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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Felicidade (Glück, 2012)

Difícil definir este filme da diretora Doris Dörrie, do poético "Hanami - Cerejeiras em Flor". Em exibição na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, "Felicidade" provocou as mais diversas reações, de lágrimas de tristeza a gritos abafados de aversão. Não é um filme comum. Alba Rohwarcher (de "Que mais posso querer", "Um Sonho de Amor") é Irina,  uma refugiada de guerra que, após ser estuprada e ver os pais serem mortos, foge para Berlim, Alemanha. Para sobreviver, ela se torna uma prostituta, ganhando 50 euros por programa. Nas ruas ela conhece um rapaz chamado Kalle (Vinzenz Kiefer), que vive de pequenos furtos e esmolas, e nasce um amor quase infantil entre eles. Ela se recusa a falar sobre o passado trágico e ele finge não ligar para o fato de que ela transa com outros homens para ganhar a vida.

Há uma cena terna quando um confessa ao outro que nunca havia estado com outra pessoa por amor antes e, por  um bom tempo, o filme parece que vai ser um romance dramático com momentos de comédia. Irina e Kalle se mudam para um apartamento novo, que ela decora com simplicidade; ele arruma um emprego como entregador de jornais, os dois passeiam pela cidade, brincam no playground e jantam pão de forma com mel todas as noites. Interessante o modo como o filme detalha o tipo de vida dupla e pragmática que levam Irina e Kalle. Toda manhã ela "expulsa" o companheiro do apartamento e, rapidamente, transforma a si mesma e ao ambiente; o quarto aconchegante e familiar se torna "sexy" (naquela forma cafona e distorcida do sexo pago) com a mudança sutil de uma cortina e na iluminação avermelhada.

E, então, o filme dá uma reviravolta bizarra, com uma sequência tarantinesca de violência explícita que rendeu ao filme a classificação etária de 18 anos. Sem revelar detalhes, o fato é que por todo o cinema escutavam-se gemidos e risos nervosos e se viam pessoas tampando os olhos com as mãos. É uma cena gratuita? Depende. O tema do filme é até que ponto alguém iria para não perder o amor da sua vida. Qual o limite? Doris Dörrie faz um filme ousado, um romance terno, violento e chocante como a vida de seus personagens.

Câmera Escura

domingo, 9 de outubro de 2011

Um Sonho de Amor

Em uma rica mansão em Milão, Itália, um grande número de empregados uniformizados, eficientes e discretos está preparando um jantar especial. É o aniversário do patriarca da família Recchi, um magnata dono de uma rica tecelagem que carrega seu nome; com a idade avançada do Sr. Recchi, ele decide passar a empresa para seu filho mais velho, Tancredi (Pippo Delbono) e para o neto Edoardo (Flavio Parenti). Nos bastidores e calmamente comandando o jantar está Emma (Tilda Swinton), esposa de Tancredi, uma russa de nascimento que aprendeu, com o tempo, a se tornar italiana (o que, no mundo refinado dos Recchi, significa ser eficiente e obediente).

"Um Sonho de Amor" (no original, "Eu sou o amor"), sem exageros, é uma jóia rara. O diretor Luca Guadagnino produz uma obra elegante, extremamente ambiciosa e muito bela de se ver. A direção de fotografia de Yorick Le Saux é deslumbrante. Esta sequência inicial do jantar é filmada à meia luz, em tons quentes que contrastam com o cenário frio de Milão durante uma tempestade de neve. A sofisticação da direção de arte revela, a cada plano, os anos de tradição (e muito dinheiro) que existem naquela família. Ao mesmo tempo, percebe-se que algo não vai bem. O roteiro mostra, aos poucos, os pequenos dramas familiares que vão surgindo, como quando o patriarca se decepciona com o presente dado pela neta Elizabetta (Alba Rohrwacher, de "Que mais posso querer")  que, mais tarde, se revela homossexual. Ou o ciúme não declarado do irmão mais novo por Edoardo, claramente o preferido pela mãe. Para culminar a sequência, ela termina com a chegada de Antonio (Edoardo Gabbriellini), um cozinheiro amigo de Edoardo, que lhe traz um bolo de presente e é apresentado à mãe dele.

Um filme comum seria sobre o adultério de Emma e sobre suas consequências, mas este é um filme mais inteligente. Ele gira em torno das mudanças trazidas pelo tempo e pela sociedade sobre os personagens. Tilda Swinton sempre foi uma atriz excelente e é fascinante o modo como ela encarna o papel de Emma, uma mulher aparentemente sem passado que largou tudo para se tornar membro desta família italiana. A chegada da primavera traz novas cores ao filme e leva os personagens para as ruas, com consequências inesperadas. A revelação da homossexualidade da filha leva Emma a San Remo, onde Antonio, o cozinheiro amigo de Edoardo, planeja abrir um restaurante. Os dois iniciam um caso tórrido e inesperado, filmado por Guadagnino com grande beleza, em cenas passadas em meio à natureza. O relacionamento parece mais uma traição ao filho Edoardo do que ao marido de Emma, constantemente envolvido com a tecelagem e fazendo negócios em Londres.

Claro que a trama não vai acabar bem, mas, novamente, com que elegância o roteiro mescla a decadência familiar dos Recchi com os fatores externos, como a globalização, que vão tirar a tecelagem das mãos da família. Curioso também o modo como a sexualidade é retratada no filme, da frieza entre Tancredi e Emma para o calor de seu relacionamento com Antonio; do homossexualismo de fato de Elizabetta à insinuação de que a amizade entre Antonio e Edoardo poderia se tornar algo mais. Tudo culminando em um final apropriadamente operático, com tragédia, drama e romance resultando em uma emocionante cena de libertação. Imperdível. Visto como cortesia no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

domingo, 24 de julho de 2011

Que mais posso querer

É ela quem dá o primeiro passo. Anna (Alba Rohrwacher) trabalha em uma corretora de seguros e mora com Alessio (Giuseppe Battiston). Aparentemente eles não são casados, mas estão juntos tempo o suficiente para conversarem sobre ter filhos. A irmã de Anna acabou de ter um bebê e Alessio, vendo Anna com a criança, pergunta se ela não gostaria de ter um também. Ela lhe diz que vai parar de tomar a pílula. Ao invés disso, ela envia um SMS para Domenico, um homem casado que ela conheceu quando este prestou um serviço de buffet na empresa dela. E é desta forma que eles começam um tórrido caso extra-conjugal.

"Que mais posso querer" mostra como um caso pode servir, a princípio, como uma válvula de escape não só para as pressões do cotidiano mas da própria realidade. É curioso como o diretor Silvio Soldini mostra a inversão de papéis da sociedade contemporânea. Não só é Anna quem dá início ao caso mas, quando ela deixa de ligar no dia seguinte, é Domenico quem fica chateado. Ele trabalha com um serviço de buffet, tem uma filha de cinco anos e um bebê pequeno. A relação com a esposa é atrapalhada pelas obrigações do dia-a-dia como pagar contas e cuidar das crianças. Já Anna tem em Alessio um companheiro dedicado mas cego aos desejos da esposa. O pobre coitado acha que basta amar e tratar bem a mulher que está tudo certo. Ele vive de bom humor, gosta de livros e filmes e está sempre consertando alguma coisa na casa. Anna e Domenico, ao procurarem algo fora do lar, estão "errados"? Claro que sim, mas não é exatamente por isso que um caso é atraente?

Soldini mostra, passo a passo, como ter um caso requer planejamento dos envolvidos. É necessário arrumar um tempo livre em comum (Domenico faz aulas de mergulho às quartas à noite e Anna diz que precisa fazer hora extra). É necessário arrumar um lugar. É preciso se encontrar, ir até o motel, apresentar os documentos, pagar para entrar e, finalmente, até tirar as roupas se torna um empecilho, na pressa criada pelo desejo e pela pressão do relógio ("são 55 euros por quatro horas", diz o atendente do motel). O sexo, quando finalmente acontece, é rápido e intenso. E agora? Ato consumado, como lidar com a situação dali em diante? Como não confundir o prazer sexual e a idealização com o novo parceiro com amor? Um caso é como um mundo à parte, uma fantasia infantil criada por duas pessoas que brincam que amar é simples, não envolvendo obrigações, cobranças ou preocupações com dinheiro para honrar no final do mês. Claro que a relação está fadada a terminar no momento em que a realidade abrir brechas neste mundo idealizado.

"Que mais posso querer" não apresenta nada de novo em termos de filmes sobre adultério. Mas trata do assunto com honestidade e realismo. Anna e Domenico não são interpretados por Brad Pitt e Jennifer Aniston, mas por atores comuns. A força do filme está no fato que de são homens e mulheres comuns, mas incapazes de lidar com as pressões da vida adulta. Em cartaz no Topázio Cinemas.