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terça-feira, 4 de outubro de 2016

Avenida ("Boulevard", 2014)

Havia o Robin Williams comediante, com sua performance acelerada, as frases saindo como uma metralhadora, os movimentos ágeis, as dezenas de vozes diferentes, o humor ácido e contundente, de filmes como "Bom dia, Vietnam", "Alladin", "Uma Babá Quase Perfeita" e "Jumanji". Havia também outro Robin Williams, de voz suave e paternal, o olhar triste e introspectivo, que interpretava o professor de "Sociedade dos Poetas Mortos", o psiquiatra de "Gênio Indomável", ou o viúvo trágico de "Amor Além da Vida". E havia ainda outro Robin Williams, pouco conhecido do grande público, que era o ator que se arriscava em filmes independentes como "Retratos de uma Obsessão", "Violação de Privacidade" e "O Melhor Pai do Mundo".  Todos estes personagens encontraram um fim trágico em agosto de 2014, quando o corpo do comediante foi encontrado em sua casa, aparentemente vítima de suicídio.

Um de seus últimos filmes, "Boulevard" (a Netflix exibe o filme com o título de "Avenida") traz Williams em um de seus papéis arriscados. Ele interpreta Nolan Mack, um bancário que trabalha há 26 anos na mesma agência, almoça sempre no mesmo lugar e está casado com a mesma mulher (a ótima Kathy Baker) há décadas. Ele parece o marido ideal. É carinhoso com a esposa, lhe leva café na cama, prepara jantares e até lava a louça. Nolan cuida do pai doente em uma casa de repouso e é tão profissional que o gerente do banco está preparando uma promoção para ele.

As coisas, porém, não são exatamente o que parecem. Nolan esconde de todos, até dele mesmo, um segredo; Nolan é gay. Uma noite, voltando da casa de repouso do pai, ele para em um semáforo e é atraído por um garoto de programa chamado Leo (Roberto Aguire). Ele leva o rapaz até um motel mas, apesar da disposição do garoto, Nolan quer "apenas conversar". Os dois começam um "relacionamento" baseado não só na enorme carência de Nolan mas também no seu dinheiro. Leo tenta manter as coisas de forma "profissional" mas, aos poucos, parece corresponder ao interesse de Nolan, que é uma mistura de desejo físico (apesar de quase platônico) e uma preocupação paternal pelo rapaz. A esposa, em casa, finge que não sabe o que está acontecendo, apesar deles dormirem em quartos separados e do marido tratá-la com muito respeito e carinho, mas nenhum (por falta de uma palavra melhor) "tesão".

O filme, escrito por Douglas Soesbe e dirigido por Dito Montiel, é lento e melancólico. Robin Williams carrega o filme nas costas, auxiliado pelo competente elenco (que também conta como Bob Odenkirk, de "Better Call Saul"). O fato de sabermos que foi o último papel de Williams empresta ao personagem ainda mais melancolia e peso. Robin Williams fala pouco, se movimenta devagar e está bem diferente do que se espera dele, mas é uma bela interpretação. O roteiro vai em um crescendo que, infelizmente, leva a um final que me pareceu fácil demais.

Um filme pequeno, bem dirigido e interpretado, que talvez será mais lembrado pela despedida precoce de Williams do que por sua trama. Disponível na Netflix.

João Solimeo

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Felicidade (Glück, 2012)

Difícil definir este filme da diretora Doris Dörrie, do poético "Hanami - Cerejeiras em Flor". Em exibição na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, "Felicidade" provocou as mais diversas reações, de lágrimas de tristeza a gritos abafados de aversão. Não é um filme comum. Alba Rohwarcher (de "Que mais posso querer", "Um Sonho de Amor") é Irina,  uma refugiada de guerra que, após ser estuprada e ver os pais serem mortos, foge para Berlim, Alemanha. Para sobreviver, ela se torna uma prostituta, ganhando 50 euros por programa. Nas ruas ela conhece um rapaz chamado Kalle (Vinzenz Kiefer), que vive de pequenos furtos e esmolas, e nasce um amor quase infantil entre eles. Ela se recusa a falar sobre o passado trágico e ele finge não ligar para o fato de que ela transa com outros homens para ganhar a vida.

Há uma cena terna quando um confessa ao outro que nunca havia estado com outra pessoa por amor antes e, por  um bom tempo, o filme parece que vai ser um romance dramático com momentos de comédia. Irina e Kalle se mudam para um apartamento novo, que ela decora com simplicidade; ele arruma um emprego como entregador de jornais, os dois passeiam pela cidade, brincam no playground e jantam pão de forma com mel todas as noites. Interessante o modo como o filme detalha o tipo de vida dupla e pragmática que levam Irina e Kalle. Toda manhã ela "expulsa" o companheiro do apartamento e, rapidamente, transforma a si mesma e ao ambiente; o quarto aconchegante e familiar se torna "sexy" (naquela forma cafona e distorcida do sexo pago) com a mudança sutil de uma cortina e na iluminação avermelhada.

E, então, o filme dá uma reviravolta bizarra, com uma sequência tarantinesca de violência explícita que rendeu ao filme a classificação etária de 18 anos. Sem revelar detalhes, o fato é que por todo o cinema escutavam-se gemidos e risos nervosos e se viam pessoas tampando os olhos com as mãos. É uma cena gratuita? Depende. O tema do filme é até que ponto alguém iria para não perder o amor da sua vida. Qual o limite? Doris Dörrie faz um filme ousado, um romance terno, violento e chocante como a vida de seus personagens.

Câmera Escura

domingo, 29 de janeiro de 2012

L´Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância

Na virada do século 19 para o século 20, um grupo de mulheres vive e trabalha em um bordel de luxo chamado L´Apollonide. A maioria veio de casas menores e trouxeram com elas dívidas que, em princípio, serão pagas com o trabalho; na prática, poucas acreditam que um dia vão deixar aquela vida. "Casa de tolerância" de luxo ou não, os problemas destas mulheres não são diferentes dos de qualquer prostituta. Solidão, condições de trabalho humilhantes, doenças, exploração financeira e risco de violência.

Escrito e dirigido por Bertrand Bonello, o filme é fotografado como se fosse um quadro impressionista. Bonello se baseou em quadros de Toulouse-Lautrec e seu diretor de fotografia, Josée Deshaies, compõe planos iluminados à luz de velas, com efeito impressionante. O roteiro começa em um momento de prosperidade e paz no bordel e vai, gradualmente, mostrando sua decadência. A edição é não-linear e o filme, às vezes, começa uma sequência pelo seu final, para em seguida mostrar o início. Há muita nudez e cenas de sexo, embora o objetivo do filme não seja a pornografia. Tem-se a impressão de se estar assistindo a um documentário filmado no início do século 20; Bonello mostra o cotidiano de várias mulheres, em horário de trabalho ou fora dele. Uma garota chamada Pauline (Iliana Zabeth), é alfabetizada e escreve uma carta para a "madame" do bordel, Marie-France (Noémie Lvovsky), pedindo para ser contratada. Primeiro ela precisa pegar uma autorização na prefeitura e passar por um exame médico para trabalhar como prostituta. Ela então é educada pelas outras garotas sobre como se vestir, se comportar e manter a higiene. Há também um momento de extrema violência, quando Madeleine (Alice Barnole) tem o rosto cortado por um cliente; ela então se transforma na "garota que sempre ri", por causa do formato que fica sua boca. O filme explora as fantasias da clientela masculina. Todos ricos, há desde o senhor que é velho demais para o sexo e que se contenta em pagar para ver uma garota nua até os que querem fantasias elaboradas como transar em uma banheira cheia de champanhe ou querem que a prostitua assuma o papel de uma boneca, ou de uma gueixa.

O diretor comete algumas ousadias que nem sempre funcionam. A fotografia deslumbrante por vezes é maculada por uma tela dividida em quatro partes que é muito moderna; algumas canções de rock e blues, cantadas em inglês, causam estranheza na trilha sonora. Lento e melancólico, o filme parece mais longo do que seus 122 minutos de duração. Apesar destes poréns, é um filme sensível e muito bem feito. A cena final, transportada para o mundo atual, é muito bem utilizada.  Visto no Topázio Cinemas.


domingo, 27 de novembro de 2011

O Céu sobre os Ombros

Mistura de ficção com documentário, "O Céu sobre os Ombros" não é um filme amigável. Não há  preocupação em apresentar os personagens ou situar o espectador. Não há trilha sonora, a não ser uma ou outra música que esteja tocando no rádio (como "Beautiful Girl", do INXS, ou "Eye in the Sky", de Alan Parsons). A câmera é geralmente parada, a fotografia naturalista. Quem são estas pessoas?

Misturar documentário com ficção não é novidade. O mestre Eduardo Coutinho já o fez bem em "Jogo de Cena" e "Moscou", por exemplo. Aqui, o diretor Sérgio Bórges usou sua experiência em curta-metragens e filmes experimentais para mostrar a vida de três pessoas incomuns de Belo Horizonte. Evelyn é uma transexual que faz mestrado na UFMG, dá aulas sobre sexualidade e, à noite, é prostituta (ou como ela mesmo se define, "puta"). Há longas cenas de nudez da personagem que é meio homem, meio mulher e que, na vida, também é dividida. Como conciliar o nível cultural de uma mestranda com alguém que faz programas baratos à noite? "Oral é dez, completo é trinta", diz ela a um cliente.

Há um escritor negro, Lwei (que também passa grande parte do filme andando nu pelo apartamento), que nunca conseguiu terminar um livro. Em longos monólogos para uma companheira que não diz uma palavra, ele explica que precisa de tempo para ficar satisfeito com seus textos. Compara-se a Leon Tolstoi, que teria escrito e reescrito "Guerra e Paz" várias vezes. Ele tem um filho com problemas mentais que lhe causa um "paradoxo"; não se sente bem quando está com ele, sente falta quando não está. Nunca trabalhou e é sustentado pela mãe e pela mulher.

O terceiro personagem, Murari, também é paradoxal. Ao mesmo tempo que é devoto de Hare Krishna e tenta seguir os ensinamentos de paz interior, é membro da torcida organizada do Atlético Mineiro. A cena mais movimentada do filme se passa dentro do "Mineirão", com a câmera focada apenas no rosto dos torcedores, que entoam gritos de guerra nada parecidos com os cânticos Hare Krishna.

Os personagens nunca se encontram, mas há alguns pontos em comum, como a solidão, a vontade de ser melhor e uma curiosa mistura da erudição com o mundano. As dificuldades financeiras existem, mas não são prioritárias. O amor é citado mas, na prática, é em buscar do prazer que os personagens parecem caminhar.  Não é um filme fácil e certamente vai desagradar às grandes plateias. Pesquisando na internet é possível encontrar um universo expandido do filme, principalmente na página no Facebook e no site oficial. Há diversos vídeos mostrando cenas que não estão no original. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


domingo, 30 de agosto de 2009

Confissões de uma garota de programa

Chelsea é bonita, elegante, arrumada. Tem fala mansa, é educada e escuta as pessoas falarem de seus problemas. Ela mora com Chris, seu namorado, que é um personal trainer. Chelsea é uma garota de programa.

O filme é dirigido por Steven Soderbergh, que tem uma carreira singular. Ele surgiu para o mundo com o "cult" "Sexo, Mentiras e Videotape", que ganhou o Festival de Cannes em 1989. De lá para cá, tem misturado filmes de puro entretenimento, como a série Onze, Doze e Treze "Homens e um Segredo", com filmes um pouco mais ambiciosos, como "Traffic" (2000, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor), "Erin Brockovitch" (no mesmo ano, dando o Oscar de Melhor Atriz para Julia Roberts), e a refilmagem de "Solaris" (2002). Técnico competente, ele é também Diretor de Fotografia e operador de câmera de vários de seus filmes, além de editor e músico.

O título brasileiro, apesar de correto, é enganador. Sim, temos "confissões de uma garota de programa", mas o espectador não deve esperar algo "picante" ou no estilo "Bruna Surfistinha". O título original, "The Girlfriend Experience", é mais interessante. Em um mundo sexualmente liberal (e até libertino) como o nosso, em que algumas pessoas "ficam" com várias outras em curto espaço de tempo, se envolvendo não só amorosamente mas fisicamente, o que significa ter um namorado ou namorada? O filme de Soderbergh não é só sobre Chelsea, mas também sobre seu namorado e, sim, sobre seus clientes. Vários sequer fazem sexo com ela durante os encontros. Eles vão ao cinema, jantam em restaurantes caros, conversam sobre os problemas de uma economia em crise. Para adicionar um toque ainda mais realista ao ar documental da produção, Soderbergh escolheu a atriz de filmes pornô Sasha Grey para viver Chealsea. Não que isso signifique, novamente, cenas de sexo picantes (o filme é bem comportado, aliás). Mas a presença de Grey aumenta o contexto extrafilme para o espectador, que vê aquela garota elegante e imagina como, ou porque, ela faz aquele trabalho (e é simples ver, em sites especializados, Grey trabalhando em outros papéis).

Não linear, a história acompanha a vida da garota em Manhattan, Nova York. Muito bem paga, ela está sempre impecavelmente vestida (mesmo quando está pouco vestida) e em várias etapas de negociação. De fato, dá a impressão que todas as personagens do filme estão negociando alguma coisa. Há algo de irônico no fato de que as negociações da garota de programa parecem bem mais simples e melhor resolvidas que dos vários executivos mostrados no filme. Eles estão sempre reclamando da queda nos lucros e imaginando o pior, mesmo que não abram mão de viagens em jatinhos para Las Vegas ou dos caros serviços das garotas de programa. Há espaço para o amor nesse tipo de mundo? Christine (o nome verdadeiro de Chelsea) mora com o personal trainer Chris (Chris Santos) que aparentemente não se incomoda com a profissão da namorada. Mas há regras. Christine não quer que ele vá para Las Vegas sozinho em uma viagem de executivos. E ele fica muito incomodado quando ela diz que vai passar um final de semana com um cliente que pode significar "algo mais" para ela.

Com 78 minutos, é um filme curto, cujo formato de falso documentário e passo lento não agradou muito a platéia (houve várias desistências durante a projeção). Incautos, provavelmente esperavam cenas "quentes", quando o que vemos na tela é um curioso e sensível quadro do mundo moderno, frio e calculista.


quarta-feira, 23 de abril de 2008

Irina Palm



eufemismo
eu.fe.mis.mo

sm (gr euphemismós) Figura de retórica pela qual se suavizam expressões tristes ou desagradáveis empregando outras mais suaves e delicadas. Ex: Este trabalho poderia ser melhor (em vez de está ruim).

Em uma cena de “Irina Palm”, é usando de um “eufemismo” que o personagem Miki explica para uma respeitável senhora o que o trabalho de “atendente” implica. E desconfio que para escrever este texto eu também terei de usar de vários eufemismos. Maggie (interpretada por Marianne Faithfull) é uma senhora inglesa tradicional. Viúva, é dedicada ao filho único Tom (Kevin Bishop), sua nora Sarah (Siobhan Hewlett) e ao neto querido, Ollie (Corey Burke). O problema é que Ollie se encontra internado no hospital sofrendo de uma doença grave e fatal. Se ele não receber um tratamento novo desenvolvido na Austrália, ele morrerá. O tratamento é gratuito, mas como pagar os altos custos de transporte e estadia do outro lado do mundo? Maggie tenta um empréstimo no banco, mas é recusada. A mesma resposta negativa recebe de uma agência de empregos. Andando pelas ruas de Londres, ela se depara com uma oferta de “atendente” em um clube privado, acreditando se tratar de trabalho de limpeza. O dono do clube é Miki (Miki Manojlovic, que eu achei muito parecido com o falecido Walter Matthau), que explica o “eufemismo” do início do texto. Maggie é obviamente muito velha para trabalhar como prostituta, mas Miki nota que ela tem mãos muito macias e suaves, que seriam apropriadas para determinado tipo de “trabalho manual”. A princípio Maggie se recusa, mas como conseguir levantar as seis mil libras necessárias para salvar a vida do neto?
“Irina Palm” é dirigido por Sam Garbarski de forma ao mesmo tempo chocante e suave. Não há como não sentir certo horror à situação proposta pelo roteiro, mas o filme usa de ângulos criativos para esconder o “ato” em si (mas não foge dele). Maggie tem como “professora” uma jovem chamada Luisa (Dorka Gryllus, excelente) que, pragmática, explica como se deve apertar o botão vermelho e aguardar que o próximo cliente coloque o “membro” por um buraco na parede, como lubrificar as mãos, e assim por diante. Bizarro? Sem dúvida, mas mais bizarro ainda é imaginar que lugares como este existam, e que provavelmente a pessoa do outro lado da parede não seja nenhuma top model, mas uma senhora como Maggie. Enojada de início, Maggie aos poucos vai se mostrando uma “expert” no trabalho e começa a atrair mais e mais clientes. Enquanto isso, suas amigas de carteado e sua família ficam imaginando onde é que ela passa as tardes.
Justiça seja feita à Marianne Faithfull e à sua brilhante interpretação. E não deixa de ser chocante vê-la hoje, com mais de sessenta anos, e comparar com o símbolo sexual que ela era nos anos 60. Ela passa uma determinação e carisma que fazem com que seu personagem se torne crível e interessante. Em um filme com tema menos polêmico ela provavelmente teria recebido uma indicação ao Oscar pelo trabalho. Miki Manojlovic, como o dono do clube, também faz um ótimo trabalho como um homem de negócios seco e direto que, aos poucos, vai se dobrando diante da determinação de Maggie. Mas o roteiro tem seus problemas. A justificativa para a nova “profissão” de Maggie é a doença de seu neto, e os primeiros minutos de filme passam a informação de que ele deve ser tratado urgentemente. O problema é que quando Maggie consegue o dinheiro necessário para as despesas adiantado, esta urgência como que desaparece. Os pais do menino, ao invés de comprarem imediatamente as passagens para a Austrália e partirem, ficam “enrolando” sem motivo e o tempo vai passando.
Não é um filme fácil e, sem dúvida, ele se equilibra em uma linha fina entre o bizarro e o dramático. Mas há espaço até para o humor em algumas situações passadas por Maggie (como quando ela resolve decorar sua cabine como se fosse sua casa) e boas atuações do elenco.