sábado, 9 de julho de 2011

Vênus Negra

Exibido em Campinas há um mês no Fesvital Varilux de Cinema Francês, "Vênus Negra" volta ao Topázio Cinemas. É, sem dúvida, uma das experiências mais impactantes e difíceis de suportar já colocadas em uma tela de cinema. "Vênus Negra" conta os últimos anos de vida de Sarah Baartman, uma sul-africana que era empregada doméstica e babá na Cidade do Cabo, antes de ser levada por seu patrão para Londres, onde era exibida como uma "curiosidade" (ou aberração). É o ano de 1810 e vários tipos de atrações bizarras são mostradas em um bairro pobre da capital inglesa. Sarah é apresentada como a "Vênus Hotentote", uma "selvagem" que seu patrão, Hendrick Caezar (André Jacobs), diz ter capturado sob o risco da própria vida. A apresentação da Vênus é um longo, humilhante e bizarro espetáculo mostrado com detalhes pelo diretor Abdellatif Kechiche, que parece fazer um teste com os espectadores de cinema de hoje, comparando-os com os frequentadores destes "freak shows" do século 19. É uma encenação, claro, mas qual o limite entre o teatro e a realidade? Sarah é uma mulher de 25 anos, aparentemente adulta, por que ela se submete à humilhante representação de um ser selvagem e subdesenvolvido?

Quando membros de uma "sociedade africana" começam a levantar este tipo de questões, Caezar se junta a outro "artista", Réaux (Olivier Gourmet) e eles partem para Paris, para continuar com as apresentações da Vênus. O filme é longo, com duas horas e quarenta minutos de exibição. Durante este tempo, o espectador é testemunha de várias apresentações de Sarah, que se tornam cada vez mais degradantes, chegando perto da pornografia. Ela pertence à tribo dos Hotentotes, que têm como característica física as nádegas e órgão genital feminino avantajados. Há uma longa sequência, também humilhante, em que Sarah é levada aos cientistas franceses para ser medida, pesada, examinada e analisada como mero espécime de laboratório. Quando ela se recusa e expor a genitália, é simplesmente devolvida ao "dono". Sarah voltará a ser examinada, desta vez mais profundamente, pelos cientistas, na sequência final do filme.

"Vênus Negra" levanta a questão de como a curiosidade humana leva a extremos terríveis. A ciência "naturalista" da época não fica de fora. O resultado de todas as medições dos cientistas serve apenas para "provar" que os africanos são inferiores aos brancos, que seriam descendentes de uma raça superior. A curiosidade dos espectadores dos shows da "Vênus Hotentote" não é muito diferente do público dos "big brothers" e "pegadinhas" dos programas de televisão de hoje. Mas o próprio "Vênus Negra", paradoxalmente, acaba testando os próprios limites. Até que ponto é ético mostrar o sofrimento de uma mulher de forma tão detalhada e por tempo tão longo? Até que ponto a atriz Yahima Torres, que interpreta Sarah, não está sendo exposta da mesma forma? Claro que ela é apenas uma atriz mas, curiosamente, esta é uma justificativa dada pelos personagens ao modo como tratavam Sarah Baartman. Quanto à personagem, ela é vista sendo espancada, estuprada, cavalgada, chicoteada e humilhada de diversas formas. Que tipo de homenagem é esta à Sarah Baartman real? Curiosamente, um pouco de humanidade é mostrado apenas quando os créditos estão subindo e cenas reais do corpo de Baartman sendo devolvido à África do Sul, em 2002, são mostradas. Filme difícil, que requer estômago do espectador.


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