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domingo, 4 de fevereiro de 2024

Stillwater - Em busca da verdade (Stillwater, 2021)

Stillwater - Em busca da verdade (Stillwater, 2021). Dir: Tom McCarthy. Netflix. "Stillwater" é daqueles filmes que não sabem o que querem ser. Há duas boas histórias convivendo aqui, mas não há muita liga entre elas. Matt Damon é Bill, o típico americano médio, trabalhador braçal, boné, cavanhaque, dirigindo um utilitário e rezando antes de toda refeição. Bill vai para Marselha, França, visitar a filha. Allison (Abigail Breslin) está presa pelo assassinato da namorada, Linda, há cinco anos. A filha alega ter descoberto novas evidências de sua inocência, mas como a promotora não quer reabrir o caso, cabe a Bill investigar por conta própria.

Bill não fala francês (claro) e está hospedado em um pequeno hotel, onde conhece uma mãe solteira, Virginie (Camille Cottin, ótima) e a filha pequena, Maya (Lilou Siauvaud). É conveniente demais que Virginie saiba falar inglês e, do nada, resolva ajudá-lo na investigação, mas... ok. O problema é que o filme não sabe se vai ser sobre a investigação do caso de assassinato da filha ou sobre a relação de Bill com essa francesa e a filha. Há momentos em que as duas histórias convergem mas, por grande parte do filme (que é longo demais, com duas horas e vinte de duração), parece que estamos vendo uma estranha comédia romântica. Virginie é atriz de teatro e tenta fazer o americano ignorante gostar de arte. Bill se apaixona pela garotinha, Maya, e passa a buscá-la na escola e até arruma um emprego na construção civil. Logo todos estão morando juntos, Bill faz comida para as mulheres da casa, Virginie arruma um emprego na televisão e.... que filme estamos vendo mesmo?

Damon, mais "gordo", de cavanhaque e boné, tenta fazer a gente esquecer que ele é Jason Bourne, mas é estranho vê-lo andando pelas ruas da França sem saber muito o que fazer. Lá pelo final o filme se lembra da trama de assassinato e muda drasticamente, partindo para um final estranho demais. A direção é de Tom McCarthy, que dirigiu o vencedor do Oscar "Spotlight". Tá na Netflix.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Madame (2017)

Madame (2017). Dir: Amanda Sthers. Amazon Prime. Comédia dramática que poderia ter rendido bem mais, "Madame" lembra um pouco "Que horas ela volta?", filme brasileiro em que Regina Casé interpretava uma empregada "da família" em uma casa de São Paulo. Aqui, uma família americana rica tem uma casa enorme em Paris. O casal principal é interpretado pelos grandes Harvey Keitel e Toni Collette, excelentes. A empregada é Rossy de Palma, espanhola vista em vários filmes de Almodóvar.

A americana organiza um jantar de gala em que até o prefeito de Londres estará presente, mas há um problema: o filho de Harvey Keitel, Steven (Tom Hughes) aparece de surpresa, o que faz com que a mesa tenha 13 convidados. Para fazer um número par, a patroa pede que a empregada coloque um vestido e se sente à mesa ("fale pouco, beba pouco"). Só que um convidado, um vendedor de arte inglês (Michael Smiley), acaba se apaixonando pela espanhola (que ele acredita ser da realeza da Espanha).

Está armada uma comédia de erros em que o rico inglês começa a sair com a empregada espanhola, acreditando que ela é uma rica excêntrica, enquanto que a patroa americana não se conforma que a empregada tenha uma vida amorosa melhor do que a dela. Toni Collette está muito bem como uma mulher rica mas mal amada, que acha que a empregada deve voltar "ao seu lugar". O tom cômico se torna mais dramático conforme o ciúme da patroa aumenta e ela começa a interferir no romance da empregada. Harvey Keitel está divertido e Rossy de Palma está muito bem. É um filme bem europeu, com produção francesa mas falado em inglês. O tema poderia ter rendido mais, mas não é um filme ruim. Disponível na Amazon Prime.
 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Chave de Sarah

Kristin Scott Thomas é Julia Jarmond, uma jornalista americana que construiu uma vida na França. Ela é casada, tem uma filha adolescente e está escrevendo uma matéria sobre um período pouco falado (e vergonhoso) da história francesa. Em julho de 1942, com a França ocupada pelo exército nazista, judeus franceses foram retirados à força de suas casas e levados a um velódromo de Paris, onde passaram cinco dias em condições sub-humanas. "Era necessário fechar a janela por causa do mau cheiro", diz uma vizinha do velódromo, anos depois, à jornalista.

O mais absurdo da situação é que os oficiais responsáveis pela operação não eram nazistas alemães, mas soldados franceses. Quando eles invadiram o apartamento da família Starzynski, em 1942, a pequena Sarah (Mélusine Mayance) levou o irmão Michel para um armário e o trancou lá, dizendo que voltaria para buscá-lo. Sarah e a família são levados primeiro ao velódromo e depois para campos temporários, onde os homens foram separados das mulheres e, depois, as crianças das mães. Sarah, apesar de cada vez mais fraca e doente, segura nas mãos a chave do armário onde trancou o irmão, imaginando um modo de fugir para resgatá-lo.

Dirigido por Gilles Paquet-Brenner, "A Chave de Sarah" alterna de forma eficiente a trama passada em 1942 e a pesquisa realizada por Julia em 2009. Apesar de mais de 60 anos separarem os dois eventos, há pontos em comum que deixam Julia cada vez mais incomodada. O apartamento em Paris que o marido está reformando, por exemplo, pertenceu à família dele desde a época da guerra. Um pesquisador sobre o Holocausto, depois de investigar o endereço, informa Julia que o apartamento havia pertencido à uma família judaica de nome Starzynski. Julia fica obcecada com a história trágica de Sarah e, depois de saber do irmão que havia sido deixado trancado no apartamento, se recusa a morar lá. A família do marido passa a questioná-la sobre o porquê dela estar desenterrando um passado que todos gostariam de esquecer. "A verdade tem um preço, para o bem ou para o mal", responde a jornalista.

Curioso que a trama de "A Chave de Sarah" também foi contada recentemente no filme "Os Nomes do Amor". Naquele filme, a mãe do personagem principal também era uma sobrevivente dos nazistas que havia sido criada em um orfanato, sofrendo com a perda da própria identidade. A colaboração dos franceses no massacre dos judeus é uma ferida aberta na história da Europa, que sofre até hoje com problemas de racismo e antissemitismo. Kristin Scott Thomas é uma ótima atriz que, assim como sua personagem, mudou-se para a França e construiu uma carreira sólida em filmes como "Partir", "Há tanto tempo que te amo" e vários outros. Ela interpreta Julia como uma mulher madura e cansada com a hipocrisia do mundo. Em meio à reportagem ela descobre que está grávida e se recusa a fazer o aborto que o marido gostaria que fizesse.

A parte final sofre pela longa duração e certo didatismo. A busca de Julia pela história de Sarah a leva aos Estados Unidos e depois à Itália, onde o ator Aidan Quinn faz uma participação especial como um filho de Sarah. Bom filme. Visto no Topázio Cinemas, Campinas.

Câmera Escura

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os Nomes do Amor

É de se imaginar que uma história de amor entre um homem judeu e uma mulher árabe seja confusa, mas o filme de Michel Leclerc adicionou elementos ainda mais complicadores. Arthur Martin (Jacques Gamblin) é um quarentão que se define como o típico francês. Seu nome é tão comum que ele se sente como um membro da seleção de futebol coreana (em que mais da metade dos jogadores se chamava "Kim"). Já Bahia Benmahmoud (Sara Forestier) tem orgulho de ter um nome único, apesar de ser sempre confundida como brasileira. Ela é descendente de um imigrante ilegal argelino e de uma hippie francesa, mas suas feições (branca e com grandes olhos azuis) não aparentam sua origem. Já Arthur é filho de um ex militar francês que trabalha com energia nuclear e que se casou com uma judia com um passado difícil; os pais dela foram enviados ao campo de concentração de Auschwitz, e ela cresceu em um orfanato. Os pais de Arthur nunca conversavam sobre o assunto e ele passou a vida aprendendo a como falar com eles sobre "nada", já que não podia mencionar assuntos considerados tabu.

A família de Bahia, apesar de muito mais liberal, também guarda um segredo. Quando criança, ela foi abusada sexualmente por um professor de piano. Segundo os psicólogos, Bahia tinha duas opções quando se tornasse adulta: tornar-se pedófila ou prostituta. Ela decidiu tornar-se prostituta, mas de um tipo diferente. Seguindo o ditado "faça amor, não faça a guerra", Bahia tem como missão transar com homens da "direita" para mudar sua opção política. Assim, do encontro deste homem reprimido e careta, Arthur, com esta garota desinibida e política, Bahia, o roteiro faz uma bizarra história de amor. Mistura-se a isso uma forte dose de crítica aos problemas raciais e de imigração que existem hoje na França e se tem "Os nomes do amor".

O filme foi escrito pelo diretor Michel Leclerc e por sua esposa, Baya Kasmi, com grande quantidade de fatos autobiográficos. Há tantas questões sendo tratadas (racismo, imigração, nazismo, sexismo, política etc) que o roteiro peca por excesso. O ponto principal, quando todas estas diferenças acabam se chocando, demora a chegar em uma ótima cena em que Michel, Bahia e seus pais se encontram em um jantar. Sara Forestier é um vulcão em erupção o tempo todo, contrastando com o modo frio e controlado de Jacques Gamblin. Há partes românticas, como na delicada cena em que Arthur veste Bahia, misturadas a  outras  inverossímeis, como quando Bahia se esquece de colocar as roupas e sai nua pelas ruas. É usado o recurso (já um tanto batido) dos personagens falarem diretamente para o espectador, principalmente quando contam a história de seus pais. Em outros momentos, os personagens conversam com versões mais novas deles mesmos.

"Os nomes do amor" melhora quando diminui um pouco o ritmo para dar lugar à seriedade de certas situações, como a reação da mãe de Arthur ao ser confrontada pelo passado. A II Guerra Mundial ainda tem marcas profundas na Europa ("Things all long gone, but the pain lingers on", como diz a letra de Pink Floyd, The Wall), e a França teve um comportamento questionável na época. As consequências podem ser sentidas até hoje e o filme levanta, de modo leve, questões extremamente sérias. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.



domingo, 19 de junho de 2011

Turnê

Mathieu Amalric se estabeleceu como um ator de fama mundial após estrelar filmes como "Munique" (2005), "O Escafandro e a Borboleta" (2007), e "007 - Quantum of Solace". Seu rosto quase sempre serviu para interpretar personagens escusos ou vilões, e não é muito diferente neste filme escrito e dirigido por ele, "Turnê", pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, em 2010.

Joachim Zand (Amalric) não é um vilão, mas um decadente diretor que, um dia, já teve fama e sucesso. "Turnê" começa com seu retorno dos Estados Unidos, onde foi tentar a vida. Ele está acompanhado por um grupo bizarro de mulheres de meia idade que, também decadentes, são as estrelas de um show "burlesco" de dança, canto e striptease. Amalric, como diretor, adota um estilo documental de filmar o dia-a-dia destas pessoas, e o roteiro não é nada didático. A relação de Zand com "suas garotas" é de amor e ódio. Em um momento estão todos rindo e fumando juntos, nos bastidores, acompanhando a apresentação de uma delas no palco; em outro, as garotas jogam na cara dele que o show é delas e que ele não deve interferir. Há também uma cobrança constante sobre um prometido show em Paris que, aparentemente, Zand não vai conseguir produzir. Enquanto isso, a trupe perambula por cidades pequenas, se apresentando em teatros ou discotecas de segunda classe. Os shows (concebidos pelas próprias atrizes, segundo os créditos finais) variam do bizarro ao artístico. Há uma performance bastante boa de "Dream On", do Aerosmith, tocada ao piano. Há uma apresentação surpreendente em que um grande balão de festa é usado de forma criativa. Há vários tipos de striptease parcial. Tudo isso é filmado pelo diretor de fotografia de Amalric, Christophe Beaucarne, em cores fortes, geralmente do ponto de vista dos bastidores.

Há momentos muito interessantes, como quando Amalric parte para Paris em busca de um teatro. Ele para em um posto de gasolina e tem uma cena muito boa com uma operadora do caixa, que lhe pergunta onde está indo. "Vou buscar meus filhos", ele diz. A surpresa é que ele não está mentindo. Sem muitas explicações, Zand pega dois garotos em uma lanchonete e os arrasta junto com a turnê. Uma das suas "garotas", Mimi (Miranda Colclasure), é uma loira que está acima do peso e tem o corpo cheio de tatuagens. Aos poucos, um clima de romance (e ódio) começa a surgir entre ela e Joachim Zand, provavelmente causado pelo aparecimento dos garotos.

É um filme bastante melancólico e, a bem da verdade, um pouco indigesto para espectadores com pouca paciência. O roteiro é apenas um fio tênue que se arrasta de cena a cena, show a show, cidade a cidade. O final é, ao mesmo tempo, melancólico e fantasioso. Amalric se mostra um diretor sensível e aberto a improvisos. Suas garotas são um retrato triste de decadência misturada com a alegria de um grupo de turistas perambulando pela França. The show must go on.


sábado, 18 de junho de 2011

Meia-noite em Paris

Woody Allen volta em um dos seus filmes mais belos e nostálgicos. Após filmar em Londres e Barcelona, Allen agora pinta Paris com uma fotografia dourada que, no início do filme, até faz uma homenagem com a cidade; por vários minutos, vê-se os pontos turísticos de Paris em toda a sua glória. É, ao mesmo tempo, um clichê e uma novidade; onde estão os famosos créditos brancos sobre fundo preto, costumeiros de Allen? Eles surgem, rápidos, após as imagens da cidade, e o filme se inicia.

A princípio, é a típica trama de Woody Allen. Owen Wilson (imitando Allen) é Gil Pender, um roteirista de cinema que é bem sucedido, mas está infeliz com os filmes superficiais que escreve. Ele se encontra em Paris com a noiva mimada e mandona, Inez (Rachel McAdams) e os sogros autoritários. Estão na cidade a negócios do pai de Inez, mas Gil quer se inspirar para terminar seu livro. Paris é a mítica cidade para onde os artistas iam para criar, e Gil que seguir os passos de Ernest Hemingway, entre tantos outros. A noiva mal presta atenção a ele e os sogros o acham um lunático. Para piorar, eles encontram um amigo de Inez, Paul (Michael Sheen) que é especialista em todos os assuntos possíveis, de vinho tinto a arte impressionista. Gil, o típico anti-herói "Alleniano", sente-se diminuído.

É então que a "mágica" acontece. Uma noite, perdido pelas ruas de Paris, Gil escuta o relógio dar doze badaladas e um carro antigo para na rua. Ele entra e, de repente, vai parar nos anos 20, que considera a "era dourada" de Paris. Começa então uma série de situações engraçadas e surpreendentes. Em uma festa, Gil encontra Scott e Zelda Fitzgerald. Ao piano, Cole Porter canta uma de suas obras primas. Em uma mesa de bar está Ernest Hemingway (Corey Stoll), que se recusa a ler o livro de Gil: "Se for ruim, vou odiar sua mediocridade. Se for bom, vou odiar minha inveja", diz Hemingway, que leva o manuscrito para Gertrude Stein (sim, Kathy Bates). Na casa de Stein, Gil conhece um pintor chamado Pablo Picasso, que está com sua nova amante, Adriana (a bela Marion Cotillard). Gil, é claro, se apaixona instantaneamente pela garota.

O roteiro de Allen mistura sequências passadas nos anos 20, noturnas, com outras contemporâneas, em que Gil tem que lidar com o estresse da noiva e a desconfiança dos sogros. Aos poucos, porém, sua autoconfiança cresce e ele passa a enfrentar o pedantismo do "sabe tudo" Paul e a conversa conservadora do sogro, republicano tradicional (que odeia a França). Claro que o noivado de Gil e Inez está com os dias contados, mas como resolver o problema de estar apaixonado por uma mulher dos anos 20? Há uma sequência ótima em que Gil tem uma conversa sobre o assunto com ninguém menos que Salvador Dalí (Adrien Brody, ótimo), Luiz Buñuel (Adrien de Van) e Man Ray (Tom Cordier) que, surrealistas, acham tudo muito normal.

A direção de fotografia, excelente, é do iraniano Darius Khondji, que já trabalhou com David Fincher em "Se7en" (1995) e "Quarto do Pânico" (2002). Há alguns planos muito bem feitos em "Meia-noite em Paris", como quando Gil, Inez, Paul e a esposa visitam o palácio de Versalhes, feito em plano-sequência. O roteiro, apesar de nostálgico, é paradoxalmente atual em mostrar que, em todas as eras, há pessoas que acham que o passado é melhor. Os anos 20 podem ter sido fantásticos mas, é de se pensar, não havia filmes de Woody Allen.


sábado, 11 de junho de 2011

Copacabana

A julgar pelos filmes vistos hoje no Festival Varilux de Cinema Francês ("Um gato em Paris", "Uma Doce Mentira" e "Potiche: Esposa Troféu", além deste), o relacionamento entre mães e filhas anda mal na França. Isabelle Huppert é Babou, uma mulher que vive de forma "livre", mas é tão irresponsável que está sempre desempregada, sem dinheiro e, ultimamente, sem o respeito da filha Esmeralda (Lolita Chammah). O relacionamento entre as duas está tão ruim que Esmeralda diz à mãe que não quer que ela vá ao seu casamento, pois não quer passar vergonha.

Querendo mudar sua imagen diante da filha, Babou aceita um trabalho como vendedora de imóveis na cidade de Oostende, na Bélgica. Sempre exagerando na maquiagem e nas roupas e desbocada, Babou não é muito querida pelos outros vendedores com quem divide um apartamento mas, surpreendentemente, ela consegue atrair mais clientes que os outros; aos poucos, ganha a confiança de Lydie (Aure Atika, de "Mademoiselle Chambom"), sua encarregada. Também arruma rapidamente um amante (que se sente como um objeto sexual) e, por identificação, começa a ajudar um casal de moradores de rua.

Escrito e dirigido por Marc Fitoussi, o filme depende completamente da interpretação magistral de Isabelle Huppert. Interpretada de forma errada, Babou poderia facilmente cair em uma caricatura de mulher engraçada e decadente; Huppert faz da personagem (que, sim, é exagerada) uma mulher viva e cheia de defeitos, mas que fica realmente sentida por ter decepcionado a única filha. No fundo, ela não tem mau coração e tenta ajudar as companheiras de trabalho, mesmo sendo suas competidoras. O título vem da vontade de Babou, que já viajou por vários países da Europa, de um dia vir para o Brasil, mais especificamente (e tipicamente) para o Rio de Janeiro. A trilha sonora, aliás, é toda composta por samba e bossa-nova. "Copacabana" é um filme engraçado e vibrante, que deve ser visto pela interpretação de Huppert (que demonstra sua versatilidade quando comparada, por exemplo, com sua personagem fria e dura de "Minha Terra: África"). Visto como cortesia no Topázio Cinemas, em Campinas.


domingo, 26 de dezembro de 2010

Minha Terra, África

A África foi e continua sendo um dos continentes mais explorados e prejudicados da era moderna. Os países europeus a dividiram em pedaços, desrespeitaram fronteiras culturais e tribais e a pilharam até o último centavo. Os reflexos continuam sendo vistos; revoluções contínuas, fome, doenças, ditadores, minas terrestres, morte.

"Minha Terra, África", da roteirista e diretora francesa Claire Denis, vai fundo na exposição de todos estes problemas do ponto de vista de uma mulher branca, Maria Vial, apegada a uma plantação de café em um país africano não identificado. Maria é interpretada por Isabelle Huppert, e o primeiro plano dela no filme é um choque. A grande atriz francesa se expõe com todas as marcas da idade e um olhar que mistura cansaço com determinação cega. O país está tomado por uma guerra civil, pessoas estão sendo mortas à esmo e todos os empregados de Maria na fazenda estão fugindo, mas Maria, com um pragmatismo branco e capitalista, argumenta que falta apenas uma semana para o café estar pronto para vender e é incapaz de ver os problemas à sua volta. Crianças portando armas como lanças e rifles automáticos invadem a fazenda e, como fantasmas, passeiam pelos cômodos fazendo pequenos furtos e atacando o filho de Maria, Miguel (Nicholas Duvauchelle), mas ainda assim a francesa não consegue desistir do que considera sua propriedade e sua colheita.

Christophe Lambert (sim, o velho galã careteiro dos anos 80) interpreta André, marido de Maria, que tenta fazer um acordo com o prefeito local para trocar a fazenda pela segurança da família. Para isso ele precisa da assinatura do sogro, um senhor que mora em uma casa ocidental com ar condicionado em meio ao calor africano. "Minha Terra, África" não é um filme fácil. A câmera na mão está quase sempre próxima dos personagens, dando uma sensação de claustrofobia. O trabalho de som é muito bom, mas também serve para oprimir o espectador em um mundo em que a natureza é onipresente, com o constante som dos insetos zumbindo alto. A vida humana não vale muita coisa neste ambiente doente e em decadência, e Denis não tem escrúpulos em mostrar como tudo é pobre e sem esperanças. Em um diálogo revelador, um velho africano diz à Maria que não foi embora porque não conseguiria se adaptar em nenhum outro lugar. Quando Maria diz que também não, ele diz que há uma diferença importante: ela não vai embora porque tem medo que tomem o que ela julga ser dela. É essa possessividade que fará com que, no final, Maria fique sem nada. (visto em pré-estréia no Topázio Cinemas, em Campinas).


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Profeta

A situação dos imigrantes, na Europa, é delicadas. Na França, o presidente Nicolas Sarkozy tem implementado leis consideradas racistas contra muçulmanos e ciganos, entre outros povos. Este caldeirão cultural está muito bem representado em "O Profeta", de Jacques Audiard, que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro este ano com "A Fita Branca", de Michael Haneke, e "O Segredo dos seus Olhos", de Juan José Campanella, entre outros.

"O Profeta" é um filme longo, forte, violento e extraordinário. O jovem franco-árabe Malik El Djebena (Tahar Rahim) chega à prisão com 19 anos, após passar uma vida em reformatórios. Não sabe responder à maioria das perguntas ao guarda que preenche sua ficha, como informações sobre seus pais ou se sua primeira língua é o francês ou o árabe. Seu corpo tem as marcas de anos de maus tratos, com diversas cicatrizes. A prisão está dividida; os muçulmanos têm sua parte do pátio, os corsos outra. O "chefe" não oficial da prisão é o corso César Luciani (Niels Arestrup), mafioso que controla diversos negócios ilegais de dentro das grades. Um dia seu grupo se aproxima do recém-chegado Malik e lhe impõe uma missão: ele deve matar um árabe chamado Reyeb (Hichem Yacoubi), testemunha chave de um caso que envolve a máfia. O filme é extremamente violento e os detalhes do assassinato, envolvendo litros de sangue, são mostrados sem pudor. Após o crime, Malik passa a contar com a proteção significativa de Luciani e seus mafiosos corsos. A Córsega, ilha à oeste da Itália, é governada pela França, mas tem seus costumes próprios e até a própria língua.

Malik se encontra em uma posição ao mesmo tempo perigosa e privilegiada. Ele é meio árabe e meio francês, além de muito esperto, o que faz com que ele consiga transitar entre as diversas castas dentro da prisão, iniciando aos poucos seus negócios. Ele é visto pelos muçulmanos como um corso, enquanto os corsos o vêem como um "árabe sujo". O único que percebe seu potencial é César Luciani (em interpretação magistral de Niels Arestrup), que explora a adaptabilidade de Malik para seu proveito. O roteiro é muito inteligente e mostra o embate dentro e fora da prisão destas várias raças e povos, todos vivendo na França. Conforme o filme passa a situação ambivalente de Malik se torna cada vez maior e não se sabe de que lado ele está. O filme lembra um pouco os bons anos de Scorsese e uma de suas obras primas, "Os Bons Companheiros" (de 1990). Forte e realista, o filme assustou alguns espectadores, que abandonaram a sala. Mas é um filme corajoso e muito bem feito, mostrando um dos piores lados da delicada situação dos imigrantes na Europa.


segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Pequeno Nicolau

"O Pequeno Nicolau" é vibrante, divertido e deliciosamente nostálgico. O filme remete a uma época em que as crianças brincavam na rua sem medo, não havia computadores em casa e a imaginação reinava solta. Nicolau (o ótimo Maxime Godart) é um garoto que não sabe o que vai ser quando crescer. Segundo ele, isso acontece porque ele adora sua vida como é hoje. Seu pai (o engraçado Kad Merad, de "A Riviera não é aqui") é um empregado esforçado que está tentando uma promoção no trabalho. Sua mãe (Valérie Lemercier) o adora e, segundo Nicolau, "sempre quis ser mãe" (sim, junto com a nostalgia o filme também remete a um tipo de sociedade machista do século passado, mas com boas intenções).

Um dia, na escola, a professora (Sandrine Kiberlain, de "Mademoiselle Chambon") conta à classe a história do Pequeno Polegar, que foi abandonado pelo pai na floresta. Um garoto da sala, Joachim (Virgile Tirard), conta outra história assustadora aos amigos: ele ganhou um irmãozinho; o bebê recebe toda atenção da casa e seus pais estão agindo de forma muito estranha e sendo amáveis um com o outro. Nicolau, com sua grande imaginação, acha que seus pais também vão ganhar um bebê e, assim como na história do Pequeno Polegar, vão levá-lo para a floresta e deixá-lo lá. Há uma cena muito engraçada em que, de fato, os pais vão até a floresta e Nicolau, precavido, se tranca dentro do carro.

O filme de Laurent Tirard é baseado nas histórias do quadrinista René Goscinny, criador das ótimas HQ de "Asterix, o Gaulês". Tirard conduz o filme com leveza e grande apuro técnico. Tudo funciona muito bem, como a direção de arte, fotografia e efeitos especiais invisíveis, que recriam a França dos anos cinquenta. O elenco infantil é impecável. Há os tipos que todo mundo já conheceu um dia, como o comilão da sala, o sabe-tudo "puxa-saco" da professora, o distraído, o riquinho e assim por diante. O roteiro é inteligente por mostrar a ingenuidade do mundo infantil não só no que tem de gentil, mas também no que tem de egoísta ou mesmo cruel. Nicolau, assustado com a idéia de ser abandonado pelos pais, começa a fazer planos cada vez mais malucos para se livrar do susposto irmãozinho. Ele e a turma planejam contratar um "gângster" para sequestrar o bebê. Mas como conseguir o dinheiro para pagá-lo?

"O Pequeno Nicolau" é uma opção inteligente para levar as criaças aos cinemas nas férias. Certifique-se de deixar claro que eles não vão ser abandonados na floresta depois.


sábado, 15 de maio de 2010

Robin Hood

A figura mítica de Robin Hood já foi mostrada no cinema em diversos filmes. Já no cinema mudo, em 1922, Douglas Fairbanks encarnou o "príncipe dos ladrões", imortalizado depois por Errol Flynn em filme de 1938. Uma das versões mais modernas trazia Kevin Costner no papel, em 1991, sem se preocupar com o sotaque americano. Até "007", Sean Connery, viveu um Robin Hood de meia idade, contracenando com Audrey Hepburn como Lady Marion, em filme dirigido por Richard Lester em 1976.

Agora é a vez da dupla formada pelo diretor Ridley Scott e o ator Russell Crowe (que juntos fizeram "Gladiador", "Um Bom Ano", "O Gângster" e "Rede de Mentiras") de darem sua visão da história. Robin Hood é uma lenda com várias versões. Algumas o mostram como um valente cruzado que lutou ao lado do rei Ricardo Coração de Leão e se tornou protetor dos pobres na Inglaterra. Outras o colocam como simples fora-da-lei que se refugiava na floresta de Sherwood, era bom com o arco e flecha e era apaixonado por Lady Marian. Crowe e Scott tentaram criar uma versão diferente para a lenda, mais realista e mostrando o que teria acontecido antes de Robin ser considerado um fora-da-lei. A intenção pode ter sido boa, mas falta foco ao produto final.

Nesta versão, Russell Crowe é Robin Longstride, um arqueiro do exército de Ricardo Coração de Leão (Danny Huston), um decadente rei da Inglaterra no caminho de volta das Cruzadas, após dez anos de campanha. O exército inglês se encontra na França e eles saqueiam tudo que encontram pela frente. As cruzadas (mostradas pelo próprio Ridley Scott em outro filme) são criticadas em um discurso de Crowe, que descreve como os ingleses massacraram mais de duas mil mulheres e crianças muçulmanas em uma cidade. Ricardo Coração de Leão morre de forma estúpida, atingido pela flecha de um cozinheiro francês, e sua coroa deve ser levada para a Inglaterra pelo cavaleiro Robert Loxley. Só que ele morre em uma emboscada de um traidor inglês, Godfrey (Mark Strong, de "Sherlock Holmes") e, por um golpe do destino, a coroa inglesa vai parar nas mãos de Robin Longstride, que assume a identidade de Robert Loxley e parte para a Inglaterra. Lá ele conhece Lady Marian (Cate Blanchett), esposa do verdadeiro Loxley, e Sir Walter Loxley (Max von Sidow), o pai dele.

Robin acaba tomando o lugar de Robert Loxley no coração de Marian e como filho substituto de Sir Walter, mas a situação nunca convence. E, a bem da verdade, será que tudo isso importa? Os personagens "tradicionais" das lendas de Robin Hood estão ali, como João Pequeno (Kevin Durand), o gordo Frei Tuck (Mark Addy), o Sherife de Nottinghan (Matthew MacFadyen) e o Príncipe João (Oscar Isaac), mas a trama, ao invés de focar no herói Robin Hood, envereda por intrigas políticas, longas discussões na corte inglesa e francesa e em um contexto "social" que tenta discutir a opressão da monarquia sobre o povo comum. Tudo muito "nobre", mas será que isso deveria ser o foco principal em um filme sobre Robin Hood?

Ridley Scott, é fato, é um artista, e fotografia, figurino, direção de arte e cenários (que parecem realmente estar lá, ao invés de serem criados em computação gráfica) são impecáveis. Mas roteiro e edição, estranhamente, cometem falhas flagrantes. Há uma gigantesca cena de batalha entre ingleses e franceses que mostra Robin no topo dos penhascos da Inglaterra e, praticamente ao mesmo tempo, cavalgando contra os franceses na praia, lá embaixo. Igualmente confusa é uma sequência em que o vilão Godfrey ataca a propriedade de Lady Marian.

Longo, com quase duas horas e meia de duração, o filme acaba deixando a platéia inquieta pelo passo lento e pelas opções do roteiro. A idéia de dar outra versão à história de Robin Hood pode ter sido boa, mas a execução, infelizmente, fica devendo.


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Coco antes de Chanel

O visual de "Coco antes de Chanel", a biografia dos primeiros anos da famosa estilista francesa, é impecável. A direção de fotografia de Christophe Beaucarne compõe planos que mais parecem tirados de quadros de Monet ou Renoir. Igualmente notáveis são o trabalho de figurino e direção de arte, nos transportando para a França no começo do século XX, na mudança das carruagens para os carros a motor, dos lampiões para as lâmpadas elétricas. É uma produção extremamente caprichada, sem dúvida.

Já o roteiro, infelizmente, deixa a desejar. A intenção é mostrar os anos anteriores ao sucesso alcançado pela estilista Gabrielle "Coco" Chanel (interpretada por Audrey Tautou), de origem pobre, uma órfã abandonada pelo pai em um orfanato católico. Coco e sua irmã se tornam cantoras em uma casa de shows em que convivem com prostitutas e tentam evitar ser confundidas com elas. Coco é uma moça inteligente mas, aparentemente, "sem sal". Vê o mundo com os olhos práticos e cínicos de quem não espera ajuda de ninguém. Ela atrai a atenção de um nobre rico chamado Étienne Balsan (Benoit Poelvoorde) e, em uma relação prática de troca, ela passa a viver sob seu teto como sua amante e "divertimento" particular. Diferente das mulheres da época, Coco não gostava de usar as roupas apertadas e cheias de enfeites da moda e nem cavalgava sentada de lado, como "apropriado" para uma mulher. Na enorme casa de Balsan a vida é uma sucessão de festas e atividades fúteis, com amigos e parasitas convivendo com jockeys e suas amantes. Coco trava amizade com Emilienne (Emmanuelle Devos), uma atriz que adora as roupas de Coco e seus chapéus, feitos por ela mesma. Coco também se apaixona por um inglês chamado Arthur Capel (Alessandro Nívola), que está com um casamento de conveniência marcado (o que faz com que Chanel prometa que nunca irá se casar com ninguém).

Dirigido por Anne Fontaine, o filme é extremamente "agradável", mas nunca chega a decolar. Tautou (que me lembrou Audrey Hepburn), tenta dar um pouco de humanidade à fria Coco Chanel, mas creio que o roteiro não faça justiça à vida da estilista. Para uma mulher aparentemente tão à frente do seu tempo, ela parece depender demais da ajuda de um homem para sobreviver, seja como amante de Balsan ou, mais tarde, de Arthur Capel. Seu lado estilista é visto de forma superficial, como mera criadora de chapéus para as amantes e frequentadoras do castelo de Balsan. Mais para o final ela subitamente já é vista como a que viria ser uma das estilistas mais influentes do mundo da moda e o filme termina. Mas, repito, os méritos técnicos e o elenco do filme o fazem parecer melhor do que realmente é. Vale mais como um retrato de uma época do que como a biografia de uma pessoa.


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Stella

"Stella" é um dos filmes mais femininos (e, ao mesmo tempo, universais) exibidos nos cinemas nos últimos anos. Escrito e dirigido por Sylvie Verheyde, é contado em primeira pessoa por Stella (Leora Barbara), uma menina de apenas 11 anos que vive com os pais em um bar de uma Paris que não é aquela que imaginamos, linda e com a Torre Eiffel. Esta é uma cidade real, com pessoas reais, enfrentando os problemas do dia a dia. Que problemas uma garota de 11 anos pode ter? Muitos.

O filme começa com Stella sendo admitida em uma escola "de ricos". Logo no primeiro dia, ela volta para casa com um olho roxo adquirido em uma briga com um garoto. Seus pais, Roselyne e Serge (Karole Rocher e Benjamin Biolay), não são más pessoas, mas têm pouco estudo, trabalham muito e não sabem como cuidar de uma criança. Stella ajuda a atender o balcão e pode assistir TV até tarde e conversar com os frequentadores do lugar (segundo a garota, todos vão morrer de cirrose, o que ajuda a renovar a clientela). Ela tem uma paixão platônica por Alain Bernard (Guillaume Depardieu, que morreu ano passado, filho de Gerárd Depardieu), um dos clientes que moram em um quarto alugado no mesmo prédio.

Na escola, Stella não consegue se enturmar com as outras crianças, todas mais avançadas intelectualmente e financeiramente. Um dia, porém, uma garota chamada Gladys (Melissa Rodrigues) conversa com ela e as duas engatam uma daquelas amizades que só são possíveis nessa idade, honesta e livre de interesses. Gladys é filha de um psiquiatra argentino e mora em um belo apartamento na cidade e, de vez em quando, Stella passa a noite com ela. A amizade acaba fazendo bem também aos estudos de Stella, embora não da forma rápida que aconteceria em um filme menos realista. A influência da educação de Gladys se faz sentir aos poucos, como quando Stella vai à uma livraria comprar um livro de Balzac. A leitura, ao menos no início, não impede que ela seja vítima constante daqueles professores mal amados que se encontram nas escolas mundo afora, que descontam suas insatisfações nas crianças. Mas o filme mostra como as boas amizades e bons exemplos são fundamentais para instigar a educação de uma criança. Os pais de Stella, principalmente a mãe, só sabem educar agredindo verbalmente e a colocando para baixo. Aos poucos, porém, a menina vai percebendo que a escola nova pode ser um caminho para fora do bar e para um futuro melhor.

A diretora/roteirista leva o filme com uma sensibilidade invejável. A interpretação das meninas é totalmente verdadeira, e nos identificamos de imediato. O filme é passado em uma época que, no início, não é muito fácil de identificar. Aos poucos, porém, certos indícios como roupas, discos de vinil e fotos de Alain Delon nos colocam entre os anos 60 e 70. A data exata (1977) só aparece em uma cena em que Stella se dá bem em uma tarefa na escola, falando sobre um quadro.

Não é um filme infantil (a indicação etária é de 14 anos), mas extremamente realista sobre como é, na verdade, a passagem da infância para a pré-adolescência. Para uma mulher ainda há o peso extra das mudanças mais rápidas no corpo, a primeira menstruação e a passagem das bonecas para outros interesses. Um filme com produção modesta, mas raro na beleza e sensibilidade.


quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Piaf, um hino ao amor

Apesar das inegáveis qualidades técnicas, este é do tipo de filme cujos méritos repousam quase que totalmente nos ombros da atriz principal. Marion Cotillard dá uma interpretação magistral como a mais famosa cantora francesa, Edith Piaf (1915-1963). Cotillard, merecidamente, ganhou o Oscar de Melhor Atriz no início do ano pelo feito. O filme "Piaf, Um Hino ao Amor" (La Môme, França, 2007) foi dirigido por Olivier Dahan e é tão errático quanto a vida da cantora retratada. Piaf era filha de uma cantora frustrada e de um contorcionista de circo. Quando o pai volta da guerra, em 1918, a esposa havia partido e deixado a pequena Edith com parentes. O pai a leva para a avó, que gerencia um bordel na Normandia, e volta para o circo.

A menina, de saúde frágil, se torna a "mascote" das prostitutas do local, especialmente de Titine (Emmanuelle Seigner, que estreou no cinema com Harrison Ford em "Busca Frenética", em 1988), que a trata como filha. Uma infecção na vista deixa a menina cega, mas uma peregrinação para rezar a Santa Tereza a cura "milagrosamente". O retorno do pai lança Edith novamente em uma vida nômade, se apresentando com ele pelas ruas de Paris, onde seu talento para o canto é descoberto. O dono de um cabaré, Louis Lepplé (Gerard Depardieu, sempre ótimo), vê Edith cantando, aos 20 anos de idade, e a lança na carreira artística, adotando o nome de "La Môme Piaf" (O pequeno pardal). O filme não é muito diferente da biografia cinematográfica tradicional: a vida de Piaf é retratada como uma série de grandes sucessos entrecortados por tragédias pessoais. O roteiro é um pouco caótico, cortando aparentemente a esmo entre diversas fases da vida da cantora, o que torna o entendimento da sua cronologia um pouco difícil. Há uma sucessão de datas e lugares aparecendo na tela, de Paris à Normandia e à Nova York, com Edith Piaf sendo retratada desde criança até sua morte prematura, aos 48 anos de idade (apesar de, visualmente, ela parecer ser muito mais velha). Senti falta de um aprofundamento maior em alguns pontos da vida dela. A II Guerra Mundial (1939-1945), por exemplo, não é sequer citada no filme, o que é muito estranho, pois ocorreu justamente quando a carreira de Piaf estava no auge. E o filme não foca o processo criativo da cantora, como a composição das canções que a tornaram um ícone da música francesa. Piaf é vista como uma garota de rua talentosa que conseguiu chegar ao sucesso através de sua voz.

Problemas de roteiro à parte, tecnicamente o filme é muito bem produzido. Há um plano-seqüência excepcional em que a câmera, sem cortes, acompanha Piaf andando por um grande apartamento de Nova York, enquanto imagina estar tendo uma conversa com seu amado, o boxeador Marcel Cerdan (Jean-Pierre Martins). Quando o empresário e amigos lhe comunicam uma tragédia, Cotillard passa da alegria para a descrença e chega ao desespero, tudo em frente à câmera que, continuamente, vai registrando todas estas emoções. O plano termina em uma cena em que Piaf passa magicamente do quarto para um teatro lotado, em que termina uma canção dramática. Esta seqüência, e a maravilhosa interpretação de Marion Cotillard, já valem o filme. O espectador pode ficar um pouco confuso com relação à vida da cantora, mas leva de presente suas canções. Visto no espaço CPFL Cultura, em Campinas, em projeção em 35mm. Disponível em DVD.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Perfume - A história de um assassino

A CPFL, em Campinas, exibe toda quarta-feira, às 19 horas, um filme em 35mm, gratuitamente. A programação é muito boa, e pode ser conferida aqui. Nesta quarta-feira pude conferir o ótimo "Perfume - A História de um Assassino". O filme foi baseado em um livro de Patrick Süskind e dirigido pelo alemão Tom Tykwer. Ele foi o diretor responsável por "Corra, Lola, Corra", de 1998, com seu visual contemporâneo e edição de videoclip. Nada poderia ser mais distante do que o estilo de "Perfume", passado na França do século 18. É lá que nasceu Jean-Baptiste Grenouille, um órfão que veio ao mundo em pleno mercado de Paris. Segundo o narrador (John Hurt), um dos lugares com pior cheiro na cidade. Curioso que o sentido do olfato seja um dos poucos que ainda não puderam ser incorporados ao cinema, de modo que o diretor teve que se valer de outros sentidos para tentar passar os cheiros, que são tão importantes neste filme.

Tykwer mostra uma Paris que realmente parece mal cheirosa, suja, com suas ruas enlameadas, o chão do mercado coberto por restos de peixe, vermes, verduras, excremento. É neste ambiente que o recém-nascido Jean-Baptiste é abandonado pela mãe logo depois do parto. Ele é encontrado e levado a um orfanato, onde logo se vê que ele não é uma criança normal. A edição do filme mostra em planos rápidos as coisas que o bebê consegue cheirar com seu senso de olfato fora do comum. Além das imagens e da ótima reconstituição de época, a música também é usada para conseguir transmitir o cheiro das coisas. Há uma ótima seqüência quando vemos a primeira vez que Jean-Baptiste, já crescido (interpretado por Ben Whishaw), vai parar nas ruas de Paris. É lá que ele descobre o cheiro mais maravilhoso que já sentiu, o do corpo de uma vendedora de frutas, que ele passa a seguir. Mesmo adulto, ele ainda é como uma criança crescida e curiosa, e a garota acaba se tornando, acidentalmente, sua primeira vítima. Mas aparentemente ele nem se dá conta do que aconteceu. A única coisa que importa para ele é cheirar todo o corpo da moça, da cabeça aos pés. É então que descobre seu propósito na vida: ele quer descobrir como preservar o cheiro das coisas.

"Perfume" é daquele tipo de filme fascinante que, mesmo a contragosto, nos faz torcer pelo assassino. Jean-Baptiste é uma espécie de artista, misto de gênio e de psicopata, cuja vida complicada não lhe deu as condições mínimas de saber se comportar como um ser humano decente. Sua figura maltrapilha andando por entre as ruas de Paris me fez lembrar de Mowgli, o menino-lobo, ou mesmo de Tarzan, o homem-macaco. Ele sem dúvida é um assassino, e cada vez mais calculista com o decorrer do filme, mas parece agir mais por instinto do que por maldade. Dustin Hoffman (cuja persona atrapalha um pouco a aceitação dele como um perfumista italiano) passa a Jean-Baptiste seus conhecimentos em troca das fórmulas para novos perfumes, que lhe rendem uma fortuna. É também de Hoffman que Jean-Baptiste aprende que um bom perfume é feito com 12 essências (mais uma 13ª, que pode ser apenas lendária), que formam seus "acordes". Jean-Baptiste parte para a cidade de Grasse onde aprende a técnica da "eflorescência", que consistiria em retirar lentamente o perfume de uma flor enquanto ela está morrendo. Não demora muito, Jean-Baptiste está usando desses conhecimentos para tentar retirar a "essência" do próprio ser humano (ou, no caso, mulheres jovens e bonitas), que ele começa a matar para suas experiências.

Pena que, mais para o final, o filme tome ares cada vez mais fantásticos, fugindo completamente do plausível, culminando com um final, em aberto, que me pareceu simbólico. Mesmo assim, ele não deixa de ser sempre fascinante. O bom elenco ainda conta com Alan Rickman como o pai de uma das garotas que atraem a atenção de Jean-Baptiste. Disponível em DVD.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

As Aventuras de Molière

Espécie de versão francesa de "Shakespeare Apaixonado" (1998), este filme apresenta de forma romanceada parte da vida do dramaturgo e ator francês Jean-Baptiste Poquelin, conhecido como Molière. Confesso que, com exceção de "O Doente Imaginário", que vi no teatro na adolescência, tive pouco contato com as peças de Molière e não percebi várias das referências constantes no filme. Escrito e dirigido por Laurent Tirard, o filme começa com a volta de Molière (Romain Duris) à Paris, famoso e bem sucedido, depois de 13 anos viajando e se apresentando pela França. Apesar de seu nome ser sinônimo de comédia, Molière tem intenção de apresentar uma tragédia no Teatro Real. Sua trupe lhe diz que ele não sabe interpretar tragédias, e o próprio rei da França lhe pede por uma comédia. Mas Molière só se convence do fato depois de visitar uma mulher misteriosa que, à beira da morte, pediu que ele viesse lhe visitar. Quem seria ela?

O filme então faz um flashback treze anos no passado, quando Molière foi jogado na cadeia por causa de uma dívida. Ele é libertado e levado à casa de Monsieur Jourdain (Frabrice Luchini), um homem casado que nutre uma paixão por uma marquesa viúva. Ele quer que Molière lhe ensine a representar para que ele conquiste o coração dela. A esposa de Jourdain, Elmire (Laura Morante) é uma bela mulher, negligenciada pelo marido. Molière se interessa por ela mas, a mando de Jourdain, está disfarçado como um padre chamado Tartufo, que estaria na casa para ensinar a filha mais nova do casal. A partir dessa situação se constroem várias pequenas farsas envolvendo artifícios conhecidos do teatro, como o uso de identidades secretas, pessoas escondidas em baixo da mesa para escutar a conversa dos outros, declarações de amor feitas por pretendentes misteriosos, e assim por diante. Tudo, repito, usando personagens ou situações vindas de peças de Molière como "O Misantropo" e "Tartufo". O elenco é muito bom, com destaque para Fabrice Luchini, que compõe um homem obcecado e cego de paixão, que quer a todo custo aprender artes para conquistar alguém. A produção é bem feita, com destaque para a recriação de época, figurinos e trilha sonora. A vida real de Molière, provavelmente, daria um flme até melhor do que este, mas é uma boa opção nos cinemas.

domingo, 1 de junho de 2008

Trilogia das Cores

O diretor polonês Krzysztof Kieslowski (que morreu em 1996, aos 55 anos, de ataque cardíaco) era especialista em filmes em série. Católico, realizou "O Decálogo", um conjunto de filmes baseados nos Dez Mandamentos. Com as comemorações dos duzentos anos da Revolução Francesa, em 1989, Kieslowski conseguiu financiamento francês para realizar mais uma série, desta vez baseada nos ideais da revolução e nas cores da bandeira francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Azul, branco e vermelho.


A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu, 1993) conta a história de Julie (a jovem, bela e talentosa Juliette Binoche), uma mulher que perde o marido e a filha em um acidente de carro. O marido era um compositor famoso que estava compondo um concerto em homenagem à unificação da Europa. Julie se fecha atrás de um rosto fechado e incapaz de sentir qualquer emoção. Quando ela volta à sua casa encontra uma empregada chorando. Ela lhe pergunta: "Por que você está chorando?", e a empregada responde: "Porque a senhora não chora". Julie decide tentar mudar de vida e se muda do campo para a cidade grande, decidida a apagar o passado e nunca mais se ligar a mais ninguém. Mesmo assim, há uma cena em que ela pega o telefone e liga para um amigo, perguntando simplesmente: "Você ainda me ama? Então venha". Eles fazem amor mas ela parece não ter sentido nada. Kieslowski, auxiliado por seu ótimo compositor Zbigniew Preisner, usa a música como forma de indicar que as emoções não abandonaram totalmente Julie. Em alguns momentos, por exemplo, a tela fica simplesmente escura e escutamos alguns acordes da orquestra tocando parte da trilha (do suposto concerto perdido). É como se Julie carregasse a música, e todas as suas tristes memórias, presas dentro de si. Há também a desconfiança de que, na verdade, era ela quem compunha as músicas para seu marido. A bela fotografia e a direção de arte tratam de fazer com que todo o filme seja azulado. Binoche está maravilhosamente contida, e consegue transmitir emoção apenas com o olhar. O tema da música é levado por todo o filme. Em frente ao café que frequenta, por exemplo, Julie vê um músico de rua que, com a flauta, curiosamente toca as mesmas notas do concerto que ela escuta repetidamente na cabeça. Kieslowski gosta de colocar esses "acasos" em seus filmes, e há situações similares ou encontros casuais mesmo entre os personagens da trilogia. As emoções (ou a música) acabam vencendo no final, em uma sequência de arrepiar, mostrando os personagens do filme enquanto o concerto é escutado na trilha sem interrupções pela primeira vez. Juliette Binoche é mostrada fazendo amor como que através de um vidro, em um curioso efeito visual, como se ela estivesse finalmente exposta ao mundo e a seus sentimentos.

A Igualdade é Branca ( Trois Couleurs: Blanc, 1994) tem um tom bem mais leve e cômico que o filme anterior. O roteiro trata de um casal em crise. O polonês Karol Karol (Zibgniew Zamachowski) está sendo abandonado pela esposa Dominique (Julie Delpy). Em um tribunal, ela explica ao juiz que o motivo do divórcio é que o casamento não foi consumado. Envergonhado, Karol admite que não conseguiu fazer amor com a esposa desde o casamento, seis meses antes, mas que ele quer tentar salvar o relacionamento. Dominique não só não quer mais continuar casada como, aparentemente, quer acabar com a vida do ex-marido. Ela ateia fogo no salão de beleza deles e diz para a polícia que o culpado foi Karol. Ele tenta voltar para a Polônia mas está sem passaporte e sem dinheiro. Uma das cenas mais engraçadas do filme é o modo pelo qual Karol volta à Polônia: dentro de uma mala de viagem, embarcada por Milokaj (Janusz Gajus) um colega polonês que ele conheceu na estação de metrô de Paris. A idéia da "igualdade", ou melhor, da desigualdade, fica aparente na diferença de tratamento que imigrantes como Karol tem. De volta à Polônia, além de trabalhar como cabeleireiro no salão do irmão, Karol começa a trabalhar como segurança para um empresário e, com muita sorte e esperteza, começa a ganhar dinheiro e, aos poucos, elabora um plano para se vingar da ex-esposa. "A igualdade é branca" é o filme mais leve da trilogia, mas não deixa de ter seu charme.


A Fraternidade é Vermelha (Trois Couleurs: Rouge, 1994) lembra um pouco mais o primeiro filme. Até porque a personagem principal, Valentine, é interpretada por uma Iréne Jacob que me lembrou muito Juliette Binoche, de "Azul". Só que Valentine (que é uma modelo) é bem mais otimista e menos sofrida que Julie, apesar de ter sua cota de problemas, como um irmão viciado em drogas. Uma noite ela acidentalmente atropela uma cadela chamada Rita, que tem o nome e o endereço escritos na coleira. Valentine vai até o endereço e encontra um senhor amargo e indiferente com o destino de sua cadela. Ela leva Rita ao veterinário e cuida dela, mas fica curiosa com o velho, e volta à casa dele. Lá ela descobre que ele é um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant) que perdeu a esperança na Justiça e nos seres humanos. Como passatempo ele fica escutando as conversas telefônicas dos vizinhos através de um aparelho, o que inicialmente choca Valentine. Mas percebemos que, ao mesmo tempo que ela quer ir embora, parte dela é atraída seja pela conversa dos vizinhos ou pela figura triste do velho. Uma curiosa ligação acontece entre os dois. O filme tem uma série de tramas paralelas curiosas e interligadas. Há um vizinho de Valentine, por exemplo, que acabou de se tornar um juiz e que tem uma vida muito parecida, sabemos depois, com a juventuda da velho juiz. Valentine tem um namorado morando na Inglaterra que liga para ela todas as noites para checar se ela está em casa e, ciumento, fica fazendo perguntas sobre o dia dela. O tema da traição (e da Justiça) está presente nos três filmes da trilogia. No primeiro, a personagem de Juliette Binoche descobre que o marido recém falecido tinha uma amante que é advogada no mesmo tribunal em que o divórcio de Karol e Dominique é julgado no segundo filme. No terceiro, tanto o velho juiz quanto o rapaz foram traídos por suas companheiras e perdem a fé na Justiça. Irene Jacob, bela e inocente, ainda acredita nos seres humanos e, aos poucos, vai trazendo o juiz de volta à "vida". Há cenas de pura beleza como a sessão de fotos de Valentine, com o fundo vermelho sangue, ou seu desfile na parte final do filme. Apesar dos problemas com o namorado, Valentine resolve partir para a Inglaterra encontrá-lo, e ao final um acontecimento trágico junta todos os personagens da trilogia no mesmo lugar.

Kieslowski dirige com elegância e tem preferência por certos planos, como belos closes em perfil de suas atrizes, ou detalhes mecânicos como a roda do carro do primeiro filme, a esteira que transporta a mala no segundo, ou a sequência de abertura do terceiro, que acompanha os cabos telefônicos de um aparelho ao outro. Há uma série de dicas visuais ligando um filme ao outro, como as cores de certas roupas ou objetos de cena. Ou então certas piadas como uma senhora que aparece nos três filmes na mesma situação, tentando depositar uma garrafa de vidro em uma lixeira alta demais para ela. Só Irene Jacob, em "Fraternidade", ajuda a senhora a jogar a garrafa. Kieslowski declarou, terminada a trilogia, que estava se aposentando e que jamais faria outro filme. Os DVDs contém uma entrevista dada a Rubens Ewald Filho em que ele diz que cinema é apenas sua profissão, e que ele pode parar quando quiser. Soa um pouco duro escutar isso de alguém tão competente na fabricação de suas imagens. Se ele falava sério ou não, o caso é que o cinema perdeu Kieslowski, morto por um ataque cardíaco, dois anos após filmada sua bela e sensível trilogia.