segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

2 coelhos

"Como matar dois coelhos com uma bomba atômica só". Esta é a impressão que se tem ao terminar de se assistir a "2 coelhos", produção nacional escrita e dirigida por Afonso Poyart. Acrescenta-se aí a cavalaria americana, os fuzileiros navais, um comando da SWAT e talvez um garoto com um estilingue e se tem uma ideia da obra produzida pelo diretor, que veio do mundo da pós-produção e da publicidade. O filme de Poyart usa de todos os truques e cacoetes possíveis para contar uma história policial que flerta com o cinema de diretores como Guy Ritchie e Danny Boyle, para ficar somente em duas referências. É um cinema de puro entretenimento e é bobagem esperar algo a mais do que isso. Mas é impossível deixar de notar os absurdos do roteiro, cuja trama muda e se transforma a cada dez minutos, como em uma brincadeira de criança em que as regras variam conforme os garotos vão jogando.

Edgar (Fernando Alves Pinto) é um rapaz que acabou de voltar de uma temporada em Miami. Ele foi para os Estados Unidos depois de causar a morte de duas pessoas (uma mãe e seu filho) em um acidente de carro. Ele volta com um plano na cabeça; ele quer "fazer justiça, matar dois coelhos com uma cajadada só". Tramas paralelas mostram a promotora de justiça Julia (Alessandra Negrini) que, com o marido, é "conselheira criminosa" de um bandido chamado Maicon (Marat Descartes, de filmes muito melhores, como "Trabalhar Cansa"). A justiça está com provas contra Maicon e ele precisa pagar 2 milhões de dólares de propina para um deputado corrupto, só que o dinheiro é roubado no caminho. Só que esta trama vale durante uns dez, vinte minutos; Julia, na verdade, estava tendo um caso com Maicon e traindo o marido, ao mesmo tempo em que estava em contato com Edgar. O pai (e marido) das pessoas mortas por Edgar no acidente de carro, Walter (Caco Ciocler), agora trabalha com o pai de Edgar em um restaurante e, aparentemente, quer se vingar de Edgar pela morte da sua família. Ou não. Complicado? Bobagem tentar entender; a trama muda conforme o efeito pretendido pelo diretor/roteirista, independente da lógica.

Tudo isso é mostrado em cortes ultra rápidos em uma edição que mistura diversos tipos de suporte (foram usadas desde máquinas fotográficas para gravar as imagens até câmeras RED de alta definição). Além da edição hiperativa, a narração de Edgar é visualizada de forma literal de diversas maneiras, seja na forma de animações por cima da imagem até sequências completas em computação gráfica (como nas cenas absurdamente exageradas que mostram como Julia imagina sua síndrome de pânico). Influências "pop" povoam os planos, como bonecos dos personagens de Star Wars ou um videogame que simula a vida de Edgar em Miami. É fácil falar mal do filme com julgamentos simples como chamá-lo de "publicitário" e "televisivo", mas estes são adjetivos que, bem ou mal, cabem perfeitamente à obra multimídia de Poyart. A trilha de André Abujamra é intercalada com sucessos de "30 Seconds from Mars" ou dos "Titãs" em sua fase mais pesada.

É um filme que representa bem a geração século XXI, saturada de imagens, informações, efeitos e pirotecnia, tudo embalado em um formato que pode ser até atraente, mas é extremamente superficial.

Câmera Escura

Vencedores do SAG Awards

Foi realizada ontem a entrega do prêmio "Actor", do sindicato dos atores americanos. O SAG Awards é um bom termômetro para o Oscar que acontece no dia 26 de fevereiro. Assim como no Globo de Ouro, são premiadas produções tanto da televisão quanto do cinema. O francês Jean Dujardin levou o prêmio por sua interpretação em "O Artista" e Viola Davis o de melhor atriz por "Histórias Cruzadas". É bem provável que a dupla repita o feito no Oscar.

O SAG Awards tem uma curiosidade, o prêmio para a melhor equipe de dublês, que foi para o filme "Harry Potter e As Relíquias da Morte parte 2". Com tanto uso de efeitos especiais e até de "atores virtuais", fica difícil imaginar como eles conseguem julgar este prêmio hoje em dia.

Seque abaixo a lista completa dos vencedores:

Cinema

Elenco de Filme
Histórias Cruzadas

Ator
Jean Dujardin, por O Artista

Atriz
Viola Davis, por Histórias Cruzadas

Ator Coadjuvante
Christopher Plummer, por Beginners

Atriz Coadjuvante
Octavia Spencer, por Histórias Cruzadas

Equipe de Dublês
Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2

Televisão

Elenco de Série Dramática
Boardwalk Empire

Ator de Série Dramática
Steve Buscemi, por Boardwalk Empire

Atriz de Série Dramática
Jessica Lange, por American Horror Story

Elenco de Série Cômica
Modern Family

Ator de Série Cômica
Alec Baldwin, por 30 Rock

Atriz de Série Cômica
Betty White, por Hot In Cleveland

Ator de Telefilme ou Minissérie
Paul Giamatti, por Too Big To Fail

Atriz de Telefilme ou Minissérie
Kate Winslet, por Mildred Pierce

Equipe de Dublês em uma Série
Game of Thrones


A Separação

Muitos filmes já foram feitos sobre divórcios, mas o iraniano "A Separação", escrito e dirigido por Asghar Farhadi, pode ser colocado entre os melhores. Vencedor do Urso de Ouro, em Berlim, em 2011 e do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, o roteiro inteligente recebeu uma indicação ao Oscar, além da indicação a melhor filme estrangeiro. O filme parte de uma trama relativamente simples, a separação de um casal iraniano, e debate temas como religião, honra, o Direito e o próprio conceito de verdade. O espectador fica envolvido não só pelo lado humano, mas pelo fato do filme ser, também, uma trama de mistério.

Nader (Peyman Moadi) e Simin (Leila Hatami) estão se separando. Simin quer sair do Irã e tentar a vida no exterior, mas precisa do divórcio do marido e a autorização dele para levar a filha Termeh (Sahina Farhadi, boa atriz, filha do diretor) com ela. Nader não quer sair do país porque tem um pai doente em casa (ele sofre de Alzheimer) e não quer se separar da filha. Com o impasse, Simin se muda para a casa dos pais e Nader contrata uma mulher chamada Razieh (Sareh Byat) para cuidar do pai doente. Uma tarde Nader e a filha voltam para casa e encontram o pai dele inconsciente, caido no chão e amarrado à cama. A empregada retorna e Nader, enfurecido, a expulsa de casa. Ela estava grávida e acaba abortando o filho, que já estava de quatro meses e meio. Na lei islâmica ele já era considerado um ser vivo, então Nader é acusado de assassinato. A trama então se transforma em um "filme de tribunal", mas bem diferente do que se está acostumado a ver em um filme americano. Não há um juri, ou advogados, em um tribunal cinematográfico. Há uma série de discussões com um juiz, em uma sala apertada, entre Nader, a ex-empregada e o marido dela. Eles acusam Nader de ter matado o filho deles; Nader acusa a mulher de maus tratos com o pai. Quem está com a razão? Nader sabia que Razieh estava grávida? Ele a expulsou verbalmente ou a empurrou escada abaixo? Ele provocou o aborto ou ela teria sofrido alguma outra coisa?

O que torna o filme interessante são as discussões morais que ele levanta. É perfeitamente compreensível que Nader estivesse alterado quando encontrou o pai amarrado à cama, mas ele tinha o direito de ser violento com a empregada? Por outro lado, ela não foi irresponsável ao deixar um senhor doente sozinho para tratar de assuntos particulares? A questão religiosa também permeia o drama. Razieh segue fielmente o Corão e há uma cena curiosa em que, descobrindo que o pai de Nader urinou nas roupas e precisa ser trocado, ela liga para alguém pedindo um conselho religioso: seria um pecado se ela trocasse o velho? A filha de Nader e Simin não quer que eles se separem, e o fato dela permanecer com o pai durante a trama demonstra a inteligência do roteiro; caso ela fosse com a mãe o casamento realmente estaria terminado. A cultura machista muçulmana é questionada no comportamento dos dois maridos da trama. Tanto Nader quanto o marido de Razieh são teimosos e com tendências violentas, embora amem suas famílias. Nader, particularmente, pode parecer um homem bruto e egoísta, mas o cuidado que ele tem com o pai é comovente. É também curioso saber que em um país aparentemente tão tradicional como o Irã questões como o divórcio são tratadas de forma natural.

Assim, "A Separação" é algo maior do que um simples filme de divórcio. É um filme sobre pessoas e seus problemas, seja no Irã ou em qualquer outro lugar do mundo.


domingo, 29 de janeiro de 2012

L´Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância

Na virada do século 19 para o século 20, um grupo de mulheres vive e trabalha em um bordel de luxo chamado L´Apollonide. A maioria veio de casas menores e trouxeram com elas dívidas que, em princípio, serão pagas com o trabalho; na prática, poucas acreditam que um dia vão deixar aquela vida. "Casa de tolerância" de luxo ou não, os problemas destas mulheres não são diferentes dos de qualquer prostituta. Solidão, condições de trabalho humilhantes, doenças, exploração financeira e risco de violência.

Escrito e dirigido por Bertrand Bonello, o filme é fotografado como se fosse um quadro impressionista. Bonello se baseou em quadros de Toulouse-Lautrec e seu diretor de fotografia, Josée Deshaies, compõe planos iluminados à luz de velas, com efeito impressionante. O roteiro começa em um momento de prosperidade e paz no bordel e vai, gradualmente, mostrando sua decadência. A edição é não-linear e o filme, às vezes, começa uma sequência pelo seu final, para em seguida mostrar o início. Há muita nudez e cenas de sexo, embora o objetivo do filme não seja a pornografia. Tem-se a impressão de se estar assistindo a um documentário filmado no início do século 20; Bonello mostra o cotidiano de várias mulheres, em horário de trabalho ou fora dele. Uma garota chamada Pauline (Iliana Zabeth), é alfabetizada e escreve uma carta para a "madame" do bordel, Marie-France (Noémie Lvovsky), pedindo para ser contratada. Primeiro ela precisa pegar uma autorização na prefeitura e passar por um exame médico para trabalhar como prostituta. Ela então é educada pelas outras garotas sobre como se vestir, se comportar e manter a higiene. Há também um momento de extrema violência, quando Madeleine (Alice Barnole) tem o rosto cortado por um cliente; ela então se transforma na "garota que sempre ri", por causa do formato que fica sua boca. O filme explora as fantasias da clientela masculina. Todos ricos, há desde o senhor que é velho demais para o sexo e que se contenta em pagar para ver uma garota nua até os que querem fantasias elaboradas como transar em uma banheira cheia de champanhe ou querem que a prostitua assuma o papel de uma boneca, ou de uma gueixa.

O diretor comete algumas ousadias que nem sempre funcionam. A fotografia deslumbrante por vezes é maculada por uma tela dividida em quatro partes que é muito moderna; algumas canções de rock e blues, cantadas em inglês, causam estranheza na trilha sonora. Lento e melancólico, o filme parece mais longo do que seus 122 minutos de duração. Apesar destes poréns, é um filme sensível e muito bem feito. A cena final, transportada para o mundo atual, é muito bem utilizada.  Visto no Topázio Cinemas.


sábado, 28 de janeiro de 2012

J. Edgar

John Edgar Hoover foi diretor do FBI por quase 50 anos. Transformou as técnicas policiais, criou as bases para a criminalística e foi dos primeiros a acreditar na importância das impressões digitais para se descobrir criminosos. Passou por vários momentos importantes da história americana e mundial do século XX; a depressão dos anos 30, a II Guerra Mundial, a Guerra Fria, a "caça às bruxas" da perseguição comunista, o assassinato de John F. Kennedy, o pouso na Lua, o início da Guerra do Vietnã. Uma cinebiografia estrelada por Leonardo DiCaprio e dirigida por Clint Eastwood tinha tudo para ser épica, não? Então por que é que "J. Edgar" não consegue decolar?

Há vários problemas. O mais sério é o ponto de vista adotado por Eastwood e seu roteirista, Dustin Lance Black (do bom "Milk - A Voz da Igualdade"). O filme acompanhar Hoover o tempo todo; quando ele não está falando sem parar, sua voz em off narra seus pensamentos e desacreve acontecimentos da época, em um discurso lento e com sotaque carregado feito por DiCaprio. Não há momentos de respiro, de reflexão. J. Edgar era um rapaz metódico, perfeccionista e muito ligado à mãe (Judi Dench). Acreditava piamente que o Comunismo era uma doença, principalmente quando, logo depois da Revolução Russa de 1917, os Estados Unidos sofreram uma série de atentados a bomba cometidos por grupos radicais. Retraído e homossexual enrustido, Hoover não tinha namoradas, amigos nem família (além da forte presença materna). Leonardo DiCaprio não é mau ator, mas nos últimos anos adotou um estilo de interpretação que se resume a fazer uma cara fechada, com as sobrancelhas franzidas, e falar pausadamente. O roteiro usa de um artifício comum às cinebiografias, que consiste em colocar o personagem principal narrando a própria vida para um jornalista ou biógrafo. Neste caso, uma série de agentes (com nomes genéricos como "Agente Smith") anotam a narração de um velho Hoover (DiCaprio com maquiagem pesada) falando sobre como assumiu a direção do FBI com apenas 24 anos. Figuras históricas como Martin Luther King são mencionadas, mas nunca vistas. O foco está sempre em Hoover. Há destaque para o episódio do sequestro do filho do aviador Charles Lindbergh nos anos 30, que comoveu os Estados Unidos, e Hoover é visto expulsando as pessoas da sala dos fumantes para criar o primeiro laboratório de criminalística do FBI. Mas não fica claro se as técnicas empregadas pelo Bureau eram corretas ou pura adivinhação.

Eastwood parece distante da história que está contando. A trilha sonora, composta pelo próprio diretor, toca nos poucos momentos em que Hoover demonstra algum sentimento por outra pessoa, seja pela secretária particular vivida por Naomi Watts ou pelo companheiro Clyde Tolson (Armie Hammer). O relacionamento com Tolson é guiado com mão pesada por Eastwood, talvez pela falta de familiaridade com o assunto. A única cena de "amor" entre Hoover e Tolson acontece durante uma briga em que os dois partem para a violência. Pouco se fica sabendo sobre quem realmente foi J. Edgar Hoover, além de um egocêntrico que se considerava acima de todos. O roteiro deixa de lado a perseguição pessoal que Hoover praticou contra várias figuras que ele considerava "perigosas", como o ator e diretor Charlie Chaplin, deportado dos Estados Unidos nos anos 50. Fica difícil para o público ter qualquer empatia por um homem que, aparentemente, não passava de um "chato" que fala sem parar pelos 137 minutos do filme.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Millenium - Os Homens que não Amavam as Mulheres

Não tendo lido os livros da série "Millenium", do sueco Stieg Larsson, esta crítica é baseada apenas na versão cinematográfica dirigida por David Fincher. Larsson era um jornalista que pesquisava sobre a extrema direita européia e o abuso sexual contra mulheres; morreu precocemente, aos 50 anos, de ataque cardíaco. Sua obra já foi traduzida para o cinema na Suécia, tendo Noomi Rapace (de "Sherlock Holmes: Um Jogo de Sombras") como a hacker Lisbeth Salander.

O americano David Fincher, que tem no currículo filmes como "Se7en" (1995) e "Clube da Luta" (1999), foi a escolha certa para fazer a versão em inglês da obra de Larsson. Como técnico, Fincher sempre foi extremamente competente; como artista, ele tem um gosto pelo bizarro e pelo lado obscuro do ser humano, qualidades que certamente serviram para contar esta história que trata de intrigas políticas, violência sexual e ecos do nazismo.

Mikael Blonkvist (Daniel Craig) é um jornalista da revista Millenium, especializada em coberturas políticas; uma reportagem contra um figurão o levou à condenação por calúnia e ele se encontra em dificuldades financeiras e com a credibilidade abalada. É então que ele é convidado por um rico industrial do norte da Suécia, Henrik Vanger (Christopher Plummer), a investigar um mistério do passado: a sobrinha preferida de Henrik, Harriet, havia desaparecido 40 anos antes durante uma reunião de família. Tudo indica que ela foi morta, mas nenhum corpo foi encontrado. Mikael, provavel alter-ego do escritor Stieg Larsson, mergulha em uma investigação que envolve a família Vanger, formada por irmãos que não se comunicam. Vários deles, na II Guerra Mundial, foram simpatizantes do nazismo.

Paralelamente, o roteiro acompanha a vida de uma hacker e investigadora particular chamada Lisbeth (Rooney Mara, excepcional). Ela fora responsável por investigar os antecedentes de Mikael para a família Vanger. Apesar de muito inteligente, Lisbeth é considerada antissocial pelo governo, que a mantém sob a tutela de várias famílias substitutas desde os 12 anos. O roteiro da versão americana foi escrito por Steve Zaillian, roteirista de filmes como "A Lista de Schindler" (1993) e "O Gângster" (2007), além de "O Homem que Mudou o Jogo", ainda inédito no Brasil, pelo qual foi indicado ao Oscar. Mesmo baseado em uma obra literária, o roteiro de Zaillian, aliado à direção de Fincher, é extremamente visual e detalhado. As duas tramas se juntam quando Lisbeth é recrutada por Mikael para ser sua assistente e os dois começam a desenterrar o passado, descobrindo uma série de crimes.

Fincher conduz o filme com muita competência, sem ter medo de mergulhar em cenas pesadas quando necessário (como na cena em que Lisbeth é abusada por um assistente social). A fotografia é de Jeff Cronenweth, com quem Fincher já trabalhou em "A Rede Social" (2010) e "Clube da Luta". Cronenweth leva a tecnologia das câmeras digitais RED ao limite, criando suspense com várias cenas escuras. A trilha de Trent Reznor e Atticus Ross, lamentavelmente, foi esquecida nas indicações ao Oscar, e também auxiliam no clima do filme. Daniel Craig, atual James Bond, está muito bem, mas Rooney Mara rouba todas as cenas. Ela foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz e, coberta de piercings e tatuagens, não lembra em nada seu pequeno papel em "A Rede Social", em que interpretava a namorada de Mark Zuckerberg. Ótimo filme.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Os Descendentes

Dirigido e co-escrito por Alexander Payne (do simpático "Sideways", de 2004), "Os Descendentes" é uma boa comédia dramática que narra a vida de um homem de meia idade, Matt King (George Clooney), que está com uma série de problemas para resolver. A esposa Elisabeth (Patricia Hastie) sofreu um acidente de barco e está em coma no hospital há mais de vinte dias; os médicos acreditam que ela não vai sobreviver. As filhas Scottie (Amara Miller), de 10 anos e Alexandra (Shailene Woodley), de 17 anos, se comportam mal na escola, são desbocadas e não suportam o pai "quadrado", com quem não conviveram enquanto cresciam. Eles moram no arquipélago do Hawaí e Matt precisa resolver o que fazer com uma grande área de terra que a família (ele e vários primos) possui em local privilegiado. Há grupos interessados no terreno e as ofertas chegam a meio bilhão de dólares. Os primos de Matt estão interessados no dinheiro, mas uma questão jurídica dá a ele o poder de decisão. Só que ele não é uma pessoa decidida; a esposa era uma mulher aventureira, interessada em esportes radicais e adrenalina. Matt trabalha por princípios, é advogado e não queria que as filhas vivessem em berço de ouro. Mas o acidente com a esposa mudou tudo; ele agora tem que administrar a casa e as filhas adolescentes. Para piorar, a filha mais velha revela um segredo: Matt estava sendo traído pela esposa. Como lidar com a raiva de se descobrir um homem traído e a esposa está em coma? George Clooney está muito bem, interpretando Matt como um homem indeciso e magoado.

Baseado no livro de Kaui Hart Hemmings, o filme mostra um lado desconhecido da vida no Hawaí. Apesar do cenário paradisíaco, pessoas reais vivem lá, com problemas e alegrias como em qualquer outro lugar do mundo. As ilhas têm uma história antiga, costumes e até uma língua própria. Os moradores têm um modo peculiar de viver. É interessante acompanhar a narração do personagem de Clooney enquanto fala dos antepassados com respeito e da esposa com uma mistura de amor e ódio. Elisabeth era uma mulher vibrante, mas não era nenhuma santa. A descoberta da traição leva Matt a tentar descobrir quem era o amante dela, e ele e a família partem para procurá-lo. É uma forma bizarra de enfrentar tanto a traição quanto a morte iminente da esposa. A filha mais velha, que foi quem descobriu o caso da mãe, também está interessada em confrontar o amante dela, e a jovem atriz Shailene Woodley está muito bem. O filme ainda conta com a participação de ótimos atores coadjuvantes como Robert Forster, que interpreta o sogro de Matt, e Beau Bridges (irmão de Jeff) como um dos vários primos interessados na venda das terras.

"Os Descendentes" estréia no Brasil em 27 de janeiro e chega como vencedor do Globo de Ouro como "Melhor Filme Dramático" e com cinco indicações ao Oscar (Filme, Direção, Ator, Roteiro Adaptado e Edição). Um bom filme, que trata sobre o tema da morte com sensibilidade, sem fugir do assunto. Os que ficam precisam reaprender a viver. Visto em pré-estréia no Topázio Cinemas.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Indicados ao Oscar 2012

Foram anunciadas as indicações para o Oscar 2012. A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada no dia 26 de fevereiro. Como sempre, a lista dos indicados levanta algumas polêmicas. Na categoria de animação, por exemplo, "As Aventuras de Timtim", dirigido por Steven Spielberg e vencedor do Globo de Ouro, foi deixado de lado. Uma das explicações possíveis é que há uma polêmica entre os animadores sobre o filme ser ou não considerado uma "animação". Ao contrário de um animado tradicional, em que o movimento dos personagens é desenhado manualmente por um animador (ou animado digitalmente em um computador), "Tintim" foi feito usando o processo de "motion capture"; atores reais, de carne e osso, interpretam os personagens utilizando roupas especiais cujos movimentos são "capturados" por um computador, que utiliza estes dados para gerar a animação. Segundo os desenhistas tradicionais, isso não poderia ser considerado "animação", e após a vitória de "Tintim" no Globo de Ouro houve uma "gritaria" geral entre os animadores. O assunto é discutível, mas pode explicar a esnobada da Academia à animação (?) de Spielberg. A Academia esnobou Spielberg também na categoria de Direção, já que ele não foi indicado por seu trabalho em "Cavalo de Guerra", que é candidato a Melhor Filme.

Tilda Swinton, atriz extraordinária, foi deixada de lado apesar de seu trabalho em "Precisamos falar sobre Kevin". Meryl Streep, sempre favorita, recebeu sua décima sétima indicação por "A Dama de Ferro", papel pelo qual foi premiada no Globo de Ouro. Streep deveria receber um prêmio vitalício e ser deixada de lado das próximas cerimônias, dando lugar a outras atrizes.

George Clooney, infelizmente, não viu seu ótimo "Tudo pelo Poder" ser indicado nem a Melhor Filme nem a Melhor Direção, mas ele foi indicado a Melhor Ator por "Os Descendentes" e a Melhor Roteiro Adaptado por "Tudo pelo Poder". Seu companheiro nos filmes "11 Homens e um Segredo", Brad Pitt, foi indicado a Melhor Ator por "O Homem que Mudou o Jogo", também indicado a Melhor Filme. Já Leonardo DiCaprio foi esquecido em sua atuação em "J. Edgar", filme sobre o criador do FBI; Clint Eastwood, o diretor, também ficou de fora das indicações. O favorito ao prêmio de ator é o francês Jean Dujardin, por "O Artista", embora a atuação excepcional de Gary Oldman em "O Espião que Sabia Demais" mereça ser premiada.

O grande Woody Allen recebeu indicações a Melhor Filme, Direção e Roteiro Original por "Meia-noite em Paris", filme que conquistou corações no mundo todo e se tornou um dos maiores sucessos de sua longa carreira.

Martin Scorsese, em seu primeiro filme infanto-juvenil e em três dimensões, "A Invenção de Hugo Cabret", foi indicado a onze estatuetas, inclusive as importantes Melhor Filme e Melhor Direção. Possivelmente o melhor diretor americano em atividade, o criador de obras-primas como "Taxi Driver" (1976), "Touro Indomável" (1980) e "Os Bons Companheiros" (1990)  foi esnobado por vários anos, até ganhar seu único Oscar por "Os Infiltrados" (2006).

"A Árvore da Vida", de Terrence Malick,  conseguiu indicações a Melhor Filme e Melhor Diretor, apesar de ser um filme de difícil aceitação pelo grande público. É sem dúvida um dos melhores filmes de 2011, mas será uma surpresa se a Academia premiá-lo no dia 26 de fevereiro próximo.

Falando em polêmica, "Melancolia", de Lars von Trier e "A Pele que Habito", de Pedro Almodóvar, foram deixados de lado. O primeiro, provavelmente, pelas declarações infelizes de Von Trier no Festival de Cannes sobre ser "nazista"; o segundo pelo conteúdo bizarro e erótico do filme de Almodóvar.

Entre os filmes brasileiros, "Tropa de Elite 2" não chegou nem entre os finalistas a Melhor Filme Estrangeiro e a animação "Rio" (do brasileiro Carlos Saldanha) foi deixada de lado. Curiosamente, Carlinhos Brown e Sérgio Mendes estão entre os indicados por Melhor Canção por "Rio". Eles concorrem apenas com outra canção, "Man or Muppet", do filme infantil "Os Muppets".

O filme francês "O Artista" recebeu dez indicações. A premissa do filme é interessante (e bizarra): em pleno século XXI, ele não só é em preto e branco como é mudo, em bela homenagem ao início do Cinema. Mas será que os americanos da Academia vão premiar um filme francês? A surpresa da lista de indicações foi "Tão Forte e Tão Perto", um dramalhão que conta com os oscarizados Tom Hanks e Sandra Bullock em uma história que remete ao atentado de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas. Será que pode ser a zebra da noite?


Melhor filme

    Os Descendentes
    A Árvore da Vida
    Histórias Cruzadas
    A Invenção de Hugo Cabret
    O Homem Que Mudou o Jogo
    Cavalo de Guerra
    O Artista
    Meia-Noite em Paris
    Tão Forte e Tão Perto

Melhor diretor

    Woody Allen - Meia-Noite em Paris
    Terrence Malick - A Árvore da Vida
    Alexander Payne - Os Descendentes
    Michel Hazanivicous - O Artista
    Martin Scorsese - A Invenção de Hugo Cabret

Melhor ator

    George Clooney - Os Descendentes
    Brad Pitt - O Homem Que Mudou o Jogo
    Jean Dujardin - O Artista
    Demián Bichir - A Better Life
    Gary Oldman - O Espião que Sabia Demais

Melhor atriz

    Glenn Close - Albert Nobbs
    Viola Davis - Histórias Cruzadas
    Rooney Mara - Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
    Meryl Streep - A Dama de Ferro
    Michelle Williams - Sete Dias com Marilyn

Melhor ator coadjuvante

    Kenneth Branagh -Sete Dias com Marilyn
    Nick Nolte - Guerreiro
    Max Von Sidow - Tão Forte e Tão Perto
    Jonah Hill - O Homem Que Mudou o Jogo
    Christopher Plummer - Toda Forma de Amor

Melhor atriz coadjuvante

    Bérénice Bejo - O Artista
    Jessica Chastain - Histórias Cruzadas
    Janet McTeer - Albert Nobbs
    Melissa McCarthy - Missão Madrinha de Casamento
    Octavia Spencer - Histórias Cruzadas


Melhor roteiro adaptado

    A Invenção de Hugo Cabret
    Tudo pelo Poder
    Os Descendentes
    O Espião que Sabia Demais
    O Homem Que Mudou o Jogo

Melhor roteiro original

    Meia-Noite em Paris
    O Artista
    Margin Call - O Dia Antes do Fim
    Missão Madrinha de Casamento
    A Separação

Melhor filme em lingua estrangeira

    A Separação (Irã)
    Bullhead (Bélgica)
    Monsieur Lazhar (Canadá)
    Footnote (Israel)
    In Darkness (Polônia)

Melhor longa animado

    Gato de Botas
    Kung Fu Panda 2
    Rango
    Um Gato em Paris
    Chico & Rita

Melhor trilha sonora original

    As Aventuras de Tintim
    O Artista
    O Espião que Sabia Demais
    A Invenção de Hugo Cabret
    Cavalo de Guerra

Melhor canção original

    "Man or Muppet" - Os Muppets
    "Real in Rio" - Rio

Melhores efeitos visuais

    Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
    A Invenção de Hugo Cabret
    Gigantes de Aço
    Planeta dos Macacos - A Origem
    Transformers: O Lado Oculto da Lua

Melhor maquiagem

    Albert Nobbs
    Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
    A Dama de Ferro

Melhor fotografia

    Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
    O Artista
    A Invenção de Hugo Cabret
    A Árvore da Vida
    Cavalo de Guerra

Melhor figurino

    Anônimo
    O Artista
    A Invenção de Hugo Cabret
    Jane Eyre
    W.E. - O Romance do Século

Melhor direção de arte

    O Artista
    Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
    A Invenção de Hugo Cabret
    Cavalo de Guerra

Melhor documentário

    Hell and Back Again
    If a Tree Falls
    Paradise Lost 3: Purgatory
    Pina
    Undefeated

Melhor documentário de curta-metragem

    God is the Bigger Elvis
    The Barber of Birmingham: Foot Soldier of the Civil Rights Movement
    Incident in New Baghdad
    Saving Face
    The Tsunami and the Cherry
    Blossom

Melhor montagem

    Os Descendentes
    O Artista
    Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
    O Homem Que Mudou o Jogo
    A Invenção de Hugo Cabret

Melhor curta

    Pentecost
    Raju
    The Shore
    Time Freak
    Tuba Atlantic

Melhor curta animado

    Dimanche
    The Fantastic Flying Books of Mister Morris Lessmore
    La Luna
    A Morning Stroll
    Wild Life

Melhor edição de som

    Drive
    Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
    Cavalo de Guerra
    A Invenção de Hugo Cabret
    Transformers: O Lado Oculto da Lua

Melhor mixagem de som

    Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
    Cavalo de Guerra
    A Invenção de Hugo Cabret
    Transformers: O Lado Oculto da Lua
    O Homem Que Mudou o Jogo

sábado, 21 de janeiro de 2012

O Espião que Sabia Demais

Nem James Bond ou Ethan Hunt podem ser vistos no ambiente esfumaçado da central de Inteligência britânica. No lugar de agentes impecáveis e de boa aparência, o que se vê são homens gastos pelo tempo, cheios de rugas e desconfiados da própria sombra. Este é o mundo da espionagem mostrado em "O Espião que Sabia Demais", baseado em livro do escritor John Le Carre. São os anos 70, na Inglaterra, em plena Guerra Fria. Uma série de vazamentos de informações sugerem que há um traidor dentro do serviço secreto inglês, alguém da alta cúpula. Após uma operação desastrosa em Budapeste, em que um agente britânico é baleado e aparentemente morto, o Primeiro Ministro pede a cabeça de Control (John Hurt), o chefe de operações do serviço secreto, e de seu principal aliado, o agente George Smiley (Gary Oldman). Control morre misteriosamente em seguida, e Smiley é chamado pelo Primeiro Ministro para investigar, agora de fora das operações, os principais agentes britânicos na ativa, todos suspeitos de serem o traidor. São eles Bill Haydon (Colin Firth, de "O Discurso do Rei"), Roy Bland (Ciáran Hinds), Percy Alleline (Toby Jones) e Toby Esterhase (David Dancik).

Dirigido com extrema competência por Tomas Alfredson (diretor sueco conhecido por "Deixe ela entrar", 2008), "O Espião que Sabia Demais" é um ótimo thriller de espionagem. A trama é apropriadamente complicada, deixando a maioria dos espectadores menos atentos perdida. Este não é um filme de perseguições em alta velocidade ou tiroteios como em uma aventura de Jason Bourne; é uma obra lenta, lapidada cena a cena e lidando com um mundo em que a desconfiança faz parte do dia-a-dia. Gary Oldman,  54 anos, foi envelhecido para o papel e está extremamente comedido, diferentemente de seus papéis habituais. George Smiley é um enigma. É gentil e calmo em suas investigações; é o tipo de pessoa a quem os outros sabem que podem confiar um segredo, e a trama se desenrola através de várias narrações e flashbacks. A recriação de época é precisa e o espectador se encontra em um mundo diferente do de hoje. Um mundo em que pessoas mais velhas tomavam as decisões (certas ou erradas), um mundo essencialmente masculino. Há apenas um papel feminino de mais destaque, Irina (Svetlana Khodchenkova), que é a esposa de um possível desertor russo. As outras mulheres são vistas de passagem; são secretárias, funcionárias, esposas, amantes, e a mulher de um dos agentes acaba tendo uma importância surpreendente na trama, apesar de quase nem ser vista.

A fotografia é do suíço Hoyte Van Hoytema (que também fotografou "O Vencedor", 2010), em tela larga que mostra locações em Londres, Budapeste e Istambul. A trilha é do preferido de Almodóvar, Alberto Iglesias. Um filme cheio de nuances e de pequenas pistas deixadas pelo roteiro complicado de Bridget O´Connor e Peter Straughan, que não perdoa espectadores desatentos. "O Espião que Sabia Demais" é bom cinema, com destaque para o elenco acima da média.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Inquietos

Não há nada romântico a respeito do câncer, e este é o maior problema com "Inquietos", de Gus van Sant. Com produção de Ron Howard e Brian Grazer (de blockbusters como "Apolo 13" e "Cowboys e Aliens" ) o filme de Van Sant tem "alma" de filme independente. Atores relativamente desconhecidos, trilha sonora "alternativa" e assuntos considerados tabu no cinema americano, como morte e suicídio. O filme é "bonitinho" demais, o que compromete.

Enoch Brae (Henry Hopper, filho de Dennis Hopper) é um rapaz depressivo que gosta de entrar de penetra em velórios. Ele perdeu os pais em um acidente de carro e esteve à beira da morte por meses. Ele mora com uma tia em uma casa que é o protótipo da casa mal assombrada, grande e escura, e tem um amigo imaginário chamado Hiroshi (Ryo Kase), que diz ser o fantasma de um piloto kamikaze japonês. Enoch conhece Annabel (Mia Wasikowska, pense na garota mais gracinha que se pode imaginar) em um destes velórios e os dois se tornam amigos. Tudo no casal lembra a morte; Enoch apresenta seus pais a Annabel no cemitério, claro, e ela é interessada em insetos que se acasalam na carcaça de animais mortos. Annabel está morrendo; ela é paciente teminal de câncer e os médicos lhe deram três meses de vida. Junta-se um rapaz apaixonado por morte com uma moça que está para morrer e o resultado é difícil de classificar (uma "comédia romântica mórbida"?).

O elenco deve ser elogiado. O filho de Dennis Hopper é bom e sua interpretação ao lado de Wasikowska funciona bem. A amizade entre os dois logo se transforma em amor e, com três meses de vida, não há tempo a perder e o casal passa a maior parte do tempo juntos, seja em transfusões de sangue ou visitando o necrotério do hospital de Annabel. Nem tudo funciona no filme, no entanto. Sim, o casal é uma gracinha e há muita "nobreza" por parte de Enoch em aceitar o amor de Annabel nessas condições, mas se a "mensagem" do filme é contra o preconceito, o rapaz tinha que ser um suicida que tem conversas com pilotos kamikaze? Fica aparente também a tentativa de Gus Van Sant (ou dos produtores) em deixar tudo sempre o mais leve possível. Não há problema algum em encarar a morte com bom humor, mas o filme sofre de um excesso de "gracinha" que chega a incomodar. A trilha sonora de Danny Elfman (que já viu dias melhores em sua parceria com Tim Burton) e as canções "alternativas" tocam alegremente em qualquer situação que poderia ser mais dramática, como se o espectador tivesse que ser pego pela mão e não enfrentar o que, repito, não tem graça alguma: Annabel está morrendo de câncer.

Mia Wasikowska carrega o filme nas costas, mas sua personagem, que deveria ser o centro de atenção, é colocada de lado em sequências em que Enoch está brigando com seu fantasma imaginário ou agindo como um garoto mimado. E por que um filme que fala tanto sobre morte evita encará-la de frente no final? "Inquietos" é cheio de boas intenções, tem bom elenco e várias cenas interessantes, mas acaba se afogando no próprio açúcar. Visto no Topázio Cinemas.



"Rosetta" e "O Filho" - O cinema dos irmãos Dardenne

"Rosetta" (1999)
Há um profundo sentimento de "carência" nos filmes destes dois irmãos belgas, Jean-Pierre e Luc Dardenne. Seu filme mais recente, "O Garoto da Bicicleta" (em cartaz) trata da história de um garoto que é abandonado pelo pai em um orfanato. O garoto procura pelo pai e é auxiliado por uma bela cabeleireira (Cécile de France). O pai, encontrado, diz que não quer ficar com o filho. Da mãe nem se fica sabendo. Um filme frio? Na verdade não.


É mais uma bela obra dos belgas que começaram no cinema como documentaristas. Este texto trata de "Rosetta" (1999), vencedor da Palma de Ouro em Cannes e de "O Filho" (2002), filme seguinte de Luc e Jean-Pierre.

Em ambos percebe-se o sentimento de que falta alguma coisa. Isso se traduz esteticamente na forma como os diretores acompanham seus personagens. Tanto a jovem Rosetta (Émilie Daquenne) quando o carpinteiro Olivier (Olivier Gourmet) são acompanhados de forma claustrofófica pela câmera o tempo todo. É como se os diretores estivessem tentando traduzir o quanto o mundo interior destes personagens é reprimido e como lhes é difícil socializar com as outras pessoas. "Rosetta" acompanha a história de uma jovem que mora com a mãe alcoólatra em um trailer. O filme começa com a garota sendo demitida, aos berros, da firma em que trabalhava. A reação de Rosetta não é só a de quem está perdendo um emprego; sim, ela precisa do dinheiro, mas o problema é outro. Rosetta sonha com uma "vida normal", que ela imagina conseguir estando empregada. Os irmãos Dardenne, usando da experiência como documentaristas, constroem uma série de "rituais" que a garota executa todos os dias para tentar manter uma rotina. Nos fundos do acampamento em que o trailer está estacionado, Rosetta pula o alambrado e, com uma armadilha artesanal, pesca peixes em um riacho; aparentemente, eles são para comer. Ela também percorre lojas de roupa tentando vender peças usadas. E está sempre à procura de um emprego. Ela faz amizade com um rapaz que vende "waffles" em uma banca, e o chefe dele (Olivier Gourmet, o mesmo ator de "O Filho") , a contrata por alguns dias (para, depois, dispensá-la novamente). A amizade com o rapaz da banca é confusa. Ele está interessado nela, mas Rosetta parece incapaz de corresponder. Há uma cena perturbadora em que o rapaz cai em um riacho e fica gritando por socorro por um longo tempo; Rosetta finalmente o salva, mas suas ações estão longe do que se espera da protagonista de um filme tradicional. Até que ponto ela está disposta a arrumar um emprego? O que ela faz com o rapaz no decorrer do filme é necessidade financeira ou um grito de socorro?
"O Filho" (2002)

Em "O Filho" acompanha-se os passos do carpinteiro Olivier, um homem metódico que trabalha em uma oficina do governo para a reabilitação de jovens. Um dia Olivier recebe um novo aprendiz, um jovem chamado Francis (Morgan Marinne), que acabara de passar cinco anos preso por um roubo de carro que causou a morte de uma criança. Fica claro que Olivier tem algum interesse no rapaz, mas o espectador não sabe qual é. Os diretores apenas o mostra seguindo o rapaz à distância, descobrindo onde ele mora e inspecionando seu apartamento. Também se descobre que Olivier está separado da esposa, que vem lhe dizer que está grávida de um novo relacionamento. O trabalho de Olivier na marcenaria é tão detalhado que, novamente, tem-se a impressão de se estar assistindo a um documentário. Aos poucos, através de pequenos detalhes e frases trocadas por Olivier e a ex-mulher, descobre-se que o casal havia perdido um filho de forma violenta e que Francis, o aprendiz, havia cometido o crime aos 11 anos de idade. Os irmãos Dardenne são mestres em quebrar as espectativas do espectador; em um filme tradicional, o que se poderia esperar do encontro entre um pai e o assassino do filho? O ator Olivier Gourmet faz um trabalho excepcional. É notável o modo como ele consegue mostrar a raiva reprimida do carpinteiro que perdeu o filho e o casamento de forma violenta, e agora trababalha na recuperação de jovens. A sequência final é passada em um lugar distante em que estão apenas os dois personagens; o que vai acontecer? Seria este um filme de vingança tradicional, em que o pai resgata a "honra" do filho com outro ato de violência? Os irmãos Dardenne mostram que, na vida e no cinema, pode haver outros caminhos.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Globo de Ouro 2012 - Vencedores

Melhor Ator Coadjuvante - Cinema

Kenneth Branagh ("Sete Dias com Marilyn")
Albert Brooks ("Drive")
Jonah Hill ("O Homem Que Mudou o Jogo")
Viggo Mortensen ("Um Método Perigoso")
Christopher Plummer ("Toda Forma de Amor") - VENCEDOR

Melhor Atriz - Série de Comédia/Musical - TV

Laura Dern ("Enlightened") - VENCEDORA
Zooey Deschanel ("New Girl")
Tina Fey ("30 Rock")
Laura Linney ("The Big C")
Amy Poehler ("Parks and Recreation")

Melhor Minissérie ou Telefilme - TV

Cinema Verite
Downton Abbey - VENCEDOR
Grande Demais para Quebrar
The Hour
Mildred Pierce

Melhor Atriz - Minissérie ou Telefilme - TV

Romola Garai ("The Hour")
Diane Lane ("Cinema Verite")
Elizabeth McGovern ("Downton Abbey")
Emily Watson ("Appropriate Adult")
Kate Winslet ("Mildred Pierce") - VENCEDORA

Melhor Ator - Série de Drama - TV

Steve Buscemi ("Boardwalk Empire")
Bryan Cranston ("Breaking Bad")
Kelsey Grammer ("Boss") - VENCEDOR
Jeremy Irons ("The Borgias")
Damian Lewis ("Homeland")

Melhor Série de Drama - TV

American Horror Story
Boardwalk Empire
Boss
Game of Thrones
Homeland - VENCEDORA

Melhor Trilha Sonora - Cinema

The Artist - Ludovic Bource - VENCEDOR
Cavalo de Guerra
A Invenção de Hugo Cabret
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
W.E. - O Romance do Século

Melhor Canção Original - Cinema

"Hello Hello" ("Gnomeu e Julieta")
"The Keeper" ("Redenção")
"Lay Your Head Down" ("Albert Nobbs")
"The Living Proof" ("Histórias Cruzadas")
"Masterpiece" ("W.E. - O Romance do Século") - Madonna - VENCEDORA

Melhor Ator - Minissérie ou Telefilme - TV

Hugh Bonneville ("Downton Abbey")
Idris Elba ("Luther") - VENCEDOR
William Hurt ("Grande Demais para Quebrar")
Bill Nighy ("Page Eight")
Dominic West ("The Hour")

Melhor Atriz - Comédia/Musical - Cinema

Jodie Foster ("Carnage")
Charlize Theron ("Jovens Adultos")
Kristen Wiig ("Missão Madrinha de Casamento")
Michelle Williams ("Sete Dias com Marilyn") - VENCEDORA
Kate Winslet ("Carnage")

Melhor Ator Coadjuvante - Série, Minissérie ou Telefilme - TV

Peter Dinklage ("Game of Thrones") - VENCEDOR
Paul Giamatti ("Grande Demais para Quebrar")
Guy Pearce ("Mildred Pierce")
Tim Robbins ("Cinema Verite")
Eric Stonestreet ("Modern Family")

Melhor Animação - Cinema

As Aventuras de Tintim - Steven Spielberg - VENCEDOR
Carros 2
Gato de Botas
Operação Presente
Rango

Melhor Roteiro - Cinema

The Artist
Os Descendentes
O Homem Que Mudou o Jogo
Meia-Noite em Paris - Woody Allen - VENCEDOR
Tudo Pelo Poder

Melhor Atriz Coadjuvante - Série, Minissérie ou Telefilme - TV

Jessica Lange ("American Horror Story") - VENCEDORA
Kelly Macdonald ("Boardwalk Empire")
Maggie Smith ("Downton Abbey")
Sofía Vergara ("Modern Family")
Evan Rachel Wood ("Mildred Pierce")

Melhor Filme Estrangeiro

O Garoto de Bicicleta (Bélgica)
In the Land of Blood and Honey (Bósnia)
Jin líng shí san chai (China)
A Pele que Habito (Espanha)
A Separação (Irã) - VENCEDOR

Melhor Atriz - Série de Drama - TV

Claire Danes ("Homeland") - VENCEDORA
Mireille Enos ("The Killing")
Julianna Margulies ("The Good Wife")
Madeleine Stowe ("Revenge")
Callie Thorne ("Necessary Roughness")

Melhor Ator - Série de Comédia/Musical - TV

Alec Baldwin ("30 Rock")
David Duchovny ("Californication")
Johnny Galecki ("The Big Bang Theory")
Thomas Jane ("Hung")
Matt LeBlanc ("Episodes") - VENCEDOR

Melhor Atriz Coadjuvante - Cinema

Bérénice Bejo ("The Artist")
Jessica Chastain ("Histórias Cruzadas")
Janet McTeer ("Albert Nobbs")
Octavia Spencer ("Histórias Cruzadas") - VENCEDORA
Shailene Woodley ("Os Descendentes")

Prêmio Cecil B. DeMille
Morgan Freeman

Melhor Diretor - Cinema

Woody Allen ("Meia-Noite em Paris")
George Clooney ("Tudo Pelo Poder")
Michel Hazanavicius ("The Artist")
Alexander Payne ("Os Descendentes")
Martin Scorsese ("A Invenção de Hugo Cabret") - VENCEDOR

Melhor Série de Comédia - TV

Enlightened
Episodes
Glee
Modern Family - VENCEDORA
New Girl

Melhor Ator - Comédia/Musical - Cinema

Jean Dujardin ("The Artist") - VENCEDOR
Brendan Gleeson ("O Guarda")
Joseph Gordon-Levitt ("50%")
Ryan Gosling ("Amor a Toda Prova")
Owen Wilson ("Meia-Noite em Paris")

Melhor Atriz - Drama - Cinema

Glenn Close ("Albert Nobbs")
Viola Davis ("Histórias Cruzadas")
Rooney Mara ("Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres")
Meryl Streep ("A Dama de Ferro") - VENCEDORA
Tilda Swinton ("Precisamos Falar Sobre o Kevin")

Melhor Filme - Comédia/Musical - Cinema

50/50
The Artist - VENCEDOR
Meia-Noite em Paris
Missão Madrinha de Casamento
Sete Dias com Marilyn

Melhor Ator - Drama - Cinema

George Clooney ("Os Descendentes") - VENCEDOR
Leonardo DiCaprio ("J. Edgar")
Michael Fassbender ("Shame")
Ryan Gosling ("Tudo Pelo Poder")
Brad Pitt ("O Homem Que Mudou o Jogo")

Melhor Filme - Drama - Cinema

Cavalo de Guerra
Os Descendentes - VENCEDOR
Histórias Cruzadas
O Homem Que Mudou o Jogo
A Invenção de Hugo Cabret
Tudo pelo Poder

sábado, 14 de janeiro de 2012

As aventuras de Tintim

Como explicar um diretor como Steven Spielberg? Como explicar que, no mesmo ano em que ele lança um dos filmes mais clássicos dos últimos anos, Cavalo de Guerra (filmado em película de 35mm, editado em moviola como nos velhos tempos), ele também lance um dos filmes mais avançados tecnicamente que o cinema atual pode produzir? "As aventuras de Tintim" não é só a primeira animação do diretor, mas também seu primeiro filme em computação gráfica, seu primeiro filme digital e o primeiro em três dimensões. A explicação está no fato de que ser ao mesmo tempo clássico e inovador nunca foi novidade para Spielberg. No mesmo ano em que lançou "Jurassic Park" (1993), com sua extraordinárias criaturas criadas em computação gráfica, também foi responsável por "A Lista de Schindler", um drama adulto sobre o holocausto, feito com atores de carne e osso e rodado em preto e branco.

Tintim, personagem do quadrinista belga Hergé, já era propriedade de Spielberg desde os anos 80, quando fez os filmes de Indiana Jones. Muitos notaram a semelhança entre o arqueólogo interpretado por Harrison Ford e o jovem jornalista de topete que investigava mistérios pelo mundo ao lado de seu cachorro Milu. De tantos em tantos anos ouvia-se rumores de que Spielberg finalmente faria a versão cinematográfica dos quadrinhos do aventureiro, mas o projeto nunca saia do papel. Então surgiu Peter Jackson e sua empresa de efeitos especiais, a WETA, baseada na Nova Zelândia. Em uma parceria que lembra os bons tempos da dupla Spielberg/Lucas (que produziu a série Indiana Jones), Spielberg e Jackson uniram forças para fazer um dos filmes mais empolgantes e inovadores dos últimos anos. "As Aventuras de Tintim" tem todos os ingredientes de um bom filme de aventura, mais passagens de filmes de suspense, ação, lutas de capa e espada e duelos entre navios de guerra. A semelhança de certas cenas com Indiana Jones é tão grande que, em alguns momentos, o espectador fica esperando que a trilha de John Williams toque o tradicional tema do arqueólogo.

"As Aventuras de Tintim" seguem o jovem aventureiro (voz original de Jaime Bell) em sua tentativa de desvendar o enigma do navio "Unicórnio", que afundou séculos atrás com centenas de quilos de ouro a bordo. Tudo começa quando o garoto compra um modelo do navio em uma feira de antiguidades. Assim que ele finaliza a compra outros interessados no navio aparecem. Um deles é o estranho Sr. Sakharine (voz de Daniel Craig), que tem em sua mansão outro modelo idêntico ao que Tintim comprou. Após Tintim ter seu modelo roubado ele e descobre que há, na verdade, três modelos do navio "Unicórnio", cada um contendo um manuscrito que é parte de um enigma. A chave para desvendá-lo está não só nos manuscritos como na mente do Capitão Haddock (voz de Andy Serkis), um experiente (e bêbado) lobo do mar que seria descendente do capitão Francis Haddock, comandante do "Unicórnio" original. O filme leva o espectador em uma aventura por terra, mar, ar e deserto que não só fazem juz aos quadrinhos originais como lembram os bons tempos do cinema de aventura.

Tecnicamente, o filme é surpreendente. Spielberg até engana o espectador com uma abertura com estilo "antiquado", com uma animação estilizada que lembra a abertura de "Prenda-me se for capaz" (2002), para então mergulhar a platéia em um espetáculo audiovisual que, à primeira vista, fica difícil identificar; é uma animação ou um filme com atores? Foi utilizado o sistema de "motion capture" para gravar a movimentação física e as expressões dos atores de verdade, que interpretam as cenas diante de um equipamento especial (veja vídeo de bastidores). Os dados então são transferidos para computadores e usados na animação dos personagens, que têm um visual que é um híbrido de realista com cartunesco. Após algum tempo o espectador se esquece que está vendo uma animação. Interessante como o estilo de dirigir de Spielberg foi bem traduzido para a técnica; em grande parte do tempo percebe-se que o diretor tentou se manter dentro das leis da física tanto na movimentação dos personagens quanto da câmera (que, a rigor, não existe). Em algumas sequências, porém, Spielberg se aproveitou da liberdade ilimitada proporcionada pela animação para criar planos fantásticos, principalmente na sequência em que o Capitão Hadocck se lembra de uma batalha naval e em um fantástico plano-sequência em que vários personagens estão tentando recuperar os manuscritos. Em meio à centena de nomes dos créditos finais pode-se notar que Steven Spielberg está também creditado como "Light consultant". A luz sempre foi marca registrada do diretor, que a usa para criar fachos na tela ou em belos planos em contraluz.

O final deixa clara a possibilidade de uma contiuação, que pode ser feita um dia por Peter Jackson. O filme não teve a bilheteria esperada nos Estados Unidos, apesar de ter sido bem aceito na Europa. De qualquer forma, "As Aventuras de Tintim" revelam que Spielberg, aos 65, ainda tem gás para inovar.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras

A versão "bombada" de Sherlock Holmes criada pelo diretor Guy Ritchie e pelo ator Robert Downey Jr está de volta. O cerebral detetive criado por Arthur Conan Doyle no século XIX teve várias encarnações cinematográficas, mas o Holmes de Downey Jr é uma mistura do charme do ator com a hiperatividade paranóica dos filmes de ação do século XXI. Downey já encarnou o personagem em filme de 2009, tendo Jude Law como seu companheiro Watson. A produção foi muito bem sucedida nas bilheterias do mundo, o que trouxe esta inevitável continuação.

O bom elenco quase consegue fazer a coisa funcionar. Downey Jr sempre foi bom ator e, mesmo americano, já encarnou britânicos antes no cinema (como Charles Chaplin, em filme de 1992), e trabalha bem ao lado de Jude Law. O problema é que o filme trata o personagem como um alucinado, e a técnica acompanha. Os cortes rápidos e a estética de vídeo clip prejudicam a direção de arte e o espectador mal tem tempo de apreciar as paisagens de Londres, Paris e da Suíca no final do século XIX. No início do filme, Holmes tem dois problemas: um é seu inimigo, o professor James Moriarty (Jared Harris), um gênio quase tão inteligente quanto o detetive e, claro, com um plano diabólico; uma série de atentados a bomba acontecem por toda Europa, supostamente executados por anarquistas. Na verdade, é Moriarty que, dono de uma fábrica de armas, planeja fornecer material para uma guerra mundial. Mas Holmes está preocupado com seu outro problema: o casamento de Watson. Se o "relacionamento" entre Holmes e Watson foi apenas sugerido no primeiro filme (e é motivo de debate há décadas), "Jogo de Sombras" só falta colocar os dois na mesma cama. Há uma série de piadas bem diretas e cenas de ciúme entre os dois companheiros enquanto, em plena lua-de-mel, combatem Moriarty Europa afora. O ator Stephen Fry faz uma participação especial (e desperdiçada) como Mycroft, o irmão de Holmes.

Com duas horas e dez minutos de filme, há diversas cenas de ação que variam de lutas corpo a corpo (estilizadas e em câmera lenta) a verdadeiros bombardeios, com os atores desviando de balas de diversos tipos e calibres. Em meio a toda correria, há boas cenas isoladas entre Holmes e Moriarty, embora Jared Harris interprete o vilão de forma fria demais (é o único a levar o filme a sério, aparentemente). O filme termina com uma sequência que quase engana os espectadores, mas é claro que a franquia precisa deixar a porta aberta para "Sherlock 3". Resta saber até quando o charme de Robert Downey Jr, sozinho, vai conseguir trazer bilheteria para a série. Visto no Topázio Cinemas.


sábado, 7 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra

Steven Spielberg e os animais, via de regra, estiveram em lados opostos em seus filmes. "Tubarão" (1975) registrava o medo do diretor pelos animais aquáticos, assim como "Jurassic Park" (1993) mostrava que a relação de Spielberg com a natureza, como a de Indiana Jones com os répteis, não era muito amigável. Até mesmo o caminhão de "Encurralado" (1971) era visto mais como uma fera do que como uma máquina e, ao "morrer", o caminhão tanque soltava um lamento que lembrava um animal ferido.

Aos 65 anos e o diretor mais popular da história do cinema falado, Steven Spielberg faz seu primeiro filme em que um animal, o cavalo Joey, é o protagonista. Curioso o quanto o filme se parece com a animação "Spirit - O Corcel Indomável" (2002), produzido quando a DreamWorks (estúdio do qual Spielberg é dono) ainda era considerada uma competidora da Disney na animação tradicional. De fato, em muitas partes, "Cavalo de Guerra" parece uma versão em live action do desenho produzido por Jeffrey Katzenberg, o que não é um demérito. Acertadamente, Spielberg trata o cavalo Joey como um animal o filme todo, não caindo no recurso fácil de antropomorfizar demais a criatura, dando-lhe "sentimentos" humanos. Apesar do protagonista ser o cavalo, são as pessoas que chamam a atenção neste belo drama de guerra. A paisagem pedregosa de Devon, no Reino Unido, lembra a de "Depois do Vendaval" (1952), de John Ford (filme referenciado em "E.T. - O Extraterrestre", 1982), e é neste local que nasce o cavalo Joey, assim batizado por Albert Narracott (Jeremy Irvine). O rapaz é filho do teimoso agricultor Ted (Peter Mullen) que, contrariando a vontade da esposa Rose (a ótima Emily Watson), havia adquirido o cavalo em um leilão. Joey é um belo animal, mas não é adequado para arar o terreno que a família aluga do Sr. Lyons (David Thewlis), que ameaça tomar-lhes a propriedade. Interessante como Spielberg opõe "homem versus máquina" ao mostrar Lyons (e seu filho mimado) sempre andando de automóvel, enquanto os Narracott dependem da tração animal para tirar o sustento da terra.

Com o início da I Guerra Mundial, em 1914, Joey é vendido ao exército (contra a vontade do garoto Albert) e parte para a França. "Cavalo de Guerra" então se divide em uma série de "episódios" interligados pelo animal que tem diferentes donos no transcorrer da trama. Spielberg se vale de ótimos atores europeus como Niels Arestrup (de "O Profeta", 2009) ou Lian Cunningham (de "Borboletas Negras", 2011) para interpretar franceses, alemães ou soldados britânicos. Pena que ele não teve a coragem necessária para fazê-los falar em suas línguas originais (todos falam em inglês), mas seria ousado demais para o público médio americano, que abomina filmes legendados. Visualmente, porém, Spielberg está seguro como sempre. Poucos dominam seu olhar para enquadramentos e soluções visuais, e há cenas de extrema beleza, como o ataque da cavalaria britânica em meio a um campo dourado de trigo ou o uso sutil das pás de um moinho para encobrir uma cena de execução. As cenas de batalha são coreografadas milimetricamente em belos deslocamentos de câmera. E quando o cavalo fica preso em arame farpado no campo de batalha, há uma cena tocante e engraçada em que combatentes inimigos se juntam para tentar soltar o animal.

Steven Spielberg nunca teve medo de ser dramático, até piegas, para trazer o público para junto de seus filmes. O final de "Cavalo de Guerra" é uma homenagem ao cinemão hollywoodiano épico, mítico, passado em um pôr-de-sol que parece ter vindo diretamente de uma cena de "...E o Vento Levou" (1939) ou dos Westerns de John Ford. A direção de fotografia, excelente, é de Janusz Kaminski, que colabora com Spielberg desde "A Lista de Schindler" (1993), e a montagem clássica é do veterano Michael Kahn; tudo  acompanhado pela trilha de John Williams, que musicou todos os filmes de Spielberg (com exceção de "A Cor Púrpura",  1985) desde "A Louca Escapada" (1974). "Cavalo de Guerra" recebeu duas indicações ao Globo de Ouro 2012 (Melhor Filme Dramático e Trilha Sonora) e com certeza estará entre as indicações ao próximo Oscar. Melhor do que tudo isso é dizer que "Cavalo de Guerra" é um filme bonito de se ver, de preferência na tela grande do cinema.