sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Guerra ao Terror

Para os americanos, estar em uma guerra é algo tão presente em suas vidas que praticamente toda geração teve a "sua" guerra (e seus filmes a respeito). Foram vários os filmes sobre a II Guerra Mundial, sobre a Guerra da Coréia, do Vietnã e assim por diante. A atual Guerra do Iraque já dura tempo suficiente para ter se tornado um novo "gênero" de filme. O mais recente exemplar, e um dos melhores, é "Guerra ao Terror" (The Hurt Locker, 2009), dirigido por Kathryn Bigelow. Esta obsessão tão americana pela guerra é explicada em uma frase que abre o filme: "O furor da batalha é um vício potente e frequentemente letal, porque a guerra é uma droga".

Em "Guerra ao Terror", este "furor" não é representado por cenas cheias de ação, pelo contrário. O filme foca nas atividades de um esquadrão antibombas trabalhando em Bagdá. A adrenalina, no caso, é resultado do fato de que cada pedaço de papel, cada caixa largada em uma rua da cidade iraniana pode esconder uma bomba, e os homens responsáveis por desativá-las são altamente especializados e, frequentemente, viciados nessa adrenalina. É o caso do sargento William James (Jeremy Reneer, indicado ao Oscar de Melhor Ator, merecidamente), típico "caipira" do interior dos Estados Unidos. Ele faz parte de um trio composto pelo experiente e cauteloso Sargento Sanborn (Antonhy Mackie) e o jovem Especialista Eldridge (Brian Geraghty). O grupo acabou de perder um líder querido e competente (na fantástica sequência que abre o filme) e não vê com bons olhos as atitudes irresponsáveis e temerárias de James. Ele não obedece ordens, corre riscos desnecessários e coloca todos em perigo, mas é inegável que ele é bom no que faz (até porque, como ele mesmo diz, a melhor maneira de fazer este serviço é não morrendo).

Bigelow, a diretora, e o roteirista Mark Boal deixam de lado as questões políticas envolvidas no conflito e focam nos homens que o vivem dia após dia. O elenco tem participações especiais e surpreendentes de atores como Guy Pierce, Ralph Fiennes, Evangeline Lili e David Morse, e é interessante como Bigelow brinca com o fato deles terem rostos conhecidos. Quando um (ou mais, não vou revelar quem) deles morre como se fosse um figurante qualquer, o choque é ainda maior para o espectador. Isso ajuda a mostrar como a vida, em uma guerra, é frágil. O roteirista acompanhou pessoalmente várias missões destes esquadrões antibomba e as transformou na trama do filme, com grande realismo. Bigelow por vezes abusa do recurso da "câmera nervosa" tão usado ultimamente, mas ela consegue criar sequencias de suspense ou emoção primorosas, com poucos recursos. Há uma ótima sequência que envolve um duelo entre atiradores "sniper", trocando tiros a centenas de metros de distância, que transformam a guerra em uma espécie de jogo de xadrez, metódico, paciente e sangrento. A sequência também serve para aproximar os personagens de forma inesperada.

Mas talvez a cena mais interessante do filme é a que se passa em um supermercado americano. Um soldado, de volta para casa, fica parado diante de uma gôndola enorme, com diversos tipos e marcas de cereais matutinos, e não sabe o que fazer. Uma ação tão cotidiana, após a vivência de uma guerra, se torna estranha e acaba revelando a futilidade de alguns dos "confortos" a que estamos acostumados. Como se milhares de vidas estivessem sendo destruídas inutilmente, apenas para defender os supermercados cheios de produtos do ocidente.

"Guerra ao Terror" está indicado a nove Oscars, com Kathryn Bigelow despontando como favorita ao prêmio de direção.

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