quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guerra Civil (Civil War, 2024)

Guerra Civil (Civil War, 2024). Dir: Alex Garland. Depois de gerar polêmica por vários meses, antes mesmo de ser lançado, "Guerra Civil" continua dividindo opiniões. Há quem diga que o filme é muito parado e que não entrega a ação estilo "Marvel" prometida nos trailers (é por isso que evito trailers há anos). Há quem diga que o filme é "isentão"; Garland evita tomar partido e o filme é muito menos sobre os "porquês" e "comos" e mais sobre o lado humano e a estupidez da guerra.

Para os brasileiros, o filme traz o atrativo de ter Wagner Moura como uns dos protagonistas. Ele é Joel, um jornalista que, acompanhado de uma fotógrafa veterana, Lee (uma ótima Kirsten Dunst), tenta chegar a Washington, partindo de Nova York, em plena guerra civil americana. O roteiro não deixa o espectador totalmente "no escuro". Há referências a um terceiro mandato do presidente americano (Nick Offerman), à dissolução do FBI e bombardeios sobre civis americanos. Uma estranha aliança formada pela Califórnia e o Texas (hoje totalmente opostos em praticamente tudo) estaria à frente da guerra civil.

Garland filma tudo com calma e elegância. O filme foi feito com câmeras digitais fabricadas pela empresa de drones DJI e os planos são fluidos e eficientes. Garland evita aquela câmera tremida mesmo em meio a incríveis cenas de tiroteio. "Guerra Civil" é também um "road movie", aquela estrutura dramática episódica em que os personagens partem de um lugar, chegam a outro, passam por alguma aventura, partem para outro lugar e assim por diante.

Acompanhando Wagner Moura e Kirsten Dunst na van há um jornalista mais velho (Stephen McKinley Henderson) e uma fotógrafa bem nova (Cailee Spaeny), que parece uma criança (o Google me informa que ela tem 25 anos, mas parece ter uns 13, às vezes). O contraste entre o velho experiente e a garota é o estopim para várias cenas. Moura interpreta um daqueles repórteres de guerra viciados em adrenalina, sempre pronto para entrar em uma zona de combate. A personagem de Dunst já viu (e fotografou) tudo de pior na vida e sua sanidade está por um fio.

Dirigindo por estradas desertas e zonas de combate, eles acabam descobrindo que é nos pequenos lugares que o mal espreita. Ou, em uma cena surreal, também encontram uma cidadezinha que está "alheia" à carnificina ao redor, todos vivendo como se nada estivesse acontecendo. Quem quer ver cenas de ação tem que esperar até a parte final, impressionante, passada em Washington.

O filme foi produzido pela A24, produtora famosa por filmes de baixo orçamento (relativamente falando) e "filmes de arte". Este é, de longe, o filme mais caro produzido por eles e, apesar das cenas de ação que custaram milhões de dólares, o roteiro ainda se interessa mais pelos humanos que habitam a tela. O final é cínico e, talvez, um pouco apressado. Assisti em uma tela IMAX lindona com um som impressionante e creio que, hoje em dia, se for para sair de casa e ir ao cinema, o IMAX é o único que entrega uma boa experiência cinematográfica, mesmo em um filme mais lento como este.

Ripley (2024)

 Ripley (2024). Direção: Steven Zaillian. Ótima minissérie em oito capítulos baseada em um série de livros escritos por Patricia Highsmith entre os anos 1950 e 1980. O primeiro livro teve várias adaptações, a mais famosa talvez seja "O Talentoso Ripley", dirigido por Anthony Minghella e estrelado por Matt Damon, Jude Law e Guinneth Paltrow. Esta nova versão da Netflix é esteticamente bastante diferente da do cinema. A série é filmada em belíssimo preto e branco com direção de fotografia de Robert Elswit, que fez vários filmes de Paul Thomas Anderson (Magnólia, Sangue Negro, etc). Steven Zaillian, que é um dos roteiristas mais ocupados de Hollywood (ganhou o Oscar com "A Lista de Schindler", de Spielberg), dirige "Ripley" como um filme dos anos 1950 e 1960. A câmera é quase sempre fixa e o movimento é dado pelos personagens, em tela. A edição também não é o corta/corta/corta das produções atuais.

Tom Ripley é interpretado por Andrew Scott, que já brilhou em séries como "Sherlock" e "Fleabag" anteriormente. Seu Ripley talvez seja mais velho do que o ideal, mas Scott está ótimo, sutil e quase sempre calado. Quando seu personagem fala, porém, é quase sempre uma mentira. A série tem um prólogo em Nova York e parte para as belas paisagens da Itália do pós guerra. Tom Ripley é enviado para lá para tentar convencer Robert Greenleaf (Johnny Flynn) a retornar aos EUA. O pai, construtor de navios, o quer de volta. Greenleaf, porém, quer distância da família, mas não do dinheiro deles. Ele diz que é "artista", mas pinta muito mal alguns retratos e paisagens. A namorada, Marge (Dakota Fanning), também tem dinheiro e diz que está escrevendo um livro. O personagem de Tom Ripley escancara a hipocrisia dessas pessoas, conquistando a amizade de Greenleaf e, aos poucos, criando raízes na Itália.

Há mortes e bastante suspense, mas Ripley não é exatamente um super vilão. Há um episódio inteiro dedicado a mostrar como é complicado se livrar de um corpo em Roma, por exemplo. Imagino que Ripley seria preso em questão de dias se vivesse na sociedade de hoje, com exames de DNA e técnicas forenses. Na época da série, um bom pano de chão resolvia bastante coisa. Os roteiros (todos adaptados por Zaillian) cobrem o primeiro livro e dá pistas para os seguintes. Eu li os dois primeiros e, além do filme com Matt Damon, vi também uma versão interpretada por John Malkovitch ("Ripley´s Game", de 2002), mas diria que esta minissérie traz a melhor versão do personagem. Tá na Netflix. 

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Holy Spider (2022)

Holy Spider (2022). Dir: Ali Abbasi. Netflix. Filme bastante pesado baseado na história real de um assassino em série que, entre 2000 e 2001, matou dezesseis prostitutas na cidade de Mashad, no Irã. O assassino não se considerava um criminoso, mas sim alguém que estava "limpando a cidade do pecado". Uma jornalista de Teerã, Arezoo Rahimi (Zar Amir Ebrahimi), vai até Mashad investigar as mortes e se depara com uma polícia inerte e um jornalismo amador.

A moça também tem que enfrentar o machismo da cultura local; quando chega em um hotel, sozinha, o gerente lhe diz que houve um erro na reserva dela e que ela deve ir embora. Quando ela revela ser jornalista, o "erro" desaparece e acabam dando um quarto a ela. O filme não tenta fazer suspense sobre quem é o assassino. Ele é mostrado logo no início, um pedreiro comum, com esposa, duas filhas e um filho, Saeed Azimi (Mehdi Bajestani) é ex-combatente na guerra Irã-Iraque e religioso fanático. Ele pega as prostitutas de moto, à noite, e as leva para seu apartamento. As cenas em que ele as estrangula são bem fortes e violentas.

Além de ser um thriller de suspense, o filme também é um retrato de uma sociedade machista/religiosa. Quanto mais mulheres Saeed mata, mais apoio ele tem da população em geral, que acha que ele está fazendo um bem para a sociedade. A mãe de uma das vítimas diz à jornalista que a polícia não tem interesse em prendê-lo pois ele está limpando a cidade para eles. Ebrahimi, que faz a jornalista, ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes e recebeu centenas de ameaças de seu país de origem. O filme foi feito fora do Irã (filmado na Jordânia) e foi condenado pelo governo.

"Holy Spider" é pesado e difícil de assistir, mas poderoso. Tá na Netflix

Descanse em paz (Descansar en paz, 2024)

 
Descanse em paz (Descansar en paz, 2024). Dir: Sebastián Borensztein. Suspense dramático razoável que começa em Buenos Aires no ano de 1994. Sergio (Joaquín Furriel) tem uma família perfeita; é casado com Estela (Griselda Siciliani) e tem dois filhos. Só que ele está com um problemão, está afundado em dívidas, não paga os funcionários há meses, a escola dos filhos está cobrando as mensalidades e um agiota, Hugo (Gabriel Goity) lhe deu um ultimato, pague ou sofra as consequências.

Fica difícil falar mais sobre o filme sem dar SPOILERS, o caso é que Sergio tem um seguro de vida que, caso ele morresse, resolveria os problemas financeiros da família. A direção é de Sebastián Borensztein, que fez o ótimo "Um Conto Chinês", com Ricardo Darín (com quem também fez "A Odisseia dos Tontos"). O roteiro é baseado em um livro de Martin Baintrub, que fala sobre um atentado a bomba real acontecido contra uma associação judaica em Buenos Aires nos anos 1990.

O filme é bem feito, embora um tanto melodramático. A trama se baseia muito na interpretação de Joaquín Furriel, que está bem e carrega as dores do mundo nos olhos. Há boa reconstrução de época mostrando Buenos Aires nos anos 1990. O suspense cresce bastante na parte final mas, pessoalmente, não acho que a resolução faça jus ao que foi construído antes. Tá na Netflix.

Matador de Aluguel (Road House, 2024)

Matador de Aluguel (Road House, 2024). Dir: Doug Liman. Amazon Prime Video. Em sua crítica ao original "Matador de Aluguel", de 1989, Roger Ebert disse que o filme estava no limite entre o "filme ruim" e o "filme tão ruim que era bom". O mesmo pode ser aplicado aqui, embora este tenda mais a ser só ruim mesmo. Difícil competir com o "charme" anos 80 do original, interpretado por Patrick Swayze, Sam Elliott e Ben Gazzara. Gosto de Jake Gyllenhaal, mas ultimamente ele tem feito alguns filmes bem inferiores ao seu talento (como "Ambulância", por exemplo).

Gyllenhaal é Dalton, um ex-lutador de UFC que é famoso e carrega um trauma do passado. Ele é contratado por uma mulher da Flórida para ser o segurança de um bar que tem música ao vivo e brigas constantes. Para complicar, um chefão criminoso local quer fechar o lugar para instalar um hotel de luxo. Jake Gyllenhaal está todo "sarado", cheio de músculos definidos e um sorriso sádico no rosto. Quando uns capangas aparecem para aterrorizar o bar, ele não só quebra os ossos de cada um como se oferece para levá-los ao hospital. Lá ele conhece uma médica bonita, Ellie (a portuguesa Daniela Melchior), por quem se interessa.

O resto do filme é feito por cenas que intercalam a calma dos dias com as porradas das brigas noturnas. O filme se torna cada vez mais parecido com um desenho animado, principalmente com a chegada de um brutamontes chamado Knox (Conor McGregor), que geme e urra como um cachorro em Tom & Jerry. "Matador de Aluguel" tenta humanizar a trama com a amizade entre Dalton e uma garota que trabalha em uma livraria local, que até parece parte de outro filme. Há diversas referências óbvias (até ditas pelos personagens) a Westerns e o mito do herói solitário que aparece em uma cidade, se livra dos capangas e desaparece no pôr-do-sol. É ruim, mas se for encarado como passatempo, pode ser divertido. Disponível na Amazon Prime Video.