Mostrando postagens com marcador palestina. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador palestina. Mostrar todas as postagens

domingo, 20 de junho de 2010

Aproximação

Juliette Binoche é uma força da natureza. O trabalho dela em "Aproximação", filme de 2007 dirigido por Amos Gitai, é excepcional. A atriz símbolo do cinema francês passa por uma transformação impressionante diante de nossos olhos, de uma francesa aparentemente fútil para uma mulher em busca de sua filha na Faixa de Gaza.

Binoche é Ana, mulher que perdeu o pai, na França, mas que está feliz com a chegada do meio-irmão Uli (Liron Evo), um israelense. O corpo do pai repousa em um grande apartamento francês enquanto Ana fica provocando o meio-irmão, dando entrevistas a jornalistas sobre o pai e tentando forjar o testamento para que Uli fique com tudo. A executora dos bens, no entando, lhe revela que o pai havia decidido deixar tudo para uma filha que Ana teve vinte anos antes, mas havia abandonado em um kibutz, em Israel. Uli, um oficial israelense, revela que precisa voltar para participar da desocupação de ocupantes ilegais judeus na Faixa de Gaza, e Ana decide ir com ele procurar a filha.

A viagem leva Ana e o espectador para a constante zona de conflito entre judeus e palestinos. Em montagens paralelas, vemos de um lado Ana, sozinha e sem saber falar hebraico, tentando achar a filha enquando Uli treina, com outros soldados israelenses, para a desocupação. Amos Gitai filma com extrema elegância, em planos sequência longos que deixam a ação se desenrolar diante da câmera, que apenas contempla a ação. O que dizer desta situação entre judeus e palestinos? O filme não toma partido, mas mostra claramente como a situação é absurda. Os israelenses treinam com afinco técnicas de invasão e intimidação, para tirar outros israelenses das terras ocupadas. Ana, uma francesa de origem judaica que não conhece nem a própria língua, é o retrato do resto do mundo, perdido e sem entender o que realmente acontece na região. O encontro com a filha é doce e contido, sem pieguices nem dramalhões desnecessários. Mas o tempo é curto, já que os soldados estão às portas, prontos para invadir. Do outro lado da cerca, apenas por um momento, em um plano curto, vemos os palestinos gritando as mesmas palavras de ordem e clamando o mesmo direito pela terra que os judeus deste lado do arame. Quem está certo? Estarão todos errados? O fato é que a sequência final, filmada por Gitai, novamente, em longos planos, é de uma força arrasadora. O filme toma força maior neste momento, em que Israel invadiu navios de uma força de paz que estaria levando suprimentos para a Faixa de Gaza, matando vários ocupantes.

Vale um comentário sobre o começo do filme. Em um único plano (que não tem nada a ver com o resto do filme, aparentemente), um homem judeu pede um cigarro para um mulher palestina e os dois conversam. Ela se declara holandesa-palestina, enquanto ele se diz francês-judaico (e mais uma dezena de nacionalidades). Um oficial do trem lhes pede os passaportes e estranha que estejam conversando. O homem lhe diz que não há nada para se preocupar, eles são apenas um homem judeu e uma mulher palestina, conversando. E por que não poderia ser simples assim?


terça-feira, 25 de maio de 2010

O que resta do tempo

O diretor Elia Suleiman conseguiu um feito. Uma comédia extremamente sutil lidando com a delicada situação entre israelenses e palestinos. Tão sutil, na verdade, que demora para o espectador perceber o humor da situação. O filme começa com um tom fantasioso, quando um taxista desconfiado pega um passageiro no aeroporto, à noite, e ruma para a estrada. No caminho, uma forte tempestade o faz parar no meio fio e o motorista, claramente assustado, se pergunta o que está acontecendo. A situação parece um sonho e abre uma janela para o passado e para as lembranças de Suleiman, o passageiro do táxi. Voltamos para 1948, ano da criação de Israel e da ocupação da cidade de Nazaré. O pai de Suleiman, Fuad (Saleh Bakri) faz parte da resistência palestina e é um fabricante de armas. Ele é preso e torturado pelos israelenses, e imaginamos que estamos para ver um filme pesado de guerra.

Curiosamente, não é o que acontece. Em saltos para frente no tempo, o filme deixa de lado a ação inicial e se torna uma espécie de contemplação do equilíbrio frágil que se instala na região. Suleiman faz uma delicada homenagem ao pai e à mãe na forma de episódios cuidadosamente dirigidos e enganadoramente simples. O espectador acompanha situações cotidianas da família Suleiman e da vizinhança, tudo maravilhosamente fotografado por Marc-André Batigne. Há um vizinho "maluco" que se encharca de gasolina e ameaça se queimar toda semana. Há a tia que faz um prato de lentilha tão intragável que o pequeno Elia Suleiman sempre joga o conteúdo do prato no lixo. Na escola, Elia é frequentemente repreendido por ter falado alguma coisa contra os Estados Unidos. À noite, seu pai e um amigo gostam de pescar em frente ao mar, tendo que explicar para a polícia, todas as vezes, de que não estão fazendo nada suspeito.

É um filme extremamente contemplativo, talvez até demais. A terceira parte mostra o próprio diretor voltando para Nazaré para visitar a mãe doente. Suleiman faz uma espécie de filme mudo (aos moldes de Buster Keaton, que nunca sorria), nos mostrando o lado engraçado de situações absurdas, como um homem que sai para jogar o lixo e parece nem notar o gigantesco tanque de guerra que o mantém sob a mira constante; ou o guarda de trânsito que dança uma coreografia com os carros que passam, ou a mulher com o bebê que, por um momento, para um tiroteio entre a polícia israelense e os palestinos. Suleiman faz sua declaração de amor ao cinema em pequenos momentos, como na exibição de "Spartacus" (de Kubrick) em seus tempos de escola, ou no rapaz que passa na rua assobiando a trilha de "O Poderoso Chefão" (de Francis-Ford Coppola) ou "Três Homens em Conflito" (de Sergio Leone). Uma das melhores cenas, no entanto, é a que envolve o impassível Suleiman, o muro construído por Israel para separar judeus de palestinos e uma vara olímpica.

Uma comédia em que o espectador nunca solta uma gargalhada, mas está sempre sorrindo. A não ser em uma cena inacreditável de karaokê, que vale o filme.


domingo, 21 de setembro de 2008

Lemon Tree

"Lemon Tree" é um filme inteligente e sensível sobre intolerância e os absurdos que ocorrem na fronteira entre Israel e a Palestina. Salma Zidade (Hiam Abass) é uma viúva árabe que cuida de um pomar de limões desde que herdou as terras do pai. O limoeiro faz parte da família por gerações e apesar de sua produção não ser grande, ele tem um valor cultural e sentimental inestimável. O problema é que os fundos da propriedade dão para a fronteira com Israel, onde ninguém menos do que o Ministro da Defesa (Doron Tavory) se muda com a esposa, Mira Navon (Rona Lipaz-Michael). De uma hora para outra, a tranqüilidade do pomar e interrompida pela entrada constante de homens do exército israelense e do serviço secreto, que vêm o pomar como uma ameaça à segurança do Ministro. Guaritas são colocadas e uma grande cerca com arame farpado é colocada separando as duas propriedades. Mas o serviço secreto não acha isso suficiente, e ordena que Salma derrube todo o pomar e abandone as terras da família. Isso leva a uma disputa judicial entre o Estado de Israel e Salma, com a ajuda de um advogado chamado Ziad Daud (Ali Suliman). Este advogado tem uma particularidade interessante para nós brasileiros: por grande parte do filme ele veste um agasalho verde e amarelo, com um emblema escrito "Champion" sobre uma bandeira do Brasil.

Baseado em fatos reais (o roteirista/diretor israelense Eran Riklis estudou vários casos similares antes de se decidir por filmar este), o filme não tenta impor nenhuma opinião, apesar de sentirmos empatia maior pela personagem da viúva. O ministro da defesa israelense é mostrado como um homem egocêntrico e mulherengo, mas a personagem de sua esposa, Mira, é cheia de nuances e profundidade. Bonita e inteligente, ela recebe as notícias do processo movido por sua vizinha com naturalidade. "Eu faria o mesmo", diz ela a um marido contrafeito. A cerca erguida entre a casa moderna israelense e o rudimentar pomar palestino, no fundo, é uma metáfora para o grande muro que Israel está construindo entre os dois países, por "razões de segurança", segundo a política oficial. Em uma região tão masculina e machista, é interessante ver como os dois grandes papéis femininos do filme, a viúva palestina e a esposa devotada israelense, lidam com a situação. Em diversas ocasiões as duas podem se ver através da cerca, e a sensação que dá é que se as duas apenas se sentassem para conversar o problema estaria terminado em minutos. Mas a política reina na região, com sua burocracia e entraves.

A viúva Salma, aos poucos, vai ganhando força também como mulher. Apesar da foto do marido morto ainda estar na sala, Salma vai recobrando sua feminilidade principalmente em seus encontros com o advogado Ziad, que também é um solitário que tem uma filha que gerou em Moscou. A aproximação entre os dois é mais platônica do que física, mas é o suficiente para a sociedade machista palestina enviar alguém avisar Salma de que ela poderia estar manchando a honra do marido.

Lemon Tree venceu o prêmio do júri popular no último Festival de Berlim e é uma ótima mistura de política, comédia e drama.