sábado, 31 de janeiro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Há um momento em "Birdman" em que o diretor de uma peça de teatro precisa substituir um ator e começa a sugerir alguns nomes como Michael Fassbender ou Jeremy Renner, entre outros, e descobre que estão todos ocupados fazendo filmes de super-heróis. Ele entra no camarim e vê Robert Downey Jr., na TV, dando uma entrevista sobre o novo "Homem de Ferro".

Este é só um dos vários momentos em que o extraordinário "Birdman" (que tem o subtítulo peculiar de "A Inesperada Virtude da Ignorância") toca em temas bastante pertinentes sobre o estado das coisas em Hollywood hoje. Dirigido pelo mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu, é pura metalinguagem, fotografado e montado de forma tecnicamente assombrosa.

O diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, famoso pelos longos planos-sequência que fez com Alfonso Cuarón em "Filhos da Esperança" e "Gravidade", leva o recurso às últimas consequências em "Birdman, que passa como se tivesse sido feito em um único plano, sem cortes de câmera. Pode parecer um detalhe gratuito, mas a forma tem ligação com o conteúdo, já que "Birdman" mostra os bastidores de uma peça de teatro. O plano contínuo faz com que o espectador se sinta parte da companhia teatral, participando dos ensaios, dos testes de figurino, montagem de cenários, etc, até o momento em que tudo tem que dar certo, ao vivo, diante da platéia. É emocionante.

A metalinguagem inclui a escolha de Michael Keaton para representar Riggan Thomson, um ator que havia sido um astro de Hollywood interpretando um herói mascarado no início dos anos 1990, assim como Keaton foi o "Batman" dos filmes de Tim Burton. Thomson está decadente há alguns anos e resolve apostar tudo na produção de uma peça de Raymond Carver ("De que falamos quando falamos de Amor") na Broadway, o templo do teatro de Nova York. A câmera onisciente de Lubezki acompanha os dias finais de ensaio que antecedem a grande estréia, que pode significar a glória ou o fracasso para Thomson e sua equipe.

Ele é o típico artista amargurado, constantemente inseguro do próprio talento e preocupado com seu legado. "Você sabia que Farrah Fawcett morreu no mesmo dia que Michael Jackson?", pergunta Thomson à ex-mulher. Seu alter ego, o personagem Birdman, fica conversando com ele em sua cabeça, lembrando-o constantemente de que é uma fraude. "Você não é um ator, é uma celebridade", lhe diz uma poderosa crítica do New York Times. (leia mais abaixo)


O elenco ainda conta com o ótimo Edward Norton ("A Última Noite"), que também parece uma versão caricata dele mesmo. Seu personagem, Mike Shiner, é um ótimo ator, metódico e aplicado, mas alguém com quem é difícil de se trabalhar. Emma Stone ("Amor a toda prova"), interpreta a filha de Thomson; Naomi Watts ("Você vai conhecer o homem de seus sonhos") é outra atriz amargurada que sempre sonhou em se apresentar na Broadway; Andrea Riseborough é a namorada atual de Thomson e o comediante Zach Galifianakis é seu agente e produtor.

O roteiro foi escrito por Iñarritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo, que tiveram não só que criar uma trama original mas ainda bolar uma maneira para que ela pudesse acontecer como em uma sequência contínua. É irônico como um filme tecnológico como este, que usa e abusa da manipulação da imagem digital e dos efeitos especiais, seja também uma crítica à Hollywood atual. Pelo menos dois personagens chamam os blockbusters de hoje, com suas cenas de explosões, tiros e sangue, de "pornográficos". Seria fácil para Riggan Thomson voltar a fazer seu personagem famoso e embolsar um cheque milionário, mas ele procura uma forma de ser novamente relevante (alguém se lembra de Harrison Ford, com quase 70 anos, voltando a interpretar Indiana Jones? E ele vai ser novamente Han Solo agora no final de 2015).

"Birdman" é ousado, tecnicamente brilhante e bastante relevante nos dias de hoje. O filme recebeu nove indicações ao Oscar e é o favorito ao prêmio principal, já que venceu a premiação do PGA, o sindicato dos produtores americanos (os últimos sete vencedores do PGA foram, também, vencedores do Oscar de Melhor Filme). Pessoalmente eu gostaria de "Boyhood" levasse o prêmio, mas "Birdman" é, sem dúvida, um dos melhores filmes do ano.

João Solimeo
Câmera Escura

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