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segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Ataque dos Cães (The Power of the Dog, 2021)

Ataque dos Cães (The Power of the Dog, 2021). Dir: Jane Campion. Netflix. Este é para ficar pensando um tempo. "Ataque dos Cães" se passa no estado de Montada, EUA, nos anos 1920 (embora tenha sido filmado na Nova Zelândia). É um curioso estudo sobre masculinidade tóxica, alcoolismo e maternidade/paternidade. A australiana Jane Campion (de "O Piano") filma sem pressa, em belíssimas imagens capturadas pela fotografia de Ari Wegner. A trilha de Jonny Greenwood (de vários filmes de Paul Thomas Anderson) é bastante presente e ajuda na composição de um cenário ao mesmo tempo lindo e opressor.

A trama envolve primeiramente dois irmãos, George (Jesse Plemmons) e Phil (Benedict Cumberbatch), dois "cowboys" que estão completando 25 anos tocando gado juntos. Enquanto que George é elegante e suave, Phil é bruto, orgulhoso e "macho". Cumberbatch está soberbo no papel de um homem asqueroso e ciumento da companhia do irmão; ele fica ainda mais furioso quando George conhece Rose (Kirsten Dunst), uma viúva que trabalha em um restaurante de uma pequena cidade. George e Rose se casam e se mudam para o rancho da família. Phil não esconde seu desprezo pela cunhada e faz de tudo para fazer a vida dela um inferno.

Rose não é a única vítima de Phil. Ela tem um filho chamado Peter (Kodi Smit-McPhee), que está estudando para ser médico e é o oposto do que Phil espera de um "homem"; Peter é sensível, quieto, tímido e protegido pela mãe. O roteiro, baseado em um livro de Thomas Savage, consegue surpreender de forma sutil, subvertendo algumas expectativas (pense no que acontece com aquele coelho, por exemplo). Não é um filme muito fácil, é lento e os personagens não são muito simpáticos. É, porém, fascinante. Tá na Netflix.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, 2016)

"Estrelas Além do Tempo" conta a história de um grupo de mulheres negras que, nos anos 1950 e 1960, trabalharam na NASA como matemáticas. Em uma época em que só o fato de ser mulher já significava bastante preconceito, ser uma mulher negra era ainda mais complicado. O filme é gostoso de ver e muito bem interpretado por um bom elenco; o roteiro, no entanto, toma várias liberdades dramáticas. Falaremos sobre isso mais tarde.

No final dos anos 1950, os soviéticos estavam derrotando os EUA na chamada Corrida Espacial. Eles puseram o primeiro satélite artificial em órbita (o Sputinik, em 1957)  e lançaram o primeiro homem ao espaço (Yuri Gagarin, em 1961). Na NASA, um  grupo especial de matemáticas negras era mantido em uma sala segregada. O filme foca na história de três delas: Katherine Goble (Taraji P. Henson) era excepcional em matemática desde a infância e foi recrutada pelo Space Task Group para calcular as complicadas trajetórias dos foguetes que lançariam o primeiro americano a entrar em órbita terrestre, John Glenn. Ela é a única matemática em um grupo de homens brancos e tem que enfrentar o preconceito do superior direto, Paul Stafford (Jim Parsons, da série "The Big Bang Theory"). Kevin Costner está muito bem como o diretor do grupo, Al Harrison, que é aquele típico "ranzinza com coração de ouro". Octavia Spencer interpreta Dorothy Vaughan, a líder informal do grupo de matemáticas negras que também enfrenta preconceito diariamente de uma fria supervisora branca interpretada por Kirsten Dunst. Quando a NASA instala o primeiro computador IBM na empresa, Vaughan se apressa em se tornar uma das primeiras especialistas na linguagem de programação "Fortran", para não perder o emprego. Janelle Monáe interpreta Mary Jackson, uma mulher que através de constantes lutas judiciais conseguiu estudar ao lado de estudantes brancos na universidade e se tornar a primeira engenheira negra da história da NASA.

Uma simples verificação na Wikipedia (com os devidos links para o site da própria NASA e outras fontes, como este site), no entanto, mostra que foram tomadas várias liberdades criativas no roteiro do filme. Por exemplo, o personagem Al Harrison (Kevin Costner), o supervisor do grupo de estudos espaciais da NASA e muito importante no filme, simplesmente não existiu. Assim, a cena dramática em que o vemos pegando uma picareta e derrubando a placa do banheiro exclusivo para mulheres negras funciona muito bem como drama, mas provavelmente não aconteceu. Os personagens de Jim Parsons e Kirsten Dunst também são invenções dramáticas. O que não tira o mérito de "Estrelas Além do Tempo", desde que não seja encarado como um documentário. É certo que o trio retratado no filme (e milhares de outros negros na época) sofreram segregação oficializada pelo estado durante grande parte de suas vidas.

Como cinema, "Estrelas Além do Tempo" é um bom filme, divertido e muito bem interpretado. Está indicado aos Oscars de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer).

João Solimeo

sábado, 14 de julho de 2012

Na Estrada

"On the road" foi lançado por Jack Kerouc em 1957, anos depois que seus manuscritos originais, datilografados nervosamente sobre rolos compridos de papel, foram escritos. O livro descrevia as aventuras de Kerouac e seu amigo Neal Cassady pelas estradas dos Estados Unidos. Era o final dos anos 40, o país vivia a euforia do pós-guerra e uma legião de jovens encontrava-se sem rumo. O jazz antecipava a revolução que seria incorporada pelo rock ´n roll e as drogas eram experimentadas em doses crescentes. A saga real de Kerouac e Cassady foi compartilhada com nomes como do poeta Allen Ginsberg e William S. Burroughs, mas todos tiveram seus nomes trocados por exigência das editoras.

O livro se tornou um marco da chamada "geração beat" e conquistou milhares de seguidores, imitadores e influenciou o movimento hippie dos anos 1960, assim como bandas de rock como "The Doors", nas letras de Jim Morrison. Francis Ford Coppola comprou os direitos para uma adaptação cinematográfica nos anos 80, mas só agora o filme foi feito, sob direção do brasileiro Walter Salles, que construiu uma carreira à base de "filmes de estrada" como "Central do Brasil" (1998) e, principalmente, "Diários de Motocicleta" (2004). Salles enfrentou uma tarefa inglória. Como agradar aos fãs de uma obra incensada por quase meio século? Exibido no último Festival de Cannes, "Na Estrada" foi em geral mal recebido pela crítica, com muitos torcendo o nariz para a visão de Salles das aventuras de Kerouac. Visto como cinema, colocando de lado toda a carga extra-filme que a história carrega, "Na Estrada" é uma obra tremendamente bem feita e ambiciosa. E o livro, sim, está na tela, em roteiro adaptado por Jose Rivera. Sal Paradise (o britânico Sam Riley, que foi Ian Curtis em "Control") é um aspirante a escritor que conhece o poético e hiperativo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, de "Tron - O Legado") na Nova York dos anos 1940. Moriarty inspira Paradise a por o pé na estrada e partir para o mítico Oeste americano, vivendo a vida no limite. Há cenas bastante parecidas com o livro de Kerouac, como a que mostra Moriarty estacionando carros em alta velocidade em seu emprego de manobrista, e a edição de François Gédigier (que montou "Dançando no Escuro", de von Trier) tenta emular a técnica do fluxo de consciência usada por Kerouac.

Kristen Stewart, bem longe de suas interpretações insípidas da saga "Crepúsculo", é a jovem musa de Moriarty (e Paradise), Marylou. Ela é uma das forças inspiradoras que movem o insaciável Dean Estados Unidos afora, para Denver, São Francisco e dezenas de outros lugares pelo caminho. A outra mulher na vida de Moriarty é Camille (Kirsten Dunst), com quem tem uma filha e constantes brigas. A direção de fotografia de Eric Gautier (que havia trabalhado com Salles em "Diários de Motocicleta") é ótima, e a reconstituição de época de "Na Estrada" é uma verdadeira máquina do tempo, transportando o espectador para bares de jazz esfumaçados, rodovias cheias de carros antigos, paradas e ônibus, estações de trem e campos de algodão dos anos 1940. O design sonoro também é inspirado; o som duro da terra caindo sobre o túmulo do pai de Sal Paradise, as gotas de água batendo no pára-brisas do veloz Hudson com o qual eles cruzam o país, a respiração febril de Paradise, doente, no México.

O filme é um pouco arrastado para um público acostumado a blockbusters. E Salles talvez tenha posto muita ênfase à parte sexual da aventura, embora se possa imaginar, no livro, que grande parte do tempo de Paradise foi, de fato, passado escutando os gemidos de alguma parceira de Moriarty. Tanto Kristen Stewart quando a brasileira Alice Braga aparecem nuas e em cenas de sexo "ousadas" para o padrão do cinema atual. O elenco ainda conta com algumas participações especiais, a melhor delas feita por Viggo Mortensen como Old Bull Lee (na verdade, William S. Burroughs), em uma sequência passada no Sul americano. A mais bizarra é protagonizada por Steve Buscemi, que Salles declarou, em entrevista, ter escalado pois "não existe filme independente sem Steve Buscemi".

Se "Na Estrada" faz jus à geração beat, à contracultura, aos anos 1960 e todo esse caldeirão cultural é discutível (e, provavelmente, impossível para um único filme); mas é bom cinema, com interpretações competentes e parte técnica impecável. Visto no Kinoplex Campinas.



sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Melancolia

"Melancolia" é uma criação estranha e bela do dinamarquês Lars von Trier. Ele tem uma legião de seguidores (e detratores) do seu cinema provocador e irregular, e gosta de ousar brincando com gêneros (o musical "Dançando no Escuro", o terror de "Anticristo") ou linguagens (o teatro filmado de "Dogville" e "Manderlay"). Com "Melancolia" ele cria uma obra inusitada, um "disaster movie psicológico". Algo como uma mistura entre o drama "Interiores", de Woody Allen e "Impacto Profundo", de Mimi Leder.

O filme é dividido em duas partes, "Justine" e "Claire", que são duas irmãs; a primeira parte se passa na festa de casamento de Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgård). A recepção ocorre em um casarão afastado da civilização, em meio a uma floresta e um campo de golfe. Justine é um poço de contradições. Em um momento aparenta estar feliz com seu casamento e no momento seguinte entra em um estado de profunda depressão. A mãe (Charlotte Rampling) não acredita em casamentos e destila seu veneno sobre a filha. O pai (John Hurt) é um piadista que está permanentemente bêbado e alienado aos humores da filha. A irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) mantém uma distância estudada do caos à sua volta, que ela tenta administrar organizando a festa de casamento, a irmã instável e o marido controlador, John (Kiefer Sutherland), que não cansa de dizer a fortuna que tudo aquilo está lhe custando. Nesta primeira parte, "Melancolia" se refere ao estado depressivo de Justine. É um "disaster movie" familiar, já que o casamento está em rota de colisão desde o primeiro minuto de projeção.

A segunda parte trata de Claire, que parece ser o lado mais centrado da família, mas as aparências enganam. Charlotte Gainsbourg, que já trabalhou com Trier em "Anticristo", é uma atriz fascinante; seu corpo pequeno e rosto quase infantil passam uma sensação de fragilidade que contrasta com a beleza sensual de Kirsten Dunst. A trama se passa na mesma casa da festa, talvez meses depois; Justine está no fundo do poço, tendo que ser cuidada como uma inválida pela irmã Claire e pelo cunhado John. Há uma quarta figura neste grupo fechado, Leo (Cameron Spurr), o filho pequeno de John e Claire. Chega a ser surpreendente o modo terno com que Trier apresenta o garoto, que é o próprio retrato na inocência. Na casa isolada estão todos pensando na mesma coisa: a aproximação de um planeta chamado Melancolia, que surgiu no Sistema Solar e, dizem os cientistas, vai passar muito próximo da Terra, sem causar danos. O que não impede de aterrorizar Claire, que acredita nos sensacionalistas da internet que dizem que Melancolia vai colidir com a Terra.

Trier se utiliza desta trama com moldes de ficção-científica para fazer um filme psicológico sobre as relações humanas e discutir nosso lugar no Universo. John (em boa interpretação de Sutherland) é o típico "homem renascentista", que tem fé na ciência e um entusiasmo quase infantil (que divide com o filho pequeno) com relação à Astronomia. Ele está constantemente acalmando Claire e agindo como se algo tão bonito e fascinante como Melancolia fosse incapaz de causar mal. Prático, ele compra mantimentos extras e iluminadores à gás para o casarão e passa horas com o filho observando o planeta por um telescópio no jardim. Há uma cena incrivelmente bela quando Melancolia surge no horizonte, como uma Lua gigantesca e azul, iluminando a noite com uma falsa alvorada. Mas será que o lindo planeta é mesmo inofensivo? Quanto mais ele se aproxima da Terra e dá sinais de que vai realmente colidir com o planeta, os personagens reagem de forma diferente. Justine, paradoxalmente, é a que enfrenta o destino de modo mais calmo, embora fatalista. "A Terra é má", diz ela. "Ninguém vai sentir nossa falta". Já Claire entra em desespero, preocupada com o destino do filho pequeno. John, o calmo homem da ciência, reage da forma mais egoísta de todos.

Tudo isso é filmado de forma extremamente bela. O início do filme é formado por vários planos em câmera lenta que mostram, de forma metafórica, tudo o que vai se seguir. Há uma cena de nudez de Kirsten Dunst, deitada na relva, observando Melancolia, que é como uma pintura. Todas estas cenas são acompanhadas do melancólico (com o perdão da palavra) tema de Tristão e Isolda composto por Richard Wagner. Pena que Lars von Trier, em uma atitude que lembra certas ações da personagem Justine, se boicotou durante o último Festival de Cannes, onde "Melancolia" foi exibido. Durante uma entrevista coletiva, Trier começou a divagar e, surpreendendo a todos, disse ser nazista e que "entendia Hitler". Ele foi expulso do festival (que premiou "A Árvore da Vida") e causou mal estar geral; há quem acredite que tenha sido um golpe de marketing. Independente disso, "Melancolia" é um filme bastante singular, de beleza ímpar.