Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Glass Onion: A Knives Out Mystery, 2022). Dir: Ryan Johnson. Netflix. Não é uma continuação, mas uma nova aventura do mesmo detetive de "Entre facas e segredos", sucesso surpreendente de 2019 escrito e dirigido por Ryan Johnson. O filme foi tão popular que a Netflix teria pago mais de 400 milhões de dólares pelos direito de duas novas "continuações", sendo que Daniel Craig e o diretor ficaram 100 milhões de dólares mais ricos.
Assim, "Glass Onion" é maior em absolutamente tudo quando comparado ao pequeno e charmoso filme anterior. Como diz o ditado popular, porém, tamanho não é documento. Enquanto "Entre facas e segredos" se passava em uma casa, em um ambiente mais "íntimo", "Glass Onion" exibe o orçamento inflado em tudo; a ação agora se passa em uma luxuosa ilha privada na Grécia, propriedade de um bilionário interpretado por Edward Norton. Ele convida para sua mega mansão um grupo de amigos compostos por uma política (Kathryn Hahn), um cientista (Leslie Odom Jr.), um youtuber (Dave Bautista), uma influencer da moda (Kate Hudson) e uma ex-sócia (Janelle Monáe). Claro que o detetive Benoit Blanc, interpretado por Daniel Craig de forma ainda mais afetada, também aparece para a festa.
A influência ainda é a escritora Agatha Christie, que escreveu o clássico "O Caso dos Dez Negrinhos", livro de 1939 em que um grupo de pessoas é convidado por um homem misterioso para passar um final de semana em uma ilha. "Glass Onion" é divertido, tem bom elenco e é muito bem filmado, mas acho que algo se perdeu no meio do caminho. Como disse, o charme inglês do filme de suspense anterior dá lugar a um cenário ensolarado, personagens histéricos e uma mansão digna de um vilão de James Bond (olá, Daniel Craig). A personagem mais interessante é a interpretada por Janelle Monáe, que está ótima. Daniel Craig está claramente se divertindo no papel, bem diferente do seu 007. Tecnicamente, direção de fotografia e direção de arte são ótimos, e há uma sequência passada no claro/escuro da mansão que é muito bem feita. Só que o filme tem 30 minutos além do necessário (coisa comum hoje em dia) e o roteiro substitui suspense por histeria e muita pirotecnia. Tá na Netflix.
Há um momento em "Birdman" em que o diretor de uma peça de teatro precisa substituir um ator e começa a sugerir alguns nomes como Michael Fassbender ou Jeremy Renner, entre outros, e descobre que estão todos ocupados fazendo filmes de super-heróis. Ele entra no camarim e vê Robert Downey Jr., na TV, dando uma entrevista sobre o novo "Homem de Ferro".
Este é só um dos vários momentos em que o extraordinário "Birdman" (que tem o subtítulo peculiar de "A Inesperada Virtude da Ignorância") toca em temas bastante pertinentes sobre o estado das coisas em Hollywood hoje. Dirigido pelo mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu, é pura metalinguagem, fotografado e montado de forma tecnicamente assombrosa.
O diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, famoso pelos longos planos-sequência que fez com Alfonso Cuarón em "Filhos da Esperança" e "Gravidade", leva o recurso às últimas consequências em "Birdman, que passa como se tivesse sido feito em um único plano, sem cortes de câmera. Pode parecer um detalhe gratuito, mas a forma tem ligação com o conteúdo, já que "Birdman" mostra os bastidores de uma peça de teatro. O plano contínuo faz com que o espectador se sinta parte da companhia teatral, participando dos ensaios, dos testes de figurino, montagem de cenários, etc, até o momento em que tudo tem que dar certo, ao vivo, diante da platéia. É emocionante.
A metalinguagem inclui a escolha de Michael Keaton para representar Riggan Thomson, um ator que havia sido um astro de Hollywood interpretando um herói mascarado no início dos anos 1990, assim como Keaton foi o "Batman" dos filmes de Tim Burton. Thomson está decadente há alguns anos e resolve apostar tudo na produção de uma peça de Raymond Carver ("De que falamos quando falamos de Amor") na Broadway, o templo do teatro de Nova York. A câmera onisciente de Lubezki acompanha os dias finais de ensaio que antecedem a grande estréia, que pode significar a glória ou o fracasso para Thomson e sua equipe.
Ele é o típico artista amargurado, constantemente inseguro do próprio talento e preocupado com seu legado. "Você sabia que Farrah Fawcett morreu no mesmo dia que Michael Jackson?", pergunta Thomson à ex-mulher. Seu alter ego, o personagem Birdman, fica conversando com ele em sua cabeça, lembrando-o constantemente de que é uma fraude. "Você não é um ator, é uma celebridade", lhe diz uma poderosa crítica do New York Times. (leia mais abaixo)
O elenco ainda conta com o ótimo Edward Norton ("A Última Noite"), que também parece uma versão caricata dele mesmo. Seu personagem, Mike Shiner, é um ótimo ator, metódico e aplicado, mas alguém com quem é difícil de se trabalhar. Emma Stone ("Amor a toda prova"), interpreta a filha de Thomson; Naomi Watts ("Você vai conhecer o homem de seus sonhos") é outra atriz amargurada que sempre sonhou em se apresentar na Broadway; Andrea Riseborough é a namorada atual de Thomson e o comediante Zach Galifianakis é seu agente e produtor.
O roteiro foi escrito por Iñarritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo, que tiveram não só que criar uma trama original mas ainda bolar uma maneira para que ela pudesse acontecer como em uma sequência contínua. É irônico como um filme tecnológico como este, que usa e abusa da manipulação da imagem digital e dos efeitos especiais, seja também uma crítica à Hollywood atual. Pelo menos dois personagens chamam os blockbusters de hoje, com suas cenas de explosões, tiros e sangue, de "pornográficos". Seria fácil para Riggan Thomson voltar a fazer seu personagem famoso e embolsar um cheque milionário, mas ele procura uma forma de ser novamente relevante (alguém se lembra de Harrison Ford, com quase 70 anos, voltando a interpretar Indiana Jones? E ele vai ser novamente Han Solo agora no final de 2015).
"Birdman" é ousado, tecnicamente brilhante e bastante relevante nos dias de hoje. O filme recebeu nove indicações ao Oscar e é o favorito ao prêmio principal, já que venceu a premiação do PGA, o sindicato dos produtores americanos (os últimos sete vencedores do PGA foram, também, vencedores do Oscar de Melhor Filme). Pessoalmente eu gostaria de "Boyhood" levasse o prêmio, mas "Birdman" é, sem dúvida, um dos melhores filmes do ano.
Se a vida como você a conhece fosse acabar amanhã, o que você faria? Monty Brogan (Edward Norton, de "O Grande Hotel Budapeste", sempre excelente) tem uma bela namorada, com o nome exótico de Naturelle Riviera (Rosario Dawson, "Sete Vidas"), tem dois amigos fiéis de longa data, Jake (Philip Seymour Hoffman) e Frank (Barry Pepper) e um pai amoroso (Brian Cox).
O problema é que Monty, um ex-traficante que tinha guardado no apartamento grande quantidade de dinheiro e entorpecentes, é visitado pela polícia uma noite. Eles encontram o material e Monty é condenado a sete anos de prisão. Ele ainda é jovem e, se sobreviver à prisão, ainda tem a vida pela frente, mas todos sabem que nada será como antes. Monty resolve passar sua última noite de liberdade farreando por Nova York com os amigos e com a namorada.
"25th Hour" (chamado no Brasil de "A Última Noite) é um filme feito pelo diretor americano Spike Lee em 2002 e está disponível agora no Brasil pela Netflix. O roteiro é baseado em um livro de David Benioff (um dos produtores de "Game of Thrones") e trata de amor, amizade, arrependimento e desconfiança. O filme foi feito pouco depois dos atentados às Torres Gêmeas de Nova York e Spike Lee usa a tragédia da cidade como pano de fundo para a tragédia pessoal de Monty. Os créditos iniciais se desenrolam sobre cenas dos destroços do World Trade Center, representado por fachos de luz. (leia mais abaixo)
Quem teria delatado Monty para a polícia? A culpa, muito provavelmente, é da namorada dele, mas por que ela teria feito isso? Seria ela uma simples interesseira? Como seus amigos estão lidando com a prisão dele? Barry Pepper, interpretando um corretor de Wall Street, mal consegue esconder a frustração com o amigo. Há uma longa cena, feita em um único plano, em que Pepper e Seymour Hoffman falam sobre a vida criminosa de Monty diante de uma janela que dá para os destroços do World Trade Center. "Eu o amo como amigo, mas ele é um traficante e merece ir para a cadeia", diz Frank. Hoffman interpreta um professor de literatura que é o protótipo do "virgem de 40 anos". Ele é incapaz de olhar diretamente nos olhos de outra pessoa e está fascinado com uma aluna de 16 anos que frequenta suas aulas (interpretada por Anna Paquin, da série "X-Men").
O filme tem belíssima direção de fotografia de Rodrigo Pietro ("O Lobo de Wall Street", "Argo") e ótima edição de Barry Alexander Brown, colaborador habitual de Spike Lee. Há cortes muito interessantes no filme, que repetem a ação dos personagens de um plano para outro ou quebram propositalmente o eixo de ação, desorientando o espectador. A trilha sonora de Terence Blanchard, apesar de muito boa, poderia ser menos presente, sendo exagerada em alguns momentos.
Há uma sensação palpável de tensão que cresce conforme vai chegando a hora de Monty ir para a prisão. Será que ele vai suportar sete anos atrás das grades? A namorada deve esperar por ele? Os amigos voltarão a vê-lo? Seria melhor, talvez, dar um tiro na cabeça e terminar com tudo antes?
Brilhante trabalho de direção e interpretação, "25th Hour" não deve ser perdido.
"O Grande Hotel Budapeste" é como uma daquelas bonecas russas, ricamente decoradas, que se abrem revelando outras bonecas dentro delas. A cada nova camada se descobre outra obra de arte ainda mais elaborada do que a anterior. É também uma declaração de amor à etiqueta, às boas maneiras, ao profissionalismo e uma Europa que, provavelmente, nunca existiu na verdade, a não ser como um ideal na cabeça de personagens como M. Gustave (Ralph Fiennes, extraordinário), concierge do "Grande Hotel Budapeste". Dizer que foi escrito e dirigido por Wes Anderson ("Moonrise Kingdom") se torna redundante a partir do primeiro frame do filme, que tem todas as características do estilo do diretor.
Anderson cria uma espécie de conto de fadas adulto, um roteiro francamente literário que começa com o busto de um "Autor" (interpretado por Tom Wilkinson quando velho e Jude Law quando mais moço). Ainda usando a imagem da boneca russa, a trama é contada em várias camadas, começando pelo Autor em 1985, passando por Jude Law na década de 1960 e finalmente retrocedendo até a década de 1930, no período entre guerras. Cada época é filmada em uma proporção diferente (2.35: 1, 1.85:1 e 1.37:1), em boa e velha película cinematográfica com ótima direção de fotografia de Robert Yeoman (habitual colaborador de Wes Anderson).
A parte principal da trama se passa nos anos 1930, quando o "Grande Hotel Budapeste" estava no auge do luxo e clientela. M. Gustave (Fiennes) é responsável não só por manter o hotel funcionando impecavelmente como também atende às hóspedes mais velhas com uma atenção especial; "Eu durmo com todas as minhas amigas", diz ele em dado momento. Uma das suas conquistas é a Madame D. (uma irreconhecível Tilda Swinton), que morre de forma misteriosa e deixa um quadro de valor inestimável a Gustave. Isso causa a ira do filho da Madame D., Dimitri (Adrien Brody), que conspira para enviar M. Gustave para uma prisão de segurança máxima, de onde ele vai tentar escapar com a ajuda de seu protegido, um mensageiro do hotel chamado Zero (o ótimo estreante Tony Revolori). É praticamente impossível falar muito sobre a trama, que envolve regras de etiqueta, o crescimento de uma nação fascista na Europa, honra entre ladrões, um elaborado plano de fuga e uma série incrível de personagens secundários. O elenco impressiona, com papéis coadjuvantes interpretados por nomes como F. Murray Abraham, Mathieu Almaric, Jeff Goldblum, Willem Dafoe, Harvey Keitel, Edward Norton, Bill Murray, Bob Balaban, Saoirse Ronan, Léa Seydoux, Jason Swartzman, Owen Wilson e vários outros atores.
É um filme de Wes Anderson, o que significa qualidade técnica impecável, quase obsessiva. A direção de arte é brilhante, fazendo bom uso de locações reais (filmadas na Alemanha e Polônia), estúdio e cenas de efeitos especiais envolvendo miniaturas e animação. A trilha sonora de Alexandre Desplat vai mudando e se adaptando praticamente a cada plano, acompanhando a narração. Wes Anderson tem tanto admiradores quanto detratores, e com este filme não vai ser diferente. Para mim, "O Grande Hotel Budapeste" é seu melhor filme, impecavelmente bem feito, divertido e inventivo ao extremo.