Agente Infiltrado (AKA, 2023). Dir: Morgan S. Dalibert. Filme francês de ação que é melhor do que eu esperava, apesar dos vários clichês. Imagine Denzel Washington ou (mais recentemente) Chris Hemsworth interpretando um assassino frio que tem que proteger uma criança. O roteiro, do diretor Dalibert e do ator Alban Lenoir, deixa tudo mais confuso (ou profundo?) misturando subtramas que envolvem atentados terroristas, maquinações políticas e problemas familiares.
Alban Lenoir é Adam Franco, um assassino profissional a serviço do governo francês. Um prólogo o mostra em ação na Síria, em uma missão que termina de forma surpreendente. Os filmes de John Wick certamente são uma influência na forma com que Franco mata a todos de forma cirúrgica, enquanto magicamente não é atingido por ninguém. Corta para a França e um atentado terrorista em um hotel. Um senador pede ao chefe de inteligência que resolva o assunto, e Franco é recrutado para matar um terrorista interpretado por Kevin Layne. Para isso, ele tem que se infiltrar em uma família da máfia francesa, o que o leva a se aproximar de um garoto, filho do chefão. Sim, parece uma mistura de vários filmes que você já viu antes, mas se você passar por cima disso pode até ficar interessante. Tá na Netflix.
Kill Boksoon (2023). Dir: Sung-hyun Byun. Netflix. Há um bom filme de 90 minutos dentro deste loooongo filme de ação coreano de 137 minutos. Estrelado por Jeon Do-yeon (de "The Housemaid") como uma assassina profissional, "Kill Boksoon" é muito bem feito, bem interpretado e tem um roteiro que seria ótimo com, no mínimo, 30 minutos a menos (mas eu tenho achado isso da maioria dos filmes ultimamente, então talvez o problema seja eu?).
Gil Boksoon (Jeon Do-yeon) é uma assassina de elite de uma "empresa" coreana chamada MK. Veterana, ela está no fim do seu contrato e pensando em parar. O motivo seria a filha adolescente, Gil Jae Yeong, que está em uma fase difícil. Como uma jogadora de xadrez, Boksoon tem a habilidade de ver vários movimentos à frente quando enfrenta um adversário. Assim, diversas vezes a vemos sendo morta por alguém... aí a cena volta para o início e ela tenta uma manobra diferente. O mesmo acontece quando ela tem que lidar com a filha (para ver como ela tem dificuldades em ser mãe, já que encara a filha da mesma forma como seus alvos). Já vimos antes no cinema histórias de assassinos que têm que manter uma fachada quando em suas vidas "normais", e aqui não é diferente.
As boas cenas de ação e luta corpo a corpo são bem poucas quando comparadas a intermináveis cenas em que se discute de tudo; há cenas intermináveis em um bar em que assassinos de "classes" diferentes conversam. Há cenas intermináveis em "reuniões de diretoria" das empresas de assassinos. Há cenas intermináveis em que os irmãos (homem e mulher, que mais parecem amantes) donos da MK tentam decidir o que fazer com Boksoon, que nunca segue as regras. Em meio a tudo isso, como disse, há um bom filme de ação e um bom filme da relação entre uma mãe e sua filha (assunto de vários filmes ultimamente, como o também interminável "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo"). Tá na Netflix.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022). Dir: Dan Kwan e Daniel Scheinert. Escolha bem maluca para inaugurar o ano, mas vamos lá. Este filme foi um sucesso inesperado em 2022, feito com um orçamento (relativamente) pequeno (25 milhões de dólares), "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" desbancou outro filme sobre "multiversos", "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura", que deve ter custado umas dez vezes mais. Não há dúvidas de que ele é bem melhor do que o mastodonte da Marvel (o que não quer dizer muita coisa).
"Tudo em Todo Lugar..." traz a grande Michelle Yeoh como Evelyn, a simples dona de uma lavanderia, nos EUA. Ela tem um marido "fofo", Waymond (Ke Huy Quan, de "Indiana Jones e o Templo da Perdição" e "Os Goonies", lembram dele?), uma filha que ela considera problemática, Joy (Stephanie Hsu), que tem uma namorada, Becky (Tallie Medel). A lavanderia está passando por problemas com o imposto de renda. Para complicar, o pai de Evelyn, interpretado pelo grande James Hong, está na casa de Evelyn e traz a tona vários traumas do passado. Tudo isso é pano de fundo para a maluquice que acontece em seguida: Evelyn é visitada por "outra versão" do marido que diz que é de outro Universo. Ele lhe diz que todos estão em perigo por causa de um grande mal que surgiu no multiverso e que ela, Evelyn, é a única que pode salvar a todos.
Lembra alguma coisa? Pois é, é basicamente "Matrix", mas ao invés de estarem todos vivendo uma simulação de computador, o filme mostra como todos vivem em Universos paralelos. O conceito não é novo (e está na moda ultimamente), mas o roteiro mirabolante (e a brilhante edição) conseguem manter as coisas relativamente fáceis de entender. A personagem de Yeoh é vista como uma simples mãe, ou como uma cantora lírica, ou como uma estrela de cinema, ou como uma mestre de kung-fu, entre várias outras versões diferentes. No centro disso tudo há uma história bem simples que, a propósito, também está na moda ultimamente: o conflito entre uma mãe chinesa e sua filha (isso foi visto nas animações "Red: Crescer é uma Fera" e em "A Caminho da Lua" e no filme "A Despedida", entre outros). Em todos estes multiversos há a preocupação da personagem de Yeoh com a segurança da filha, Joy. O final, a bem da verdade, é até piegas (embora bem intencionado). "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" figurou em várias listas de melhores do ano de 2022 e há até um burburinho sobre sua presença no próximo Oscar. Disponível, para alugar, em vários serviços de streaming. PS: desnecessário dizer que ele tem vinte minutos a mais do ideal, mas isso tem sido regra ultimamente, rs.
Trem Bala (Bullet Train 2022). Dir: David Leitch. HBO Max. Filme de (ultra) ação que lembra aquelas produções estilizadas e cheias de piadinhas de Guy Ritchie, tipo "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes" ou "Snatch: Porcos e Diamantes". Múltiplos personagens cheios de manias e frases de efeito mais ação ininterrupta colocados dentro de um trem bala (também estilizado) entre Tóquio e Kyoto, no Japão. O diretor é David Leitch, de filmes como "Deadpool 2" e "Atômica".
O elenco é grande, mas Brad Pitt (por ser Brad Pitt) é o personagem principal, um matador de aluguel que resolveu pegar um "serviço fácil": entrar em um trem bala, roubar uma mala cheia de dinheiro e descer na primeira estação. Claro que não vai ser tão tranquilo. Dentro do mesmo trem estão uma dupla de assassinos (Aaron Taylor Johnson e Brian Tyree Henry), um gângster japonês (Andrew Koji), o pai dele (Hiroyuki Sanada) e uma garota aparentemente inocente (Joey King). Todos estão interligados em uma trama complicada que envolve a tal mala de dinheiro, o sequestro do filho de um chefão do crime e várias pessoas querendo vingança.
Parênteses: eu queria saber o que aconteceu com os editores de cinema. Pelo jeito nenhum deles têm poder para chegar para o diretor e dizer: "Hey, menos é mais". "Trem Bala", como vários filmes recentes, tem aqueles vinte minutos a mais que são desnecessários... o que aconteceu com aqueles filmes de ação de 90 minutos? Enfim, "Trem Bala" é bem feito, estilizado e tem personagens interessantes, embora não seja nenhuma novidade. Se você quiser bons 90 minutos (e desnecessários 30 minutos) de ação desenfreada e diálogos sarcásticos, vai se divertir. Se não... Disponível na HBO Max.
Lou (2022). Dir: Anna Foerster. Netflix. Em um (raro) bom filme de suspense e ação produzido pela Netflix. Allison Janney (The West Wing, Eu Tônia) é uma ex agente da CIA que está escondida em uma ilha isolada na costa dos EUA (embora, vamos combinar, se ela está se escondendo, está fazendo um péssimo trabalho; todos na cidadezinha próxima a conhecem pelo nome). Estamos nos anos 1980, como mostram imagens do presidente Reagan na TV e pela trilha sonora composta por sucessos como "Africa", do Toto.
Uma vizinha, Hannah (Jurnee Smollett), tem a filha pequena sequestrada por um homem misterioso, Phillip (Logan Marshall-Green, que é um CLONE de Tom Hardy) e é então que Lou se revela como uma especialista em armas e em seguir rastros em uma floresta encharcada. Lou e Hannah partem em busca da menina debaixo de uma tempestade e, no caminho, as peças do quebra cabeça vão se juntando para revelar quem é quem, de verdade.
Janney, que geralmente interpreta personagens cômicas ou sarcásticas, está bem em um filme de ação. Ela carrega marcas físicas e psicológicas no corpo das coisas que teve que fazer em décadas na CIA. Hannah também carrega marcas pelo corpo, resultado de um relacionamento tóxico. É um filme de ação de um ponto de vista feminino, o que inclui discussões sobre maternidade e relacionamentos abusivos. Tá na Netflix.
Contrato Perigoso (The Contractor, 2022). Dir: Tarik Saleh. Amazon Prime Video. Filme que está longe de ser ruim, mas... também não é bom. Vale pela terceira parceria entre Chris Pine e Ben Foster (que já estiveram juntos em "Horas Decisivas" e "A Qualquer Custo", ambos de 2016). Aqui eles são ex soldados de operações especiais dos EUA, super treinados, patriotas até o último fio de cabelo e, no caso de Pine, desempregado; ele foi dispensado do serviço por causa de um joelho ruim. Para sustentar a família ele se junta a uma "empresa de segurança" particular (liderada por Kiefer Sutherland) e é enviado à Alemanha.
A grana é boa mas o serviço é, no mínimo, moralmente suspeito. Pine e equipe vigiam um cientista que estaria trabalhando com armas biológicas, uma "ameaça à segurança nacional" (mas talvez não seja bem isso). Claro que o cocô é jogado no ventilador e o filme se transforma em uma série de cenas de ação e tiroteio bem competentes, estilo Jason Bourne. O problema do filme está em querer ser mais do que um filme de ação. A questão ética e moral levantada pelo roteiro é interessante, mas o filme não sabe direito o que fazer com isso. Chris Pine é bom ator (Ben Foster melhor ainda) e há boas cenas de ação, mas o final parece ter sido escolhido no cara ou coroa. Disponível na Amazon Prime Video.
O herói dos aos 1980 está de volta nas mãos do diretor original, George Miller, com Tom Hardy no papel que foi de Mel Gibson. Charlize Theron também está no elenco e quase rouba o filme. Confira o vídeo!
Imagine uma mistura de "A Árvore da Vida", de Terrence Malick, com "Kill Bill", de Quentin Tarantino. Adicione umas pitadas de "Matrix", um pouco de "Watchmen" e fartas doses de animê e você tem "Lucy", o novo filme do francês Luc Besson.
Lucy (Scarlett Johansson) é uma americana que mora em Taipei, China. Não sabemos exatamente o que ela está fazendo por lá, mas o filme começa com ela e o namorado parados em frente a um hotel da cidade.
O namorado quer que ela entre no prédio e entregue uma mala para um tal de Sr. Jang (Min-sik Choi), em troca de quinhentos dólares. Lucy pressente que algo de errado está para acontecer, mas ela nem imagina o tamanho da encrenca.
Tudo o que podemos dizer é que, vários minutos depois, Lucy é escoltada para fora do prédio com um saco na cabeça e um quilo de drogas introduzidas cirurgicamente em seu abdômen. O Sr. Jang planeja enviar Lucy e outras três "mulas" para várias cidades da Europa, onde pretende distribuir a droga, que é experimental e é chamada simplesmente de CHP4.
O caso é que a tal droga começa a vazar dentro do corpo de Lucy que, sob seu efeito, se torna uma espécie de super-humana. Estas cenas são convenientemente intercaladas com uma palestra ministrada em Paris por Morgan Freeman; com sua "Voz de Deus", ele explica o que aconteceria se os humanos usassem mais do que 10% do cérebro, como popularmente se acredita.
O roteiro, do próprio Luc Besson, é claramente absurdo, mas o filme é bem dirigido e Johansson abraça o papel de tal forma que o espectador mal tem tempo de pensar durante os curtos 90 minutos de projeção. (leia mais abaixo)
Besson sempre gostou de papéis femininos fortes e desde a década de 1990 criou personagens como a assassina profissional Nikita ("Nikita - Criada para Matar", 1990), interpretada por Anne Parillaud, ou Leelloo (Mila Jovovich), que ajudava Bruce Willis a salvar o universo em "O Quinto Elemento" (1997), sem falar da jovem Natalie Portman em "O Profissional" (1994).
A Lucy de Scarlett Johansson é uma mistura da assassina de Nikita com o misticismo misturado com ficção-científica de "O Quinto Elemento". Há também estranhas cenas que mostram o passado do planeta Terra e do próprio Universo que, por um momento, lembram imagens em "A Árvore da Vida", de Malick. Em versão pop, claro.
O que aconteceu com Mel Gibson? O ator foi um dos maiores astros dos anos 80, quando fez filmes de ação de boa qualidade como Mad Max (George Miller, 1979), e a série Máquina Mortífera (Richard Donner, 1987), e bons dramas como "O ano em que vivemos em perigo" (Peter Weir, 1982) e "O Motim" (Roger Donaldson, 1984). Nos anos 90, interpretou o "Hamlet" na versão de Franco Zeffirelli e chegou a ganhar um Oscar como melhor diretor pelo épico "Coração Valente" (1995). Também como diretor, ousou com uma versão falada em aramaico no ultraviolento "A Paixão de Cristo" (2004), que levou milhões de católicos ao cinema. Foi então que Gibson soltou algumas declarações à imprensa que foram interpretadas como antissemitas. Também foi acusado de bater na esposa, foi preso por dirigir embriagado e cometeu uma série de delitos e deslizes que causaram o afastamento do seu público e o ostracismo em Hollywood. Seu último filme, o drama "Um Novo Despertar" (dirigido e estrelado por Jodie Foster em 2011) foi um desastre nas bilheterias.
Chegamos então a "Plano de Fuga" ("Get the Gringo"), filme de ação que Gibson atuou, produziu e é co-escritor do roteiro. Impossível assistir ao filme sem fazer uma ligação com a vida pessoal do astro. O filme é cru, gravado com uma fotografia digital suja e passado em um México visto pelos olhos racistas de um americano. Mel Gibson parece dizer ao mundo que não liga para as críticas negativas ou aos rumores que dizem que ele sofre de um transtorno bipolar não tratado. Tudo isso seria irrelevante se o filme fosse bom, o que não é o caso. Ele já começa com uma cena clichê de perseguição em que Gibson e um comparsa estão fugindo de policiais na fronteira com o México. Os bandidos estão usando máscaras de palhaço (outro clichê) e, em uma louca tentativa de escapar, Gibson voa com o carro através do muro de proteção que divide EUA e México, aterrissando nas mãos de um grupo de policiais mexicanos corruptos. Ele então vai parar em uma prisão de Tihuana chamada "El Pueblito", uma mistura de penitenciária com favela, em que os presos dividem espaço com as esposas e filhos, além de dezenas de traficantes comandados pelo chefão Ravi (Daniel Giménez Cacho). A ação do início é substituída por um período enfadonho em que, na falta de uma técnica cinematográfica eficiente, o personagem de Gibson tem que narrar em off tudo o que passa por sua cabeça. Ele é um "gringo" que, com seus olhos azuis e pose arrogante, consegue passar despercebido a ponto de atear fogo no ponto de drogas do presídio para roubar uns trocados.
E há a trama que envolve um garoto (Kevin Hernandez, em boa interpretação) de dez anos que se aproxima de Gibson e forma uma parceria, levando o politicamente incorreto a um novo nível. O garoto bebe, fuma, fala palavrões, é filho de uma prostituta e tem planos de matar Ravi, o chefão, porque seu tipo sanguíneo raro é compatível com o dele. Ravi teria matado o pai do garoto por causa de seu fígado, e estaria mantendo o garoto vivo para o mesmo fim. "Plano de Fuga" poderia ter sido uma comédia "trash" interessante com este roteiro e é uma pena que Gibson a tenha interpretado como se fosse sério. O filme não foi lançado nos cinemas nos Estados Unidos, sendo vendido diretamente ao espectador por um sistema de "video on demand", que ainda está sendo testado, e depois irá direto para Blu-Ray e DVD. Sem dúvida vai encontrar púbico entre os fãs de filmes B de ação e violência, mas a estrela de Mel Gibson, provavelmente, vai continuar em baixa. Visto no Kinoplex Campinas.
Steven Soderbergh brinca com os gêneros ação e espionagem nesta obra mista; "A Toda Prova" tem explosões, artes marciais e uma heroína típicos de um filme de ação. Ao mesmo tempo, carrega as origens do cinema independente que Soderbergh tem nas veias e, por vezes, soa como uma bem feita paródia do diretor aos filmes da série "Bourne". A começar que o papel principal é da ex-lutadora de MMA Gia Carano. Ela é Mallory Kane, soldado contratada de uma firma particular americana que presta serviços ao governo (e também faz serviços sujos por conta própria). Mallory é bonita, atlética e incansável, capaz de correr atrás de um bandido por quarteirões ou vencer uma luta corpo a corpo com tropas de elite europeias. Após um serviço de resgate em Barcelona, Mallory é traída pelo seu chefe, Kenneth (Ewan McGregor), que a coloca em uma armadilha. Ela é enviada à Irlanda para fazer par com um agente britânico interpretado por Michael Fassbender, e descobre que havia sido usada em Barcelona para entregar um refém a um grupo rival (liderado pelo ator francês Mathieu Kassovitz). No quarto de hotel, Fassbender tenta matá-la. "Nunca pense nela como uma mulher", prevenira McGregor.
Pode-se notar nesta sinopse duas coisas: o elenco excepcional e a trama confusa. Soderbergh usa de seu prestígio para colocar em papéis coadjuvantes atores do calibre de Fassbender, Michael Douglas, Antonio Banderas, Bill Paxton, Kassovitz, entre outros. Eles servem também para ajudar na interpretação de Gia Carano, que apesar de bonita e lutar muito bem, não é grande atriz. Mas não é ruim, dentro das limitações do papel. A trama usa de todos os clichês de filmes de espionagem, como as locações internacionais (Barcelona, Dublin, Londres, Nova York) e as reviravoltas do gênero. Soderbergh, no entanto, coloca uma pitada de filme independente e autoral na obra, assim como fez com as série "Onze Homens e um Segredo". Ele assina não só a direção, mas a direção de fotografia e a edição (sob pseudônimos), coisa que fez até em filmes de grande orçamento como "Traffic" (2000), pelo qual ganhou o Oscar de melhor diretor. A sequencia passada em Barcelona, quando Mallory e equipe resgatam um refém, subverte os clichês na montagem e principalmente na trilha sonora de David Holmes.
O roteiro de Lem Dobbs tenta humanizar a personagem através da figura de seu pai (Bill Paxton) e em uma cena (vergonhosa, é verdade) em que Mallory chora a morte de um colega de trabalho. No resto do tempo, no entanto, Mallory Kane é implacável como Jason Bourne e distribui socos e chutes em cenas de luta muito bem coreografadas. "A Toda Prova" não traz nada de novo, mas entretém e é bem feito, e Soderbergh coloca seu toque pessoal na obra.
"Como matar dois coelhos com uma bomba atômica só". Esta é a impressão que se tem ao terminar de se assistir a "2 coelhos", produção nacional escrita e dirigida por Afonso Poyart. Acrescenta-se aí a cavalaria americana, os fuzileiros navais, um comando da SWAT e talvez um garoto com um estilingue e se tem uma ideia da obra produzida pelo diretor, que veio do mundo da pós-produção e da publicidade. O filme de Poyart usa de todos os truques e cacoetes possíveis para contar uma história policial que flerta com o cinema de diretores como Guy Ritchie e Danny Boyle, para ficar somente em duas referências. É um cinema de puro entretenimento e é bobagem esperar algo a mais do que isso. Mas é impossível deixar de notar os absurdos do roteiro, cuja trama muda e se transforma a cada dez minutos, como em uma brincadeira de criança em que as regras variam conforme os garotos vão jogando.
Edgar (Fernando Alves Pinto) é um rapaz que acabou de voltar de uma temporada em Miami. Ele foi para os Estados Unidos depois de causar a morte de duas pessoas (uma mãe e seu filho) em um acidente de carro. Ele volta com um plano na cabeça; ele quer "fazer justiça, matar dois coelhos com uma cajadada só". Tramas paralelas mostram a promotora de justiça Julia (Alessandra Negrini) que, com o marido, é "conselheira criminosa" de um bandido chamado Maicon (Marat Descartes, de filmes muito melhores, como "Trabalhar Cansa"). A justiça está com provas contra Maicon e ele precisa pagar 2 milhões de dólares de propina para um deputado corrupto, só que o dinheiro é roubado no caminho. Só que esta trama vale durante uns dez, vinte minutos; Julia, na verdade, estava tendo um caso com Maicon e traindo o marido, ao mesmo tempo em que estava em contato com Edgar. O pai (e marido) das pessoas mortas por Edgar no acidente de carro, Walter (Caco Ciocler), agora trabalha com o pai de Edgar em um restaurante e, aparentemente, quer se vingar de Edgar pela morte da sua família. Ou não. Complicado? Bobagem tentar entender; a trama muda conforme o efeito pretendido pelo diretor/roteirista, independente da lógica.
Tudo isso é mostrado em cortes ultra rápidos em uma edição que mistura diversos tipos de suporte (foram usadas desde máquinas fotográficas para gravar as imagens até câmeras RED de alta definição). Além da edição hiperativa, a narração de Edgar é visualizada de forma literal de diversas maneiras, seja na forma de animações por cima da imagem até sequências completas em computação gráfica (como nas cenas absurdamente exageradas que mostram como Julia imagina sua síndrome de pânico). Influências "pop" povoam os planos, como bonecos dos personagens de Star Wars ou um videogame que simula a vida de Edgar em Miami. É fácil falar mal do filme com julgamentos simples como chamá-lo de "publicitário" e "televisivo", mas estes são adjetivos que, bem ou mal, cabem perfeitamente à obra multimídia de Poyart. A trilha de André Abujamra é intercalada com sucessos de "30 Seconds from Mars" ou dos "Titãs" em sua fase mais pesada.
É um filme que representa bem a geração século XXI, saturada de imagens, informações, efeitos e pirotecnia, tudo embalado em um formato que pode ser até atraente, mas é extremamente superficial.
Como explicar um diretor como Steven Spielberg? Como explicar que, no mesmo ano em que ele lança um dos filmes mais clássicos dos últimos anos, Cavalo de Guerra (filmado em película de 35mm, editado em moviola como nos velhos tempos), ele também lance um dos filmes mais avançados tecnicamente que o cinema atual pode produzir? "As aventuras de Tintim" não é só a primeira animação do diretor, mas também seu primeiro filme em computação gráfica, seu primeiro filme digital e o primeiro em três dimensões. A explicação está no fato de que ser ao mesmo tempo clássico e inovador nunca foi novidade para Spielberg. No mesmo ano em que lançou "Jurassic Park" (1993), com sua extraordinárias criaturas criadas em computação gráfica, também foi responsável por "A Lista de Schindler", um drama adulto sobre o holocausto, feito com atores de carne e osso e rodado em preto e branco.
Tintim, personagem do quadrinista belga Hergé, já era propriedade de Spielberg desde os anos 80, quando fez os filmes de Indiana Jones. Muitos notaram a semelhança entre o arqueólogo interpretado por Harrison Ford e o jovem jornalista de topete que investigava mistérios pelo mundo ao lado de seu cachorro Milu. De tantos em tantos anos ouvia-se rumores de que Spielberg finalmente faria a versão cinematográfica dos quadrinhos do aventureiro, mas o projeto nunca saia do papel. Então surgiu Peter Jackson e sua empresa de efeitos especiais, a WETA, baseada na Nova Zelândia. Em uma parceria que lembra os bons tempos da dupla Spielberg/Lucas (que produziu a série Indiana Jones), Spielberg e Jackson uniram forças para fazer um dos filmes mais empolgantes e inovadores dos últimos anos. "As Aventuras de Tintim" tem todos os ingredientes de um bom filme de aventura, mais passagens de filmes de suspense, ação, lutas de capa e espada e duelos entre navios de guerra. A semelhança de certas cenas com Indiana Jones é tão grande que, em alguns momentos, o espectador fica esperando que a trilha de John Williams toque o tradicional tema do arqueólogo.
"As Aventuras de Tintim" seguem o jovem aventureiro (voz original de Jaime Bell) em sua tentativa de desvendar o enigma do navio "Unicórnio", que afundou séculos atrás com centenas de quilos de ouro a bordo. Tudo começa quando o garoto compra um modelo do navio em uma feira de antiguidades. Assim que ele finaliza a compra outros interessados no navio aparecem. Um deles é o estranho Sr. Sakharine (voz de Daniel Craig), que tem em sua mansão outro modelo idêntico ao que Tintim comprou. Após Tintim ter seu modelo roubado ele e descobre que há, na verdade, três modelos do navio "Unicórnio", cada um contendo um manuscrito que é parte de um enigma. A chave para desvendá-lo está não só nos manuscritos como na mente do Capitão Haddock (voz de Andy Serkis), um experiente (e bêbado) lobo do mar que seria descendente do capitão Francis Haddock, comandante do "Unicórnio" original. O filme leva o espectador em uma aventura por terra, mar, ar e deserto que não só fazem juz aos quadrinhos originais como lembram os bons tempos do cinema de aventura.
Tecnicamente, o filme é surpreendente. Spielberg até engana o espectador com uma abertura com estilo "antiquado", com uma animação estilizada que lembra a abertura de "Prenda-me se for capaz" (2002), para então mergulhar a platéia em um espetáculo audiovisual que, à primeira vista, fica difícil identificar; é uma animação ou um filme com atores? Foi utilizado o sistema de "motion capture" para gravar a movimentação física e as expressões dos atores de verdade, que interpretam as cenas diante de um equipamento especial (veja vídeo de bastidores). Os dados então são transferidos para computadores e usados na animação dos personagens, que têm um visual que é um híbrido de realista com cartunesco. Após algum tempo o espectador se esquece que está vendo uma animação. Interessante como o estilo de dirigir de Spielberg foi bem traduzido para a técnica; em grande parte do tempo percebe-se que o diretor tentou se manter dentro das leis da física tanto na movimentação dos personagens quanto da câmera (que, a rigor, não existe). Em algumas sequências, porém, Spielberg se aproveitou da liberdade ilimitada proporcionada pela animação para criar planos fantásticos, principalmente na sequência em que o Capitão Hadocck se lembra de uma batalha naval e em um fantástico plano-sequência em que vários personagens estão tentando recuperar os manuscritos. Em meio à centena de nomes dos créditos finais pode-se notar que Steven Spielberg está também creditado como "Light consultant". A luz sempre foi marca registrada do diretor, que a usa para criar fachos na tela ou em belos planos em contraluz.
O final deixa clara a possibilidade de uma contiuação, que pode ser feita um dia por Peter Jackson. O filme não teve a bilheteria esperada nos Estados Unidos, apesar de ter sido bem aceito na Europa. De qualquer forma, "As Aventuras de Tintim" revelam que Spielberg, aos 65, ainda tem gás para inovar.
O estúdio de animação Pixar sempre se manteve acima da concorrência nos quesitos técnica e roteiro. Seus filmes animados conquistaram o público de tal forma que se tornaram clássicos instantâneos, tomando a frente da indústria de animação e superando até os tradicionais estúdios Disney, com quem se fundiram e tomaram o controle criativo. Pois bem, eis que um de seus fundadores e principais nomes, John Lasseter, lança agora um filme puramente caça-níqueis, na linha daquelas continuações de segunda classe que a Disney fazia de seus clássicos e lançava direto para o DVD.
"Carros 2" é uma decepção em vários níveis, a não ser no técnico, claro. O trabalho de animação é impecável e o design continua criativo. O primeiro filme, lançado em 2006, era curioso na forma como adaptava não só o mudo dos seres humanos para os personagens de quatro rodas, mas também a própria natureza. As largas paisagens do oeste americano tinham a forma aerodinâmica de grandes Cadillacs, por exemplo, e isto se repete na continuação.
Mesmo não sendo dos melhores filmes da Pixar, o roteiro nostálgico pregava valores como a revalorização das pequenas cidades e uma desaceleração geral do modo de vida. Era uma fantasia fechada e que não precisava de continuações. Na falta de uma boa idéia para "Carros 2", Lasseter simplesmente pegou uma fórmula muito usada (os filmes de espionagem) e arbitrariamente a aplicou aos personagens de "Carros". Poderia ter feito a mesma coisa (com os mesmos resultados ruins) com os brinquedos de "Toy Story", talvez. Quem sabe a coisa funcionasse melhor com os heróis de "Os Incríveis"? Fica clara, infelizmente, a intenção de ganhar dinheiro nas férias da criançada e vender brinquedos.
Sim, as crianças pequenas, principalmente os garotos, vão gostar de ver Relâmpago MacQueen e o guincho Mate se aventurando por países como Japão, Itália, França e Inglaterra em um campeonato mundial de corridas. Um milionário diz ter criado um combustível totalmente orgânico e organizou esta disputa para provar que a era do petróleo terminou. Só que um cientista alemão quer estragar estes planos e criou uma arma que destrói os carros que estiverem usando este combustível. Um agente secreto britânico, Finn McMíssil (voz de Michael Caine, no original) e a sexy Holly Caixadebrita acabam contando com a ajuda de Mate para desvendarem o mistério. Assim, o capiria desastrado Mate acaba tomando o papel de protagonista de "Carros 2", deixando Relâmpago como mero coadjuvante. O roteiro capenga apela para cenas de corrida (narradas por Luciano do Valle, na versão dublada) ou de ação, com todos os tiros e explosões que se esperam de um filme de James Bond. Ou seja, exatamente o contrário de tudo que se plantou no primeiro "Carros". Bola fora da Pixar.
"72 Horas" carece de foco. É um filme indeciso entre ser um thriller clássico de fugitivo, um drama familiar ou, ainda, a saga particular de um marido obcecado pela inocência da esposa. O marido, no caso, é Russell Crowe, carismático e competente como de costume e carregando o filme nas costas. Sua esposa Lara (Elisabeth Banks) foi condenada pelo assassinato da própria chefe e enviada para uma prisão municipal em Pittsburgh.
As "72 horas" do título, na verdade, demoram a começar. O drama se estende por mais de três anos, desde a prisão de Lara, e foca na vida do professor universitário John Brennan (Crowe) e seu filho pequeno Luke. Escrito e dirigido por Paul Haggis, o roteiro não tem pressa. Haggis foi para o time "A" dos roteiristas/diretores de Hollywood após ganhar o Oscar por dois anos seguidos, o primeiro pelo roteiro de "Menina de Ouro", de Clint Eastwood, e depois os prêmios de roteiro e direção por "Crash", filmes com duração longa. O cacife de Haggis é tão alto que, para "72 Horas", ele pode se dar ao luxo de ter coadjuvantes como Lian Neeson, que só aparece por alguns minutos, e Brian Dennehy, que interpreta o pai de Crowe e diz no máximo cinco frases.
John Brennan fica obcecado com a idéia de, esgotadas todas as opções legais, tirar a esposa da prisão por outro meio. Lian Neeson, um criminoso que escapou sete vezes da prisão, lhe passa as informações necessárias para que ele bole um plano que requer a obtenção de documentos falsos, ter um meio de sair do país e, claro, conseguir tirar a mulher da penitenciária sem ser preso ou morto. A interpretação sincera de Crowe e o passo lento do roteiro até conseguem, por vezes, dar verossimilhança a esta premissa absurda. Interessante como Haggis mostra que é teoricamente possível, pesquisando vídeos e tutoriais na internet, aprender desde como se abre uma fechadura até arrombar um carro. O problema é que o roteiro vai se tornando cada vez mais absurdo e, quando o espectador imagina que o filme está para acabar, é como se outro se iniciasse, a partir da fuga de Lara da prisão. Só então "72 Horas" passa a ter aquele ritmo e trama esperados de um filme no estilo de "O Fugitivo", com o agravante que não é só uma pessoa tentando escapar da polícia, mas um homem, uma mulher e uma criança de seis anos.
Para quem gosta de boas interpretações e um ritmo de um cinema mais "clássico", "72 Horas" tem seus pontos de interesse. Mas a trama é cheia de furos e, acabada a sessão, o filme não se sustenta até o final dos créditos.
Em uma cena de "Rambo II", de 1985, Sylvester Stallone está em um barco com uma agente vietnamita. Ela lhe pergunta o porque dele ter sido enviado para lá. Ele responde que ele é "expendable" (dispensável, desnecessário). Vinte e cinco anos depois, Stallone está de volta em um filme chamado "The Expendables" (chamado aqui de "Os Mercenários"), que é um curioso exemplo de filme anacrônico, espécie de homenagem aos filmes "macho" dos anos 1980. Stallone recentemente trouxe de volta os personagens que fizeram sua carreira, como Rocky e o próprio Rambo. Desta vez é como se ele tivesse resolvido fazer o filme "macho" por excelência, reunindo em uma só produção praticamente todos os atores de ação de hoje e de ontem. Só faltaram Jean-Claude Van Damme, Steven Seagal e Chuck Norris. Há mais testosterona (embora um tanto envelhecida) na tela de "Os Mercenários" do que em um Maracanã lotado.
Stallone também trouxe de volta um olhar xenófobo e etnocêntrico com relação a tudo que não é americano e não seja falado em inglês. No mundo preto e branco que vivíamos na Era Reagan de Rambo, não havia lugar para o meio termo. Bush Jr e o 11 de setembro recuperaram um pouco deste olhar.
"Os Mercenários" tem Sylvester Stallone como produtor, ator, roteirista e diretor, fazendo dele um dos casos mais estranhos de "cinema autoral" de todos os tempos. A seu lado temos astros da pancadaria como Jason Statham, Jet Li, Dolph Lundgreen, Steve Austin e Randy Couture, além de Mickey Rourke e Eric Roberts. E há uma cena que seria bem mais interessante se o trailer não a tivesse mostrado tanto, que junta na mesma tela Sylvester Stallone, Arnold Swarzenegger e Bruce Willis. Stallone e Swarzenegger eram "rivais" do cinema brucutu com seus Rambos, Comando, Conan, Rocky e Exterminador. Bruce Willis foi lançado ao estrelato com a série "Duro de Matar", também retomada recentemente.
Em meio a todo este "renascimento" oitentista fica difícil imaginar um roteiro que fosse de alguma forma original, e o que Stallone apresenta em "Os Mercenários" é rigorosamente clichê. Os mercenários do título são contratados por um homem misterioso (Bruce Willis) para derrubar (em outras palavras, matar) um ditador de uma ilha na América Central. O grupo de Stallone vai até a ilha e ele é recebido por uma bela mulher local, interpretada pela brasileira Giselle Itié. Tanto o ditador quando seus homens são patéticos, abusando da população local e servindo de capacho para um ex-agente da CIA interpretado por Eric Roberts.
E não há muito mais o que falar do roteiro. Há as perseguições, cenas de luta e tiroteio esperadas. Em alguns momentos se tenta explorar o carisma do elenco (sendo que Statham e Jet Li são os que se saem melhor). Mickey Rourke faz uma espécie de figura paterna, o homem sábio a quem Stallone recorre quando precisa filosofar sobre a vida. É na oficina de tatuagem de Rourke, aliás, que todos se reúnem para agir como "homens", falar alto, exibir os músculos e brincar com facas. Várias sequências foram filmadas no Brasil e, recentemente, Stallone cometeu uma gafe ao querer elogiar o país; muitos, sofrendo de complexo de vira-lata, ficaram ofendidos, prometendo boicotar o filme. A julgar pela sala lotada, isso foi esquecido.
É como se Jason Bourne tivesse uma irmã gêmea na figura esguia e sedutora de Angelina Jolie. "Salt" é um daqueles filmes de ação que só Hollywood consegue fazer, absurdo, fisicamente impossível, cientificamente inexplicável e tão verossímil quanto James Bond. Aceitando tudo isso e se deixando levar pela trama de ação e espionagem, "Salt" é diversão garantida, com a vantagem de ter um diretor de talento (Phillip Noyce) técnicos afiados e bom elenco.
Angelina Jolie é Evelyn Salt, uma agente da CIA que, no começo do filme, está prestes a largar a vida de ação pela pacata função de esposa e dona de casa quando, no último minuto, entra em cena Orlov (Daniel Olbrychski), um desertor soviético. Como todos que já viram o trailer sabem, Orlov faz uma revelação bombástica: Evelyn Salt seria uma espiã russa infiltrada nos EUA. Seu superior, Ted Winter (Liev Schreiber), até tenta ajudá-la, mas o agente Peabody (Chiwetel Ejiofor) quer prendê-la. Começa então o que pode ser resumido como uma série quase ininterrupta de cenas de perseguição, em uma mistura de Jason Bourne com "Corra, Lola, Corra".
Angelina Jolie é boa atriz. Seu início de carreira foi no telefilme "Gia", da HBO, em que interpretava uma top model viciada em drogas que foi das primeiras vítimas do vírus HIV. Ela ganhou um prêmio Emmy pelo papel e, em seguida, um Oscar pelo filme "Garota Interrompida". Mas sua beleza e corpo atlético a levaram para filmes de ação como a série "Tomb Raider" ou "Sr. e Sra. Smith", com o atual marido Brad Pitt e, a não ser em "A Troca", de Clint Eastwood, vimos pouco de Jolie como atriz "séria". Em "Salt" há pouco espaço para grandes interpretações, mas Jolie faz um bom trabalho em mostrar as várias facetas da suposta agente dupla soviética. Quem é "Salt", afinal? Seria membro do lendário programa soviético que teria treinado crianças para serem infiltradas nos Estados Unidos como agentes? Ou ela é uma americana leal que está sendo incriminada?
O roteiro, claro, é completamente absurdo. Há várias reviravoltas e surpresas que, apesar de funcionarem no momento do filme, não resistem a uma análise posterior. Apesar disso, o filme é competente o suficiente para prender a atenção e criar situações interessantes. O final deixa aberta a possibilidade de uma sequência. Jason Bourne que se cuide.
Em 1987, Arnold Swarzenegger estrelava um bom filme de aventura e ficção-científica chamado “Predador”. A produção tinha todas as marcas da década, como personagens musculosos, patriotismo americano e violência. O diretor John McTierman conseguiu criar uma boa dose de suspense enquanto cada ser humano, em meio à selva, era caçado e morto por um alienígena capaz de se camuflar entre a folhagem. O sucesso do filme gerou a obrigatória seqüência inferior em 1990 e dois inúteis exercícios chamados “Alien versus Predador”.
Como estamos em época de remakes e reboots de séries e franquias, o alienígena caçador volta aos cinemas agora sob a produção de Robert Rodriguez, que chegou a escrever um roteiro para um “Predador 3” ainda nos anos 90, e a direção de Ninrod Antal. A maior surpresa deste novo capítulo é o elenco. No lugar do halterofilista austríaco está Adrien Brody, ator oscarizado por sua interpretação em “O Pianista” e, provavelmente, a última pessoa em quem se pensaria para este papel.
Brody já flertou com blockbusters antes, fazendo o dramaturgo no King Kong (2005) de Peter Jackson, mas naquele filme ele era literalmente um peixe fora d´água. Em “Predadores” (agora no plural) ele é um mercenário chamado Royce, que começa o filme em queda livre, aterrissando com um estrondo em uma selva desconhecida. Ele não está sozinho. Também caem do céu o soldado russo Nikolai (Oleg Taktarov), uma militar israelense (a brasileira Alice Braga), um traficante mexicano (Danny Trejo), um médico (Topher Grace, aos 32 anos, ainda com cara de adolescente), um japonês da máfia yakuza (Louis Ozawa), um guerrilheiro africano (cujo nome real é Mahershalalhashbaz Ali) e um preso condenado à morte (Walton Goggins). São todos personagens clichês em uma situação inusitada. O que eles estão fazendo ali? Quem os jogou ali? E, o mais importante, onde é “ali”? A bússola não aponta para o norte e, o mais estranho, o Sol não se move (fato que é “esquecido” na parte final do filme, em que anoitece sem nenhuma explicação). As interpretações são acima da média para um filme do gênero e, ao menos na primeira metade, o roteiro é intrigante o suficiente para manter a atenção. O grupo é atacado por uma espécie de cachorro alienígena com longos chifres e eles chegam à conclusão de que estão sendo caçados por “alguma coisa”.
O filme se perde justamente no momento mais promissor. Eles encontram outro “náufrago” deixado naquele planeta, interpretado pelo grande Laurence Fishburne. Ele sobreviveu a dez “temporadas de caça” e mora em uma espécie de “máquina” alienígena, onde se esconde e conversa com um companheiro imaginário. Fishburne é bom ator e seu personagem causa a impressão que teremos um roteiro inteligente dali para frente. Infelizmente, a sensação dura pouco. Logo o filme apela para os clichês do gênero, como perseguições em corredores escuros e mortes violentas. Há até uma cena que de tão absurda chega a ser engraçada. Um dos Predadores, que poderia destruir um ser humano facilmente com um tiro de laser, enfrenta o japonês da yakuza em uma luta de espadas samurai. Adrien Brody assume seu lado personagem de ação “marombado” e exibe um corpo musculoso, com barriga tanquinho, enquanto entra na “porrada” com outro Predador.
Como blockbuster de ação, “Predadores” até diverte e se desenrola como o esperado de um filme do gênero. Há muitas explosões, tiros, sangue vermelho (humano) e verde (alien) e até um final aberto para uma continuação. Quem sabe? No próximo talvez chamem Sir Anthony Hopkins para um papel. Hannibal versus Predador? Sucesso garantido.
“O Segredo dos seus olhos” surpreendeu ao ganhar, no último dia 7 de março, o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O favorito era “A Fita Branca”, de Michael Haneke, premiado com a Palma de Ouro em Cannes e o Globo de Ouro de Filme Estrangeiro. Mas o filme do argentino Juan José Campanella tem méritos suficientes para merecer o prêmio. Campanella já havia sido indicado a um Oscar por “O Filho da Noiva” (2001) e está construindo uma carreira sólida e competente tanto na Argentina quanto nos Estados Unidos, onde dirigiu episódios para várias séries de televisão, como “Law & Order” e “House”.
Campanella, é verdade, segue uma “fórmula” em suas histórias. Há o homem de meia idade (representado por Ricardo Darín), inseguro quanto ao próprio talento e apaixonado por uma mulher por quem ele não consegue se declarar. Há o amigo engraçado (geralmente, Eduardo Blanco), mas com algum tipo de problema, como o alcoolismo. Há um fundo político ancorado na conturbada história da Argentina. Foi assim em “O Mesmo Amor, a Mesma Chuva” (1999), em que Ricardo Darín era um escritor que se apaixonava por uma mulher (Soledad Villamil), mas não conseguiu se declarar por anos. Darín e Villamil voltam agora em “O Segredo dos seus olhos”, que acrescenta o elemento do suspense à fórmula de romance de Campanella. Darín é Benjamin Espósito, um oficial de justiça que fica obcecado em solucionar o cruel assassinato de uma moça. São os anos 1970 e a Argentina está às voltas com instituições corruptas e incompetentes. Espósito e o colega Sandoval (Guillermo Francella, substituindo Eduardo Blanco) tentam driblar as dificuldades burocráticas para solucionar o caso, como invadindo a casa do principal suspeito, Isidoro Gómez (Javier Godino), antigo namorado da moça. Eles também são auxiliados por Irene (Villamil), colega de trabalho por quem Espósito é apaixonado.
Campanella, que também é o editor do filme, por vezes o deixa se estender demais. E o final, apesar de coerente com o exposto durante a trama, é muito fantástico. Mas a direção é primorosa, aulixiada pelo competente elenco. Ricardo Darín, que já trabalhou com Campanella em "O Mesmo Amor, a Mesma Chuva" (1999), "O Filho da Noiva" (2001) e "Clube da Lua" (2004), é muito bom em passar as nuances de seu personagem dividido em conquistar Irene e descobrir o assassino da moça. Villamil e Darín, na tela, são sempre verdadeiros, como um velho casal com muita história para contar. Tecnicamente, Campanella consegue o feito de um plano sequência espetacular no ponto chave do filme, um jogo de futebol em que o suspeito é localizado. Uma câmera aérea focaliza um estádio de futebol lotado, se aproxima, entra na platéia e se mistura aos torcedores em um único plano, que continua por cinco minutos ininterruptos, com o suspeito tentando fugir dos oficiais de justiça e da polícia. É um plano fantástico e, o que é mais importante, não é gratuito, passando ao espectador a emoção de estar em um estádio lotado de futebol.
Falando em futebol, o sucesso do filme argentino e a vitória no Oscar causou certa polêmica entre os cinéfilos e críticos brasileiros, revivendo a velha rixa entre os dois países. Pura bobagem. "O segredo dos seus olhos" é um belo filme e deve ser apreciado como tal.