquelas bonecas russas, ricamente decoradas, que se abrem revelando outras bonecas dentro delas. A cada nova camada se descobre outra obra de arte ainda mais elaborada do que a anterior. É também uma declaração de amor à etiqueta, às boas maneiras, ao profissionalismo e uma Europa que, provavelmente, nunca existiu na verdade, a não ser como um ideal na cabeça de personagens como M. Gustave (Ralph Fiennes, extraordinário), concierge do "Grande Hotel Budapeste". Dizer que foi escrito e dirigido por Wes Anderson ("Moonrise Kingdom") se torna redundante a partir do primeiro frame do filme, que tem todas as características do estilo do diretor.

Anderson cria uma espécie de conto de fadas adulto, um roteiro francamente literário que começa com o busto de um "Autor" (interpretado por Tom Wilkinson quando velho e Jude Law quando mais moço). Ainda usando a imagem da boneca russa, a trama é contada em várias camadas, começando pelo Autor em 1985, passando por Jude Law na década de 1960 e finalmente retrocedendo até a década de 1930, no período entre guerras. Cada época é filmada em uma proporção diferente (2.35: 1, 1.85:1 e 1.37:1), em boa e velha película cinematográfica com ótima direção de fotografia de Robert Yeoman (habitual colaborador de Wes Anderson).


A parte principal da trama se passa nos anos 1930, quando o "Grande Hotel Budapeste" estava no auge do luxo e clientela. M. Gustave (Fiennes) é responsável não só por manter o hotel funcionando impecavelmente como também atende às hóspedes mais velhas com uma atenção especial; "Eu durmo com todas as minhas amigas", diz ele em dado momento. Uma das suas conquistas é a Madame D. (uma irreconhecível Tilda Swinton), que morre de forma misteriosa e deixa um quadro de valor inestimável a Gustave. Isso causa a ira do filho da Madame D., Dimitri (Adrien Brody), que conspira para enviar M. Gustave para uma prisão de segurança máxima, de onde ele vai tentar escapar com a ajuda de seu protegido, um mensageiro do hotel chamado Zero (o ótimo estreante Tony Revolori). É praticamente impossível falar muito sobre a trama, que envolve regras de etiqueta, o crescimento de uma nação fascista na Europa, honra entre ladrões, um elaborado plano de fuga e uma série incrível de personagens secundários. O elenco impressiona, com papéis coadjuvantes interpretados por nomes como F. Murray Abraham, Mathieu Almaric, Jeff Goldblum, Willem Dafoe, Harvey Keitel, Edward Norton, Bill Murray, Bob Balaban, Saoirse Ronan, Léa Seydoux, Jason Swartzman, Owen Wilson e vários outros atores.

É um filme de Wes Anderson, o que significa qualidade técnica impecável, quase obsessiva. A direção de arte é brilhante, fazendo bom uso de locações reais (filmadas na Alemanha e Polônia), estúdio e cenas de efeitos especiais envolvendo miniaturas e animação. A trilha sonora de Alexandre Desplat vai mudando e se adaptando praticamente a cada plano, acompanhando a narração. Wes Anderson tem tanto admiradores quanto detratores, e com este filme não vai ser diferente. Para mim, "O Grande Hotel Budapeste" é seu melhor filme, impecavelmente bem feito, divertido e inventivo ao extremo.

Câmera Escura

domingo, 19 de junho de 2011

Turnê

Mathieu Amalric se estabeleceu como um ator de fama mundial após estrelar filmes como "Munique" (2005), "O Escafandro e a Borboleta" (2007), e "007 - Quantum of Solace". Seu rosto quase sempre serviu para interpretar personagens escusos ou vilões, e não é muito diferente neste filme escrito e dirigido por ele, "Turnê", pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, em 2010.

Joachim Zand (Amalric) não é um vilão, mas um decadente diretor que, um dia, já teve fama e sucesso. "Turnê" começa com seu retorno dos Estados Unidos, onde foi tentar a vida. Ele está acompanhado por um grupo bizarro de mulheres de meia idade que, também decadentes, são as estrelas de um show "burlesco" de dança, canto e striptease. Amalric, como diretor, adota um estilo documental de filmar o dia-a-dia destas pessoas, e o roteiro não é nada didático. A relação de Zand com "suas garotas" é de amor e ódio. Em um momento estão todos rindo e fumando juntos, nos bastidores, acompanhando a apresentação de uma delas no palco; em outro, as garotas jogam na cara dele que o show é delas e que ele não deve interferir. Há também uma cobrança constante sobre um prometido show em Paris que, aparentemente, Zand não vai conseguir produzir. Enquanto isso, a trupe perambula por cidades pequenas, se apresentando em teatros ou discotecas de segunda classe. Os shows (concebidos pelas próprias atrizes, segundo os créditos finais) variam do bizarro ao artístico. Há uma performance bastante boa de "Dream On", do Aerosmith, tocada ao piano. Há uma apresentação surpreendente em que um grande balão de festa é usado de forma criativa. Há vários tipos de striptease parcial. Tudo isso é filmado pelo diretor de fotografia de Amalric, Christophe Beaucarne, em cores fortes, geralmente do ponto de vista dos bastidores.

Há momentos muito interessantes, como quando Amalric parte para Paris em busca de um teatro. Ele para em um posto de gasolina e tem uma cena muito boa com uma operadora do caixa, que lhe pergunta onde está indo. "Vou buscar meus filhos", ele diz. A surpresa é que ele não está mentindo. Sem muitas explicações, Zand pega dois garotos em uma lanchonete e os arrasta junto com a turnê. Uma das suas "garotas", Mimi (Miranda Colclasure), é uma loira que está acima do peso e tem o corpo cheio de tatuagens. Aos poucos, um clima de romance (e ódio) começa a surgir entre ela e Joachim Zand, provavelmente causado pelo aparecimento dos garotos.

É um filme bastante melancólico e, a bem da verdade, um pouco indigesto para espectadores com pouca paciência. O roteiro é apenas um fio tênue que se arrasta de cena a cena, show a show, cidade a cidade. O final é, ao mesmo tempo, melancólico e fantasioso. Amalric se mostra um diretor sensível e aberto a improvisos. Suas garotas são um retrato triste de decadência misturada com a alegria de um grupo de turistas perambulando pela França. The show must go on.


domingo, 29 de agosto de 2010

Um Segredo em Família

François Grimbert é um garoto amedrontado. Enquanto seus pais, Maxime (Patrick Bruel) e Tania (Cécile de France), são atletas, ele é um rapaz fraco e fechado, que tem um irmão imaginário. Este irmão, ao contrário dele, é forte, ágil e é o orgulho dos pais. São os anos 50 na França, captados pelo diretor Claude Miller em tons fortes e coloridos. O que há de errado com François? Por que a sensação de que há “fantasmas” na vida de seus pais?

“Um Segredo em Família” é baseado na história real de Philippe Grimbert e mostra a ferida do Holocausto de outra forma. François nasceu em uma família judaica e foi circuncidado quando criança, como pregam os ritos. Um pouco mais velho, no entanto, ele é batizado católico pelos pais. Como toda criança, ele capta trechos de conversas sussurradas pelos adultos e constrói sua própria fantasia sobre como os pais se conheceram, se apaixonaram e se casaram. A verdade, porém, é muito mais sombria, e quando adolescente François descobre que há mais verdades na história de seu irmão “imaginário” do que ele pensava.

A trama do filme é muito mais interessante do que o modo como a história é contada. Duas histórias se desenrolam na primeira parte, os anos 50 na França (em colorido) e trinta anos depois, em 1985, em um preto e branco apagado. Estas cenas nos anos 80 mostram François (o ótimo Mathieu Almaric) como um terapeuta especializado em crianças com problemas. Seu pai está desequilibrado com a morte do cachorro, que foi atropelado, e François ainda tem memórias dolorosas da infância. O meio do filme, com François já adolescente, marca o início de outra história, que se passa antes da II Guerra Mundial e revela quem era o irmão “fantasma” de François, um garoto chamado Simon. Seu pai era casado com outra mulher, Hannah (Ludivine Sagnier), mas nutria uma paixão secreta pela cunhada, Tara. A história é muito interessante, mas o filme ganharia com uma narrativa mais linear. O nazismo começa a estender suas garras e os judeus franceses são obrigados a usar a Estrela de Davi, para desgosto de Maxime, que se recusa. Interessante o espelhamento das imagens entre François, no início do filme, e Simon, nesta segunda parte. Simon é um garoto atlético como o pai, e Hannah é a típica esposa judaica perfeita. Mas a atração física cada vez maior que Maxime sente por Tara começa a ficar aparente, o que leva a uma tragédia quando a família tenta fugir dos nazistas para o outro lado da fronteira.

O diretor Claude Miller, que foi gerente de produção de vários filmes do mestre François Truffaut nos anos setenta, conduz muito bem o elenco e cria uma tensão palpável e não dita entre as duas mulheres de Maxime. A Segunda Guerra e o nazismo deixaram marcas na Europa e na Humanidade que se estendem até hoje. “Things all long gone, but the pain lingers on”, como diria uma letra de “The Wall”, do Pink Floyd. Em todas as guerras, as maiores vítimas são as crianças.



domingo, 4 de abril de 2010

Ervas Daninhas

Escrever sobre "Ervas Daninhas" é tarefa difícil. O último filme do mestre francês Alain Resnais tem de tudo. Tem drama, tem comédia, tem suspense e romance. Tem aviões antigos e uma homenagem aos filmes hollywoodianos.

Marguerite Muir (Sabine Azéma) é uma dentista de meia idade, solteira. Ela sempre compra sapatos no mesmo lugar, em Paris, porque gosta do modo como a vendedora a atende. Saindo da loja, um dia, ela tem sua bolsa roubada, e perde todos os documentos. Sua carteira é encontrada no chão por Georges Palet (André Dussolier), um homem casado que, ao ver as fotos de Marguerite dentro da carteira, começa a fantasiar com ela. Ele tenta ligar para ela, mas não consegue encontrá-la. Leva então a carteira até a polícia, onde o policial Bernard (Mathieu Almaric) o atende, e contata Marguerite. Ela então liga para Georges para agradecer por ter devolvido a carteira, e ele pede para que ela saia com ele. Ela se recusa, e ele passa a lhe escrever e telefonar todos os dias, obcecado.

Tudo isso é mostrado por Resnais de forma extremamente fluida, com movimentos de câmera constantes e por um narrador que passa ao espectador todos os pensamentos dos personagens. Quando Georges está voltando para casa, depois de encontrar a carteira, por exemplo, nós o vemos imaginando como vai ser sua ligação para Marguerite. Assim como todos nós, seu pensamento não é linear, ele ensaia várias frases que pensa em usar quando ela atender... se ela atender. O roteiro vai se tornando cada vez mais fantástico e, em alguns momentos, imaginamos se tudo não passa de algum delírio da imaginação de Georges, ou do tal narrador que conta a história. Tecnicamente, Resnais e seu diretor de fotografia Eric Gautier mantém a câmera se movimentando constantemente em belas tomadas que, por vezes, tomam o lugar da montagem, em planos contínuos que simulam a passagem do tempo.

Interessante também como o cinema americano é tão marcante em remeter a momentos de romance clichê em filmes. Quando Marguerite, intrigada com a atenção de Georges, finalmente vai encontrá-lo, o local não poderia ser outro que não o exterior de um cinema que passa filmes clássicos de Hollywood. A fanfarra tema da 20th Century Fox também é usada em outro momento para remeter à uma cena tipicamente hollywoodiana, quando Georges e Marguerite finalmente se beijam. Mas que o espectador não se iluda, tudo não passa de uma farsa pregada por Alain Resnais no espectador incauto. O filme, classificado como "drama", na verdade é uma deliciosa comédia fantástica, uma brincadeira com os gêneros cinematográficos e com o próprio cinema. Resnais, um dos fundadores da nouvelle vague e diretor de clássicos eternos como "Hiroshima Moun Amour" (1959), está com 88 anos, e deve ter se divertido muito fazendo este filme.

ps: o trailer abaixo, que não tem nada a ver com o filme, mostra como tudo é uma farsa divertida.