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domingo, 27 de março de 2022

A Pior Pessoa do Mundo (Verdens verste menneske, 2021)

A Pior Pessoa do Mundo (Verdens verste menneske, 2021). Dir: Joachin Trier. Acabei vendo só agora este filme da Noruega, que está concorrendo aos Oscars de roteiro adaptado e filme estrangeiro. Sem exagero, é um dos melhores do ano (e poderia facilmente estar no lugar de um dos dez indicados a melhor filme). É difícil de classificá-lo, mas ele está sendo chamado de "comédia romântica para adultos", rs. De fato, há vários momentos e tramas em "A pior pessoa do mundo" que lembram uma comédia romântica leve, mas o desenrolar da história é sempre mais adulto e realista.

Julie (uma excelente Renate Reinsve) é uma mulher que sempre lutou para ser a melhor em tudo. Tinha notas altas, o que a fez estudar Medicina. Só que, na faculdade, descobriu que estava mais interessada na mente das pessoas do que em seus corpos, e resolveu largar tudo para estudar Psicologia. Na faculdade viu que, talvez, sua verdadeira paixão fosse Fotografia... e assim por diante. Senti alguma influência da ótima série "Fleabag", de Phoebe Waller-Bridge, em Julie. Ela é uma mulher cheia de paixões e talento, mas sem muita direção.

Ela se apaixona por um cartunista mais velho, Askel (Anders Danielsen Lie), com quem vai morar junto. Eles se dão muito bem mas, frequentemente, brigam por causa do desejo dele de ter filhos e começar uma família. Julie então conhece um rapaz chamado Eivind (Herbert Nordrum), em uma festa de casamento. Há uma sequência ótima em que Julie e Eivind resolvem se conhecer, mas sem "trair" ninguém. Outra sequência maravilhosa envolve Julie "parando o tempo" e correndo pelas ruas de Oslo. O filme é dividido em 12 capítulos curtos. Como disse, momentos de "comédia romântica" são intercalados com cenas mais adultas envolvendo sexo, doença e morte. Julie toma algumas decisões que podem parecer que ela é "a pior pessoa do mundo", ou talvez seja simplesmente "a vida". Renate Reinsve ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes e, por mim, estaria no lugar de Nicole Kidman (e sua máscara de maquiagem) no Oscar. Em cartaz nos cinemas.  

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Elle (2016)

A violência parece cercar Michèle Leblanc (Isabelle Huppert, ótima como sempre). Logo na primeira cena do filme testemunhamos, aparentemente, Michèle sendo estuprada por um homem que invadiu sua casa. As atitudes dela após o fato, no entanto, não parecem condizentes com uma mulher que acabou de ser violentada. No trabalho dela, mais violência, agora virtual. Michèle é dona de uma empresa que cria viodeogames, e o mais novo produto da casa mostra, com detalhes, uma mulher sendo violentamente atacada por um monstro. "Precisa ser mais forte", ela diz para um grupo de jovens desenvolvedores. No campo familiar, a mãe de Michèle fica insistindo para que ela vá visitar o pai na cadeia, preso há muitos anos por um crime bárbaro.

"Elle" é dirigido pelo lendário cineasta holandês Paul Verhoeven (78 anos), que depois de alguns sucessos na Europa, no começo dos anos 1980, foi conquistar a América com filmes como "Robocop" (1987), "Total Recall" (1990) e "Instinto Selvagem" (1992). O fracasso veio com a bomba "Showgirls" (1995) e outros filmes pouco vistos que levaram o diretor de volta à Europa. Verhoeven mostra toda sua competência neste filme em que mistura drama familiar com cenas de suspense à Alfred Hitchcock.

O roteiro é bastante francês. Michèle convive com o ex-marido, faz questão de conhecer a jovem namorada dele e tem um caso com o marido da melhor amiga. No corpo de qualquer outra atriz a personagem provavelmente passaria por fria, mas Huppert a interpreta com tanto carisma que Michèle, ao invés de ser uma mulher traumatizada e esmagada pelo passado, parece até conformada e pragmática com a série de fatalidades que acontecem na sua vida. Há uma curiosa ligação entre violência e intimidade no filme de Verhoeven que também é bastante européia. Sobre a trama não se pode falar muito sem acabar revelando detalhes. Assim como Hitchcock, Verhoeven entende que o bom filme de suspense não é o que guarda segredo por muito tempo, mas sim o que o revela no meio da trama e deixa o espectador ainda mais interessado no que vai acontecer.

"Elle", marquem aí, é boa aposta para o Oscar de melhor filme estrangeiro ano que vem. (e pode até sobrar uma indicação para Huppert).

João Solimeo

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Relatos Selvagens

"Relatos Selvagens" é composto por seis episódios cheios de ironia e humor negro. O filme é escrito e dirigido por Damián Szifrón e é uma co-produção entre a Argentina e a Espanha (representada por ninguém menos que Pedro e Agustín Almodóvar). O humor de Szifrón é afiado mesmo nas situações mais absurdas.

A primeira história se passa em um avião em que, misteriosamente, todos os ocupantes parecem ter alguma relação com um homem chamado Pasternak. O final é engraçadíssimo.

No segundo episódio, um homem pára em um pequeno restaurante de beira de estrada durante um temporal. A garçonete (Julieta Zylberberg) o reconhece; foi ele quem causou a morte do pai dela e assediou a mãe. Por anos ela sempre quis estar de frente com ele para lhe dizer poucas e boas. Mas a cozinheira (Rita Corteze) tem uma sugestão mais assustadora (e tentadora).

O terceiro episódio é, talvez, o melhor do filme. Ele mostra o que acontece quando dois homens estão atrás do volante de um carro. Leonardo Sbaraglia está dirigindo um carro de luxo em uma estrada e tenta passar outro carro, velho e sujo, dirigido por Walter Donado. Os dois se "estranham", Leonardo baixa o vidro e ofende o dono do outro carro. Alguns quilômetros à frente, porém, o carro de luxo é obrigado a parar na beira da estrada por causa de um pneu furado e o outro carro estaciona para tirar satisfações. Segue-se uma escalada da violência conforme cada um tenta mostrar ao outro quem é o mais forte.


No quarto episódio, o grande Ricardo Darín (que já foi visto nos cinemas por aqui em outro filme episódio este ano, "O que os homens falam") é um engenheiro de demolições que se vê enredado em um mar de corrupção e burocracia kafkanianas quando tenta recuperar seu carro, que havia sido guinchado injustamente pelo departamento de trânsito. Darín é o grande astro do cinema argentino e tem posição de destaque no pôster do filme. É sobretudo um ótimo ator e neste episódio não é diferente. O final é deliciosamente irônico.

O quinto episódio trata do tema da impunidade. Um rapaz de família rica, voltando de um bar na BMW do pai, atropela uma mulher grávida e foge da cena do acidente. O pai (Oscar Martinez) chama o advogado (Osmar Núñez) para tratar do assunto e eles planejam colocar um "laranja" para assumir a culpa pelo atropelamento. Os diálogos entre o pai e o advogado são ótimos. Qual o preço da liberdade de um filho?

O último episódio trata de infidelidade e problemas conjugais em plena cerimônia de um casamento. A noiva (Erica Rivas) descobre que a amante do marido está na festa e resolve se vingar dele. As consequências são desastrosas.

"Relatos Selvagens" foi um grande sucesso na Argentina e concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Também foi o filme escolhido para tentar uma vaga ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela Argentina. A alta qualidade de todos os episódios faz com que o filme não caia no problema de outros exemplares do gênero, que geralmente alternam curtas bons com outros ruins. Há uma continuidade visual e temática entre os episódios muito interessante. Os problemas do casamento de Darín parecem explodir no episódio da noiva. O carro visto como arma no episódio dos dois motoristas causa a morte de uma mulher grávida em outro episódio. A opressão da vida urbana moderna, violência, estresse e burocracia caberiam perfeitamente no Brasil. Para não perder. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

Uma pena que este filme tenha sido mais comentado por causa das cenas de sexo do que pelas outras coisas que tem a oferecer. As cenas existem e são "fortes" sim mas, em plena segunda década do século 21, sexo não deveria ser considerado novidade no cinema. Filmes como "O Amante" (1992), de Jean-Jacques Annaud ou, mais recentemente, "Desejo e Perigo" (2009), de Ang Lee (sem falar em séries de TV como "Game of Thrones") levaram a representação do ato sexual ao limite. O diferencial das cenas em "Azul é a cor mais quente", talvez, seja a longa duração; considerando que o filme tem mais de três horas, porém, sexo é apenas um detalhe.

"Azul é a cor mais quente" é dirigido pelo tunisiano Abdellatif Kechiche (do perturbador "Vênus Negra"), que escreveu o roteiro baseado em uma série de quadrinhos. Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma adolescente que está em dúvida sobre sua sexualidade. Bonita, ela atrai a atenção dos rapazes (e garotas) da escola, e chega a transar com um colega, mas ela sente que falta alguma coisa. "Parece que estou sempre fingindo", diz ela a um amigo gay. A "alguma  coisa" de que ela sente falta aparece na forma de uma garota mais velha, Emma (Léa Seydoux, de "Missão: Impossível - Protocolo Fantasma"), que ela vê passando na rua. As duas acabam se conhecendo em um bar gay e começam a sair juntas. Ao contrário do que a publicidade em torno do filme dá a entender, elas não pulam direto na cama. Leva quase uma hora e meia para que as duas, finalmente, durmam juntas. Este é um filme europeu, e as personagens ficam conversando sobre arte e filosofia, citando trechos de Sartre em longos diálogos muito bem interpretados pelas atrizes e coreografados por Kechiche. É um filme plasticamente bonito de se ver, com fotografia primorosa de Sofian El Fani que, auxiliado pela direção de arte e figurino, compõe quadros em que a cor azul é predominante. Emma é estudante de Belas Artes e Adèle está estudando para ser professora. Emma é mais velha e segura de si, enquanto que Adèle parece estar sempre com "fome". A presença de comida, aliás, é constante por todo o filme; do lanche que Adèle faz com um rapaz, no início, passando pela macarronada preparada por seu pai aos frutos do mar feitos pelos pais de Emma, os personagens estão sempre comendo alguma coisa. Após um beijo em uma cena sensível passada no parque, as duas acabam finalmente na cama, e começa a longa cena de sexo sobre a qual estão todos falando. Curiosamente, o contato físico é tão grande e explícito que, a meu ver, o sexo esfria o filme. Há mais intimidade nos olhares trocados por Emma e Adèle no bar, falando sobre arte, do que nos malabarismos filmados detalhadamente por Kechiche. Estas cenas são necessárias? Talvez, mas não pelo tempo que consomem.


Falando em "tempo", o roteiro esconde sua passagem em frases dos diálogos, mudanças nos penteados e em outros pequenos detalhes. Emma leva Adèle para conhecer os pais, por exemplo, e eles comentam que queriam conhecê-la "há meses". Em uma festa, vemos uma mulher que está grávida e, em outra cena, descobrimos que sua filha já está com três anos. Adèle se torna professora do maternal e pré-primário e gosta do seu trabalho, mas Emma gostaria que ela fizesse algo mais criativo. Como em qualquer drama de romance (hétero ou gay), há cenas de ciúmes, traições e corações partidos, tudo apresentado no ritmo lento com que Kechiche leva a narrativa.

"Azul é a cor mais quente" ganhou a Palma de Ouro em Cannes e tanto o diretor quanto as duas atrizes foram premiados. A julgar por entrevistas dadas por elas, as filmagens foram tudo, menos harmoniosas. As atrizes descrevem Kechiche como um ditador no set, refazendo a mesma cena centenas de vezes. Talvez tudo não passe de marketing. O que fica das três horas acompanhando a "vida de Adèle" (do título original) é um cinema extremamente bem feito e, em grande parte, sensível e honesto. A interpretação das atrizes varia; a personagem de Emma (e a interpretação de Seydoux) crescem bastante durante a narrativa, enquanto que Adèle me pareceu melhor na primeira metade. Tirando a polêmica, o que sobra é bom cinema.



quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Garoto da Bicicleta

"O Garoto da Bicicleta" ganhou o prêmio especial do júri no Festival de Cannes deste ano (empatando com o filme turco "Era uma vez em Anatolia"). Ele conta a sensível história de Cyril (Thomas Doret), um garoto de dez anos que foi abandonado pelo pai em um orfanato. Dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, o filme tem um olhar documental sobre um garoto que não tem nada de idealizado; Cyril, interpretado magistralmente pelo jovem Doret, é um garoto de verdade, que sente saudades do pai e é turrão, briguento, foge quando pode e agride quem tenta segurá-lo.

Nos primeiros dez ou quinze minutos acompanhamos a luta dele para reencontrar o pai e recuperar sua bicicleta que, insiste, ainda está no apartamento em que morava. A bicicleta lhe é devolvida por Samantha (Cécile de France, de "Além da Vida", de Eastwood, e "Um Segredo em Família"), uma cabeleireira que conhece o garoto por acaso e aceita ficar com ele durante os finais de semana. Os diretores evitam o sentimentalismo fácil, mas a cena em que Cyril reencontra o pai é de cortar o coração. Ele é um homem fraco que trabalha em um restaurante e diz a Samantha que não quer mais ver o garoto, porque está recomeçando a vida e não está preparado para isso. "Diga a ele você mesmo", diz Samantha.

O olhar realista dos irmãos Dardenne mostram como a falta de estrutura familiar e apoio podem expor uma criança a riscos como o tráfico de drogas e os crimes. Um jovem traficante da região atrai o garoto com videogames e, principalmente, lhe dando atenção.  Samantha não consegue entender porque Cyril se envolve com o traficante, mas está tão ligada ao garoto que até perde o namorado por causa dele. Impossível não se lembrar do mestre François Truffaut e seu primeiro longa metragem, "Os Incompreendidos" (1959), que mostrava a vida do jovem Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), que é abandonado pela família e vai parar em um reformatório. Mas Truffaut tinha um olhar mais carinhoso e nostálgico. Os irmãos Dardenne fazem um filme curto (87 minutos), com pouco espaço para concessões sentimentais. Há algumas cenas idílicas entre o garoto e a bela Cécile de France andando de bicicleta mas, em grande parte do tempo, o mundo não parece um lugar muito seguro para o pequeno Cyril, e o filme termina da mesma forma como começa, em aberto. O filme estréia no Topázio Cinemas, em Campinas, dia 23 de dezembro.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Melancolia

"Melancolia" é uma criação estranha e bela do dinamarquês Lars von Trier. Ele tem uma legião de seguidores (e detratores) do seu cinema provocador e irregular, e gosta de ousar brincando com gêneros (o musical "Dançando no Escuro", o terror de "Anticristo") ou linguagens (o teatro filmado de "Dogville" e "Manderlay"). Com "Melancolia" ele cria uma obra inusitada, um "disaster movie psicológico". Algo como uma mistura entre o drama "Interiores", de Woody Allen e "Impacto Profundo", de Mimi Leder.

O filme é dividido em duas partes, "Justine" e "Claire", que são duas irmãs; a primeira parte se passa na festa de casamento de Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgård). A recepção ocorre em um casarão afastado da civilização, em meio a uma floresta e um campo de golfe. Justine é um poço de contradições. Em um momento aparenta estar feliz com seu casamento e no momento seguinte entra em um estado de profunda depressão. A mãe (Charlotte Rampling) não acredita em casamentos e destila seu veneno sobre a filha. O pai (John Hurt) é um piadista que está permanentemente bêbado e alienado aos humores da filha. A irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) mantém uma distância estudada do caos à sua volta, que ela tenta administrar organizando a festa de casamento, a irmã instável e o marido controlador, John (Kiefer Sutherland), que não cansa de dizer a fortuna que tudo aquilo está lhe custando. Nesta primeira parte, "Melancolia" se refere ao estado depressivo de Justine. É um "disaster movie" familiar, já que o casamento está em rota de colisão desde o primeiro minuto de projeção.

A segunda parte trata de Claire, que parece ser o lado mais centrado da família, mas as aparências enganam. Charlotte Gainsbourg, que já trabalhou com Trier em "Anticristo", é uma atriz fascinante; seu corpo pequeno e rosto quase infantil passam uma sensação de fragilidade que contrasta com a beleza sensual de Kirsten Dunst. A trama se passa na mesma casa da festa, talvez meses depois; Justine está no fundo do poço, tendo que ser cuidada como uma inválida pela irmã Claire e pelo cunhado John. Há uma quarta figura neste grupo fechado, Leo (Cameron Spurr), o filho pequeno de John e Claire. Chega a ser surpreendente o modo terno com que Trier apresenta o garoto, que é o próprio retrato na inocência. Na casa isolada estão todos pensando na mesma coisa: a aproximação de um planeta chamado Melancolia, que surgiu no Sistema Solar e, dizem os cientistas, vai passar muito próximo da Terra, sem causar danos. O que não impede de aterrorizar Claire, que acredita nos sensacionalistas da internet que dizem que Melancolia vai colidir com a Terra.

Trier se utiliza desta trama com moldes de ficção-científica para fazer um filme psicológico sobre as relações humanas e discutir nosso lugar no Universo. John (em boa interpretação de Sutherland) é o típico "homem renascentista", que tem fé na ciência e um entusiasmo quase infantil (que divide com o filho pequeno) com relação à Astronomia. Ele está constantemente acalmando Claire e agindo como se algo tão bonito e fascinante como Melancolia fosse incapaz de causar mal. Prático, ele compra mantimentos extras e iluminadores à gás para o casarão e passa horas com o filho observando o planeta por um telescópio no jardim. Há uma cena incrivelmente bela quando Melancolia surge no horizonte, como uma Lua gigantesca e azul, iluminando a noite com uma falsa alvorada. Mas será que o lindo planeta é mesmo inofensivo? Quanto mais ele se aproxima da Terra e dá sinais de que vai realmente colidir com o planeta, os personagens reagem de forma diferente. Justine, paradoxalmente, é a que enfrenta o destino de modo mais calmo, embora fatalista. "A Terra é má", diz ela. "Ninguém vai sentir nossa falta". Já Claire entra em desespero, preocupada com o destino do filho pequeno. John, o calmo homem da ciência, reage da forma mais egoísta de todos.

Tudo isso é filmado de forma extremamente bela. O início do filme é formado por vários planos em câmera lenta que mostram, de forma metafórica, tudo o que vai se seguir. Há uma cena de nudez de Kirsten Dunst, deitada na relva, observando Melancolia, que é como uma pintura. Todas estas cenas são acompanhadas do melancólico (com o perdão da palavra) tema de Tristão e Isolda composto por Richard Wagner. Pena que Lars von Trier, em uma atitude que lembra certas ações da personagem Justine, se boicotou durante o último Festival de Cannes, onde "Melancolia" foi exibido. Durante uma entrevista coletiva, Trier começou a divagar e, surpreendendo a todos, disse ser nazista e que "entendia Hitler". Ele foi expulso do festival (que premiou "A Árvore da Vida") e causou mal estar geral; há quem acredite que tenha sido um golpe de marketing. Independente disso, "Melancolia" é um filme bastante singular, de beleza ímpar.


domingo, 19 de junho de 2011

Turnê

Mathieu Amalric se estabeleceu como um ator de fama mundial após estrelar filmes como "Munique" (2005), "O Escafandro e a Borboleta" (2007), e "007 - Quantum of Solace". Seu rosto quase sempre serviu para interpretar personagens escusos ou vilões, e não é muito diferente neste filme escrito e dirigido por ele, "Turnê", pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, em 2010.

Joachim Zand (Amalric) não é um vilão, mas um decadente diretor que, um dia, já teve fama e sucesso. "Turnê" começa com seu retorno dos Estados Unidos, onde foi tentar a vida. Ele está acompanhado por um grupo bizarro de mulheres de meia idade que, também decadentes, são as estrelas de um show "burlesco" de dança, canto e striptease. Amalric, como diretor, adota um estilo documental de filmar o dia-a-dia destas pessoas, e o roteiro não é nada didático. A relação de Zand com "suas garotas" é de amor e ódio. Em um momento estão todos rindo e fumando juntos, nos bastidores, acompanhando a apresentação de uma delas no palco; em outro, as garotas jogam na cara dele que o show é delas e que ele não deve interferir. Há também uma cobrança constante sobre um prometido show em Paris que, aparentemente, Zand não vai conseguir produzir. Enquanto isso, a trupe perambula por cidades pequenas, se apresentando em teatros ou discotecas de segunda classe. Os shows (concebidos pelas próprias atrizes, segundo os créditos finais) variam do bizarro ao artístico. Há uma performance bastante boa de "Dream On", do Aerosmith, tocada ao piano. Há uma apresentação surpreendente em que um grande balão de festa é usado de forma criativa. Há vários tipos de striptease parcial. Tudo isso é filmado pelo diretor de fotografia de Amalric, Christophe Beaucarne, em cores fortes, geralmente do ponto de vista dos bastidores.

Há momentos muito interessantes, como quando Amalric parte para Paris em busca de um teatro. Ele para em um posto de gasolina e tem uma cena muito boa com uma operadora do caixa, que lhe pergunta onde está indo. "Vou buscar meus filhos", ele diz. A surpresa é que ele não está mentindo. Sem muitas explicações, Zand pega dois garotos em uma lanchonete e os arrasta junto com a turnê. Uma das suas "garotas", Mimi (Miranda Colclasure), é uma loira que está acima do peso e tem o corpo cheio de tatuagens. Aos poucos, um clima de romance (e ódio) começa a surgir entre ela e Joachim Zand, provavelmente causado pelo aparecimento dos garotos.

É um filme bastante melancólico e, a bem da verdade, um pouco indigesto para espectadores com pouca paciência. O roteiro é apenas um fio tênue que se arrasta de cena a cena, show a show, cidade a cidade. O final é, ao mesmo tempo, melancólico e fantasioso. Amalric se mostra um diretor sensível e aberto a improvisos. Suas garotas são um retrato triste de decadência misturada com a alegria de um grupo de turistas perambulando pela França. The show must go on.