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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Inventando Anna (Inventing Anna, 2022)

Inventando Anna (Inventing Anna, 2022). Netflix. Criada pela celebrada roteirista Shonda Rhimes, "Inventando Anna" é baseada na história real de uma trambiqueira russa chamada Anna Sorokin. Ela chegou em Nova York com sonhos na cabeça e, esperta e com muito senso de moda e negócios, convenceu muita gente da chamada "elite" que ela era uma herdeira alemã, com um fundo de 60 milhões de euros em seu nome que aguardava a liberação do pai.

Na série, Anna é interpretada muito bem por Julia Garner, que está em evidência desde que deu as caras na série "Ozark" (também da Netflix) e alguns filmes, como "A Assistente". "Inventando Anna" até que começa bem e é interessante nos primeiros três ou quatro episódios; o roteiro é uma crítica à sociedade de consumo em que a imagem vale mais do que o conteúdo, e Anna é mestre em passar a imagem certa no lugar certo. O problema é que logo você percebe que o que poderia ser contado em quatro ou cinco episódios é esticado para longos, intermináveis nove episódios de uma hora (ou mais). Confesso que os últimos capítulos eu assisti com o controle remoto na mão, pulando para frente as várias cenas repetitivas. Garner estudou os maneirismos da Anna original e recriou seu estranho sotaque, uma mistura de inglês, alemão e russo, que fica irritante rapidamente.

Pior, o roteiro tenta pintar Anna como uma espécie de vítima da sociedade; há um péssimo episódio em que a jornalista que investiga a história dela, Vivian (Anna Chlumsky), vai até a Alemanha tentar entender o que haveria "por trás" da história da moça, e ficam tentando explicar/justificar os golpes dela com psicologia barata. Vale pelos primeiros episódios (mas se quiser saber como termina, melhor ir na wikipédia do que enfrentar os nove episódios). Tá na Netflix.

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Quanto Vale (Worth, 2021)

Quanto Vale (Worth, 2021). Dir: Sara Colangelo. Netflix. O filme vale pelas interpretações de Michael Keaton, Stanley Tucci e Amy Ryan. Baseado na história de real dos acontecimentos após os atentados de 11 de setembro de 2001, Keaton interpreta o advogado Ken Feinberg; ele foi o responsável por chefiar uma comissão que iria determinar o valor das indenizações que os sobreviventes e suas famílias receberiam do governo americano. A comissão foi criada, também, para evitar que milhares de pessoas abrissem processo contra as companhias aéreas usadas pelos terroristas para derrubar o World Trade Center, em Nova York, e atacar o Pentágono, em Washington.

As melhores cenas envolvem o embate entre Michael Keaton e Stanley Tucci (excelente), que interpreta Charles Wolf; ele havia perdido a esposa no WTC e criado um grupo civil independente que não concordava com os valores determinados pela comissão oficial. Quanto vale uma vida? O valor da indenização deveria ser igual a todos ou variar dependendo da riqueza (ou pobreza) da família da vítima? É possível colocar um valor financeiro da perda de um pai, marido, esposa ou filho? O personagem de Michael Keaton tenta ver tudo de forma racional e matemática enquanto que Stanley Tucci quer que as vítimas sejam vistas como seres humanos, e não números.

O filme não chega a responder direito a estas questões, mas, como disse, vale pelas interpretações. Amy Ryan (sócia de Michael Keaton na firma de advocacia), entrevista pessoalmente dezenas de vítimas e suas famílias e se envolve de forma mais pessoal com seus dramas. O tema ainda é atual. Os atentados completam 20 anos este mês e centenas de bombeiros ainda lutam para receber indenizações por doenças adquiridas durante as operações de salvamento. Tá na Netflix.


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Mais Forte que Bombas (2016)

"Mais forte que bombas" começa com o nascimento de um bebê. Curiosamente, é um filme muito mais sobre morte do que sobre nascimentos. Ou, talvez, seja a respeito de como as memórias fragmentadas da vida de uma pessoa podem gerar a criação de outra.

O bebê é filho de Jonah (Jesse Eisenberg), um professor de sociologia que perdeu a mãe recentemente. Ela era uma grande fotógrafa de guerra chamada Isabelle, encarnada por ninguém menos do que outra Isabelle, a Huppert (de "Elle"). Isabelle morreu em um acidente de carro e deixou para trás o marido Gene (Gabriel Byrne, sempre competente) e os filhos Conrad (Devin Druid) e Jonah.

Uma agência fotográfica de Nova York está organizando uma exposição em homenagem a Isabelle e um antigo colega fotógrafo (interpretado por David Strathairn) vai escrever um artigo sobre ela no "The New York Times". "Eu pretendo escrever a verdade sobre a morte dela", informa o fotógrafo ao marido de Isabelle. Qual verdade? Teria sido a morte dela realmente acidental ou ela teria jogado seu carro contra um caminhão?

O anúncio do artigo gera turbulência na já conturbada família de Gene, Jonah e Conrad. O último era muito jovem quando a mãe morreu e não sabe em detalhes como tudo aconteceu. Tímido e extremamente introvertido, Conrad passa os dias com um fone de ouvido espetado na orelha ou jogando videogames. O pai sofre silenciosa e violentamente tentando achar um meio de se conectar com o filho adolescente. Há uma bela cena em que ele conta para a amante (e professora de Conrad) que ele criou um "avatar" dentro do jogo online onde o filho passa grande parte do dia para  se comunicar com ele. 

O filme é dirigido por Joachin Trier e escrito por Trier e Eskil Vogt. É uma obra de silêncios e muita observação. "É tão difícil assim falar comigo?" perguntam dois personagens em diferentes partes do filme. A montagem é não linear e mistura o presente com diversos flashbacks, memórias e passagens de sonhos. Há diversas narrações que tentam passar o que realmente acontece dentro daqueles personagens, tão fechados e tão sofridos. Huppert passa pelo filme como um verdadeiro fantasma, uma memória que as pessoas ainda tentam manter viva em suas mentes mas que, com o tempo, vai mudando. Em um momento ela parece forte e decidida, em outro uma garota assustada. Há um plano belíssimo em que a câmera apenas fica filmando o rosto de Huppert de frente, que nem mesmo pisca por vários segundos. "Quem sou eu?", a imagem parece perguntar. "Mais forte que bombas" está disponível na Netflix.

João Solimeo

PS: AVISO, TRAILER COM SPOILERS

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Mesmo se nada der certo

Este é daqueles filmes tão "bonitinhos" que está a um passo do piegas. "Begin Again" é escrito e dirigido por John Carney, que em 2006 surpreendeu o mundo com "Apenas uma Vez" ("Once"), filme de baixíssimo orçamento, gravado com câmeras semi-profissionais pelas ruas de Dublin (Irlanda), que caiu nas graças do público e chegou a ganhar um Oscar de melhor canção.

Neste percebe-se a intenção clara de repetir o sucesso anterior com os mesmos elementos: um roteiro simples, fortemente baseado na música, passado nas ruas de uma cidade grande (Nova York), e um romance não convencional. Se não fosse o enorme carisma do elenco (quem não quer ver Mark Ruffalo e Keira Knightley juntos?)  o filme poderia se perder no caminho.

Ruffalo é Dan, um daqueles personagens comuns em filmes americanos, um produtor musical que já foi grande mas agora é o típico looser. Ele mora em um apartamento caindo aos pedaços, dirige um carro antigo, está sempre bêbado e não emplaca um sucesso há anos. Uma noite ele entra em um bar e vê uma bela garota inglesa, Gretta (Keira Knightley, de "Anna Karenina"), cantando no palco. O público não se entusiasma com a apresentação, mas os instintos musicais e empresariais de Dan o fazem querer gravar com ela. O problema é que ele havia sido despedido da gravadora naquela mesma manhã.

A trama é contada de forma não linear, e flashbacks nos mostram como é que Gretta foi parar naquele bar. Ela havia vindo a Nova York com o namorado, um músico em ascensão chamado Dave Kohl (interpretado pelo vocalista do Maroon 5, Adam Levine). Os dois eram como unha e carne, mas o sucesso subiu à cabeça do rapaz, que trai Gretta com uma garota da gravadora.

Assim, os personagens de Ruffalo e Knightley se conhecem quando estão no fundo do poço. Sem nada a perder e usando as novas tecnologias a disposição (em vários merchandisings da Apple), os dois decidem gravar um álbum pelas ruas de Nova York. (leia mais abaixo)


Carney dirige bem mas o filme, por vezes, passa a impressão de ser um "falso indie". Há aquelas inevitáveis montagens em que vemos os músicos gravando em vários pontos da cidade que nunca dorme, na cobertura de prédios, no metrô e até mesmo em barquinhos no Central Park. Tudo muito ensolarado e festivo, quase um institucional do urbanismo eficiente de Nova York.

A trama dá um pouco mais de profundidade ao personagem de Ruffalo, que tem que lidar com a ex-mulher (a grande Catherine Keener) e uma filha adolescente (Hailee Steinfeld, de "Ender´s Game") que se veste como uma garota de programa. Também emulando "Apenas uma Vez", Carney repete com Ruffalo e Knightley o mesmo tipo de amor platônico vivido por Glen Hansard e Markéta Irglova no outro filme. É um recurso que, sem dúvida, gera uma tensão sexual bem vinda, mas a repetição é um pouco frustrante e até previsível.

Apesar de bastante retrô, o filme flerta com conceitos modernos como a disponibilização de músicas na internet e a mudança do modelo econômico das gravadoras. Nada muito profundo, e tudo termina de forma apropriadamente agridoce, nem tão feliz nem triste. É fácil imaginar fãs do filme saindo por aí (de bicicleta, claro), com um iPhone no bolso, escutando a trilha sonora deste filme.

domingo, 6 de junho de 2010

Mary e Max - Uma Amizade Diferente

Em 2003, Adam Elliot ganhou o Oscar de Melhor Curta Metragem de Animação (além de vários outros prêmios, inclusive o Animamundi do Rio de Janeiro) com "Harvie Krumpet", uma história agridoce sobre um personagem com problemas mentais, todo feito com a técnica da "animação de massinhas" (ou claymation). Veja o curta no final deste texto.

Os prêmios e o prestígio conseguidos com o curta abriram caminho para a produção do longa metragem "Mary e Max - Uma Amizade Diferente", em cartaz no Cine Topázio de Campinas. Elliot é daqueles animadores que vão contra a corrente da computação gráfica e, assim como seus colegas da Aardman Animation (a produtora inglesa responsável por Wallace & Gromit), ainda faz seus filmes de forma artesanal, movimentando bonecos e cenários milímetros por vez e fotografando quadro a quadro. O mundo de Adam Elliot é todo particular. Também ao contrário de animações "fofinhas" para crianças, ele cria um quadro bastante adulto (e muito bem humorado) da sociedade, expondo as neuroses do homem moderno, seus medos perante o mundo e um tom geral bem distante das animações estilo Disney (que cumprem seu papel). Tanto que "Mary e Max" é mostrado em versão legendada, destinado a adultos.

O humor negro e visão perturbadora da vida presente em "Harvie Krumpet" retornam em "Mary e Max". O filme toma emprestada a trama de "Nunca te vi, sempre te amei", de 1986, que contava a história de duas pessoas (Anne Bancroft e Anthony Hopkins), em cantos diferentes do globo, que por anos mantiveram uma amizade por meio de cartas. Mary Daisy Dinkle é uma garota de 8 anos que mora em uma cidade pequena na Austrália, com a mãe alcoólatra e o pai taxidermista. Ela tem uma marca de nascença de cor chocolate na testa, usa óculos de grau e é solitária. Sua visão de mundo é distorcida pela história da mãe, que lhe disse que ela foi um "acidente", e do avô, que lhe diz que os bebês são encontrador no fundo de canecas de cerveja. Um dia ela encontra uma lista telefônica de Nova York e, aleatoriamente, resolve escrever para uma pessoa, em busca de amizade. O escolhido é Max Jerry Horovitz, um judeu de 44 anos, obeso, solitário e com muitos problemas. Max explica a Mary que os bebês, nos Estados Unidos, não são encontrados em canecas de cerveja, mas nascem de ovos colocados por rabinos (se forem judeus), freiras (se forem católicos) ou por prostitutas (se forem ateus). Max, um leitor de ficção-científica que nunca dormiu com uma mulher, se considera ateu.

O filme é quase todo sem diálogos, composto pela narração de Barry Humphries e pelas vozes (nas cartas de Mary e Max), de Toni Collette e Philip Seymour Hoffman. O filme é lento e cheio de detalhes irônicos e sarcásticos. Max é um caso típido de depressivo das grandes cidades, solitário e com um problema de peso, do qual ele tenta se curar frequentando reuniões dos "Comedores Compulsivos Anônimos". Mary é a garota feia, tímida e impopular na escola. Ela gostaria de receber mais atenção do pai ausente e da mãe alcoólatra, mas só está feliz quando assiste sua série preferida na televisão, ao lado do galo de estimação e comendo uma lata de leite condensado. A vida de Mary, de oito anos, e a de Max, muito mais velho mas com a idade mental de uma criança, começa a mudar quando eles encontram finalmente um amigo através das cartas. Eles trocam experiências (distorcidas) de vida, receitas de sanduíches de chocolate e leite condensado e tentam, principalmente, encontrar conforto para a solidão.

A animação é elegante, com boa direção de fotografia e cenário rico em detalhes. Há piadas escondidas pelo roteiro e pelo cenário, como o fato do gato de Max se chamar HAL e ter apenas um olho (assim como o computador do filme "2001 - Uma Odisséia no Espaço").



Veja aqui "Harvie Krumpet", curta metragem de Adam Elliot:

sábado, 29 de maio de 2010

Tudo pode dar certo

Fundo preto, letras brancas, trilha sonora de jazz. "Written and Directed by Woody Allen". Simples, direto, familiar. Depois de fazer alguns filmes na Inglaterra e mesmo em Barcelona, Allen volta à velha e conhecida Manhattan para mais uma comédia sobre pessoas extremamente cultas, de classe alta e neuróticas. Allen faz isso há tanto tempo e tão bem que praticamente já criou um gênero próprio, a "comédia de Woody Allen", e os fãs não se cansam disso.

A única coisa que muda é o fato de que o papel de Allen, aqui, é feito por outro ator, Larry David, outro neurótico que foi co-criador e escritor da série de TV "Seinfeld". David está ótimo no papel, usando do recurso de narrar a história olhando diretamente nos olhos do espectador. Ele é Boris Yellnikof, um auto-proclamado gênio que é um especialista em Mecânica Quântica e que já foi considerado para o Prêmio Nobel. Como bom personagem de Woody Allen, Boris é rabujento, hipocondríaco, sofre de síndromes de pânico e se considera acima dos outros pobres mortais. Ele manca de uma perna devido à uma tentativa sem sucesso de se matar pulando da janela (ele aterrisou no toldo do prédio). Uma noite, voltando para casa, ele é abordado por uma jovem "caipira" do Mississippi que lhe pede algo de comer. Ela fugiu de uma cidade pequena e partiu para Nova York em busca da felicidade. Os dois acabam formando um casal improvável, mas divertido. Ele tem um QI de 200, é físico e super qualificado. Ela atende pelo nome de Melody St. Anne Celestine (Evan Rachel Wood) e mal frequentou a escola porque a mãe a vivia colocando em concursos de beleza. Com o tempo e a convivência, porém, os dois acabam encontrando uma vida em comum e chegam até a se casar, para horror da mãe de Melody, Marietta (Patricia Clarkson) que, inesperadamente, chega à Nova York em busca da filha.

Allen usa e abusa de sua habilidade com diálogos que misturam de forma hilária o conhecimento científico de Boris com a ignorância de Melody. Preste atenção quando ela tenta explicar o "princípio da incerteza de Heisenberg" para um jovem ator que se apaixonou à primeira vista por ela. Ou como Allen alfineta a esquerda sulista americana, com seu fanatismo religioso, sua ignorância e intolerância. A "boca suja" de Boris vomita suas idéias pessimistas sobre a natureza humana, sobre a exploração religiosa de Deus, sobre as ilusões amorosas e uma infinidade de assuntos, alguns em debates com outros personagens, outros com o próprio espectador.

O título brasileiro não dá conta de traduzir o original, "Whatever works", que seria melhor traduzido como "O que te fizer feliz". A frase funcionaria melhor com a filosofia tanto de Boris quanto do próprio filme. As mudanças pelas quais passam Melody, sua mãe e, mais tarde, o pai dela, são muito engraçadas. Boris, aparentemente, permanece o mesmo sujeito de sempre, apesar de "amaciado" pelo contato com Melody e mais aberto a aceitar fatos do mundo, como a sorte e o papel do destino. Divertido.


domingo, 27 de setembro de 2009

Amantes

Leonard (Joaquin Phoenix) acompanha Michelle (Gwyneth Paltrow) até o centro de Manhattan, de metrô. Os dois conversam amigavelmente. Leonard é engraçado, faz piadas, Michelle ri, pede para eles trocarem telefones. Ao saírem para a rua, Leonard a vê entrando em uma Mercedes de luxo, com motorista particular. No rosto de Leonard, por um segundo, vê-se que ele sabe que ela é "areia demais para o seu caminhão", mas ele também sabe que já foi fisgado.
"Amantes" é dirigido por James Gray, que em 2007 fez o competente "Os Donos da Noite" (também com Joaquin Phoenix), um filme que pouca gente viu mas que é muito bom. Enquanto aquele era um filme policial, com muita ação e violência, este é mais íntimo, voltado para os complicados caminhos dos relacionamentos humanos.

Em um bairro do Brooklin, Nova York, Leonard é um homem que ainda mora com a família e que, no início do filme, tenta se matar de maneria estúpida, se jogando nas águas frias da baía, de uma ponte baixa. Não é a primeira vez que ele tenta o suicídio. Seus pulsos carregam cicatrizes de tentativas anteriores, causadas pelo abandono de sua noiva, dois anos antes, e por um transtorno bipolar. Apesar de adulto, Leonard é o filho único de uma família judaica típica de Nova York, com a mãe superprotetora (a excepcional Isabella Rosselini) e o pai amoroso (Moni Moshonov), e ele está sufocado pela presença deles. Eles têm uma lavanderia rápida que está sendo incorporada a uma empresa maior, e os pais de Leonard estão tentando juntá-lo à filha dos donos, Sandra (Vinessa Shaw). Ela é "boa moça", bonita e claramente interessada nele que, por sua vez, está enfeitiçado por Michelle. É um drama muito bem escrito com tons dramáticos e por vezes exagerados. Todos aparentam ter mais de trinta e cinco anos, mas ainda agem como adolescentes inexperientes, à procura do que acham que é o amor.

Michelle, alta, loira e bonita, é amante do chefe, casado e rico, que paga pelo seu apartamento, que fica do outro lado da janela de Leonard. Ela gosta de sair para as baladas, tomar extasy e está acostumada a receber atenção. Leonard, carente e perdido, escuta dela a frase que todo homem odeia, de que ele é "como um irmão" para ela. De Sandra escuta que ela quer "tomar conta dele", o que também não é muito bom de se escutar de uma mulher. Já lhe basta a mãe, que chega a deitar no chão do corredor para vigiá-lo por debaixo da porta do quarto.

A ação acontece geralmente em ambientes internos e há momentos tipicamente teatrais, como quando Leonard se esconde atrás de uma porta para que o namorado de Michelle não o veja. É como se a vida fosse o palco de um drama, ou de uma ópera. E há o terraço do prédio, para onde Leonard e Michelle sobem e acontecem duas cenas chave do filme. Há um contraste importante entre o fundo do mar (o ponto mais baixo para Leonard) e o terraço alto do prédio. No meio do caminho, no que poderia ser chamado de "o mundo real", está Sandra e a promessa de carinho e estabilidade. O final pode ser encarado de várias formas, de cínico a realista. Fica um gosto amargo na boca ao final da sessão, mas é um filme acima da média.


domingo, 30 de agosto de 2009

Confissões de uma garota de programa

Chelsea é bonita, elegante, arrumada. Tem fala mansa, é educada e escuta as pessoas falarem de seus problemas. Ela mora com Chris, seu namorado, que é um personal trainer. Chelsea é uma garota de programa.

O filme é dirigido por Steven Soderbergh, que tem uma carreira singular. Ele surgiu para o mundo com o "cult" "Sexo, Mentiras e Videotape", que ganhou o Festival de Cannes em 1989. De lá para cá, tem misturado filmes de puro entretenimento, como a série Onze, Doze e Treze "Homens e um Segredo", com filmes um pouco mais ambiciosos, como "Traffic" (2000, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor), "Erin Brockovitch" (no mesmo ano, dando o Oscar de Melhor Atriz para Julia Roberts), e a refilmagem de "Solaris" (2002). Técnico competente, ele é também Diretor de Fotografia e operador de câmera de vários de seus filmes, além de editor e músico.

O título brasileiro, apesar de correto, é enganador. Sim, temos "confissões de uma garota de programa", mas o espectador não deve esperar algo "picante" ou no estilo "Bruna Surfistinha". O título original, "The Girlfriend Experience", é mais interessante. Em um mundo sexualmente liberal (e até libertino) como o nosso, em que algumas pessoas "ficam" com várias outras em curto espaço de tempo, se envolvendo não só amorosamente mas fisicamente, o que significa ter um namorado ou namorada? O filme de Soderbergh não é só sobre Chelsea, mas também sobre seu namorado e, sim, sobre seus clientes. Vários sequer fazem sexo com ela durante os encontros. Eles vão ao cinema, jantam em restaurantes caros, conversam sobre os problemas de uma economia em crise. Para adicionar um toque ainda mais realista ao ar documental da produção, Soderbergh escolheu a atriz de filmes pornô Sasha Grey para viver Chealsea. Não que isso signifique, novamente, cenas de sexo picantes (o filme é bem comportado, aliás). Mas a presença de Grey aumenta o contexto extrafilme para o espectador, que vê aquela garota elegante e imagina como, ou porque, ela faz aquele trabalho (e é simples ver, em sites especializados, Grey trabalhando em outros papéis).

Não linear, a história acompanha a vida da garota em Manhattan, Nova York. Muito bem paga, ela está sempre impecavelmente vestida (mesmo quando está pouco vestida) e em várias etapas de negociação. De fato, dá a impressão que todas as personagens do filme estão negociando alguma coisa. Há algo de irônico no fato de que as negociações da garota de programa parecem bem mais simples e melhor resolvidas que dos vários executivos mostrados no filme. Eles estão sempre reclamando da queda nos lucros e imaginando o pior, mesmo que não abram mão de viagens em jatinhos para Las Vegas ou dos caros serviços das garotas de programa. Há espaço para o amor nesse tipo de mundo? Christine (o nome verdadeiro de Chelsea) mora com o personal trainer Chris (Chris Santos) que aparentemente não se incomoda com a profissão da namorada. Mas há regras. Christine não quer que ele vá para Las Vegas sozinho em uma viagem de executivos. E ele fica muito incomodado quando ela diz que vai passar um final de semana com um cliente que pode significar "algo mais" para ela.

Com 78 minutos, é um filme curto, cujo formato de falso documentário e passo lento não agradou muito a platéia (houve várias desistências durante a projeção). Incautos, provavelmente esperavam cenas "quentes", quando o que vemos na tela é um curioso e sensível quadro do mundo moderno, frio e calculista.


domingo, 22 de março de 2009

Madame Butterfly

Hoje pude conferir a exibição digital de Madame Butterfly no cinema. O evento é parte de uma nova tendência mundial, o uso das salas de cinema para exibir não apenas filmes "tradicionais", mas também shows musicais e óperas. Organizado no Brasil pela Moviemobz, uma série de óperas da Metropolitan Opera de Nora York será exibida em formato digital de alta definição. Nos Estados Unidos, estas projeções são transmitidas ao vivo e em alta definição de Nova Yorke para vários cinemas país afora. Em Campinas, os cines Topázio e Box Cinemas fazem parte do grupo que exibe as óperas do Metropolitan. Resta saber se a idéia vai vingar. Assisti à ópera no Box Cinemas, no Campinas Shopping, conhecido por ser um shopping "popular" e longe do centro da cidade. Um total de 17 pessoas (dos 120 lugares da sala) assistiu à projeção, na maioria pessoas da terceira idade, descendentes de japonês (sem dúvida pelo tema da ópera) ou então ligados ao mundo da música.

De fato, não é um programa popular. Com ingressos custando trinta reais e duração de três horas, imagino que a platéia frequentadora de multiplexes não seja muito interessada em ópera. De minha parte, que gosto de música clássica mas não sou realmente fã de óperas, estava interessado nos aspectos técnicos de projeção digital e curioso sobre como seria assistir à uma ópera no cinema. Posso dizer que foi uma experiência compensadora.

Madame Butterfly é a mais famosa ópera do italiano Giacomo Puccini (1858-1924). A trágica história de amor entre uma geixa japonesa e um oficial da marinha americana fascinou Puccini quando este a viu em Nova York e decidiu transformá-la em sua próxima ópera. O resultado é uma interessante mistura entre o melodrama da ópera italiana com a cultura japonesa (muito ligada à morte). De quebra, a ópera ainda toca no tema da colonização e exploração cultural americana sobre o fechado Japão tradicional. A versão apresentada no filme é a montagem produzida pelo cineasta Anthony Minghella (que faleceu em 2008) e coreografada por sua esposa, Carolyn Choa. Em um cenário simples mas muito bonito visualmente, Minghella utiliza biombos japoneses para montar ambientes e explora outras características da cultura japonesa, como as roupas coloridas, o modo ritualizado de se portar e recursos como a movimentação de bonecos por manipuladores vestidos de preto. A música de Puccini faz habilidoso uso do hino nacional americano e de temas tradicionais japoneses. Composta por três atos, no primeiro somos apresentados aos personagens do Tenente B.F. Pinkerton (interpretado por Marcello Giordani) e do cônsul americano Sharpless (Dwayne Croft). Eles estão em Nagazaki e Pinkerton alugou uma casa. Pinkerton vai se casar com uma jovem geixa chamada "Butterfly" (interpretada por Patricia Racette), mas ele diz ao cônsul que um dia vai se casar "de verdade" com uma americana. Butterfly abre mão da sua cultura e religião e é deserdada pela família. No segundo ato Pinkerton partiu já há três anos mas Butterfly ainda mantém a fidelidade e a esperança de que ele volte. Outros pretendentes tentam conquistá-la e o cônsul americano tenta fazê-la ver a verdade, mas Butterfly acredita na volta de Pinkerton. É no segundo ato que ela canta a ária mais conhecida e bela da ópera, "Un bel di vedremo". Também no segundo ato se revela que ela teve um filho com Pinkerton, que nesta montagem é "interpretado" por um boneco manipulado. O terceiro ato é o trágico final da ópera, quando Pinkerton volta com uma esposa americana, Butterfly lhe dá o filho e, em clássico final de ópera, se mata seguindo o ritual japonês.

A qualidade da imagem em alta definição é realmente impressionante, com cores espetaculares. Sobre assistir a uma ópera no cinema, há o problema da tradução de um meio para o outro. O uso do "close-up", por exemplo, é o oposto completo da experiência teatral, e em alguns momentos achei que a proximidade da câmera atrapalhava. Coisas que são aceitáveis em uma ópera ficam um pouco estranhas no cinema, como o elenco, por exemplo. Em um teatro talvez a platéia não se importe que uma mulher com mais de 30 anos interprete uma geixa japonesa de 15 anos, mas no cinema não. Assim como, de perto, fica estranho ver um italiano legítimo interpretando um tenente americano. Mas esta estranheza dura apenas os primeiros minutos, antes que você acabe "embarcando" na ópera



veja Patricia Racette cantando uma ária de Madame Butterfly