Mostrando postagens com marcador guerra. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador guerra. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

The Pacific (2010)

The Pacific (2010). Vários diretores. HBO Max. Assinar a HBO Max, para mim, tem mais a ver com explorar o acervo passado do canal do que o presente. "The Pacific" é um dos motivos. É uma minissérie irmã de "Band of Brothers" (2001), espetacular retrato da reconquista da Europa pelos soldados aliados na 2ª Guerra Mundial. Como diz o título, "The Pacific" foca nas batalhas travadas pelos americanos contra os japoneses nas centenas de ilhas do Oceano Pacífico. Não é tão boa quanto "Band of Brothers", mas chega perto. São dez capítulos com produção executiva de Tom Hanks e Steven Spielberg, o que garantiu um alto orçamento e cenas de batalhas quase tão espetaculares quanto "O Resgate do Soldado Ryan" (1998).

Baseada em relatos de combatentes reais, a série acompanha uma série de Fuzileiros Navais (os famosos "Marines") em ferozes lutas travadas no mar, nas praias e selvas de diversos arquipélagos dominados pelos japoneses. Spielberg estabeleceu um padrão de realismo (e violência) em "Soldado Ryan" que revolucionou o modo como o cinema retratou a 2ª Guerra, e "The Pacific" recria isso em violentas cenas de combates. Entre uma batalha e outra, porém, o roteiro trata do lado humano dos fuzileiros, focando em três personagens, Robert Leckie (James Badge Dale), Eugene Sledge (Joseph Mazzello) e John Basilone (Jon Seda). Curioso que Joseph Mazzello divida a tela com um jovem Rami Malek. Os dois trabalhariam juntos, anos depois, interpretando John Deacon e Freddie Mercury em "Bohemian Rhapsody".

Há mais episódios "parados" do que "Band of Brothers", creio; o combate no Pacífico estava mais para um guerrilha na selva do que a guerra na Europa. Por outro lado, "The Pacific" é mais ousada em cenas de nudez e sexo (o que, se não me engano, não havia em "Band of Brothers"). Há um episódio passado na Austrália em que vemos vários soldados americanos se envolvendo com as mulheres locais. É uma série americana, então claro que os americanos são vistos como heróis que salvaram o mundo, apesar de haver várias cenas em que o comportamento deles é questionável. Os japoneses pouco são vistos, a não ser como centenas de alvos, morrendo (e matando) às centenas. Os americanos se referem a eles com uma série de nomes racistas e preconceituosos (o que, provavelmente, é uma recriação realista de como se falava na época), embora seja aparente certo respeito como combatentes ferozes. O último episódio mostra a volta para casa dos soltados, a maioria com uma expressão de "e agora?" no rosto. PS: uma terceira série está sendo feita pelos mesmos produtores; aparentemente, vai tratar dos aviadores, mas não será veiculada pela HBO, mas pela Apple. Sinal dos tempos.

 

sábado, 28 de janeiro de 2017

Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016)

O sangue tem um papel muito importante em "Até o Último Homem", o primeiro filme dirigido por Mel Gibson em dez anos. Quando Desmond Doss (Andrew Garfield) conhece a mulher que vai ser sua futura esposa, ele está coberto do sangue de um rapaz que havia sofrido um acidente. Ela é enfermeira e ele se apaixona imediatamente; para ficar um pouco mais de tempo com ela, diz que veio doar sangue. No primeiro encontro dos dois, no cinema, ele pergunta qual a diferença entre uma veia e uma artéria.

Mel Gibson, super astro de filmes de ação dos anos 1980 ("Mad Max", "Máquina Mortífera") e diretor vencedor do Oscar nos anos 1990 ("Coração Valente") ficou na "geladeira" em Hollywood por vários anos por conta de declarações racistas e anti semitas. O antigo galã de filmes de ação revelou um lado religioso até então desconhecido no blockbuster "A Paixão de Cristo" (2004) em que a morte de Jesus foi mostrada da forma mais sangrenta da história do cinema. Em 2006, lá estava o sangue presente em abundância nos sacrifícios humanos de "Apocalypto". Gibson retorna como grande diretor em um belo filme de guerra, naturalmente coberto de sangue, que conta a história real de Desmond Doss (Garfield), um Adventista do Sétimo Dia que, na 2ª Guerra Mundial, se recusou a tocar em armas. É o tema perfeito para o retorno de Mel Gibson, um filme que mistura religião, sacrifício e muita, muita violência.

Desde "O Resgate do Soldado Ryan" (Steven Spielberg, 1998) que a guerra não era mostrada de forma tão gráfica. Ao contrário do filme de Spielberg, Gibson não mergulha imediatamente na carnificina. O filme passa um bom tempo mostrando a vida de Doss antes da guerra, na Virgínia, em que as belas paisagens campestres contrastavam com a violência doméstica causada pelo pai bêbado (Hugo Weaving, em boa interpretação). Há também um bom período passado no treinamento no quartel e na luta ético/jurídica que Desmond enfrentou por causa de sua decisão de não só se recusar a matar, mas em sequer tocar em uma arma. Um bom grupo de coadjuvantes (liderado por Vince Vaughn e Sam Worthington) interpreta os companheiros de farda de Desmond e, a princípio, concordamos com eles que a atitude de Desmond parece uma maluquice. O bom roteiro e principalmente a interpretação de Andrew Garfield, porem, acabam por convencer a todo mundo que talvez exista lugar no campo de batalha para alguém que, ao invés de matar, quer salvar vidas (Desmond havia se alistado como médico, embora não fique muito claro o nível de conhecimento exigido para o trabalho, já que o filme o mostra como um auto-didata esforçado).

A carnificina começa quando os soldados desembarcam em Okinawa, Japão, e enfrentam um inimigo violento e obstinado. Gibson não desvia a câmera ao mostrar centenas de soldados sendo baleados, mutilados, atravessados por baionetas ou explodidos por granadas. Há um bocado de cenas mostrando vísceras e membros humanos espalhados pelo campo de batalha. Curiosamente, a origem sulista e o modo simples de Desmond Doss me lembrou de Forrest Gump. A sequência passada na Guerra do Vietnam, quando Gump volta continuamente para o campo de batalha para buscar companheiros feridos, aliás, parece uma sinopse do terceiro ato de "Até o Último Homem". A diferença é que Gump era um "idiota" que agia (ou melhor, reagia) ao mundo de forma inocente e sem conhecer as consequências de seus atos, enquanto que Doss sabe o inferno em que está se metendo cada vez que retorna para buscar mais um ferido.

"Até o Último Homem" foi indicado a seis Oscars, incluindo "Melhor Filme", "Melhor Diretor" (Gibson) e "Melhor Ator" (Garfield). 

João Solimeo

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Tangerinas (Mandariinid)

Este pequeno filme da Estônia é passado no espaço entre as poucas casas de um vilarejo. É o início dos anos 1990 e há uma guerra acontecendo, mas é daquelas guerras europeias em que é difícil saber quem está lutando e porquê. Um letreiro no início informa que a região da Abecácia, ao norte da Geórgia, foi ocupada no século 19 por imigrantes da Estônia. Em 1992 a Geórgia quis retomar o território e quase todos os estonianos fugiram. Apenas alguns permaneceram para trás.

É o caso de Ivo (o ótimo Lembit Ulfsak), um senhor que tem uma pequena madeireira, e de Margus (Elmo Nüganen), que tem um pomar de tangerinas e quer fazer uma última colheita antes de também fugir para a Estônia.

A paz dos dois é perturbada quando um tiroteio acontece no vilarejo. Ivo e Margus conseguem resgatar dois sobreviventes, um mercenário checheno chamado Ahmed (Giorgi Nakhashidze) e um soldado da Geórgia chamado Nika (Michael Meskhi). Os dois, inimigos mortais, se recuperam em quartos separados da casa de Ivo, que tem que lidar não só com os ferimentos deles mas com a rivalidade entre os soldados. "Você perdeu seu tempo tentando salvá-lo, velho", diz Ahmed. "Eu vou matar o georgiano na primeira oportunidade". (leia mais abaixo)


Ivo os trata como um avô trataria dois moleques mal educados, com firmeza, e consegue que eles prometam que, ao menos dentro da casa, não se matariam. Há uma cena engraçada que Margus questiona esta promessa e Ivo lhe diz que ainda há quem cumpra com sua palavra. "E você tem os dois em sua casa?", pergunta Margus.

O filme, escrito e dirigido por Zaza Urushadze, é um dos candidatos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015. Com uma hora e vinte e três minutos de duração, "Tangerinas" é simples e direto, passando uma mensagem pacifista clara. Ahmed e Nika se odeiam por princípio, mas a convivência, aos poucos, vai quebrando seus preconceitos com relação ao outro. Todo o filme é passado no vilarejo, seja na casa de Ivo ou no pomar de Margus. Eles falam a mesma língua e têm um passado em comum, mas estão em guerra por um pedaço de terra.

A direção de Urushadze é elegante e econômica. A câmera está sempre fazendo movimentos lentos e precisos e os ótimos atores conduzem a narrativa. O final não chega a ser surpreendente, mas é melhor executado do que esperava. É um bom filme que mostra a estupidez da guerra sem precisar de grandes discursos.

João Solimeo
Câmera Escura

quarta-feira, 5 de março de 2014

Vidas ao Vento

Um dia, talvez, o Ocidente vai entender a diferença entre "animação" e "desenho animado". O termo geralmente traz embutida e ideia de um produto infantil, feito para distrair as crianças enquanto os adultos têm um pouco de paz. Não há nada de "errado" em se divertir com um bom desenho animado, com as diabruras do "Pica Pau", "Tom & Jerry", ou se maravilhar com histórias da Disney/Pixar. Uma animação, no entanto, pode ser chocante como "Pink Floyd - The Wall", ou fazer pensar como "Valsa com Bashir".

E há Hayao Miyazaki, lenda viva da animação japonesa, que comemorou 73 anos e anunciou (mais uma vez), sua aposentadoria após lançar "Vidas ao Vento" (Kaze Tachinu) ano passado. O fato de "Vidas ao Vento" ser feito em animação é, ao mesmo tempo, fundamental e um "detalhe". "Detalhe" porque ele tem a estrutura de um filme feito com atores, baseado levemente na vida real do designer de aviões Jiro Horikoshi. Ao mesmo tempo, a técnica da animação permite que Miyazaki construa planos fantásticos de uma beleza irretocável, mesmo em sequências trágicas como o devastador terremoto de 1923, que reduziu  a cidade de Tokyo (e arredores) a cinzas. Apesar deste ser o filme mais realista de Miyazaki, há lugar para vários voos da sua imaginação fértil, principalmente nas sequências de sonhos de jovem Jiro, um garoto míope que sonhava em ser piloto de aviões. É fácil perceber a ligação entre Jiro e o próprio Miyazaki. Os dois sonhavam em voar e em "construir coisas lindas", dedicando suas vidas a realizar seus sonhos a partir de linhas traçadas no papel. No filme, Jiro tem sonhos constantes com um designer italiano chamado Caproni, que lhe diz que aviões não deveriam ser usados em guerras, mas sim para serem máquinas maravilhosas que transportam pessoas. (leia mais abaixo)


Como na vida real, há várias contradições no personagem de Jiro Horikoshi e no filme de Hayao Miyazaki. A animação causou certa controvérsia por ter como herói um homem que, no fundo, construiu armas mortais, os famosos caças "Zero" japoneses, que causaram destruição e mortes na 2ª Guerra Mundial. Jiro sabia que suas "máquinas de sonhos" seriam usados para matar? Claro que sim, mas não é tão simples assim. Jiro era uma pessoa real, com sonhos e necessidades como qualquer um, que viveu em uma época extremamente conturbada da Humanidade, em um país em decadência que tentava se colocar em pé. Há várias cenas do filme em que vemos como a crise econômica está desolando o Japão, com centenas de desempregados vagando pelas linhas dos trens e multidões desesperadas tentando sacar dinheiro nos bancos em falência. Jiro e seus companheiros de trabalho na Mitsubishi eram homens práticos, dedicados à evolução das máquinas voadoras e, no fundo, um tanto espantados com a histeria militarista que tomava conta do Japão e da Alemanha, para onde Jiro é enviado para estudar os aviões da empresa Junkers. Há cenas em que Jiro e Honjo, seu colega de trabalho, ficam imaginando onde é que a Marinha pretende usar todos aqueles aviões que ele estão planejando construir. O próprio Miyazaki, em um comunicado, falou contra a atual onda militarista que estaria ocorrendo no Japão, com políticos tentando mudar a constituição e voltar a construir armas. E um olhar atento vai perceber como "Vidas ao Vento" é contrário à guerra, principalmente nas sequências finais.



Tecnicamente, o filme é um assombro. Hayao Miyazaki, além de roteirista, diretor e produtor, costuma desenhar pessoalmente várias das sequências animadas, com seu traço característico. Vale notar também o inventivo trabalho de som; quase todos os efeitos sonoros, dos motores dos aviões ao rugido do terremoto, foram feitos através de vozes humanas. A trilha sonora é do tradicional colaborador de Miyazaki, o ótimo Jou Hisaishi. É possível ver ecos e referências de vários trabalhos anteriores do mestre japonês, assumidamente fanático por máquinas voadoras. Há cenas que lembram "Nausicaa do Vale dos Ventos" (1984), "O Castelo no Céu" (1986) e "Porco Rosso" (1992). Alguns momentos são técnicos demais, como nas cenas em que vemos dezenas de jovens engenheiros vibrando por causa de um novo tipo de rebite usado nas asas, por exemplo. Estas cenas ficam bem longe da deliciosa fantasia de "Ponyo" (2008). Em meio a tudo isso, porém, há ainda espaço para uma delicada história de amor entre Jiro e Naoko, uma garota tuberculosa por quem ele é apaixonado. Workaholic convicto, porém, o relacionamento dos dois se resume às poucas oportunidades em que ele não está trabalhando. "Se houvesse uma competição para ver quem consegue usar usa régua de cálculo com uma mão só, eu ganharia", diz Jiro em uma cena tocante em que Naoko se recusa a soltar a mão do marido.

Se for mesmo o último trabalho de Hayao Miyazaki, será uma bela despedida. É um filme longo, contraditório e político que consegue ser, ao mesmo tempo, mágico. É um feito e tanto.

Câmera Escura

quinta-feira, 16 de maio de 2013

The Road (livro)


Are we going to die?
Sometime. Not now.

"The Road" (2006), o livro, consegue ser mais pesado que o filme. Cormac McCarthy descreve o desespero de um mundo pós-apocalíptico em que o céu está coberto por uma constante camada de fuligem, o Sol não pode ser visto e a vida, toda a vida, está em extinção. Ele não se dá ao trabalho de explicar o que aconteceu (o que importa?). A única coisa relevante é o amor de um pai para com o filho, que já nasceu neste mundo e nunca viu o céu azul. A mãe decidiu se matar, não viu propósito em continuar vivendo. Considerando que ela provavelmente seria estuprada ou, pior, transformada em alimento pelos poucos sobreviventes que existem no planeta, não se pode dizer que ela tenha feito mal. O livro não tem separação de capítulos, os diálogos não têm aspas ou travessões e McCarthy consegue o feito de descrever, dia a dia, a jornada (inútil?) de pai e filho em direção ao Sul e ao mar, na esperança de que, lá chegando, as coisas sejam melhores. Cenas de arrepiar, em uma descrição minimalista, seca. McCarthy narra os dias que vão se tornando cada vez mais escuros, "como se um glaucoma frio estivesse cegando o mundo".

Os personagens não têm nome. O pai é chamado simplesmente de "o homem", e o filho é "a criança", ou "o menino". Não há muitas referências de lugar ou de tempo. A fome é como um terceiro personagem, constantemente presente. Quando eles encontram alguma coisa para comer, o leitor sabe que o alívio é apenas temporário, que a Fome estará de volta em questão de dias, horas. Há alguns momentos em que pai e filho conseguem viver com um pouco mais de dignidade e fartura. Em um abrigo subterrâneo eles encontram um verdadeiro tesouro, escovas de dente, sabonetes, lanternas e, principalmente, comida. Há grande ternura no modo como o pai prepara um banho quente (o primeiro em meses, talvez anos) para o garoto e lhe corta os cabelos. Os dois vivem naquele paraíso por alguns dias, mas sabemos que eles não podem ficar ali por muito tempo. McCarthy cria um mundo cruel, em que os poucos sobreviventes são canibais, constantemente procurando por carne humana; resta a pai e filho permaneceram em movimento contínuo. O que eles encontram em outro porão, escuro, úmido e mal cheiroso, é prova disso.

"The Road" ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção em 2007, além de inúmeros outros prêmios, e foi transformado em um bom filme de John Hillcoat em 2009.

O livro pode ser lido em inglês, em PDF, aqui.

Câmera Escura

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A hora mais escura

Osama Bin Laden, o mentor por trás dos ataques aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, foi morto pelos americanos em 2 de maio de 2011 na cidade de Abbottabad, Paquistão. Há quem diga, porém, que não foi bem assim; ele teria sido morto dez anos antes na Batalha de Tora Bora, Afeganistão, logo após os atentados. Outras teorias dizem que ele nunca foi encontrado e que a pessoa morta em Abbottabad não era Bin Laden. A decisão dos Estados Unidos de não mostrar o corpo (que teria sido sepultado no mar duas horas após a missão) só aumentou as dúvidas a respeito da suposta morte do líder terrorista.

Estas controvérsias provavelmente seriam o tema de algum filme dirigido por  Oliver Stone ou pelo documentarista Michael Moore; nas mãos de Kathryn Bigelow (Oscar de direção por "Guerra ao Terror"), no entanto, "A hora mais escura" deixa de lado as teorias de conspiração e retrata, de forma extremamente séria, a obsessão de uma agente em encontrar e matar Bin Laden. Se é real ou pura ficção não importa; como cinema, "A hora mais escura" é extremamente competente. Maya (Jessica Chastain)  é uma agente da CIA que foi recrutada recentemente e enviada ao Paquistão para acompanhar os interrogatórios aos terroristas da Al Qaeda, a organização terrorista de Bin Laden. Fria, com a pele branca como porcelana, cabelos ruivos e o corpo esguio sempre vestindo roupas escuras e elegantes, Maya é uma estranha representação do "anjo da morte". Os interrogatórios usam de métodos pouco éticos e o filme de Bigelow gerou polêmica por, supostamente, apoiar o uso da tortura. As cenas são bastante gráficas e Bigelow mostra abertamente sessões de afogamento, surras e humilhação de prisioneiros para obter informações para a CIA. Analisando os depoimentos de vários destes prisioneiros, Maya acha ter descoberto o mensageiro pessoal de Bin Laden, Abu Ahmed, que seria seu contato com o mundo exterior. Encontrando Ahmed, Maya acredita que encontrariam Bin Laden. Jessica Chastain foi indicada ao Oscar de melhor atriz por sua interpretação de Maya, mas ela é uma personagem um pouco difícil de acreditar. Não tem amigos, família, namorado, amante, nada. Maya existe para encontrar Bin Laden, e apesar do roteirista Mark Boal ter declarado que ela é baseada em uma agente da CIA de verdade, a informação foi negada pela própria agência americana. Como cinema funciona. Chastain surgiu "do nada" alguns anos atrás e já estrelou uma série de filmes como "A Árvore da Vida", "Histórias Cruzadas" e "Os Infratores", e carrega grande responsabilidade pelo sucesso de "A hora mais escura".

É na direção segura de Bigelow, porém, que o filme tem o maior mérito. Visto na tela grande do cinema, somos transportados para o calor das ruas paquistanesas ou para a frieza das reuniões da CIA. Durante a meia hora final, quando o sinal verde para o ataque é dado, o espectador se torna parte do time de assalto à casa fortificada onde Bin Laden estaria escondido. Aqui também Bigelow não "adoça" a realidade e mostra a forma fria e "profissional" com que os soldados eliminam quem encontram pela frente conforme avançam, sala a sala, andar por andar, casa adentro. O alvo principal é eliminado mas... é Bin Laden? A personagem de Chastain diz que sim, da mesma forma como tinha 100% de certeza desde o início. Mas Bigelow deixa a pergunta para o espectador. Com quase três horas de duração (2012 foi o ano dos filmes longos), "A hora mais escura" é um dos melhores filmes do ano e foi indicado a cinco Oscars: melhor filme, edição de imagens, edição de som, melhor atriz e melhor roteiro. Kathryn Bigelow, surpreendentemente, foi deixada de lado.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Coriolano

William Shakespeare escreveu a peça "Coriolano" em 1608; o grande ator Ralph Fiennes ("A Lista de Schindler", "Quiz Show", "O Jardineiro Fiel"), que interpretou o papel principal no teatro, resolveu estrear como diretor de cinema adaptando a peça de Shakespeare para a tela grande. Originalmente passada na Roma antiga, a versão de Fiennes se passa agora na Europa moderna; as espadas e lanças foram trocadas por automáticas e fuzis, mas a trama política de Shakespeare permanece atual.

Fiennes interpreta o general Caius Martius Coriolanus, um homem tão duro e invencível quanto antissocial. Ele volta de uma guerra contra o país dos Volscos, liderados por Tullus Aufidius (Gerard Butler), e encontra uma Roma faminta e revoltosa. Os tribunos querem honrar Coriolanus com o cargo de Cônsul, mas ele não tem as habilidades políticas necessárias para conquistar a afeição do povo. Nem mesmo a poderosa mãe de Coriolanus, interpretada pela grande Vanessa Redgrave, consegue fazer com que ele aja de forma apropriada e ele acaba banido de Roma. Magoado e carregando cicatrizes de várias batalhas, Coriolanus vai até seu inimigo, Aufidius, e oferece seus serviços. Ele pretende, assim, se vingar de Roma por tê-lo banido.

O filme foi rodado em grande parte na atual Sérvia, que ainda mostra as marcas da longa guerra que se abateu sobre o país nos anos 1990. Há um elaborado trabalho de figurino e maquiagem, e a interpretação de Fiennes, com o rosto coberto de sangue, é de primeira. É verdade que causa estranheza a linguagem rebuscada de Shakespeare dentro deste cenário moderno, o que dificulta um pouco o entendimento da trama. Mas depois de certo tempo esta estranheza desaparece. Curioso que o roteiro foi adaptado por John Logan, o mesmo que escreveu o épico "Gladiador", filme de Ridley Scott de 2000. Pode-se perceber várias similaridades entre a trama do filme de Scott e a peça de Shakespeare. Assim como Coriolanus, o personagem de Russell Crowe, Maximus, é um general romano que é banido de Roma após uma batalha e volta para a cidade em busca de vingança. O elenco conta ainda com Brian Cox e Jessica Chastain (de "A Árvore da Vida"). "Coriolano" foi co-produzido pela BBC e está disponível no Brasil em DVD.

Câmera Escura

domingo, 9 de setembro de 2012

13 Assassinos

O diretor Takashi Miike se inspira no mestre Akira Kurosawa (1910-1998) ao fazer "13 Assassinos", baseado no clássico "Os Sete Samurais", que Kurosawa lançou em 1954 (depois transformado no ótimo western "Sete Homens e um Destino", em 1960). No Japão feudal, em 1844, o sistema de governo dos shoguns está em decadência. O meio irmão do atual shogun, Lorde Naritsugu (Goro Inagaki) é um homem cruel que se diverte humilhando os servos e matando a esmo homens, mulheres e crianças. Sir Doi (Mikijiro Hira), um dos conselheiros, decide ir contra o cruel Lorde contactando um experiente samurai para matá-lo, o mestre Shinzaemon (Koji Yakusho, ótimo). Assim como em "Os Sete Samurais", Shinzaemon começa a recrutar samurais para a missão praticamente suicida de assassinar o tirano.

Samurais eram servos treinados para seguir o código do bushi-dô, o código do guerreiro, e dar a vida pelo seu senhor feudal. Para um samurai, pior do que a morte era a vergonha, e a saída "honrosa" para grande parte dos dilemas morais era a morte pelas próprias mãos, no ritual do seppuku, que os homens realizavam cortando as próprias entranhas (as mulheres o pescoço). Em "13 Assassinos", esta lealdade cega é colocada em dúvida por Shinzaemon, para verdadeiro horror do samurai Hanbei (Masachika Ikimura); é visível que ele não tem grande estima por seu mestre, Lorde Naritsugu, mas nunca passa por sua cabeça desrespeitar o código de obediência. Miike filma com grande elegância e, no início, tem um estilo quase teatral, passado em salas iluminadas por velas e filmado em lentos movimentos laterais de câmera; conforme o filme avança,  o filme se abre para cenas ao ar livre e ensolaradas. Leva um tempo para se acostumar ao início ritualizado e cheio de personagens. A cultura japonesa é focada na perfeição, e a perfeição só é alcançada na morte; assim, o filme tem uma beleza mórbida conforme os poucos samurais, armados com suas espadas, lanças e arcos de uma outra era, se preparam para enfrentar um exército de centenas de homens. Antes da parte final, passada inteiramente em uma luta sangrenta, há momentos pitorescos e até engraçados, a maior parte deles protagonizada por Koyata (Yusuke Iseya), um caçador que os samurais encontram na floresta e que, mais tarde, se revela mais do que um homem comum.

A batalha final, também reminiscente de "Os Sete Samurais", se dá em uma pequena vila que é preparada pelos samurais para enfrentar o exército de Lorde Naritsugu. São apenas 13 homens contra centenas de soldados mas, apesar do claro exagero, o filme mostra como os samurais são mais do que simples guerreiros. O banho de sangue é grande e há espaço para uma discussão sobre a futilidade da guerra e a validade do poder. A cena de batalha se estende por mais do que o necessário, e Lorde Naritsugu poderia ser um vilão menos caricato. O filme, porém, é extremamente bem produzido, com fotografia caprichada e direção de arte correta. O ator Tsuyoshi Ihara, que protagoniza o filme brasileiro "Corações Sujos", faz parte do elenco. É um épico à moda antiga. Visto no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Flores do Oriente


Christian Bale se afasta do papel na série "Batman" para atuar neste drama de guerra do diretor chinês Zhang Yimou, de "Lanternas Vermelhas" (1991), "Herói" (2002) e "O Clã das Adagas Voadoras" (2004) . "Flores do Oriente" é passado durante a invasão japonesa à cidade de Nanquim, na China, em 1937. O episódio está entre os mais brutais da história, e até hoje os japoneses são acusados pelos estupros e barbaridades cometidos à época.

Durante a investida, um grupo feminino de estudantes se refugia na catedral católica, assim como várias prostitutas da cidade. Bale interpreta um americano que estava em Nanquim na época da invasão e que também se refugia na catedral. Ele trabalha como preparador e maquiador de corpos para uma funerária, e havia sido contratado pela igreja para sepultar o antigo padre da catedral. O filme se passa quase todo nesta igreja e nas ruas em volta, e o roteiro trata principalmente do contraste entre as inocentes garotas do convento e a sofisticação das prostitutas. Bale, no centro, se transforma de um bêbado depravado em um homem de princípios. Quando um grupo de japoneses invade a catedral e tenta estuprar as estudantes, ele os enfrenta usando as roupas do padre, com isso ganhando o respeito tanto das meninas quanto das prostitutas.

O filme é bastante violento, mostrando cenas de soldados matando civis a golpes de baioneta, estupros, assassinatos, tudo com muito sangue. Zhang Yimou, conhecido por grandes proezas visuais (principalmente em "O Clã das Adagas Voadoras"), está mais contido neste filme; há um plano sequência impressionante que mostra os japoneses perseguindo duas prostitutas pelas ruas destruídas de Nanquim mas, de resto, o filme é bem clássico. Só que, conforme o roteiro avança, o dramalhão aumenta consideravelmente.  Os japoneses são mostrados como assassinos sádicos. Mesmo uma cena bastante bonita em que um oficial japonês canta uma canção nostálgica sobre a terra natal, e outra em que ele assiste a uma apresentação das estudantes servem apenas como pretexto para revelar um plano diabólico dos japoneses: eles estariam oferecendo proteção para as garotas apenas temporariamente, aguardando a chegada de uma festa em que, tudo leva a crer, elas seriam estupradas e mortas.

Bale é bom ator, mas sua transformação é muito rápida. Seu personagem passa a impressão de ter sido criado apenas como chamariz de bilheteria. O final é cheio de bons princípios e atitudes heroicas por parte dos chineses, mas o filme (escolhido pela China para tentar uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro)  acaba com um toque de melodrama exagerado, que agrada parte do público. Visto no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

sábado, 7 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra

Steven Spielberg e os animais, via de regra, estiveram em lados opostos em seus filmes. "Tubarão" (1975) registrava o medo do diretor pelos animais aquáticos, assim como "Jurassic Park" (1993) mostrava que a relação de Spielberg com a natureza, como a de Indiana Jones com os répteis, não era muito amigável. Até mesmo o caminhão de "Encurralado" (1971) era visto mais como uma fera do que como uma máquina e, ao "morrer", o caminhão tanque soltava um lamento que lembrava um animal ferido.

Aos 65 anos e o diretor mais popular da história do cinema falado, Steven Spielberg faz seu primeiro filme em que um animal, o cavalo Joey, é o protagonista. Curioso o quanto o filme se parece com a animação "Spirit - O Corcel Indomável" (2002), produzido quando a DreamWorks (estúdio do qual Spielberg é dono) ainda era considerada uma competidora da Disney na animação tradicional. De fato, em muitas partes, "Cavalo de Guerra" parece uma versão em live action do desenho produzido por Jeffrey Katzenberg, o que não é um demérito. Acertadamente, Spielberg trata o cavalo Joey como um animal o filme todo, não caindo no recurso fácil de antropomorfizar demais a criatura, dando-lhe "sentimentos" humanos. Apesar do protagonista ser o cavalo, são as pessoas que chamam a atenção neste belo drama de guerra. A paisagem pedregosa de Devon, no Reino Unido, lembra a de "Depois do Vendaval" (1952), de John Ford (filme referenciado em "E.T. - O Extraterrestre", 1982), e é neste local que nasce o cavalo Joey, assim batizado por Albert Narracott (Jeremy Irvine). O rapaz é filho do teimoso agricultor Ted (Peter Mullen) que, contrariando a vontade da esposa Rose (a ótima Emily Watson), havia adquirido o cavalo em um leilão. Joey é um belo animal, mas não é adequado para arar o terreno que a família aluga do Sr. Lyons (David Thewlis), que ameaça tomar-lhes a propriedade. Interessante como Spielberg opõe "homem versus máquina" ao mostrar Lyons (e seu filho mimado) sempre andando de automóvel, enquanto os Narracott dependem da tração animal para tirar o sustento da terra.

Com o início da I Guerra Mundial, em 1914, Joey é vendido ao exército (contra a vontade do garoto Albert) e parte para a França. "Cavalo de Guerra" então se divide em uma série de "episódios" interligados pelo animal que tem diferentes donos no transcorrer da trama. Spielberg se vale de ótimos atores europeus como Niels Arestrup (de "O Profeta", 2009) ou Lian Cunningham (de "Borboletas Negras", 2011) para interpretar franceses, alemães ou soldados britânicos. Pena que ele não teve a coragem necessária para fazê-los falar em suas línguas originais (todos falam em inglês), mas seria ousado demais para o público médio americano, que abomina filmes legendados. Visualmente, porém, Spielberg está seguro como sempre. Poucos dominam seu olhar para enquadramentos e soluções visuais, e há cenas de extrema beleza, como o ataque da cavalaria britânica em meio a um campo dourado de trigo ou o uso sutil das pás de um moinho para encobrir uma cena de execução. As cenas de batalha são coreografadas milimetricamente em belos deslocamentos de câmera. E quando o cavalo fica preso em arame farpado no campo de batalha, há uma cena tocante e engraçada em que combatentes inimigos se juntam para tentar soltar o animal.

Steven Spielberg nunca teve medo de ser dramático, até piegas, para trazer o público para junto de seus filmes. O final de "Cavalo de Guerra" é uma homenagem ao cinemão hollywoodiano épico, mítico, passado em um pôr-de-sol que parece ter vindo diretamente de uma cena de "...E o Vento Levou" (1939) ou dos Westerns de John Ford. A direção de fotografia, excelente, é de Janusz Kaminski, que colabora com Spielberg desde "A Lista de Schindler" (1993), e a montagem clássica é do veterano Michael Kahn; tudo  acompanhado pela trilha de John Williams, que musicou todos os filmes de Spielberg (com exceção de "A Cor Púrpura",  1985) desde "A Louca Escapada" (1974). "Cavalo de Guerra" recebeu duas indicações ao Globo de Ouro 2012 (Melhor Filme Dramático e Trilha Sonora) e com certeza estará entre as indicações ao próximo Oscar. Melhor do que tudo isso é dizer que "Cavalo de Guerra" é um filme bonito de se ver, de preferência na tela grande do cinema.


domingo, 20 de junho de 2010

Aproximação

Juliette Binoche é uma força da natureza. O trabalho dela em "Aproximação", filme de 2007 dirigido por Amos Gitai, é excepcional. A atriz símbolo do cinema francês passa por uma transformação impressionante diante de nossos olhos, de uma francesa aparentemente fútil para uma mulher em busca de sua filha na Faixa de Gaza.

Binoche é Ana, mulher que perdeu o pai, na França, mas que está feliz com a chegada do meio-irmão Uli (Liron Evo), um israelense. O corpo do pai repousa em um grande apartamento francês enquanto Ana fica provocando o meio-irmão, dando entrevistas a jornalistas sobre o pai e tentando forjar o testamento para que Uli fique com tudo. A executora dos bens, no entando, lhe revela que o pai havia decidido deixar tudo para uma filha que Ana teve vinte anos antes, mas havia abandonado em um kibutz, em Israel. Uli, um oficial israelense, revela que precisa voltar para participar da desocupação de ocupantes ilegais judeus na Faixa de Gaza, e Ana decide ir com ele procurar a filha.

A viagem leva Ana e o espectador para a constante zona de conflito entre judeus e palestinos. Em montagens paralelas, vemos de um lado Ana, sozinha e sem saber falar hebraico, tentando achar a filha enquando Uli treina, com outros soldados israelenses, para a desocupação. Amos Gitai filma com extrema elegância, em planos sequência longos que deixam a ação se desenrolar diante da câmera, que apenas contempla a ação. O que dizer desta situação entre judeus e palestinos? O filme não toma partido, mas mostra claramente como a situação é absurda. Os israelenses treinam com afinco técnicas de invasão e intimidação, para tirar outros israelenses das terras ocupadas. Ana, uma francesa de origem judaica que não conhece nem a própria língua, é o retrato do resto do mundo, perdido e sem entender o que realmente acontece na região. O encontro com a filha é doce e contido, sem pieguices nem dramalhões desnecessários. Mas o tempo é curto, já que os soldados estão às portas, prontos para invadir. Do outro lado da cerca, apenas por um momento, em um plano curto, vemos os palestinos gritando as mesmas palavras de ordem e clamando o mesmo direito pela terra que os judeus deste lado do arame. Quem está certo? Estarão todos errados? O fato é que a sequência final, filmada por Gitai, novamente, em longos planos, é de uma força arrasadora. O filme toma força maior neste momento, em que Israel invadiu navios de uma força de paz que estaria levando suprimentos para a Faixa de Gaza, matando vários ocupantes.

Vale um comentário sobre o começo do filme. Em um único plano (que não tem nada a ver com o resto do filme, aparentemente), um homem judeu pede um cigarro para um mulher palestina e os dois conversam. Ela se declara holandesa-palestina, enquanto ele se diz francês-judaico (e mais uma dezena de nacionalidades). Um oficial do trem lhes pede os passaportes e estranha que estejam conversando. O homem lhe diz que não há nada para se preocupar, eles são apenas um homem judeu e uma mulher palestina, conversando. E por que não poderia ser simples assim?


terça-feira, 25 de maio de 2010

O que resta do tempo

O diretor Elia Suleiman conseguiu um feito. Uma comédia extremamente sutil lidando com a delicada situação entre israelenses e palestinos. Tão sutil, na verdade, que demora para o espectador perceber o humor da situação. O filme começa com um tom fantasioso, quando um taxista desconfiado pega um passageiro no aeroporto, à noite, e ruma para a estrada. No caminho, uma forte tempestade o faz parar no meio fio e o motorista, claramente assustado, se pergunta o que está acontecendo. A situação parece um sonho e abre uma janela para o passado e para as lembranças de Suleiman, o passageiro do táxi. Voltamos para 1948, ano da criação de Israel e da ocupação da cidade de Nazaré. O pai de Suleiman, Fuad (Saleh Bakri) faz parte da resistência palestina e é um fabricante de armas. Ele é preso e torturado pelos israelenses, e imaginamos que estamos para ver um filme pesado de guerra.

Curiosamente, não é o que acontece. Em saltos para frente no tempo, o filme deixa de lado a ação inicial e se torna uma espécie de contemplação do equilíbrio frágil que se instala na região. Suleiman faz uma delicada homenagem ao pai e à mãe na forma de episódios cuidadosamente dirigidos e enganadoramente simples. O espectador acompanha situações cotidianas da família Suleiman e da vizinhança, tudo maravilhosamente fotografado por Marc-André Batigne. Há um vizinho "maluco" que se encharca de gasolina e ameaça se queimar toda semana. Há a tia que faz um prato de lentilha tão intragável que o pequeno Elia Suleiman sempre joga o conteúdo do prato no lixo. Na escola, Elia é frequentemente repreendido por ter falado alguma coisa contra os Estados Unidos. À noite, seu pai e um amigo gostam de pescar em frente ao mar, tendo que explicar para a polícia, todas as vezes, de que não estão fazendo nada suspeito.

É um filme extremamente contemplativo, talvez até demais. A terceira parte mostra o próprio diretor voltando para Nazaré para visitar a mãe doente. Suleiman faz uma espécie de filme mudo (aos moldes de Buster Keaton, que nunca sorria), nos mostrando o lado engraçado de situações absurdas, como um homem que sai para jogar o lixo e parece nem notar o gigantesco tanque de guerra que o mantém sob a mira constante; ou o guarda de trânsito que dança uma coreografia com os carros que passam, ou a mulher com o bebê que, por um momento, para um tiroteio entre a polícia israelense e os palestinos. Suleiman faz sua declaração de amor ao cinema em pequenos momentos, como na exibição de "Spartacus" (de Kubrick) em seus tempos de escola, ou no rapaz que passa na rua assobiando a trilha de "O Poderoso Chefão" (de Francis-Ford Coppola) ou "Três Homens em Conflito" (de Sergio Leone). Uma das melhores cenas, no entanto, é a que envolve o impassível Suleiman, o muro construído por Israel para separar judeus de palestinos e uma vara olímpica.

Uma comédia em que o espectador nunca solta uma gargalhada, mas está sempre sorrindo. A não ser em uma cena inacreditável de karaokê, que vale o filme.


segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Caixa

Difícil saber qual idéia é mais estranha: a da trama de "A Caixa" ou a própria idéia de fazer um longa-metragem deste conto de Richard Matheson (originalmente chamado "Button, Button"), transformado em um ótimo episódio da série "Além da Imaginação", nos anos 1980 (que pode ser visto aqui). Como conto e curta-metragem, "O Botão" era uma intrigante fábula moral sobre até que ponto uma pessoa comum poderia ir em troca de dinheiro. A trama foi baseada em um experimento psicológico feito nos Estados Unidos (em que voluntários, achando que estavam testando o efeito das punições na memória humana, administravam choques elétricos em outras pessoas. Os choques, na verdade, não eram reais, mas muitos voluntários aplicaram choques que seriam fatais).

O casal Arthur e Norma Lewis (Cameron Dias e James Marsden) recebem uma estranha proposta. Um homem com o rosto deformado (Frank Langella) lhes entrega uma caixa com um botão vermelho no topo. Se eles apertarem o botão, duas coisas irão acontecer: uma pessoa que eles não conhecem morrerá, e eles vão receber um milhão de dólares. Simples assim. Eles não podem contar sobre a caixa para ninguém, e têm 24 horas para decidir o que fazer. Arthur é um cientista que trabalha para a NASA e tinha esperanças de se tornar astronauta. A trama se passa em 1976, logo após as sondas americanas pousarem em Marte, e Arthur foi o designer da câmera que tira fotos em 360 graus levada ao planeta vermelho. Para sua decepção, sua inscrição para astronauta é recusada porque ele não teria passado no teste psicológico. A esposa, Norma, é uma professora de literatura que gosta de Sartre e tem um dos pés defeituosos, por causa de um acidente na infância. Os dois são educados e estão longe de serem pobres, mas um milhão de dólares é muito dinheiro, certo? A proposta da caixa, claro, é uma outra forma de contar a história da queda do paraíso terrestre. O homem deformado é a serpente que chega para Eva e lhe pede que coma o fruto proibido, o que ela faz. Não aguentando a pressão, Norma acaba apertando o botão meia hora depois de começado o filme. O conto e o episódio de TV originais terminavam mais ou menos por aqui, e a moral da história é que o homem misterioso vinha buscar a caixa e dizia que a passaria para outra pessoa... que eles não conhecem.

Já o longa metragem parte para uma trama completamente absurda envolvendo pessoas que parecem zumbis, com sangue escorrendo pelo nariz, bases secretas em Langley, Virginia (a sede da CIA), gente agindo de forma estranha, pessoas que foram atingidas por raios e portais para outras dimensões. Tudo isso é produto da mente fértil do diretor Richard Kelly, diretor do "cult" Donnie Darko, amado por alguns e odiado por muitos. É fato que, apesar de absurdo, o filme é curiosamente atraente. Kelly atira para todos os lados, misturando suspense, terror e citações do mestre da ficção-científica, Arthur C. Clarke (que dizia que "toda tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia"). Há cenas de suspense muito bem dirigidas, principalmente uma que se passa em uma biblioteca. Mas a idéia origial, por melhor que seja, não tem fôlego para sustentar um longa-metragem. Ainda assim, "A Caixa" não deixa de ser um exercício interessante de suspense, com fotografia digital curiosamente fora de lugar em uma ótima recriação de época dos anos 70. Vale como curiosidade.


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Milagre em Santa Anna

O pelotão “Búfalo” (um grupo de soldados negros combatentes na 2ª. Guerra Mundial), trava uma feroz batalha com os nazistas em um rio na região da Toscana, Itália. Eles estão enfrentando dois inimigos. Na frente, as metralhadoras nazistas fazem os soldados atingidos em pedaços; atrás, sofrem com o “fogo amigo” da própria artilharia americana. Quatro deles conseguem atravessar o rio e vão se refugiar perto de um celeiro. O recruta Sam Train (Omar Miller), um negro de físico enorme, mas com uma personalidade infantil, acaba resgatando um garoto italiano que está preso nos destroços provocados pelo bombardeio. O garoto está ferido e falando de forma incoerente, e Train acha que ele é uma espécie de “santo”. Os quatro soldados acabam se refugiando em uma vila por perto, na casa de um velho fascista e sua família.

O filme é dirigido por Spike Lee que, obviamente, ficou interessado em contar a história deste pelotão de soldados negros lutando em uma “guerra de brancos”, como declara um deles. O filme tem co-produção italiana e é falado em três línguas, inglês, italiano e alemão, conforme a trama acompanha cada lado envolvido na guerra. Baseado no livro de James McBride (que assina o roteiro), “Milagre em Santa Anna” é muito bem feito tecnicamente e tem o foco voltado para os personagens. O problema é que, por vezes, o tom “panfletário” de Spike Lee acaba atrapalhando. É fato que os negros que lutaram na 2ª. Guerra Mundial raramente são lembrados; os filmes dedicados ao gênero, em sua grande maioria, são estrelados apenas por atores brancos e pouco se fala da participação negra no conflito. Mas há alguns “discursos” no filme fora de lugar, fora o fato de que os poucos brancos retratados geralmente são apenas idiotas estereotipados.

O lado lúdico do filme, justamente o tal “milagre” do título, acaba sofrendo em um filme que mistura cenas panfletárias com outras extremamente violentas e realistas. As cenas de batalha são muito bem feitas e mostram todo horror da guerra. Os italianos se encontravam entre o fogo cruzado dos americanos, dos nazistas e dos próprios compatriotas, que se dividiam entre os dois grupos. Quando tudo isso se junta em cena é um verdadeiro massacre, mostrado com detalhes pela câmera de Lee. Em meio a isso tudo (é um filme longo, 166 minutos) há cenas muito interessantes e calmas entre o garoto, que se chama Ângelo (Matteo Sciabordi) e o recruta Train. Os dois não entendem a língua um do outro, mas conseguem se comunicar por gestos e expressões. A atriz italiana Valentina Cervi interpreta Renata, uma mulher que não sabe se o marido está vivo ou não e que se torna o motivo de atração (e discórdia) entre o Sargento Bishop (Michael Ealy) e o Sangento Stamp (Derek Luke). Há também um líder dos partisans (a resistência italiana) que chega à vila com um prisioneiro nazista. Em seu grupo está um traidor, responsável por uma tragédia revelada no final do filme.

Como se não bastassem todos estes personagens e tramas, o filme infelizmente ainda tenta fazer uma ponte com uma época 40 anos depois, quando um dos soldados apresentados no filme, agora já velho, mata a queima-roupa uma pessoa em uma agência dos correios. Estas cenas, passadas na década de 80, começam e terminam o filme de forma irregular e desnecessária. Spike Lee poderia ter se concentrado em fazer apenas um filme na 2ª. Guerra Mundial, com uma duração menor, menos panfletagem e mais atenção ao lado lúdico da trama.


quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Leões e Cordeiros

Um filme com algumas das maiores estrelas do cinema americano, Robert Redford, Tom Cruise e Meryl Streep... conversando. Não só conversando, mas debatendo idéias, procurando e analisando causas e conseqüências relevantes para a situação política e histórica dos dias de hoje. Soa tedioso? Como teatro filmado? Pois é, muita gente achou que sim. O filme teve vida curta nos cinemas e em pouco tempo estava nas prateleiras das locadoras. Eu gostei.

Não é um filme “cinematográfico”, é verdade. São basicamente duas longas conversas entrecortadas por alguma ação. Em uma escola de Washington, o professor Stephen Malley (Robert Redford, que também dirige o filme) não está satisfeito com a performance de um aluno que, um dia, ele considerou brilhante. Ele é Todd Hayes (Andrew Garfield), um rapaz que tem boas notas, mas muitas faltas, e simplesmente perdeu o interesse nas aulas de Ciência Política ministradas por Malley. O professor lhe propõe um trato: ele não precisaria vir a mais nenhuma aula até o final do ano e ainda assim receberia nota “B” na média final. Ou então ele poderia decidir não faltar mais a nenhuma aula, mas teria que participar ativamente de todas elas, como costumava fazer. Por que ele perdera o interesse? O aluno explica que não tem mais esperança na política e que resolveu que iria apenas “fazer a sua parte”, pagar seus impostos, trabalhar e tirar proveito do que o país tivesse a oferecer, mas nada mais do que isso.

Enquanto isso, em outra parte de Washington, um senador republicano (Tom Cruise) chama para uma entrevista exclusiva a jornalista Janine Roth (Meryl Streep), com o objetivo de lhe passar uma nova estratégia militar que seria implementada pelo governo americano no Afeganistão. O que se segue é um longo debate entre os dois em que questões como a guerra do Iraque e o clima político pós 11 de setembro são discutidos. A nova estratégia consiste em usar um número menor de soldados no Afeganistão. Eles ocupariam as montanhas durante o inverno e teriam vantagem tática contra o Talibã quando o verão chegasse. A jornalista, que começou a carreira em plena Guerra do Vietnam, vê com desconfiança e sensação de “deja vu” tais táticas militares. Apesar da troca de gentilezas entre os dois, fica claro o clima tenso no ar, com acusações fundamentadas de ambos os lados. A jornalista levanta os vários erros militares cometidos no Iraque e as milhares de vidas perdidas. O político, por seu lado, pede para que ela se concentre no presente e a lembra de que a imprensa havia apoiado integralmente a ofensiva contra o Iraque.

Em uma terceira trama, acompanhamos a tática mencionada por Cruise sendo aplicada no Afeganistão. Mas nem tudo é simples como os engravatados em Washington imaginavam. Um helicóptero americano é atacado por uma bateria antiaérea no topo das montanhas geladas. Dois jovens soldados, Arian Finch (Derek Luke) e Ernest Rodriguez (Michael Pena), são jogados na neve lá embaixo. Os dois, ficamos sabendo através de flashbacks, foram alunos exemplares do professor Malley. As três histórias são entrecortadas durante todo o filme. Arian e Rodriguez eram alunos pobres que chamaram a atenção do professor durante um debate em classe, em que eles pregavam mais comprometimento por parte dos americanos para se criar uma sociedade melhor. Os outros alunos os chamaram de hipócritas, dizendo que eles também, no fundo, só estavam esperando a hora de entrar em uma boa universidade e ganhar dinheiro. Os dois resolvem provar seu comprometimento mostrando seus papéis de alistamento no exército. Redford não acredita que esta seja a melhor maneira de ajudar o país e tenta fazê-los mudar de idéia.

Tudo isso é discutido e debatido em longas conversas. Senti influência da série “The West Wing”, de Aaron Sorkin, famosa por conter debates políticos pelos corredores da Casa Branca. Repetindo, não é muito cinematográfico (a série, diga-se de passagem, era até mais dinâmica). Tudo se passa em duas salas em Washington (a sala do professor e o gabinete do senador) e na montanha gelada. Mas os pontos levantados são relevantes e é raro vê-los discutidos em um filme deste modo. Devemos simplesmente falar mal da política ou fazer algo a respeito? Há o que ser feito? O mundo aprendeu alguma coisa com as guerras do passado ou estamos repetindo os mesmos erros geração a geração? Pode não ser um filme muito “agitado”, mas vale pegar o DVD.