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domingo, 18 de abril de 2010

Soul Kitchen

Soul Kitchen é um caldeirão pop que mistura o visual de flyers de propaganda, fast-food, música soul, funk, dance, black e similares com generosas doses de comédia. O diretor Faith Aikin (de Contra a Parede e Do outro lado) usa um restaurante decadente como cenário para a mistura multicultural que é a cara da Europa de hoje, com seus valores seculares misturados à influência dos imigrantes e contaminada pela globalização.

Zinos Kazantzakis (Adam Bousdoukos) é um imigrante grego dono de um restaurante decadente em Hamburgo, chamado "Soul Kitchen". Ele vende comida barata para um público não muito exigente, e parece feliz com isso. Ele é ao mesmo tempo gerente e chef de cozinha, com dotes culinários reduzidos a comprar comida congelada no supermercado e sevir para os fregueses. Ele tem uma linda (e mimada) namorada que é a típica alemã, Nadine (Pheline Roggan), que está de mudança para a China. Não poderia haver duas pessoas mais diferentes, mas aparentemente Nadine (rica, bela, sofisticada) gosta da atenção do pobre, sujo e desleixado Zinos. Ela quer que ele a acompanhe para a China, mas ele está ocupado demais com seu restaurante. A partida na namorada, porém, parece causar uma maré de azar ao pobre Zinos, que desloca a coluna ao tentar consertar a máquina de lavar do restaurante, e passa o filme todo tentando, física e psicologicamente, endireitar sua vida.

Há também o irmão de Zinos, Iliias (Moritz Bleibtreu, de "Corra, Lola, Corra"), um presidiário que precisa que Zinos o contrate como funcionário do restaurante, para ter sua pena mudada para regime semi-aberto. Iliias é um jogador compulsivo que vive perdendo dinheiro em apostas e tem verdadeira alergia pelo trabalho. Ele se apaixona pela garçonete do Soul Kitchen, Lucia (Anna Bederke), uma moça interessada em arte, bebida e música. O restaurante perde seus clientes quando Zinos contrata um chef de cozinha excêntrico, e o lugar corre o risco de ser comprado por um antigo conhecido de Zinos, que quer destruir o restaurante para construir um shopping.

Apesar de um pouco episódico, "Soul Kitchen" encanta pelo ritmo rápido, pela trilha sonora e pelo humor do roteiro. A mistura de culturas e a influência pop me lembraram dos livros de Nick Hornby, como "Alta Fidelidade", com seus personagens que parecem adolescentes presos em corpos adultos. Há também uma bem humorada crítica à globalização e ao mundo moderno. A Grécia tem sido o "primo pobre" da comunidade européia nos últimos anos e enfrenta atualmente grave crise financeira. A China, por outro lado, representa uma grande oportunidade de negócios. Paradoxalmente, a globalização tem também sua vantagens culturais, como na influência americana na música européia e nos ritmos escutados por toda a trilha do filme. Soul Kitchen mostra que estilo pode também ter conteúdo, nem que seja na forma de fast-food de qualidade.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A fita branca

A pequena sala 3 do Cine Topázio, em Campinas (o único da região a exibir os chamados "filmes de arte"), estava cheia. Ao final da sessão, muitos espectadores, confusos, sussurravam comentários a respeito do filme que acabara de terminar. Uma senhora se virou para a colega e, em voz alta, declamou: "Eu sou feliz e não sabia!".

A nova obra do diretor austríaco Michael Haneke (de "Violência Gratuita" e "Caché"), de fato, não é um filme de entretenimento. Haneke é um realizador frio como gelo, preciso, metódico em seus movimentos de câmera, e misterioso em seus roteiros. "A Fita Branca" se passa no início do século XX, às vésperas da I Guerra Mundial, em uma pequena vila na Alemanha. Tem uma bela fotografia em preto e branco de Christian Berger, que infelizmente não estava boa na cópia digital apresentada no cinema, cinza e sem contrastes. A trama é narrada pelo professor primário da vila (Ernst Jacobi na narração, como um idoso, e interpretado por Christian Friedel como jovem) que, a bem da verdade, não conhece todos os fatos da história que está contando. O caso é que estranhos "acidentes" começam a acontecer na vila. Um médico se fere gravemente quando seu cavalo tropeça em um arame colocado entre duas árvores. O filho do Barão, o empregador de metade dos habitantes da vila, é sequestrado e surrado por desconhecidos, e encontrado vivo na floresta. Karli, um garoto portador de síndrome de Down e filho da parteira, também é atacado e quase fica cego. Quem estaria por trás destes crimes? Quem teria motivo para cometê-los? Por que, em todas as ocasiões, as crianças da vila são vistas por perto?

O desenvolvimento da trama pode sugerir um filme de suspense, em que o espectador tem que descobrir o "culpado", mas não é tão simples. Assim como no enigmático (e, para alguns, insolúvel) enigma de "Caché", Haneke não está preocupado em entregar respostas prontas. Os crimes são pontos culminantes de longas sequências de acontecimentos aparentemente cotidianos que vão montando um quadro de abusos, autoritarismo e fanatismo religioso. O pastor da vila (o ótimo Burghart Kasner) amarra os braços do filho durante a noite para que ele "não ceda às tentações de seu corpo jovem". O médico, quando volta do hospital, trata com crueldade extrema sua amante, a parteira, e aparentemente abusa sexualmente da filha. O Barão trata mal sua esposa e empregados. A todo momento há a sensação de que algo terrível está para acontecer. Há quem diga que este "algo", na verdade, é a própria história da Alemanha no século XX, prestes a entrar em duas guerras mundiais e viver para sempre com o estigma do Nazismo. O elenco orquestrado por Haneke é ótimo, e vale ressaltar a interpretação das crianças. O que dizer do diálogo em que a irmã mais velha tenta explicar o que é a morte para seu irmão mais novo? Ou o pavor da garota que conta a seu professor um sonho premonitório que ela teve? Ou a felicidade de um garoto ao conseguir convencer seu pai de que pode cuidar de um passarinho doente? Poderiam estas crianças, símbolos tradicionais de pureza e esperança, serem capazes do que o filme sugere?

Haneke não responde. Apenas mostra, no último plano, a vila reunida na igreja, os adultos em baixo, confusos e, no balcão acima, confiantes e cantando uma canção, os alemães do futuro. Eles eram felizes e não sabiam.

sábado, 29 de agosto de 2009

A Onda

Em uma escola de ensino médio, na Alemanha, os alunos são convidados a estudar vários sistemas de governo. A turma do professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) foi escolhida para estudar a "autocracia" (o governo de um só, ou de um grupo). Wenger é um professor jovem e moderno, que conversa de igual para igual com os alunos e veste uma camiseta do grupo "Ramones". Ele gostaria realmente de dar aula sobre "anarquia", mas o assunto já foi escolhido por outro professor.

Surpreso quando seus alunos dizem que seria impossível uma ditadura se estabelecer novamente na Alemanha, ele resolve fazer um experimento. Deixa de ser camarada com os alunos e começa a exigir ser chamado de "Sr. Wenger", além de alinhar todas as carteiras da classe. Todo aluno tem direito a falar, desde que peça permissão primeiro e se levante. Começa então a fazer perguntas hipotéticas sobre como se estabelece uma ditadura; do que ela precisa? É democraticamente eleito o líder do grupo, que também vota por usar um uniforme com camisas brancas. Os alunos que discordam são desprezados pelo grupo e colocados para fora. Por fim, decidem por um cumprimento próprio e por um nome, "A Onda". O processo, inicialmente, é benéfico para alguns alunos. Os mais tímidos, por exemplo, se sentem amparados pelo resto do grupo e acreditam ter achado um propósito para suas vidas. Os preguiçosos, motivados, decidem abrir um website para "A Onda" e criar seu logotipo. O problema é que o que começa como um exercício hipotético acaba ganhando força própria. Os membros da "onda" se sentem protegidos e especiais, mas começam a discriminar todos os que não são como eles. Uma noite, todos saem pelas ruas pichando os muros e espalhando adesivos com seu logotipo pela cidade. Atos de vandalismo e violência começam a ocorrer sem que o professor Rainer tenha conhecimento do que está acontecendo.

O roteiro foi baseado em um livro de Tod Strasser, que já havia sido adaptado para a televisão americana em 1981. A história é baseada em um fato real ocorrido nos Estados Unidos, mas o fato dessa versão se passar na Alemanha, claro, acaba por evocar o Nazismo. Dirigido por Dennis Gansel, o filme é por vezes um pouco simplista. Nem todo grupo exposto a idéias fascistas necessariamente agiria da mesma forma. A figura do professor também me pareceu muito inocente. A Alemanha Nazista chegou a extremos justamente por ter a figura carismática de um líder como Adolf Hitler no comando. Mas o filme é um alerta contra o preconceito e o fundamentalismo, que podem nascer de forma democrática e com a melhor das intenções.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Perfume - A história de um assassino

A CPFL, em Campinas, exibe toda quarta-feira, às 19 horas, um filme em 35mm, gratuitamente. A programação é muito boa, e pode ser conferida aqui. Nesta quarta-feira pude conferir o ótimo "Perfume - A História de um Assassino". O filme foi baseado em um livro de Patrick Süskind e dirigido pelo alemão Tom Tykwer. Ele foi o diretor responsável por "Corra, Lola, Corra", de 1998, com seu visual contemporâneo e edição de videoclip. Nada poderia ser mais distante do que o estilo de "Perfume", passado na França do século 18. É lá que nasceu Jean-Baptiste Grenouille, um órfão que veio ao mundo em pleno mercado de Paris. Segundo o narrador (John Hurt), um dos lugares com pior cheiro na cidade. Curioso que o sentido do olfato seja um dos poucos que ainda não puderam ser incorporados ao cinema, de modo que o diretor teve que se valer de outros sentidos para tentar passar os cheiros, que são tão importantes neste filme.

Tykwer mostra uma Paris que realmente parece mal cheirosa, suja, com suas ruas enlameadas, o chão do mercado coberto por restos de peixe, vermes, verduras, excremento. É neste ambiente que o recém-nascido Jean-Baptiste é abandonado pela mãe logo depois do parto. Ele é encontrado e levado a um orfanato, onde logo se vê que ele não é uma criança normal. A edição do filme mostra em planos rápidos as coisas que o bebê consegue cheirar com seu senso de olfato fora do comum. Além das imagens e da ótima reconstituição de época, a música também é usada para conseguir transmitir o cheiro das coisas. Há uma ótima seqüência quando vemos a primeira vez que Jean-Baptiste, já crescido (interpretado por Ben Whishaw), vai parar nas ruas de Paris. É lá que ele descobre o cheiro mais maravilhoso que já sentiu, o do corpo de uma vendedora de frutas, que ele passa a seguir. Mesmo adulto, ele ainda é como uma criança crescida e curiosa, e a garota acaba se tornando, acidentalmente, sua primeira vítima. Mas aparentemente ele nem se dá conta do que aconteceu. A única coisa que importa para ele é cheirar todo o corpo da moça, da cabeça aos pés. É então que descobre seu propósito na vida: ele quer descobrir como preservar o cheiro das coisas.

"Perfume" é daquele tipo de filme fascinante que, mesmo a contragosto, nos faz torcer pelo assassino. Jean-Baptiste é uma espécie de artista, misto de gênio e de psicopata, cuja vida complicada não lhe deu as condições mínimas de saber se comportar como um ser humano decente. Sua figura maltrapilha andando por entre as ruas de Paris me fez lembrar de Mowgli, o menino-lobo, ou mesmo de Tarzan, o homem-macaco. Ele sem dúvida é um assassino, e cada vez mais calculista com o decorrer do filme, mas parece agir mais por instinto do que por maldade. Dustin Hoffman (cuja persona atrapalha um pouco a aceitação dele como um perfumista italiano) passa a Jean-Baptiste seus conhecimentos em troca das fórmulas para novos perfumes, que lhe rendem uma fortuna. É também de Hoffman que Jean-Baptiste aprende que um bom perfume é feito com 12 essências (mais uma 13ª, que pode ser apenas lendária), que formam seus "acordes". Jean-Baptiste parte para a cidade de Grasse onde aprende a técnica da "eflorescência", que consistiria em retirar lentamente o perfume de uma flor enquanto ela está morrendo. Não demora muito, Jean-Baptiste está usando desses conhecimentos para tentar retirar a "essência" do próprio ser humano (ou, no caso, mulheres jovens e bonitas), que ele começa a matar para suas experiências.

Pena que, mais para o final, o filme tome ares cada vez mais fantásticos, fugindo completamente do plausível, culminando com um final, em aberto, que me pareceu simbólico. Mesmo assim, ele não deixa de ser sempre fascinante. O bom elenco ainda conta com Alan Rickman como o pai de uma das garotas que atraem a atenção de Jean-Baptiste. Disponível em DVD.