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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Império do Sol e o Cinema de Steven Spielberg

A Rede Cinemark está exibindo vários filmes clássicos e "Império do Sol", de Steven Spielberg, foi o escolhido neste final de semana (ele também será exibido na quarta-feira, 6 de agosto, às 19:30).

"Império do Sol" é um dos filmes em que Spielberg mais investiu na emoção, ao ponto do excesso. Antes dos Oscars e do prestígio atual com  a crítica, Steven Spielberg era sinônimo de filme "pipoca", de puro entretenimento. Após uma série de mega sucessos como "Tubarão" (1975), "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977), "Caçadores da Arca Perdida" (1981), "E.T. - O Extraterrestre" (1982) e "Indiana Jones e o Templo da Perdição" (1984) - e até um fracasso, "1941 - Uma Guerra Muito Louca" (1979) - Spielberg resolveu enfrentar temas mais sérios em "A Cor Púrpura" (1985) e "Império do Sol" (1987). Em termos de Oscar, não funcionou, pois ele continuou sendo ignorado até 1993, quando finalmente ganhou o seu por "A Lista de Schindler". Grande parte da crítica caiu em cima de "Império do Sol", considerando-o longo (como, de fato, é), piegas (sem dúvida) e auto indulgente (idem). O caso é que Spielberg é um cineasta nato e se alguém é culpado por querer gritar CINEMA em cada plano de "Império do Sol", este alguém é Steven Spielberg. Em meio aos excessos, porém, há cenas de extraordinária beleza.

Garotos perdidos

O garoto Jim Graham (Christian Bale, estreando de forma impressionante no cinema aos 13 anos de idade) é o típico "garoto perdido" de Steven Spielberg. Separado da família quando da invasão japonesa a Shanghai, China, no início da 2ª Guerra Mundial, Jim passaria a guerra internado em um campo de prisioneiros japoneses. O tema da busca pela família é caro a Spielberg, que viu os pais se divorciarem quando era jovem e replicou seu trauma em vários filmes; em "E.T. - O Extraterrestre", o garoto Elliot vive em uma família em que o pai se separou da mulher e deixou os filhos com ela. O próprio "E.T." é um "garoto perdido" que foi deixado para trás e passa o filme tentando voltar para o planeta natal. Em "Inteligência Artificial" (2001), o garoto robótico David é abandonado na floresta pela "mãe" humana e também passa o filme tentando reencontrá-la. Situações semelhantes podem ser vistas em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977), "Hook" (1991), "Prenda-me se for capaz" (2002), "O Terminal" (2004) e em vários outros filmes do cineasta. O roteiro de "Império do Sol" (de Tom Stoppard) é baseado na história real do escritor J. G. Ballard, mas são claras as influências pessoais de Spielberg na trama.

A busca pela empatia

Esta busca pelos pais acaba se revelando também em uma grande carência afetiva, que Spielberg expressa em sua necessidade de se comunicar com a platéia. Há uma constante busca pela empatia do público, que Spielberg sabe manipular brilhantemente. Isso pode ser visto tanto quanto um elogio quanto um defeito, mas é inegável o talento do diretor em causar um efeito no espectador. Spielberg agora criar diálogos cinematográficos, seja na conversa musical entre os cientistas terrestres e os alienígenas em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", ou na ligação física que existe entre Elliot e E.T.. Já explorei esta característica dos personagens dos filmes de Spielberg no vídeo abaixo:



Império do Sol em três cenas

Esta carência e a busca pela família (e por ele próprio) podem ser vistas por toda longa e dura jornada do garoto Jim em "Império do Sol", mas é mais explícita em três cenas do filme.

O avião caído

Jim morava com a família em Shanghai na Concessão Internacional, território ocupado principalmente pelos britânicos na China desde o século 19. Spielberg ilustra as diferenças sociais e culturais entre os britânicos e os chineses em uma ótima cena que mostra vários carros de luxo levando os ingleses até uma festa à fantasia. Em meio ao trânsito caótico e ruas apilhadas de gente podemos ver os britânicos (vestidos como marinheiros, palhaços ou piratas) dentro de carros de luxo, alheios ao caos exterior. Jim é fascinado por aviões, principalmente os lendários caças japoneses "Zero", e leva um planador para a festa. Ele se afasta da casa e encontra um caça derrubado em um campo nos arredores. A cena, apesar de se passar no mundo "real", é claramente montada do ponto de vista fantasioso do menino. Ele ainda está com a família e vive em berço de ouro, em uma casa cheia de empregados e luxos. Jim lança o planador no ar, entra no caça derrubado e, acompanhado pela trilha de John Williams,  enfrenta o avião de brinquedo, fingindo atirar com as metralhadoras do caça. É uma guerra de mentira, uma fantasia do garoto transformada em realidade através da competência de Spielberg em lidar com os fundamentos do cinema, criando uma batalha aérea através de movimentos de câmera (fotografia de Allen Daviau), edição cuidadosa (do colaborador habitual, Michael Kahn) e da música de John Williams. A fantasia termina quando, ao ir buscar o planador do outro lado de um monte, Jim dá de cara com um grupo de soldados japoneses de tocaia. A cena é tensa, mas Jim não consegue ver o japoneses como inimigos, tamanha é sua admiração por eles. A batalha de fantasia entre Jim e seu avião de brinquedo representa a inocência do garoto, ainda querido por pai e mãe e com tudo a seu favor.

Logo após o bombardeio a Pearl Harbor (dezembro de 1941), os japoneses saíram da tocaia e avançaram sobre Shanghai, expulsando milhares de estrangeiros que ainda estavam na cidade. Entre eles estavam os pais de Jim, que acabam se separando do filho no meio da multidão. A perda da infância de Jim é representada pelo simples plano de um aviãozinho de metal caindo ao chão; o garoto se abaixa para pegá-lo e se solta da mãe. Em desespero, Jim vagueia por Shanghai em busca dos pais, depois vai até sua casa, que foi abandonada às pressas e saqueada pelos empregados. Em longas e elaboradas cenas, Spielberg mostra como o garoto tenta manter alguma "normalidade" dentro casa vazia, comendo o que restou dos mantimentos sentado civilizadamente à mesa. Quando o "tic-tac" do relógio para, porém, um close no rosto do garoto mostra que uma parte da vida dele morreu para sempre. É hora de crescer.

Ele volta a Shanghai, onde conhece Basie (o grande John Malkovich), um aventureiro americano que fica impressionado com a educação do menino, que usa palavras rebuscadas ("Opulence", repete Malkovich, rindo sozinho). A atenção do americano, porém, não pode ser confundida com amizade. Ele tenta vender o garoto no mercado negro, mas ele está tão fraco que ninguém o quer. Jim e Basie acabam capturados pelos japoneses e enviados a um campo de prisioneiros, onde acontece a segunda cena chave do filme.

Outro avião

A chegada de Jim ao campo de prisioneiros é outra sequência cuidadosamente encenada por Spielberg. O que poderia ser um momento trágico para o garoto acaba sendo visto pela mente do menino como um momento mágico. O campo de prisioneiros fica ao lado de uma pista de onde partem vários caças "Zero", e a visão de um deles atrai Jim como uma mariposa a uma lâmpada. Spielberg aumenta a carga visual e emocional da cena colocando centenas de faíscas saindo do avião, do qual Jim se aproxima com reverência. Ele estende as mãos mas mal consegue tocá-lo. O Sargento Nagata (Masato Ibu) grita com o garoto e chega a destravar a arma, quando sua atenção é desviada pela chegada de três pilotos kamikaze, vestindo seus uniformes. É um momento especial para Jim, que faz continência para os pilotos, que se perfilam e respondem à saudação. Ao fundo, pode-se ver o Sol vermelho no horizonte.



Algumas cenas antes, Jim corria pelas ruas de Shanghai gritando "eu me rendo" aos soldados japoneses que ele encontrava. Não era só um pedido de ajuda, mas de atenção. O menino que tinha tudo, de repente, era invisível em meio ao caos da guerra. A continência trocada entre Jim e os pilotos japoneses é a típica cena "spielberguiana" de ação e reação, mensagem e feedback. De elicitar a empatia do público. Para Jim, significa ser aceito entre os ases da aviação que ele tanto venerava.

Cadilac dos Céus

Jim passa três anos no campo de prisioneiros, procurando se manter ocupado. Ele auxilia o Dr. Rawlins (Nigel Havers) no hospital do campo, ajuda o Sr. Maxton (Leslie Phillips) na fila das refeições e cuida de diversas tarefas para Basie, que se tornou uma espécie de líder informal dos americanos internados no campo. A relação de Basie e do garoto continua ambígua. Jim admira a esperteza do americano, que retribui tratando o garoto não como uma criança, mas (aparentemente) como a um igual. Jim rouba sabonetes do Sargento Nagata, alimentos da horta do hospital e cuida da roupa do americano, que retribui não só com revistas "Life", mas permitindo que o garoto participe da sua zona de influência. Quando Basie quer descobrir se o campo além da cerca é minado, no entanto, ele não hesita em enviar Jim em uma missão potencialmente suicida, sob o pretexto de instalar umas "armadilhas" para apanhar pássaros. Outra figura importante para Jim é a Sra. Victor (Miranda Richardson), que Jim vê como um misto de mãe e figura sexual. Há uma cena rara na carreira de Spielberg em que ele mostra Jim, à noite, espiando a Sra. Victor fazendo amor com o marido.

Com a aproximação do final da guerra, aviões americanos são vistos com frequência cada vez maior sobrevoando o campo de prisioneiros. Uma das sequências mais famosas e ambiciosas do filme começa com o nascer do Sol, símbolo do Império do Japão que Spielberg faz questão de enquadrar em momentos chave da trama. Jim havia sido expulso por Basie do alojamento americano; triste e ressentido, ele assiste a uma cerimônia de graduação de pilotos kamikaze do outro lado da cerca. Ele então começa a cantar uma música dos tempos do coral na escola (Suo Gan, tradicional cantiga de ninar do País de Gales), que John Williams mescla à trilha do filme. Os caças japoneses parecem bailar no céu, em frente ao Sol, quando começa o ataque americano.



Jim sobe em um dos prédios abandonados para ver de perto os Mustang P-51, os elegantes caças americanos que realizam o ataque. Spielberg rodou a sequência em um take, utilizando várias câmeras rodando ao mesmo tempo (segundo o documentário "Uma Odisseia na China", que conta o making of do filme, Christian Bale ficou tão impressionado com os aviões que se esqueceu de interpretar; seus closes foram filmados pelo próprio Spielberg rapidamente, em seguida, para se aproveitar da fumaça e do fogo do cenário).

A liberação do campo é, também, a libertação de Jim. Sua devoção pelos ases japoneses é transferida para os pilotos americanos e seus poderosos P-51, que o garoto chama, aos gritos, de "Cadilac dos céus". E aqui também, claro, Spielberg faz um diálogo cinematográfico. Quando Jim está no alto do prédio ele vê um P-51 vindo em sua direção. O piloto, de dentro do avião, também o vê e acena para ele. Jim grita em puro êxtase cinematográfico.




É, também, o momento em que ele volta à realidade; ao ser confrontado pelo Dr. Rawlins, Jim confessa que não se lembra como eram seus pais. Vale lembrar que Christian Bale, que se tornaria um astro no futuro, tinha apenas 13 anos na época e apresenta uma interpretação impressionante.

The End

O filme, provavelmente, deveria ter terminado por aqui, ou um pouco mais para frente. Mas este é um filme de excessos, lembram-se? "Império do Sol" ainda estica por um longo tempo, mostrando o êxodo dos prisioneiros pela China, a descoberta de um estádio cheio dos artigos de luxo saqueados das casas dos britânicos, a morte da Sra. Victor, a explosão da bomba de Nagazaki, a volta de Jim para o campo e assim por diante. Spielberg estava inspirado. Quando finalmente Jim encontra com os pais e a mãe lhe dá um abraço, um close nos olhos do garoto não mostram uma criança, mas um homem velho, que passou pelo inferno para conseguir sobreviver e, finalmente, voltar ao lar.

"Império do Sol" pode não ser tão redondo como "E.T.", divertido como os filmes de Indiana Jones ou relevante quanto "A Lista de Schindler" mas, em meio a todos os seus excessos, é um dos trabalhos mais impressionante da carreira de Steven Spielberg. A perda da inocência tanto de Jim quanto de Steven Spielberg (que passaria a fazer filmes considerados mais "sérios" dali para a frente) é lenta e dolorosa, mas cinematograficamente espetacular.

Câmera Escura

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Flores do Oriente


Christian Bale se afasta do papel na série "Batman" para atuar neste drama de guerra do diretor chinês Zhang Yimou, de "Lanternas Vermelhas" (1991), "Herói" (2002) e "O Clã das Adagas Voadoras" (2004) . "Flores do Oriente" é passado durante a invasão japonesa à cidade de Nanquim, na China, em 1937. O episódio está entre os mais brutais da história, e até hoje os japoneses são acusados pelos estupros e barbaridades cometidos à época.

Durante a investida, um grupo feminino de estudantes se refugia na catedral católica, assim como várias prostitutas da cidade. Bale interpreta um americano que estava em Nanquim na época da invasão e que também se refugia na catedral. Ele trabalha como preparador e maquiador de corpos para uma funerária, e havia sido contratado pela igreja para sepultar o antigo padre da catedral. O filme se passa quase todo nesta igreja e nas ruas em volta, e o roteiro trata principalmente do contraste entre as inocentes garotas do convento e a sofisticação das prostitutas. Bale, no centro, se transforma de um bêbado depravado em um homem de princípios. Quando um grupo de japoneses invade a catedral e tenta estuprar as estudantes, ele os enfrenta usando as roupas do padre, com isso ganhando o respeito tanto das meninas quanto das prostitutas.

O filme é bastante violento, mostrando cenas de soldados matando civis a golpes de baioneta, estupros, assassinatos, tudo com muito sangue. Zhang Yimou, conhecido por grandes proezas visuais (principalmente em "O Clã das Adagas Voadoras"), está mais contido neste filme; há um plano sequência impressionante que mostra os japoneses perseguindo duas prostitutas pelas ruas destruídas de Nanquim mas, de resto, o filme é bem clássico. Só que, conforme o roteiro avança, o dramalhão aumenta consideravelmente.  Os japoneses são mostrados como assassinos sádicos. Mesmo uma cena bastante bonita em que um oficial japonês canta uma canção nostálgica sobre a terra natal, e outra em que ele assiste a uma apresentação das estudantes servem apenas como pretexto para revelar um plano diabólico dos japoneses: eles estariam oferecendo proteção para as garotas apenas temporariamente, aguardando a chegada de uma festa em que, tudo leva a crer, elas seriam estupradas e mortas.

Bale é bom ator, mas sua transformação é muito rápida. Seu personagem passa a impressão de ter sido criado apenas como chamariz de bilheteria. O final é cheio de bons princípios e atitudes heroicas por parte dos chineses, mas o filme (escolhido pela China para tentar uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro)  acaba com um toque de melodrama exagerado, que agrada parte do público. Visto no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

sábado, 28 de abril de 2012

Flor da Neve e o Leque Secreto

Na China do século 19, as mulheres tinham de se submeter a vários costumes. Um deles, bastante cruel, era a deformação dos pés das meninas para que coubessem em minúsculos sapatos, o que era considerado elegante e adequado para que conseguissem um bom casamento. Outro costume era chamado de "laotong", que era uma espécie de compromisso oficial feito entre duas garotas, que assim se tornavam "irmãs" para toda a vida.

"Flor da Neve e o Leque Secreto", do diretor Wayne Wang, conta a história de quatro mulheres chinesas em dois períodos históricos distintos. A primeira se passa no século 19 e mostra como as meninas "Flor da Neve" (Gianna Jun) e "Lírio" (Bing Bing Li) se submeteram a estes dois rituais. A outra história é passada na Shangai dos dias de hoje e mostra as mesmas atrizes interpretando mulheres modernas que, por opção, também seguem o costume do "laotong". Nina (Li) é uma bem sucedida executiva que está para se mudar para Nova York quando sua amiga Sophia (Jun) sofre um acidente de trânsito e vai parar no hospital. Nina decide ficar em Shangai ao lado da amiga e o filme parte para uma série de flashbacks que contam tanto a história de Nina e Sophia quanto de Flor da Neve e Lírio.

Apesar da bela fotografia de Richard Wong e direção de arte de Molly Page, o vai e vem entre os séculos 19 e 21 não funciona. As cenas no passado soam mais verossímeis (já que as mulheres tinham de se submeter a costumes antigos) do que as do presente. Fica muito vago qual tipo de relacionamento Nina e Sophia têm no presente. São apenas amigas ou há algo mais? E se há, por que não assumir o fato, ao invés de se ficar com eufemismos como "irmã" ou "melhor amiga"? O problema é que os roteiristas quiseram manter uma ligação artificial entre a situação das mulheres do passado com as do presente (segundo este verbete da Wikipedia, o livro original de Lisa See não tem a parte morderna, que foi introduzida pelos roteiristas do filme). Para piorar, há um sentimentalismo piegas reforçado pela trilha sonora melosa de Rachel Portman. PS: Hugh "Wolverine" Jackman aparece brevemente como o namorado de Sophia. Visto como cortesia no Topázio Cinemas, Campinas.

Câmera Escura

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Kung Fu Panda 2

"Kunf Fu Panda 2" é um avanço considerável em relação ao primeiro filme, tanto tecnicamente quanto em roteiro. Sim, é um filme infantil do século 21, o que significa inevitáveis piadas escatológicas. Neste episódio descobrimos as origens de Po, o urso panda que se tornou mestre de kung fu e que pensava ser filho de um ganso (que surpresa, ele não é).

O malvado mestre Shen, um pavão com penas afiadas, descobriu que a pólvora pode ser usada não só para fazer fogos de artifício e criou armas de guerra que, aparentemente, podem acabar com o Kung Fu. Só há um problema; uma cabra, prevendo o futuro, disse que Shen seria destruído por uma criatura preta e branca. Em uma clara referência bíblica, Shen envia seus lobos para matar todos os ursos pandas do reino, o que força a mãe de Po a colocá-lo em uma cesta, que vai parar em um rio e, finalmente, no restaurante do Ganso. Qualquer semelhança com Moisés não é mera coincidência. Estas cenas são visualizadas em belas animações que simulam o 2D tradicional, contrastando bem com a rica animação tridimensional com que é feito o filme.

Há muita "filosofia de biscoito da sorte", dita principalmente pelo mestre Shifu (voz original de Dustin Hoffman), que ensina a Po que ele deve encontrar sua "paz interior". A animação em computação gráfica chegou a um nível de refinamento que nos faz esquecer que estamos vendo um conjunto de "pixels" se movendo na tela e, lição que a Pixar vem dando há muito tempo, o cuidado com o roteiro ajuda muito a envolver o público. Po e seus amigos (uma tigreza, um louva-deus, uma garça, um macaco e uma cobra, todos mestres em seus estilos de Kung Fu, claro) vão até Gongmen City tentar libertar a cidade das garras (ou penas) de Shen, impedir seus planos de dominar a China e, de quebra, restaurar a honra do Kung Fu.

O roteiro tem humor na dose certa, bons personagens e cenas de ação e luta que certamente farão a alegria da criançada. Os adultos podem aproveitar o visual requintado e algumas boas piadas. A produção é da Dreamworks Animation, com direção de Jennifer Yuh Nelson.


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Karate Kid

Em 1984, o diretor John G. Avildsen usou sua experiência adquirida em “Rocky” (1976), com Sylvester Stallone, para fazer outro tipo de “filme de luta”. Baseado em um personagem em quadrinhos, “Karate Kid” era um bom filme “família” que contava a história de Daniel Larusso (Ralph Macchio) e sua amizade com um zelador japonês, o Sr. Miyagi (Pat Morita), que lhe ensinava karatê. O filme fez grande sucesso e gerou algumas continuações, das quais apenas “Karate Kid II” ainda tinha algo para dizer. Nos violentos anos 80, com seus “Rambos” e “Rockys”, “Karate Kid” se destacava ao falar sobre usar as artes marciais apenas para se defender.

Vinte e seis anos depois, o personagem está de volta, repaginado. Estamos no século XXI e o “futuro” agora está na China. A noção de adolescência também mudou, e o novo Karate Kid se transformou em um garoto negro de 12 anos chamado Dre Parker. Ele é interpretado por Jaden Smith, filho de Will Smith e Jada Pinkett Smith. A mãe de Dre (Taraji Henson) foi transferida para um trabalho na China e os dois partem para o país de Mao, uma surpreendente economia capitalista em um país comunista. É patente o lado “relações públicas” de algumas cenas. A vizinhança para onde Dre e a mãe se mudam é uma China idealizada, com crianças jogando basquete na praça e velhos fazendo exercícios. Não há nada culturalmente diferente na tela, e Dre já está jogando basquete alguns minutos depois que chegou ao país. Quando o zelador lhe explica que a eletricidade do chuveiro é controlada, o garoto lhe diz que isso não existe nos Estados Unidos. Ao que o zelador responde “desligue o interruptor e salve o mundo”, em uma mensagem ecológica. Vinda de um dos países mais poluidores do mundo, a frase parece ter sido escrita por algum relações públicas.

Política à parte, o filme é bastante envolvente. Jaden Smith, apesar de ter herdado vários maneirismos do pai, é basicamente um garoto comum. Atraído por uma garota, ele é atacado por um garoto valentão simplesmente por conversar com ela. Ele leva uma surra e Smith não tem vergonha de mostrar lágrimas de dor. Sua situação fica pior ao descobrir que o valentão estuda na mesma escola, e Dre passa por humilhações e surras diárias. Um dia ele é salvo pelo Sr. Han (Jackie Chan), o zelador do prédio, que se revela um mestre em kung-fu. Algumas cenas e diálogos foram tirados diretamente do “Karate Kid” original, como a cena em que o Sr. Han e Dre vão conversar com o cruel professor de kung-fu do garoto. O Sr. Han consegue uma “trégua” nas surras de Dre, desde que ele participe do torneio de kung-fu que vai ocorrer meses depois.

Sim, kung-fu. “Karate Kid” é apenas o nome da “marca” que vai atrair os fãs dos filmes originais. Jackie Chan, que já está com 56 anos, interpreta o Sr. Han de forma surpreendente. Sempre sério, Chan não se parece em nada com os personagens que costumava interpretar em seus filmes de artes marciais ou em comédias americanas. Há uma bela cena (também baseada em passagem do original), que o Sr. Han conta a Dre sobre a morte precoce da esposa e do filho pequeno. Há também boas passagens de amor adolescente entre Dre e uma garota chinesa e várias sequências turísticas mostrando as paisagens da China. É difícil acreditar que um zelador tivesse acesso à Muralha da China para treinar seu aluno, por exemplo, mas é esteticamente bonito.

A duração, com duas horas e vinte minutos, é excessiva. Produzido por Will Smith e a esposa, a sensação que dá é que nenhuma cena interpretada pelo filho deles foi cortada, e ele está em praticamente todos os planos. E quando o torneio chega, mesmo os que não viram o filme original sabem o que vai acontecer, mas torcemos por Dre da mesma forma.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Patrulha da Montanha

Boa opção para se checar em DVD é "Patrulha da Montanha", filme chinês escrito e dirigido por Lu Chuan. Ele trata de um grupo de voluntários que vive em uma região da China chamada de Kekexili, onde caçadores ilegais estão dizimando a população de antílopes, por causa de sua pele. Um homem chamado Ri Tai (Duo Bujie) formou esta patrulha para combater os caçadores e preservar os antílopes a todo custo, mas a luta já custou a vida de um de seus homens. A imprensa de Pequim envia o repórter Ga Yu (Zhang Lei) para cobrir a história. Ele é recebido pelo grupo de Ri Tai e já na manhã seguinte eles partem para mais uma patrulha em busca dos caçadores ilegais. Ga Yu fica fascinado com o grupo e seu senso de camaradagem, e com a determinação de Ri Tai em achar os caçadores. Tal determinação vai levá-los a uma jornada árdua e perigosa pelas paisagens da região de Kekexili, no platô tibetano.

Passado na década de 1990, o filme é baseado em uma patrulha real que existiu entre os anos de 1993 e 1996. O combate contra os caçadores ilegais e a reportagem de Ga Yu acabou por forçar o governo chinês a transformar a área em parque nacional. O filme tem por vezes um tom documental, mas é também extremamente cinematográfico. Ri Tai e seus homens encontram um grupo que trabalhava para os caçadores, tirando as peles dos antílopes abatidos. Um senhor do grupo explica ao repórter que ele era um pastor, mas que a desertificação da região matou o pasto e o gado, forçando-o a colaborar com os caçadores. Há algo de mambembe no modo como a patrulha é filmada prendendo estes homens, tendo que tirar as calças para atravessar um rio gelado antes de chegar a eles, por exemplo.

A dedicação de Ri Tai se transforma aos poucos em obsessão em achar os caçadores. Seu equipamento e seus homens, aos poucos, começam a quebrar e a fraquejar e vão ficando pelo caminho, mas ele persiste. Lembrei-me do clássico "Rastros de Ódio", de John Ford. O repórter se torna, na prática, membro da patrulha e acompanha Ri Tai até o final.
Com enxutos 88 minutos, o filme soa honesto o tempo todo, e é implacável nos momentos de violência, seja contra animais ou homens. O deserto é como um outro personagem, belo e fascinante, mas também implacável com quem se descuida.