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quarta-feira, 5 de maio de 2021

À Espreita do Mal (I See You, 2019)

À Espreita do Mal (I See You, 2019). Dir: Adam Randall. Netflix. Bom suspense na Netflix que começa muito, muito bem e tem problemas em manter o nível até o final, "À Espreita do Mal" flerta com filmes de terror, com sobrenatural e com suspense policial. A primeira metade tem um ótimo suspense mantido no estilo de David Fincher (com toques de Michael Haneke). Um garoto é sequestrado na floresta (em uma cena surreal), colocando terror uma pequena cidade americana. Mas nada se compara ao clima pesado da casa da família Harper, composta pelo casal de meia idade Greg (Jon Tenney) e Jackie (Helen Hunt). Ele é policial, ela é psiquiatra e os dois estão com problemas familiares; ela teve um caso com um antigo colega da escola, o marido está dormindo no sofá e o filho adolescente, Connor (Judah Lewis) está revoltado.

A câmera está sempre em movimento, acompanhada por uma trilha sonora angustiante, enquanto vemos coisas estranhas acontecendo pela casa. A TV liga e desliga sozinha, fotos desaparecem da parede e todos têm a sensação de que "alguma coisa" está à espreita. Enquanto isso, a polícia tenta desvendar o caso do garoto desaparecido na floresta. Helen Hunt, coitada, está com o rosto distorcido por uma plástica que deu muito errado, mas até isso ajuda no suspense.

Lá pelo meio acontece uma coisa que não posso revelar e é quase como se começasse outro filme. A trama vira de pernas para o ar e não tenho certeza se tudo faz sentido; o caso é que grande parte do suspense evapora no ar. Ainda é um filme intrigante e o final é bom, embora não tanto quanto a primeira parte. Adam Randall, o diretor, é alguém para se prestar atenção. Tá na Netflix.
 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Amor

Georges não se recorda do nome do filme, mas lembra que ficou muito emocionado enquanto o assistia. Mais do que isso; ao encontrar um colega, na volta para casa, não pôde conter as lágrimas ao lhe narrar a história. "Por que você nunca me contou isso?", pergunta a esposa de Georges, Anne, que acabou de sofrer um derrame e está com o lado direito do corpo paralisado. Cenas como esta, de um casal ainda surpreendendo um ao outro mesmo depois de décadas de intimidade, é que fazem de "Amor", o novo filme do austríaco Michael Haneke, mais do que uma história sobre velhice e doença. Georges e Anne são interpretados por duas lendas do cinema francês, Jean-Louis Trintignant (de "Um homem e uma mulher") e Emmanuelle Riva (de "Hiroshima, moun amour") , e "Amor" venceu o último Festival de Cannes. É uma pequena obra-prima. É também, surpreendentemente, um filme muito sensível e mesmo "gentil" quando comparado à obras anteriores de Haneke, um mestre da frieza, como "Caché" e "A Fita Branca".

Não que "Amor" seja um filme fácil. A lenta desintegração física e mental pela qual passa Anne no desenrolar da trama é tão desoladora quanto inevitável. Haneke filma em planos longos, quase teatrais. Há uma conversa entre Georges e a filha Eva (a sempre competente Isabelle Huppert, de "Minha Terra, África" e "Copacabana") em que a câmera fica em um canto da sala, imóvel, por minutos a fio enquanto pai e filha falam sobre a família. Eva é casada com um músico inglês que tem casos com outras mulheres; os filhos estão em internatos ou não falam com os pais. É um contraste grande com o Amor (com letra maiúscula) que existe entre Georges e Anne. Haneke os filma com carinho lidando, a princípio com um choque disfarçado, com os primeiros sinais da doença. Anne, apesar de precisar de muitos cuidados, é uma mulher inteligente e muito consciente dos esforços do marido em tratar dela. Ela o faz prometer que nunca vai levá-la a um hospital ou casa de repouso e, no início, o casal parece ter a situação sob controle. É então que Anne sofre um segundo derrame e fica naquele estado semi vegetativo em que não se sabe se a pessoa está consciente ou não, e é um tormento tanto para Georges quanto para o espectador testemunhar a mudança na mulher. Há uma cena extremamente corajosa de Riva em que ela (que tem 85 anos) é vista nua enquanto uma enfermeira lhe dá banho, e a atriz se entrega totalmente ao papel; não por acaso, ela foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Jean-Louis Trintignant também oferece uma interpretação sincera e emocionante como o marido devotado que sofre dia e noite para cuidar da esposa e lidar com as cobranças da filha.

Em uma época de relacionamentos rasos e com os índices de divórcio atingindo novos recordes, a relação mostrada em "Amor" pode parecer tanto uma benção quanto um tormento. O filme fala sobre o que todo mundo já sabe, ninguém consegue fugir da morte. O difícil é saber lidar com isto de forma digna e corajosa.

ps: falando em Oscar, "Amor" surpreendeu ao ser indicado em cinco categorias: Melhor Filme Estrangeiro (o virtual vencedor), Melhor Diretor (Michael Haneke, que pode tirar de Steven Spielberg seu terceiro prêmio), Melhor Roteiro (também de Haneke), Melhor Atriz (a já citada Emmanuelle Riva) e Melhor Filme de 2012.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A fita branca

A pequena sala 3 do Cine Topázio, em Campinas (o único da região a exibir os chamados "filmes de arte"), estava cheia. Ao final da sessão, muitos espectadores, confusos, sussurravam comentários a respeito do filme que acabara de terminar. Uma senhora se virou para a colega e, em voz alta, declamou: "Eu sou feliz e não sabia!".

A nova obra do diretor austríaco Michael Haneke (de "Violência Gratuita" e "Caché"), de fato, não é um filme de entretenimento. Haneke é um realizador frio como gelo, preciso, metódico em seus movimentos de câmera, e misterioso em seus roteiros. "A Fita Branca" se passa no início do século XX, às vésperas da I Guerra Mundial, em uma pequena vila na Alemanha. Tem uma bela fotografia em preto e branco de Christian Berger, que infelizmente não estava boa na cópia digital apresentada no cinema, cinza e sem contrastes. A trama é narrada pelo professor primário da vila (Ernst Jacobi na narração, como um idoso, e interpretado por Christian Friedel como jovem) que, a bem da verdade, não conhece todos os fatos da história que está contando. O caso é que estranhos "acidentes" começam a acontecer na vila. Um médico se fere gravemente quando seu cavalo tropeça em um arame colocado entre duas árvores. O filho do Barão, o empregador de metade dos habitantes da vila, é sequestrado e surrado por desconhecidos, e encontrado vivo na floresta. Karli, um garoto portador de síndrome de Down e filho da parteira, também é atacado e quase fica cego. Quem estaria por trás destes crimes? Quem teria motivo para cometê-los? Por que, em todas as ocasiões, as crianças da vila são vistas por perto?

O desenvolvimento da trama pode sugerir um filme de suspense, em que o espectador tem que descobrir o "culpado", mas não é tão simples. Assim como no enigmático (e, para alguns, insolúvel) enigma de "Caché", Haneke não está preocupado em entregar respostas prontas. Os crimes são pontos culminantes de longas sequências de acontecimentos aparentemente cotidianos que vão montando um quadro de abusos, autoritarismo e fanatismo religioso. O pastor da vila (o ótimo Burghart Kasner) amarra os braços do filho durante a noite para que ele "não ceda às tentações de seu corpo jovem". O médico, quando volta do hospital, trata com crueldade extrema sua amante, a parteira, e aparentemente abusa sexualmente da filha. O Barão trata mal sua esposa e empregados. A todo momento há a sensação de que algo terrível está para acontecer. Há quem diga que este "algo", na verdade, é a própria história da Alemanha no século XX, prestes a entrar em duas guerras mundiais e viver para sempre com o estigma do Nazismo. O elenco orquestrado por Haneke é ótimo, e vale ressaltar a interpretação das crianças. O que dizer do diálogo em que a irmã mais velha tenta explicar o que é a morte para seu irmão mais novo? Ou o pavor da garota que conta a seu professor um sonho premonitório que ela teve? Ou a felicidade de um garoto ao conseguir convencer seu pai de que pode cuidar de um passarinho doente? Poderiam estas crianças, símbolos tradicionais de pureza e esperança, serem capazes do que o filme sugere?

Haneke não responde. Apenas mostra, no último plano, a vila reunida na igreja, os adultos em baixo, confusos e, no balcão acima, confiantes e cantando uma canção, os alemães do futuro. Eles eram felizes e não sabiam.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Caché


Caché ("escondido", em francês) é um exercício de cinema de suspense. E é também um exercício de cinema como manipulação da imagem e do ponto de vista de quem filma (e de quem assiste). Os créditos iniciais, pequenos e de difícil leitura, são todos exibidos sobre um plano estático: uma rua que dá para uma casa. Vemos o portão, vemos uma fileira de janelas e o sótão. Escutamos apenas som ambiente...carros passando, passos de pessoas. De repente, a imagem começa a voltar sozinha e vemos marcas de fita rebobinando na tela, e por um instante checamos o controle remoto do DVD para ver se não apertamos o rewind acidentalmente. Não, quem está voltando a imagem (e o filme, por consequência), são os personagens na tela.


A casa pertence a um apresentador de televisão chamado Georges Laurent (o sempre competente Daniel Auteuil), sua esposa Anne (Juliette Binoche, muito bem neste filme) e seu filho adolescente. A suposta harmonia familiar está sendo ameaçada por misteriosas fitas de video que estão sendo deixadas anonimamente na porta da casa. Elas sempre apresentam a mesma coisa: uma imagem da casa gravada do ponto de vista da rua, por um cameraman escondido. Quem estaria gravando estas imagens? E para que? O casal vai até a polícia, mas eles dizem que não podem fazer nada. É curioso o jogo do diretor Michael Haneke em mostrar primeiro a imagem do ponto de vista da camera escondida, e depois, quando conhecemos os personagens da casa, o ângulo se inverte. Em uma dessas imagens escondidas feitas durante a noite, um carro chega e seus faróis lançam uma sombra bem nítida de uma câmera na parede à esquerda da imagem. Mas quando o personagem principal desce do carro e passa ao lado da suposta câmera ele não a vê. Teria sido a sombra acidental durante a filmagem ou o diretor está nos dizendo alguma coisa?


O fato é que há muitas coisas escondidas neste filme, além do cameraman misterioso. Aos poucos, junto com as fitas, começam a chegar desenhos que mostram um garoto com sangue na boca, ou então uma galinha com o pescoço cortado, e pela reação de Georges percebe-se que ele está começando a se lembrar de algo. Ao mesmo tempo, estranhas (e assustadoras) cenas começam a aparecer rapidamente no filme, às vezes entrecortadas com as imagens das fitas, e não sabemos mais o que é real ou imaginação dos personagens. Juliette Binoche está muito bem como uma mulher aparentemente segura de si que, de repente, não sabe mais em quem confiar e se assusta com o simples tocar do telefone. Através de pistas nas imagens Georges tem uma idéia de quem possa ser o remetente das fitas e vai atrás da pessoa. O que ele encontra se torna mais uma peça no complicado quebra cabeças apresentado no filme. E por que será que, de repente, ele começa a mentir para a esposa?


"Caché" pode, talvez, frustrar um espectador mais convencional, que espera ter todas suas perguntas respondidas e/ou um filme mais tradicional. O filme cria suspense às vezes pela supressão de informações, nos deixando "no ar". Em outros momentos, o suspense é criado pela simples imobilidade da câmera, mostrando uma sequência que acontece inteira diante de nossos olhos, sem cortes de imagem, mas nem por isso mais reveladora. Mais do que entregar respostas prontas, "Caché" levanta questões sobre o que é a imagem e qual sua validade como verdade absoluta. Um sonho é uma imagem? E uma lembrança? Interessante também como a TV, quando não está servindo para passar as imagens das fitas, geralmente está passando imagens dos notíciários sobre a Guerra do Iraque ou outroas problemas mundiais. Novamente, fica a questão da validade e da importância das imagens.