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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Dois dias, uma noite

Sandra (Marion Cotillard, de "Ferrugem e Osso") é uma mulher belga que sofre de depressão. Após passar um tempo afastada do trabalho, ela volta e descobre que está para ser demitida. Seu emprego depende de uma cruel votação sugerida pelo encarregado da empresa. Ele dá aos empregados duas opções: demitir Sandra e receber um bônus de mil euros ou abrir mão do bônus para mantê-la na equipe. A votação será na segunda-feira de manhã e Sandra tem um final de semana (dois dias e uma noite) para convencer 16 companheiros de trabalho a abrirem mão de mil euros e votarem por sua permanência na empresa.

Sandra precisa do salário para manter a casa que divide com o marido e dois filhos, mas sente-se muito mal por ter que passar pela humilhação de ir de casa em casa, no final de semana, importunar os companheiros e implorar para que não a demitam. O filme é dirigido pelos irmãos Dardenne e há ecos na situação de Sandra com a da garota Rosetta, protagonista do filme de mesmo nome dirigido pelos belgas em 1999. O emprego, para Sandra, não é só um meio de se sustentar financeiramente, mas uma forma de lutar contra a depressão e mostrar que ela é "alguém". O marido Manu (Fabrizio Rongione) a ama e quer ajudá-la, mas sua insistência em tirá-la de casa e ir falar com os companheiros, por vezes, mais atrapalha do que ajuda. (leia mais abaixo)


Os irmãos Dardenne (de "O Filho" e "O Garoto da Bicicleta") têm experiência em documentários e seu cinema é extremamente realista. Eles fazem poucos cortes com a câmera, que acompanha Marion Cotillard passo a passo conforme ela visita os outros trabalhadores. A sensação de se estar lá, junto com a personagem, faz com que o espectador tenha que passar pela mesma experiência dela, que alterna momentos de humilhação com outros de esperança. Os diretores mostram todo o trajeto de Sandra até a casa de cada uma das pessoas que ela tem que convencer, fazendo sempre o mesmo "discurso" e explicando o porquê dela precisar que eles abram mão do dinheiro para que ela mantenha seu emprego.

O filme, apesar da crescente angústia e do suspense quanto ao final, não me pareceu tão forte quanto os trabalhos anteriores dos Dardenne. O dilema moral apresentado pela trama é relevante, principalmente nesta época de crise mundial, mas a peregrinação de Sandra de casa em casa se torna repetitiva. Cotillard é ótima atriz e conseguiu uma indicação ao Oscar pelo papel de Sandra, muito embora sua interpretação de uma mulher depressiva era melhor ainda em "Ferrugem e Osso", papel pelo qual ela deveria ter sido indicada no ano passado. Mas é interessante ver como cada um dos companheiros de Sandra reage quando está frente a frente com ela. O que vale mais, o companheirismo ou dinheiro no banco? A insistência de Sandra é válida ou ela está importunando os companheiros com uma situação que não é culpa deles? Como ela reagiria se estivesse do outro lado?

João Solimeo
Câmera Escura

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Rosetta" e "O Filho" - O cinema dos irmãos Dardenne

"Rosetta" (1999)
Há um profundo sentimento de "carência" nos filmes destes dois irmãos belgas, Jean-Pierre e Luc Dardenne. Seu filme mais recente, "O Garoto da Bicicleta" (em cartaz) trata da história de um garoto que é abandonado pelo pai em um orfanato. O garoto procura pelo pai e é auxiliado por uma bela cabeleireira (Cécile de France). O pai, encontrado, diz que não quer ficar com o filho. Da mãe nem se fica sabendo. Um filme frio? Na verdade não.


É mais uma bela obra dos belgas que começaram no cinema como documentaristas. Este texto trata de "Rosetta" (1999), vencedor da Palma de Ouro em Cannes e de "O Filho" (2002), filme seguinte de Luc e Jean-Pierre.

Em ambos percebe-se o sentimento de que falta alguma coisa. Isso se traduz esteticamente na forma como os diretores acompanham seus personagens. Tanto a jovem Rosetta (Émilie Daquenne) quando o carpinteiro Olivier (Olivier Gourmet) são acompanhados de forma claustrofófica pela câmera o tempo todo. É como se os diretores estivessem tentando traduzir o quanto o mundo interior destes personagens é reprimido e como lhes é difícil socializar com as outras pessoas. "Rosetta" acompanha a história de uma jovem que mora com a mãe alcoólatra em um trailer. O filme começa com a garota sendo demitida, aos berros, da firma em que trabalhava. A reação de Rosetta não é só a de quem está perdendo um emprego; sim, ela precisa do dinheiro, mas o problema é outro. Rosetta sonha com uma "vida normal", que ela imagina conseguir estando empregada. Os irmãos Dardenne, usando da experiência como documentaristas, constroem uma série de "rituais" que a garota executa todos os dias para tentar manter uma rotina. Nos fundos do acampamento em que o trailer está estacionado, Rosetta pula o alambrado e, com uma armadilha artesanal, pesca peixes em um riacho; aparentemente, eles são para comer. Ela também percorre lojas de roupa tentando vender peças usadas. E está sempre à procura de um emprego. Ela faz amizade com um rapaz que vende "waffles" em uma banca, e o chefe dele (Olivier Gourmet, o mesmo ator de "O Filho") , a contrata por alguns dias (para, depois, dispensá-la novamente). A amizade com o rapaz da banca é confusa. Ele está interessado nela, mas Rosetta parece incapaz de corresponder. Há uma cena perturbadora em que o rapaz cai em um riacho e fica gritando por socorro por um longo tempo; Rosetta finalmente o salva, mas suas ações estão longe do que se espera da protagonista de um filme tradicional. Até que ponto ela está disposta a arrumar um emprego? O que ela faz com o rapaz no decorrer do filme é necessidade financeira ou um grito de socorro?
"O Filho" (2002)

Em "O Filho" acompanha-se os passos do carpinteiro Olivier, um homem metódico que trabalha em uma oficina do governo para a reabilitação de jovens. Um dia Olivier recebe um novo aprendiz, um jovem chamado Francis (Morgan Marinne), que acabara de passar cinco anos preso por um roubo de carro que causou a morte de uma criança. Fica claro que Olivier tem algum interesse no rapaz, mas o espectador não sabe qual é. Os diretores apenas o mostra seguindo o rapaz à distância, descobrindo onde ele mora e inspecionando seu apartamento. Também se descobre que Olivier está separado da esposa, que vem lhe dizer que está grávida de um novo relacionamento. O trabalho de Olivier na marcenaria é tão detalhado que, novamente, tem-se a impressão de se estar assistindo a um documentário. Aos poucos, através de pequenos detalhes e frases trocadas por Olivier e a ex-mulher, descobre-se que o casal havia perdido um filho de forma violenta e que Francis, o aprendiz, havia cometido o crime aos 11 anos de idade. Os irmãos Dardenne são mestres em quebrar as espectativas do espectador; em um filme tradicional, o que se poderia esperar do encontro entre um pai e o assassino do filho? O ator Olivier Gourmet faz um trabalho excepcional. É notável o modo como ele consegue mostrar a raiva reprimida do carpinteiro que perdeu o filho e o casamento de forma violenta, e agora trababalha na recuperação de jovens. A sequência final é passada em um lugar distante em que estão apenas os dois personagens; o que vai acontecer? Seria este um filme de vingança tradicional, em que o pai resgata a "honra" do filho com outro ato de violência? Os irmãos Dardenne mostram que, na vida e no cinema, pode haver outros caminhos.